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FORMAÇÃO DE PROFESSORES: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

Vanessa Fagundes Siqueira
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Brasil
Mara Elisângela Jappe Goi
Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Brasil

FORMAÇÃO DE PROFESSORES: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

Revista Conexão UEPG, vol. 16, núm. 1, pp. 01-16, 2020

Universidade Estadual de Ponta Grossa

Recepção: 09 Abril 2019

Aprovação: 09 Agosto 2019

Resumo: Neste trabalho, apresenta-se um estudo da metodologia de Resolução de Problemas na formação de professores de Ciências da Natureza, bem como o aprofundamento de seus aspectos pedagógicos e metodológicos, procurando-se entender as fragilidades e potencialidades dos professores ao implementarem a metodologia na Educação Básica. Os dados foram levantados em um curso de extensão universitária na Universidade Federal do Pampa (Unipampa) com 7 professores de Ciências da Natureza em formação inicial e continuada. Para isso, procurou-se analisar e identificar as dificuldades e capacidades dos professores ao implementarem problemas nos contextos escolares. As atividades desenvolvidas no curso e os momentos de cooperação em grupo fizeram com que os docentes refletissem sobre suas práticas e demonstrassem o aprimoramento de outras habilidades importantes para o trabalho docente. Assim, constata-se que o desenvolvimento de metodologias alternativas de ensino, como a Resolução de Problemas, em curso de formação docente contribui para o aperfeiçoamento profissional.

Palavras-chave: Formação de professores, Resolução de problemas, Metodologia ativa, Ensino de ciências.

Abstract: This work presents a study on the Problem Solving methodology in the initial education of teachers of natural sciences, as well as the deepening of its pedagogical and methodological aspects. This research seeks to understand teachers' weaknesses and strengths when implementing the methodology in elementary education. The data were collected in a university extension course at the Federal University of Pampa (Unipampa) with 7 teachers of Natural Sciences in initial and continuous education. To reach the objectives, the study identified and analyzed teachers' difficulties and potential when implementing problems in the teaching context. The activities developed during the course, as well as the moments of group cooperation led those those teachers to reflect on their practice and helped them improve other relevant abilities as teachers. Therefore, the results point out that the development of alternative teaching methodologies, such as the Problem Solving method, during teachers' initial education contributes to their professional excellence.

Keywords: Teacher education, Problem solving, Active methodology, Science teaching.

Introdução

A iniciativa em realizar pesquisa sobre Resolução de Problemas na Formação de Professores emergiu de discussões na formação inicial e continuada de professores do município de Caçapava do Sul/RS, em parceria com a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), na qual os formadores são docentes. Experiências semelhantes ofertadas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sinalizam que os professores não apresentam uma base conceitual mínima para o trabalho com a metodologia de Resolução de Problemas em seus contextos escolares (GOI, 2014).

Ao realizar a formação, percebeu-se que o desenvolvimento da metodologia depende do conhecimento do professor acerca da mesma, e que se faz relevante que o docente esteja apto para conduzir os estudantes, visto que o trabalho acerca desta estratégia metodológica exige uma gama de procedimentos, como: experimentação, pesquisa, equipes colaborativas de trabalho, bem como a organização e elaboração dos problemas para que atendam às necessidades formativas dos estudantes. Assim, esses aspectos corroboram para perceber o papel da formação docente para o desenvolvimento de metodologias alternativas de ensino.

É comum encontrar problemas sociais e tecnológicos a serem solucionados no dia a dia das pessoas (GOI, 2004). Nessa perspectiva, se faz necessário potencializar nos alunos a aptidão de formular hipóteses, desenvolvendo o senso crítico, para que consigam enfrentar e resolver situações-problema no contexto escolar e no cotidiano (GOI, 2004). Nesse sentido, é fundamental que o professor esteja preparado para trabalhar com propostas alternativas de ensino, por isso é importante a formação docente.

Dessa maneira, Soares e Pinto (2001, p.l) argumentam que, ao se ensinar por meio da metodologia de Resolução de Problemas, os estudantes podem ter a capacidade de fazer escolhas e chegar a respostas aos problemas que os cercam, "ao invés de esperar uma resposta já pronta dada pelo professor ou pelo livro-texto". Por meio do exposto, percebe-se que os discentes podem desenvolver sua cognição, aprimorando, consequentemente, sua capacidade de apreender.

Para Goi (2004), um problema caracteriza-se como algo novo, que deve surpreender o aluno, que pode ser eficiente para desenvolver competências nos estudantes. Porém, isso dependerá exclusivamente do sentido, objetivo e forma com que o professor possa guiar as atividades. Desse modo, é necessário que o docente esteja capacitado a formular, a apropriar e a selecionar problemas, além de apresentar e incentivar o trabalho no contexto escolar. Nesse viés, a formação de professores dá amparo para que os docentes aprendam a desenvolver metodologias como, por exemplo, a Resolução de Problemas, além de dividirem com outros professores seus anseios e dúvidas encontradas em sala de aula, caracterizando-se como um ambiente de reflexão e aprimoramento pedagógico.

Neste trabalho, apresentam-se as reflexões dos docentes em grupo de formação a partir do processo de implementação da metodologia de Resolução de Problemas nos contextos escolares. As atividades foram realizadas durante um curso de extensão universitária de 50 horas, ofertado pela Unipampa, campus Caçapava do Sul, RS. Este curso faz parte de um projeto de pesquisa denominado "Fundamentos para o emprego da metodologia de Resolução de Problemas na Educação Básica". O curso de extensão contou com sete professores, sendo cinco em formação continuada e dois em formação inicial, todos da área de Ciências da Natureza.

Nesse sentido, busca-se ressaltar a importância da metodologia de Resolução de Problemas e averiguar as potencialidades e dificuldades que os professores têm ao implementar esta estratégia metodológica na Educação Básica. Desse modo, o presente trabalho é um recorte de um projeto de pesquisa que está sendo implementado na Unipampa e tem por objetivos: (i) Analisar e categorizar os problemas elaborados pelos docentes durante o curso de formação; (ii) identificar as dificuldades e capacidades dos professores ao produzirem problemas da área de Ciências da Natureza; (iii) identificar a potencialidade da implementação da metodologia de Resolução de Problemas na Educação Básica por meio dos relatos dos professores em curso de formação.

Neste trabalho, serão tratados os aspectos sinalizados a partir da reflexão em curso de formação, destacando-se a etapa de implementação dos problemas pelos professores da Educação Básica nos contextos escolares.

Aprofundamento teórico: Formação de Professores e Resolução de Problemas no Ensino de Ciências

Desde as últimas décadas, as mudanças sociais e os problemas no contexto escolar vêm sendo intensificados (FRISON, 2012). Para a autora, esses fatores levam a crer que a formação pedagógica, tanto inicial quanto continuada, precisa ser repensada e adaptada às transformações da sociedade, bem como superar os impasses encontrados neste ambiente, levando em consideração as necessidades dos professores e alunos, almejando um ensino mais qualificado.

No âmbito da formação inicial de professores, identifica-se que os currículos dos cursos de licenciatura encontram-se fragmentados em disciplinas. Assim, "os currículos de formação têm-se constituído em um aglomerado de disciplinas, isoladas entre si, sem qualquer explicitação de seus nexos com a realidade que lhes deu origem" (PIMENTA; LIMA, 2006, p.6). Esta separação pode impossibilitar o vínculo entre os componentes curriculares e a realidade escolar. Compreende-se, então, que os saberes construídos na graduação se limitam, muitas vezes, a saberes disciplinares.

Corroborando com estas ideias, Tardif (2000) destaca o modelo "aplicacionista" presente nos cursos de formação inicial, durante os quais as áreas que compõem os programas são expostas distintamente, como já destacado por Fazenda (2015). Nessa configuração, Tardif (2000) argumenta que o licenciando tem contato com as diferentes áreas do conhecimento de modo separado. Esse aspecto corrobora para que ele acabe tendo dificuldade de articular essas áreas no momento dos estágios e, posteriormente, em sua carreira docente.

Frente aos problemas supracitados relacionados à formação inicial de professores e que dizem respeito à falta de políticas que beneficiem os docentes e a comunidade escolar, percebe-se que a universidade não possui sustentação suficiente para a demanda das práticas docentes (VELOSO, 2015). Com intuito de minimizar lacunas como as citadas anteriormente, o autor destaca que a formação continuada de professores chega com o propósito de formar um profissional investigador da sua própria prática, assegurando a melhoria de estratégias didáticas para superar as dificuldades encontradas no cotidiano escolar. Assim, para Dourado (2015, p. 307), cabe às entidades de Educação Básica e também aos núcleos de formação de Estados e Municípios, ofertar a formação continuada: "[...] as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) reconhecem esse lócus de formação continuada como parte constitutiva da nova política que se quer consolidar no país."

Percebe-se a necessidade de pensar e estruturar os cursos de formação continuada juntamente com os docentes que participarão dessas propostas, pois estes podem ser desenvolvidos na perspectiva da realidade, abordando os problemas vividos no contexto escolar e no município ao qual pertencem (SOUZA, 2007, FONTANA; FAVERO, 2013). Afinal, "Perspectivar a formação de professores num quadro paradigmático reflexivo é criar as condições para que tal aconteça" (LEITÃO; ALARCÃO, 2006, p.67).

Assim, "a formação continuada de professores pode propiciar o desenvolvimento das potencialidades de cada um, o que requer o desenvolvimento de si próprio como pessoa" (ABREU, 2006, p.23). Porém, a formação continuada de professores nem sempre

foi pensada com o intuito de fornecer aos docentes aprimoramento profissional juntamente ao pessoal, pois, inicialmente, era vista apenas na perspectiva da racionalidade técnica. Veloso (2015) argumenta que a formação continuada era tratada como um ''treinamento'', uma oportunidade de os professores "reciclarem" suas técnicas. Para o autor, este método de formação, pautada em técnicas, objetiva a transmissão de métodos, como se o docente contasse com uma ''receita", tendo apenas um caminho ''mecânico" a seguir para os desafios encontrados na sala de aula.

Outro aspecto sinalizado por Libâneo e Pimenta (1999) constitui-se na ideia de que a formação continuada pode ser realizada na universidade articulada à formação inicial, pois ao estimular cursos que unam os professores da Educação Básica juntamente aos licenciandos e docentes do Ensino Superior, incentiva-se uma melhor reflexão e discussão sobre as atividades desenvolvidas na escola.

Com esse viés, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) dão destaque à indispensabilidade de sistematizar e institucionalizar os cursos formativos (DOURADO, 2015). Para o autor, o processo de formação pode ser pensado e realizado mediante a interação entre a universidade e as escolas de Educação Básica, realizado através do envolvimento "de Fóruns Estaduais e Distrital Permanentes de Apoio à Formação Docente [...]" (DOURADO, 2015, p.307). Estas ações têm como objetivo a cooperação, bem como reconhecimento, através da aproximação com Instituições de Ensino Superior, e podem ser realizadas por meio de cursos de extensão, utilizando-se materiais desenvolvidos durante ações de pesquisa, como textos e artigos (ABREU, 2006).

Este aspecto caracteriza-se como uma alternativa viável para a superação da separação existente entre as colaborações feitas na pesquisa em educação e o seu emprego para a melhoria da sala de aula, já destacadas por Schnetzler (1996). Assim, é possível que o professor da Educação Básica possa aplicar, no espaço escolar, as pesquisas e os estudos desenvolvidos na academia.

No que se refere aos cursos de extensão universitária, Ferraz et al. (2017) explicam que, no âmbito da formação de professores, eles caracterizam-se como um desafio da atualidade, em que surgem com intuito de fornecer aos professores a chance de aprimorar "o estudo e reflexão sobre os condicionantes didáticos, sociais e políticos, assim como éticos e estéticos que configuram a formação docente e, por conseguinte, a organização da sua prática" (FERRAZ et al., 2017, p.391).

Em consonância com essa ideia, percebe-se a necessidade de desenvolver a prática reflexiva nos professores (NÓVOA, 1992; CARDOSO, 2002). Para Nóvoa (1992), a formação de professores não se constitui apenas pela acumulação de conhecimentos e técnicas, e sim pela estimulação de um trabalho de reflexão e da critica sobre a própria prática. O autor complementa que se deve encorajar a concepção crítico-reflexiva, para que se instigue os docentes a tomarem-se profissionais independentes, capazes de buscar conhecimento, levando, assim, à autoformação. Nessa perspectiva, toma-se indispensável promover os cursos de formação continuada, mediante propostas cuja finalidade seja estimular a reflexão crítica e o desempenho profissional, com vistas à preparação do professor para a construção de sua identidade docente (DOURADO, 2015).

Sabendo da importância dos cursos de formação para potencializar a ação reflexiva do docente e do aprimoramento do processo de ensino e de aprendizagem por meio de diferentes estratégias didáticas, o curso de formação debatido neste trabalho é balizado na metodologia de Resolução de Problemas.

Pensar em um currículo voltado para a Resolução de Problemas representa idealizar uma educação que objetiva utilizar situações abertas a ponto de provocar nos estudantes a tentativa de chegar a estratégias apropriadas, que ofereçam respostas às questões escolares, assim como do cotidiano do aluno (ECHEVERRÍA.; POZO, 1998). Para os autores, percebe­-se, por meio do exposto, que a Resolução de Problemas é fundamental nas diversas áreas do currículo.

Nesse sentido, a Resolução de Problemas caracteriza-se como uma metodologia ativa, na medida em que envolve os alunos durante o desenvolvimento das atividades, para que sejam os principais responsáveis por suas aprendizagens (VALENTE et al., 2017).

Dessa forma, esta estratégia metodológica tem por objetivo estimular nos alunos a capacidade de entender como ocorrem as mudanças em seu dia a dia, de modo a compreender o mundo em que vive, bem como perceber as contribuições do desenvolvimento tanto científico quanto tecnológico, sejam elas positivas ou negativas para o cotidiano deste individuo, tomando-se capaz de intervir sobre questões deste gênero (BATINGA, 2010).

A Resolução de Problemas como metodologia de ensino "permite o trabalho pedagogicamente orientado com situações instigantes (problemas), a construção de concepções científicas adequadas e o desenvolvimento de atitudes científicas [...]" (GOI, 2014, p.31). Assim, para que os discentes utilizem, em seu cotidiano, os conceitos científicos compreendidos durante a resolução de um problema, é necessário intensificar o uso da metodologia na formação científica (POZO, 1998).

Vasconcelos et al. (2012) explicam que esta metodologia pode desenvolver a comunicação, a qual conduz, principalmente, para o pensamento crítico, promovendo no aluno a capacidade de tomar decisões. Nesse sentido, percebe-se que a abordagem baseada em problemas promove a aquisição de conhecimento durante o decurso da atividade, além do mais, facilita a utilização dos conceitos escolares no ambiente em que o discente está inserido, mostrando-se uma metodologia que promove o ensino e a aprendizagem de forma integrada e contextualizada (SOUZA; DOURADO, 2015).

Leite e Esteves (2006) salientam que a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) caracteriza-se como uma metodologia de ensino que induz os alunos ao aperfeiçoamento intelectual, à medida que desenvolve, através do trabalho em conjunto, a comunicação, a socialização, o apoio entre colegas e o respeito mútuo. Dessa forma, ao solucionar problemas, o discente pode ir adiante do aprimoramento cognitivo desenvolvido durante a formulação de hipóteses, ele também abarca valores afetivos e sociais importantes, pois, ao socializar com os demais alunos, surge um ambiente propicio à discussão, no qual o discente acaba por aprender a ouvir e a refletir sobre diferentes pontos de vista, contribuindo, assim, para sua autoestima (BATINGA, 2010).

Por meio desta estratégia metodológica, o aluno desenvolve a capacidade de construir caminhos que o leve à construção de conhecimento, e de demonstrar esse processo construtivo, por meio de atitudes, conceitos, argumentos e exemplificações estruturadas durante a intervenção com professores e colegas (COSTA; MOREIRA, 2001). Assim como ocorre nos processos investigativos, as respostas obtidas pelos alunos podem levar a novos problemas, fazendo-se necessário que os estudantes e os professores considerem esse entendimento como, um aspecto importante da Resolução de Problemas, dando enfoque à criatividade (GIL PEREZ et al., 1992).

Dessa forma, é relevante que o professor leve em consideração a participação dos discentes durante o processo de investigação para resolver um problema, dando atenção para as ações realizadas na elaboração da resposta durante o processo e, ainda, é preciso que o docente dê importância não somente ao seguimento do trabalho, mas também pela forma com que os discentes raciocinam, bem como pela capacidade de resolver problemas e elaborar caminhos para soluções (WILSEK; TOSIN, 2012). Para esses mesmos autores, a compreensão dos conceitos abordados na escola, junto ao entendimento de métodos para a construção de conhecimento são viabilizados quando se utilizam atividades envolvendo investigação.

É relevante destacar que, cabe ao professor, apto para desenvolver a metodologia, a função de conduzir os alunos, de forma a qualificá-los a desenvolver, através da pesquisa, a capacidade de elaborar caminhos para resolver problemas (PEDUZZI, 1997). Para Lopes (1994), o entendimento sobre problema de investigação didática é difícil e precisa, principalmente, da interpretação teórica de quem o observa, levando em consideração diversos fatores para resolvê-lo, como: o enredo do problema, as técnicas de abordagem necessárias, as possíveis soluções, entre outras. Todavia, o autor menciona que os problemas podem ser considerados "algo em que não se conhece a resposta nem se sabe se existe - possuem vários níveis de complexidade - podem possuir modelos diversos no formato tradicional de papel e lápis.. (LOPES, 1994, p.24). Desse modo, percebe-se a dimensão de fatores envolvidos na solução de problemas.

No entanto, Pozo (1998) especifica que uma situação só será considerada um problema quando for reconhecida como tal. Assim, um problema, na visão do autor, é caracterizado na dimensão em que não se obtêm processos imediatos que possibilitem solucioná-lo de forma rápida, sem que o aluno tenha a necessidade de refletir ou de tomar decisões a respeito de como proceder para obter uma resposta à determinada indagação (POZO, 1998).

Na interpretação de Lopes (1994), um problema pode ser utilizado para aprimorar estratégias de raciocínio, possibilitar o desenvolvimento de conceitos e conhecimentos, enquanto exercícios devem ser usados para instrumentalizar determinado conteúdo, aprimorar técnicas, regras, leis, além de exemplificar conteúdos escolares. Da mesma maneira, pode-se ressaltar que, por meio da Resolução de Problemas, é possível extinguir o imediatismo e incitar a reflexão e o entendimento das circunstâncias, fatos que não são vistos ao se resolver exercícios (LOPES, 1994).

Em consonância com o exposto, Pozo (1998) ainda argumenta que, quando o aluno tem contato com uma atividade pela primeira vez, essa pode se caracterizar como um problema, mas na medida em que o professor repete a mesma atividade diversas vezes, o aluno acabará concebendo este trabalho como um exercício. Assim,

Quando a prática nos proporcionar a solução direta e eficaz para a solução de um problema, escolar ou pessoal, acabaremos aplicando essa solução rotineiramente, e a tarefa servirá, simplesmente, para exercitar habilidades já adquiridas (POZO, 1998, p. 17).

Percebe-se que é provável ocorrerem situações em que uma determinada circunstância seja vista como um problema por um aluno, da mesma forma que, para outro estudante, seja apenas um exercício (POZO, 1998). Para o autor, esse fato dependerá do interesse do aluno pela situação, se ele já criou, em outra situação, um caminho para resolvê-la, qualificando-o apenas como um exercício, assim como dos conhecimentos prévios obtidos através das vivências do aluno que está desenvolvendo a atividade.

Para Costa e Moreira (1997), quando as atividades escolares são conduzidas em circunstâncias objetivas e fechadas, induzem os discentes a desenvolverem suas atividades de maneira automática, sem que seja necessário buscar por informações, formular hipóteses, fazer associações, ou seja, com uma necessidade mínima de envolver­ se no processo. Quanto mais abertas ou novas forem as atividades envolvendo problemas, maior será o aprimoramento cognitivo do aluno, visto que os problemas abertos são considerados uma potencialidade para a construção do conhecimento, além de relacionar outros contextos, influenciando o aluno a se tornar protagonista de seu aprendizado (POZO, 1998).

Ao desenvolver a metodologia de Resolução de Problemas no ambiente escolar, a longo prazo, faz com que os alunos se acostumem a solucionar problemas e formular estratégias. Assim, com intenção de viabilizar este processo, é interessante trabalhar com os discentes a Resolução de Problemas desde a educação primária até os anos finais da Educação Básica (COSTA; MOREIRA, 1997).

Segundo Lopes (1994), a Resolução de Problemas é constituída de fases em que a solução não se dá de forma linear e sequencial. No entanto, para viabilizar este trabalho, é possível fornecer indicações e técnicas gerais que guiem o aluno durante o processo de resolução, como já destacado por Zuliani e Angelo (2001). Pozo (1998, p.26) revela que, na aplicação desses procedimentos, não será necessário que o indivíduo disponha de regras, "mas também dependem [...] da estrutura da tarefa e das instruções que a acompanham''.

A metodologia de Resolução de Problemas pode ser realizada de diferentes formas, podendo ser utilizada atividades de cunho experimental ou, até mesmo, atividades simples de lápis e papel (CLEMENT; TERRAZZAN; NASCIMENTO, 2003). Dessa maneira, os autores argumentam que a metodologia é relevante para desenvolver vários benefícios no indivíduo, visto que, para solucionar um problema, ele precisará interpretar e utilizar suas vivências.

Caminho metodológico e contexto da pesquisa

A ação de formação foi realizada com 7 professores de Ciências da Natureza, identificados pela letra D, seguida pelas letras em ordem alfabética de A ao G, sendo 5 em formação continuada e 2 em formação inicial. No Quadro 1, a seguir, destacam-se informações dos professores que participaram da ação extensionista.

Quadro 1 - Professores Extensionistas.
Quadro 1 - Professores Extensionistas.
Fonte: As autoras.

A extensão teve duração de 50 horas e os encontros aconteceram presencialmente e semanalmente. Parte deles ocorreu na Unipampa e a outra parte em escolas públicas dos municípios de Caçapava do Sul/RS, Vila Nova do Sul e Santa Maria. A formação foi realizada em três módulos, sendo que, no primeiro, contabilizou 30 horas, e os segundos e terceiro módulos, 10 horas cada um. No primeiro módulo, os professores responderam a um questionário inicial sobre Resolução de Problemas e foi realizado um estudo teórico sobre a metodologia, aprofundando-se questões epistemológicas, psicológicas e pedagógicas.

Em um segundo módulo, os professores produziram os seus problemas em curso de formação e foram avaliados pelos professores formadores, bem como implementaram em seus contextos de salas de aula. E, no terceiro e último módulo, os professores apresentaram as propostas implementadas em curso de formação, em que foram realizadas reflexões sobre a prática de resolver os problemas e implementá-los. Neste artigo, trabalha-se de forma mais aprofundada os dados do terceiro módulo relacionados à análise das argumentações dos professores sobre a implementação dos problemas na Educação Básica durante a ação extensionista.

Os encontros de formação foram gravados em áudio e transcritos para a compilação dos resultados, sendo estes autorizados pelos professores por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Também foram realizadas anotações em diário de bordo, que, para Porlán e Martin (1994), se caracteriza como um método no qual o pesquisador descreve suas observações, conclusões e compara informações, de modo que torna-se possível detectar problemas e evidenciar as ideias do pesquisador através da utilização do diário de bordo como orientador da atividade de pesquisa.

A partir da análise do diário de bordo e transcrições dos áudios das reflexões dos professores em curso de formação, emergiram categorias de análise, a saber: 1) Dificuldades em trabalhar com a metodologia de Resolução de Problemas na Formação de Professores; 2) Habilidades desenvolvidas pelos professores na Formação.

Essas categorias foram analisadas através da análise de conteúdo de Bardin (2011), que, para o autor, se torna necessário saber por qual razão se analisa e se explicita, de modo que se possa saber como analisar. Dessa forma, tratar o material é codificá-lo e isso corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto, através de recortes, agregações e enumerações que permitem atingir uma representação de conteúdo ou de sua expressão.

Discussões de resultados: Relato dos professores em curso de formação

Nesta seção, apresentam-se as categorias que emergiram a partir da análise das transcrições dos áudios sobre as implementações dos problemas na Educação Básica.

(1) Dificuldades em trabalhar com a metodologia de Resolução de Problemas na Formação de Professores

Durante a plenária de relatos dos docentes sobre as implementações na Educação Básica, dos problemas produzidos durante a formação, destacam-se diversas dificuldades no trabalho com Resolução de Problemas, como: dificuldade para guiar os problemas, para desenvolver um trabalho em grupo, na realização de pesquisas e interpretações, falta de hábito em resolver problemas, dificuldades em promover a experimentação, bem como a falta de tempo para cumprir o currículo escolar.

Nos relatos, alguns docentes mencionam certa dificuldade em guiar os problemas sem fornecer respostas imediatas às questões levantadas pelos alunos, que, segundo os docentes, demonstram-se pouco autônomos e impacientes para buscar soluções apropriadas para os problemas propostos. Como evidenciado no excerto abaixo:

Aí nesse momento a gente tem que se cuidar muito, eu como professor, por que a gente está habituado muito a dar respostas. Então, isso é um problema do professor, eu acredito né, quando a gente tá começando a gente tem essa dificuldade porque é muito do o aluno faz uma pergunta e a gente já dá uma resposta. Aquilo parece e está automático, então a gente tem que se policiar, muitas vezes pra não acontecer isso daí (DB).

Verifica-se, por meio da fala do docente D8, que os alunos parecem estar habituados a ter respostas prontas dos docentes. Este aspecto revela que os professores almejam ter alunos independentes e que busquem pelas respostas às questões que os inquietam, porém, não propiciam aos estudantes este tipo de atitude, fornecendo-lhes respostas, sempre que solicitadas. Nesse sentido, a Resolução de Problemas contribui para que professores e alunos consigam superar estes aspectos, na medida em que exige que o docente auxilie sem interferir na busca dos discentes por repostas. Tal aspecto é destacado no referencial teórico por Lopes (1994), quando argumenta que, por meio do trabalho com Resolução de Problemas, é possível minimizar com o imediatismo do aluno em querer respostas às suas indagações, possibilitando compreender e refletir sobre os problemas que terá que enfrentar.

A falta de autonomia dos alunos também foi sinalizada pelos docentes durante os seus relatos sobre o desenvolvimento de atividades experimentais. Assim, mencionam, em suas falas, aspectos relacionados à dificuldade de trabalhar com problemas envolvendo experimentação:

[...] todos os grupos fizeram atividade experimental, foi mais difícil pra mim, pra eles eu achei mais fácil, por que assim ó, o que eu combinei com eles, que eles tinham que demostrar, fazer uma atividade prática, podia ser na sala de aula ou no laboratório mas o laboratório é bom é de eles iriam querer ir pro laboratório, tudo bem, só que assim, eles não fizeram nada, eles só trouxeram uma folhinha me dizendo o que eles precisavam, eu preciso disso, disso, disso e disso. Aí eu passei de grupo em grupo, recolhi uma folhinha antes, com o que vocês precisam, aí eu recorro pro estagiário[...] (DA).

Não teve nenhum que não apresentou nada, mas teve alguns que não apresentaram da forma que eu gostaria. Por exemplo, grupos não apresentaram a experimentação, que era o que eu tinha pedido, ninguém apresentou a experimentação. Mas apresentaram da forma escrita, o que gostariam de ter feito, ou que não deu certo, ou o que não conseguiram fazer. Mas eles têm dificuldade de fazer essa parte experimental, né [...] (DB).

Os excertos indicam que a falta de autonomia dos alunos dificulta o trabalho experimental e, com isso, sobrecarrega os professores. Apenas a Docente DE destacou não ter encontrado dificuldades com os problemas experimentais, destacando que seus próprios alunos organizaram os materiais e reagentes. A docente argumenta que os alunos já estão acostumados a organizarem-se desta forma, o que vem ao encontro de Clement, Terrazan e Nascimento (2003), quando apontam que a metodologia de Resolução de Problemas pode ser realizada de diferentes formas, podendo ser utilizada atividades de cunho experimental. Por outro lado, os demais docentes precisam estruturar as estratégias para aperfeiçoar o uso da experimentação no contexto escolar e isso já foi identificado em outros trabalhos, como aponta Goi (2004).

Outra dificuldade evidenciada está relacionada à organização do trabalho em grupo, visto que duas docentes descrevem que, durante as atividades, alguns alunos demonstraram-se mais unidos e receptivos, mas outros apresentaram-se dispersos, não conseguindo desenvolver um trabalho conjunto nas equipes colaborativas. Os relatos dessas docentes parecem indicar que esta falta de organização dos alunos pode estar relacionada à falta de hábito em desenvolver este tipo de tarefa. Como leva a entender a fala da docente: "é mais fácil trabalhar com eles individualmente" (DB). Mesmo sabendo que é mais fácil trabalhar individualmente, a docente aponta que é relevante organizar equipes de trabalho, respeitando a opinião do outro, desenvolvendo trabalhos em equipes colaborativas, como já destacado por Pozo (1998).

Desse modo, evidencia-se que, por meio da metodologia desenvolvida em curso de formação, os professores necessitam promover o trabalho em grupo na escola. Para Leite, Esteves (2006) e Batinga (2010), as atividades em conjunto, desenvolvidas durante a Resolução de Problemas, são importantes para os alunos aprimorarem, principalmente, a capacidade de comunicação, debate, reflexão, respeito com opiniões divergentes e socialização (LOPES, 1994; POZO, 1998; GOI, 2004)

Os docentes ressaltam dificuldades, por parte dos alunos, em realizar pesquisas e interpretar a linguagem trazida nos problemas, mesmo após algumas explicações dos docentes, isso já foi apontado nos trabalhos de Goi (2004, 2014):

[...] o primeiro material que eu peguei da pesquisa eu quase chorei, me deu uma decepção, eu peguei o primeiro material e trouxe pra professora orientadora. Eu disse, professora eu trouxe meu primeiro material, eles não pesquisaram, sabe o que eles fizeram? Eles fizeram uma folhinha, com uma capinha, ai na folhinha com capinha dizia os principais poluentes que tinha. Ali, na cidade não tem esgoto? Então, e os resíduos de esgoto, das cozinhas, os metais tóxicos, eles citaram aquilo ali, tá, tá mas onde tá? Há não sei, onde é encontrado? Nas águas! (DA)

[...]- mas professora, o que eu vou fazer aqui? -Gente, vocês têm que ler, tem que interpretar, o que o experimento tá pedindo. Essa dificuldade que eles têm até eles se concentrarem, até eles interpretarem. As vezes eles lendo eles não entendem o que tá pedindo, ai se você ler eles têm aquela facilidade [...] (DE).

Conforme as falas das docentes DA e DE, parece que essas dificuldades podem estar relacionadas com a falta de hábito dos alunos em realizar o trabalho de pesquisa e interpretação, o que acarreta a falta de habilidade em proceder durante este trabalho. Percebe-se a necessidade de os docentes fornecerem aos estudantes, com mais frequência, este tipo de atividade, bem como trazer explicações sobre os aspectos necessários para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa. Assim, Peduzzi (1997), Echeverria e Pozo (1998) reforçam essa ideia ao sinalizar que o professor deve conduzir os alunos para desenvolverem a habilidade de pesquisa para que, assim, consigam encontrar hipóteses para solucionar uma situação-problema.

A falta de hábito em enfrentar situações-problema esteve frequentemente presente nas reflexões dos professores. Os docentes relatam que, embora os problemas fossem organizados a partir dos referenciais de Bruner (1966), levando em consideração que os mesmos devem ser produzidos em uma ordem gradual de dificuldade conceitual, os alunos apresentam dificuldades para desenvolver os problemas propostos. Essa dificuldade parece diminuir na medida em que os alunos avançaram na resolução para os próximos problemas. Mediante este aspecto, compreende-se a indispensabilidade de o docente desenvolver de forma rotineira a metodologia, a fim de que alcance melhores resultados, como já observado em Gil Pérez et al. (1992), Echeverria e Pozo (1998), Soares e Pinto (2001), Costa e Moreira (2001), Goi (2004), Batinga (2010) e Wilsek e Tosin (2015), quando reconhecem a importância de incentivar, nos alunos, o hábito e a postura de encontrar respostas para os problemas.

Os docentes foram unânimes sobre as dificuldades encontradas durante a implementação da proposta de Resolução de Problemas e sobre o longo tempo para desenvolver a metodologia em sala de aula. Esta afirmação pode ser identificada na fala da Docente DA:

[...] o que eu senti, em primeiro lugar, eu não sei se podem ser três problemas, para trabalhar com uma turma grande, tipo essa minha, de repente só dois problemas no bloco, que eu não levaria o tempo tão extenso, e apesar do conteúdo também que eu trabalhei separação de misturas que pegou toda uma questão de Geografia, mas mesmo assim, dentro da química a gente não tem tempo paras aulas, então eu acho que deveria ser problemas que levem ao próximo conteúdo ou menos problemas, tipo dois pra gente dar um tempo e depois trabalhar novamente com problema, pra gente vencer o conteúdo de Química [...].

[...] é que quem trabalha na disciplina de Química no segundo ano, elas não retornam ao conteúdo do primeiro, não retoma, não tem tempo, é uma sequência, então assim a gente faz o possível para que ele tenha uma noção de todo conteúdo, pelo menos a parte fundamental, então, pra mim, eu acho que é uma questão de responsabilidade, que eles saiam com uma noção até porque o professor não vai trabalhar o que eu não trabalhei, então é nesse sentido.

[...] Agora eu já iria ajudar mais ainda. Mediar mais ainda, porque eu ganharia um pouco de tempo, mesmo direcionando um pouco mais, mesmo não deixando eles fazer sozinhos, mas eu ganharia tempo [...]. Eu vou recuperar, é claro que eu vou recuperar.

É evidente a preocupação dos docentes em ''vencer o conteúdo" e cumprir o currículo escolar. Assim, percebe-se que, para o professor, se faz necessário que os alunos trabalhem com todo o conteúdo que está no currículo, mesmo que seja tratado de forma aligeirada, como revelam as pesquisas de Schnetzler (1996). Em concordância, um professor formador destaca: "nós temos que dar tudo, ainda que não se aprenda nada. Enquanto na verdade, deveria se dar apenas um pouco, mas que se aprenda tudo daquele pouco." (Professor formador). Outra professora formadora aponta:

Mesmo que seja de qualquer jeito, mas tem que vencer o conteúdo e na verdade você ganhou com isso, porque você trabalhou com tema transversal, trabalhou em grupo, trabalhou com laboratório, trabalhou com a cooperação, coisas que com outro conteúdo linear você não iria conseguir (Professora formadora).

Portanto, observa-se que as dificuldades dos docentes para o desenvolvimento da ação metodológica são diversas, mas através dos relatos parecem reconhecer a necessidade de enfrentar e superar essas dificuldades, a fim de que o trabalho com Resolução de Problemas seja eficaz. Dessa forma, ainda se evidenciam habilidades demonstradas pelos docentes durante o curso de formação, em que serão analisadas e debatidas na categoria de análise a seguir.

(2) Habilidades desenvolvidas pelos professores na Formação

Os encontros de formação possibilitaram momentos importantes de aperfeiçoamento do trabalho docente, na medida em que foi possível evidenciar várias habilidades nos docentes, reforçando as ideias já citadas por Libâneo e Pimenta (1999), Tardif (2000), Abreu (2006), Pimenta e Lima (2006), Ferraz et al. (2017), Frison (2012), Veloso (2015) e Dourado (2015), ao mencionarem que a formação de professores tem o viés de contribuir para o desenvolvimento profissional.

Nesse sentido, dentre as habilidades demonstradas pelos docentes através de suas falas, pode-se citar: a prática reflexiva e autonomia sobre as atividades docentes, a utilização da teoria aprendida no referencial do curso de formação durante a prática desenvolvida em sala de aula, o desenvolvimento de trabalho interdisciplinar e momentos de socialização / troca de experiência em conjunto. Essas habilidades são fortemente estudadas e discutidas por Schnetzler (1996), Libâneo e Pimenta (1999), Tardif (2000), Pimenta e Lima (2005), Souza (2007), entre outros.

A reflexão docente se faz na conformidade em que o professor percebe a indispensabilidade de fazer escolhas e repensar suas práticas (NÓVOA, 1992; LIBÂNEO; PIMENTA, 1999; PIMENTA; LIMA, 2006). Essa necessidade foi igualmente percebida nos relatos dos docentes sobre suas intervenções, como demonstrado nos excertos a seguir:

[...] se eu fizesse de novo os problemas, eu iria direcionar mais ainda, eu iria fazer a primeira leitura né eu deixei eles lerem no grupo, cada grupo lê o seu, cada grupo via o que tinha que fazer, eu iria deixar eles fazerem essa primeira parte e eu ia fazer uma primeira parte já nesse primeiro dia [...] (DA).

Ia conversar mais sobre os objetivos, e orientar melhor, deixar mais claro pra eles o meu objetivo de repente não ficou tão claro (DB).

Compreende-se, nas falas, que os docentes refletiram sobre aspectos de sua prática docente e sobre as dificuldades da implementação da metodologia de Resolução de Problemas. Essas dificuldades estão relacionadas ao trabalho em grupo, pesquisa, interpretação, experimentação, entre outros aspectos. Percebe-se que essas ações necessitam do esforço do docente para serem aplicadas em seus contextos de salas de aulas, fazendo com que repensem e tomem decisões sobre suas ações e, assim, consigam guiar seus alunos. Isso já foi sinalizado em outras pesquisas, como em Pozo (1998), Leite e Esteves (2006), Vasconcelos et al. (2012), Souza e Dourado (2015), e Valente et al. (2017).

Na organização dos problemas desenvolvidos em sala de aula, percebe-se que os docentes utilizaram os referenciais teóricos estudados durante a formação, visto que deram inicio aos seus relatos contando ao grupo os passos organizados para implementação dos problemas. A explanação das propostas desenvolvidas nos contextos escolares revela que os docentes guiaram os estudantes, por meio da leitura dos problemas, organização de momentos de pesquisa em livros e acesso à Internet, discussões em plenária, questionamentos sobre as dúvidas levantadas pelos alunos, planejamento para o desenvolvimento de atividade prática e sistematização dos resultados com a elaboração de relatórios.

Desse modo, é possível perceber que seguiram uma sequência didática baseada nas ideias de Zuliani e Ângelo (2001) e Pozo (1998). Assim, parece que os docentes fizeram uso da teoria tratada durante o curso de formação durante suas práticas de sala de aula, pois esta sequência foi trabalhada no curso de aperfeiçoamento. Para Leitão e Alarcão (2006), Fontana e Fávero (2013), na medida em que os professores criam a habilidade de utilizar a teoria em suas práticas, poderão transformar a realidade escolar, através de um trabalho mais objetivo e orientado.

Os docentes pareceram preocupados em desenvolver um trabalho interdisciplinar, voltado para realidade social dos alunos. Deste modo, o curso de formação, aliado à metodologia de Resolução de Problemas, contemplou aspectos das DCNs (DOURADO, 2015), como mencionados neste trabalho. Esta preocupação em abordar a interdisciplinaridade pode ser justificada devido ao caráter interdisciplinar, incentivado pelos cursos de formação de professores da Unipampa, campus Caçapava do Sul, visto que alunos e professores das disciplinas de Química, Física, Matemática e Ciências da Natureza geralmente organizam seus trabalhos em conjunto, favorecendo uma perspectiva interdisciplinar. Corrobora-se assim, com as ideias de Fazenda (2015), quando afirma que a atitude e postura interdisciplinar adotada pelos professores será viabilizada devido à cultura do lugar onde eles se formam.

O curso de formação parece ter proporcionado momentos enriquecedores no grupo colaborativo, na medida em que os extensionistas debateram, trocaram experiências e aprendizados, divergiram de opiniões, levantaram ideias e realizaram associações. Esta troca de experiências pode ser percebida no trecho a seguir:

[...] é, a gente achou bonito, achou legal aquele trabalho que a Docente C trouxe, e a Docente E fez a mesma coisa, ai a gente achou legal, ai a Docente C nos disse, não, então, já vamos começar a organizar nosso material em cima disso; já vamos começar a elaborar problemas com desenhos, ai eu imprimi no papel foto, ilustrado, em uma folha grande,. ai eles ficam grandes né pro grupo, aí eles acham bem bonitinho, dai é- uma briga quem é que fica do grupo, eu disse quem trabalha mais[...] (DA)

O excerto sinaliza que os docentes parecem aprender uns com os outros, de modo a aprimorarem seus conhecimentos, e que, ao mesmo tempo em que eram alunos, constituíam-se também como formadores, lembrando, assim, as ideias de Nóvoa (1992). Percebe-se que esses momentos se fazem importantes quando desenvolvidos através de debates e trabalho em grupos colaborativos, pois auxiliam no processo de reflexão, durante o percurso formativo, como mencionado neste trabalho por autores como Schnetzler (1996), Tardif (2000), Souza (2007), entre outros.

Considerações finais

Mediante o trabalho realizado, destaca-se a importância do desenvolvimento de curso de formação aliado a metodologias alternativas de ensino, como a Resolução de Problemas, uma vez que as atividades propostas na formação fizeram com que os docentes saíssem da rotina que estavam habituados, enfrentando obstáculos e situações novas. Evidencia-se que, durante o uso dessa estratégia metodológica no contexto de sala de aula, os docentes devem ter uma postura ativa durante o processo. Deste modo, a formação docente, quando desenvolvida mediante ações que conduzam o professor a uma prática docente de forma ativa, "com atuação e sobre sua ação", conseguirá alcançar melhores resultados (FONTANA; FÁVERO, 2013, p.13).

No que se refere à implementação da metodologia na Educação Básica, pode-se perceber que os docentes constataram diversas dificuldades envolvidas durante o processo. Esse aspecto fez com que os docentes reconhecessem a necessidade de repensar suas práticas. Deste modo, a Resolução de Problemas no Ensino de Ciências necessita que os professores desenvolvam estratégias para superar as dificuldades encontradas durante o processo, e, assim, viabiliza-se o trabalho acerca da ação metodológica. Para Cardoso (2002, p.4), a prática docente necessita de comprometimento, de modo que essas dificuldades devem servir "de estímulos para se exercer da forma mais plena possível a função docente, pois esta função implica envolvimento total e que pode começar pela busca de melhores condições de trabalho, tentando minimizar esses problemas contidos na profissão [...]".

Outro ponto a ser ressaltado refere-se ao aprimoramento do trabalho docente. Pode-se perceber que as atividades realizadas durante a formação oportunizaram a articulação entre teoria e prática em sala de aula, através do aprofundamento teórico sobre a ação metodológica, seguido das intervenções na Educação Básica, e, ainda, o reconhecimento da importância do trabalho interdisciplinar, da realização de discussões de cunho social, ainda, da realização de discussões e troca de experiências entre os docentes (LIBÂNEO; PIMENTA, 1999; PIMENTA; LIMA, 2006; FAZENDA, 2015).

O curso de formação parece contribuir para aperfeiçoar os conhecimentos dos docentes, oportunizado em diversos momentos, através de discussões, estudos, troca de experiências, explicações entre professores da Educação Básica, licenciandos e professores do ensino superior. Isso corrobora com a articulação entre a Educação Básica e a Educação Superior, como já sinalizado por Libâneo e Pimenta (1999) e Abreu (2006). Por meio do exposto, percebe-se que o trabalho desenvolvido oportunizou o aprimoramento de habilidades nos docentes com vistas a uma melhoria na qualidade de ensino, bem como para a superação de dificuldades encontradas na prática docente.

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