Artigos
Recepção: 18 Maio 2019
Aprovação: 09 Setembro 2019
DOI: https://doi.org/10.5212/Rev.Conexao.v.16.13710.008
Resumo:
Emanuelle Caires Dias Araújo Nunes
Sabrina Oliveira Reis
Juliana Xavier Pinheiro da Cunha
Chrisne Santana Biondo
Este artigo trata de um relato de experiência que teve como objetivo descrever a implementação do Cuidado-Transpessoal a um sistema familiar que vivencia a hospitalização paliativa oncológica. A experiência descrita advém de ação extensionista do Agrupamento Multidisciplinar de Acolhimento à família, realizada por acadêmicos de enfermagem e psicologia, a qual ocorre em um hospital geral de referência de três meses, direcionada a uma família que enfrentava o internamento oncológico paliativo. Os resultados envolveram a investigação familiar, seguida de diagnósticos e implementações elaboradas ao encontro das necessidades de cuidado transpessoal identificadas: uso de imagens mobilizadoras da expressão de sentimentos - cuidado emocional; uso de imagens referentes a fatos e mitos relacionados à patologia - ação educativa orientada ao cuidado intelectual; togue/massagem de conforto - cuidado físico; perguntas reflexivas e música - cuidado espiritual. O acolhimento à família em hospitalização paliativa oncológica encontra efetividade em ações de cuidado sistematizado e ampliado à luz da abordagem sistemática-transpessoal.
Palavras-chave: Oncologia, Família, Relações comunidade-instituição, Empatia.
Abstract: This article is an experience report describes the implementation of Transpersonal Care to a family system experiencing palliative oncological hospitalization. The experience described is part of an outreach action of the Multidisciplinary Family Welcoming Group carried out by Nursing and Psychology undergraduate students. The three-month action provided to a family facing palliative oncological hospitalization took place in a referral general hospital. The results involved researching the family followed by diagnoses and actions to meet the following transpersonal care: the use of images to stimulate the expression of feelings - emotional care; the use of images related to facts and myths about the pathology - educational action oriented to intellectual care; touch/comfort massage - physical care and reflective questions and music - spiritual care. Welcoming families in palliative oncological hospitalization is effective in systematized care actions and it is expanded in the light of the systemic-transpersonal approach.
Keywords: Oncology, Family, Community-institution relationships, Empathy.
Introdução
O câncer é visto como uma doença crônica e estigmatizante, que na descoberta do diagnóstico traz, ao paciente e à família, reflexões acerca da sua fragilidade e finitude. Não obstante os avanços no processo de tratamento, melhoria na taxa de sobrevida e melhor qualidade de vida, ainda é considerado como uma doença dolorida e fatal. Neste contexto, observase que a família se reorganiza para o cuidado da pessoa doente, de acordo com as novas necessidades, permeadas por sentimentos de angústia e incerteza quanto ao futuro do ente querido, podendo contribuir para enfrentamento ineficaz, risco que deve ser observado pela equipe de enfermagem (FERRAZZA et al., 2016).
O cenário de incertezas e sofrimento toma-se ainda mais penoso e delicado quando a pessoa doente recebe um prognóstico de terminalidade. Neste caso, a família começa a perspectivar a perda do ente querido, iniciando um processo de luto que vai se desenvolvendo em muitas fases a serem enfrentadas e ressignificadas, tais como: negação da doença culturalmente relacionada à morte; raiva, tanto pela doença quanto pelos tratamentos invasivos e mutiladores; barganha; depressão e necessidade de desenvolvimento da espiritualidade para se obter conforto e desenvolver força e esperança durante o enfrentamento (KÜBLER-ROSS, 2017). Deste modo, se faz importante que o paciente e família tenham acompanhamento e suporte para lidar com a doença e as situações que podem surgir no percurso, e que toda a família tenha atenção especializada neste momento (GARCIA; DAIUTO, 2016).
Assim, sugere-se à enfermagem o investimento em estratégias de acompanhamentos interdisciplinares, que possibilitem o cuidado integral a toda a família. Neste sentido, a abordagem transpessoal representa possibilidades oportunas de acompanhamento às famílias, fazendo a diferença, sobretudo em situações adversas, como na hospitalização. Destaca-se a importância do uso do Genograma e Ecomapa no prontuário hospitalar, para que a equipe conheça a família e possa individualizar e planejar uma assistência ampliada a todo o sistema (NUNES et al., 2016).
O Pensamento Sistêmico para cuidar da família se origina da Teoria Geral dos Sistemas, postulada pelo biólogo Ludwig Von Bertalanffy, que admite os sistemas vivos como uma totalidade interdependente. Desta forma, pensar sistemicamente compreende sujeito e objeto como partes de um todo, o que perspectivado sobre o sistema familiar revela a interdependência das pessoas que compõem a família, fazendo perceber que eventos adversos, como a doença e a morte, incidem sobre todos os membros do sistema e somente serão enfrentados ou superados na interação resiliente entre eles (WRIGHT; LEAHEY, 2012).
Com base nesse raciocínio, buscou-se a associação do Cuidado Sistêmico ao Cuidado Transpessoal de Watson, no intuito de acolher as necessidades da família de maneira mais integral. A Teoria do Cuidado Transpessoal, atualmente chamada de Caritas Process pela autora Watson, se fundamenta nos 10 fatores de cuidado que perspectivam alcançar as demandas físicas, intelectuais, emocionais e espirituais do ser cuidado (WATSON, 2008).
Estes fatores são: sistema de valores humanistico-altruista; estimulação da fé e esperança; cultivo da sensibilidade para si e para o outro; desenvolvimento de confiança no processo de ajuda/cuidado; promoção e aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos; utilização do conhecimento cientifico de forma sistemática e criativa; promoção do ensino-aprendizagem transpessoal; provisão de um ambiente de apoio mental, social, espiritual; assistência com vistas à satisfação das necessidades humanas; permissão de fatores existencial-fenomenológicos (WATSON, 2008).
Assim sendo, a convergência entre estes aportes teóricos têm sido utilizada pelo projeto extensionista Agrupamento Multidisciplinar de Acolhimento - AMA: Ação de Ensino-Pesquisa-Extensão ao cuidado da família que enfrenta o risco de morte no contexto hospitalar, vinculado ao Instituto Multidisciplinar em Saúde da Universidade Federal da Bahia, Campus Anísio Teixeira (IMS-UFBA-CAT) nas suas ações desenvolvidas interdisciplinarmente por estudantes de enfermagem e psicologia, junto às famílias que vivenciam o luto durante a hospitalização (NUNES et al., 2016).
A implementação de ações de cuidado, diferenciadas e viáveis, baseadas nos aportes mencionados, surgiu como uma proposta sistematizada, oportuna ao acolhimento destas famílias em suas mais amplas necessidades. Neste contexto é que emergiu a inquietação por compartilhar esta exitosa experiência, cuja relevância se assenta na possibilidade de fomento à temática do cuidado à família no ambiente hospitalar, configurando um desafio para a equipe de enfermagem, sobretudo no contexto da oncologia.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo é descrever a implementação do Cuidado Transpessoal a um sistema familiar que vivenda a hospitalização paliativa oncológica.
Metodologia
Trata-se de um estudo qualitativo do tipo relato de experiência, desenvolvido em um hospital do sudoeste da Bahia. O referido hospital acolhe, em suas dependências, uma unidade de alta complexidade em oncologia, onde os pacientes são acompanhados.
A experiência relatada ocorreu no setor de internamento clínico, em uma enfermaria de quatro leitos, com uma família acompanhada semanalmente pelo projeto AMA durante o período de três meses, sendo esta escolhida como caso ilustrativo da experiência que é desenvolvida com outras famílias no cotidiano das ações extensionistas e por ter sido a primeira a completar o ciclo de cuidados planejados.
O projeto atua no espaço hospitalar durante oito horas semanais, divididas em dois dias fixos. Durante estes períodos, famílias que se enquadrem no critério de inclusão, de ter um ente querido em processo de morte ou em risco para, são abordadas. O primeiro contato é mediado por um folder explicativo que é apresentado a cada família recrutada, para formalizar o convite e adesão desta. No caso de seu aceite, inicia-se um processo de visitação continuada com a coleta da investigação familiar, por meio do uso de instrumentos como Genograma, Ecomapa, Ciclo de Vida Familiar de Duvall, Apgar Familiar de Smilkstein e Círculo de Thrower (SILVA et al., 2012).
O genograma é a construção de uma árvore familiar, sendo necessário no mínimo três gerações; nesse momento, pode-se visualizar os aspectos familiares relacionados com processo saúde-doença, ocupação, religião, relacionamentos, sejam eles positivos ou negativos, já o ecomapa avalia as relações do familiar com outros contatos, que não necessariamente da família. Os dois instrumentos são avaliados pelo impacto visual (SOUZA et al., 2010). Esses foram construídos de maneira interligada, por meio do software GenoPro 2019.
O software GenoPro 2019 está disponível gratuitamente através do endereço eletrônico www.genopro.com e consiste em uma ferramenta de apoio à construção digital de genogramas associados a ecomapas, permitindo ao pesquisador uma apresentação visual mais organizada deste instrumento.
O Círculo de Thrower avalia as pessoas mais próximas ao indivíduo, avaliando suas funções no contexto familiar, ao passo que o Ciclo de Vida Familiar de Duvall analisa as fases de vida familiar, observando sua evolução e crescimento, classificando em qual dos oito estágios o familiar se encontra (NUNES et al., 2016).
O apgar familiar, por outro lado, é um questionário de cinco perguntas, que avalia a adaptação, participação, crescimentos, afeição e resolução familiar. O somatório vai de zero a dez pontos e as famílias poderão ser classificadas como família funcional (7-10) ou família disfuncional (< 6). Para a família disfuncional, a classificação varia em leve (> 2 e< 7) e disfuncional grave (2) (SOUZA et al., 2012).
Mediante esta investigação, são identificados diagnósticos subjetivos relacionados ao enfrentamento da família, os quais direcionam para ações planejadas e individualizadas de acordo com as demandas de cada uma. O acompanhamento acontece por meio de prontuário familiar elaborado e preenchido pelos integrantes do projeto, sendo registrado todo o processo de cuidado realizado com cada família, inclusive a avaliação. Assim, as famílias anuentes, mediante livre consentimento ao acompanhamento pelos integrantes do AMA, são investigadas, diagnosticadas, acolhidas e avaliadas de forma sistematizada. Neste sentido, elas participam da estratégia de cuidado que será relatada a seguir e se pauta no planejamento de contemplar as quatro necessidades de cuidados, inspirados na abordagem transpessoal: Cuidado físico; Cuidado emocional; Cuidado espiritual e Cuidado intelectual.
Foram respeitadas as exigências contidas na Resolução N° 466 de 2012, referente à proteção em pesquisa científica que envolve seres humanos, em cumprimento à sua autonomia e liberdade (BRASIL, 2013). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, CAAE: 041300915.0.0000.5556.
Resultados
Investigação Familiar
O paciente da família acompanhada é do sexo masculino, possui 62 anos, lavrador, ensino fundamental incompleto, residente e domiciliado em uma cidade do interior da Bahia. Hospitalizado em enfermaria coletiva, com diagnóstico principal de câncer de esôfago e diagnósticos secundários de Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus em Cuidados Paliativos.
O paciente realizava quimioterapia como tratamento paliativo e apresentava-se emagrecido, lúcido, orientado e pouco comunicativo. Estava em uso de sonda nasogástrica para alimentação por recomendação médica e uso de suplemento para reestabelecer o estado nutricional. Fazia uso de medicações para controle da diabetes e hipertensão, além de sintomáticos prescritos na unidade de internamento.
Essa família foi classificada como extensa, pois possui uma configuração ampliada. Professam a religião Evangélica. Quanto à etapa do ciclo de vida familiar de Duvall, encontra-se em etapa mista, enfrentando a saída dos filhos de casa, mas ainda com filhos adolescentes em idade escolar; segundo o Apgar Familiar de Smilkstein, enfrenta disfunção familiar moderada, ao tempo em que o Circulo de 1brower revela que o familiar principal/acompanhante (cunhado) tem pouco apoio dos demais membros da família, por conta de que trabalhar para manter o sustento antes provido por ele e pelo paciente, apenas a filha mais velha divide, nos finais de semana, o acompanhamento do pai (sujeito E). Sua queixa principal foi ansiedade e preocupação.
O Genograma e Ecomapa da família seguem apresentados na Figura 1. O senhor J.B é o familiar hospitalizado, foi casado duas vezes, do primeiro casamento teve dois filhos com os quais têm relações interrompidas, assim como com a ex-mulher; atualmente convive com a esposa C e com os cinco filhos deste segundo casamento. Estava sendo acompanhado por seu cunhado, o senhor A, que trabalha como porteiro em uma escola à noite. O senhor A é a pessoa índice da família, quem resolve todas as demandas familiares. Os principais vínculos de apoio neste momento são de poucos familiares, da igreja e da equipe hospitalar.
Diagnóstico Familiar
Durante o período de acompanhamento, foi possível identificar no familiar principal os problemas/necessidades a seguir: preocupação; sobrecarga; desvio de função familiar; dificuldade de recursos financeiros para manutenção dos demais membros da família; impotência diante da necessidade de procedimentos particulares inacessíveis às condições da família; sono conturbado; vínculos fragilizados nos membros da família; necessidade de diálogo; medo da evolução negativa do quadro do parente; saudade dos filhos; cansaço físico e ansiedade.
Planejamento dos Cuidados
A equipe do projeto reuniu os diagnósticos e realizou um Brainstorming, a fim de enumerar possibilidades de intervenção direcionadas às necessidades e que fossem capazes de contemplar todas as dimensões das necessidades de cuidados desta família à luz do referencial da abordagem da transpessoalidade. Desta discussão grupal surgiram as estratégias implementadas, descritas abaixo.
Implementação dos Cuidados
Cuidado Emocional - Consistiu na utilização de figuras de expressões faciais identificadas, respectivamente, com cada tipo de estado emocional: feliz, cansado, triste, esperançoso, desanimado, irritado, surpreso, temeroso, confiante, decepcionado, ansioso, satisfeito, animado e saudoso. O objetivo do uso destas cartas foi favorecer a expressão dos sentimentos positivos e negativos do familiar, oportunizando uma escuta terapêutica.
Durante o cuidado, as figuras escolhidas pelo familiar foram: confiante, triste, cansado e medo. O familiar conseguiu perceber nele mesmo que, apesar de estar triste e com medo, estava muito emocionado e confiante de que tudo daria certo.
Cuidado Espiritual - Consistiu em oferecer um presente que continha perguntas reflexivas descobertas gradativamente: 1. Este presente você recebeu de uma pessoa muito especial e que está te ajudando muito neste momento. Quem é essa pessoa? I 2. Se no momento você pudesse receber qualquer presente, qual seria? I 3. Você tem fé em... I 4. Sua esperança está em... 15. Escolha uma música que te faria bem agora. Assim, após responder às perguntas de forma reflexiva, a pessoa submetida à dinâmica ouve a música escolhida, através do acesso à internet. A dinâmica oportunizou ao familiar refletir que sua fé já esteve abalada, mas que neste momento ela se fortalecia de modo que mobilizava nele a esperança pela cura do seu pai e pelo resgate da rotina de toda a família. Ao final do cuidado, o familiar relatou a importância daquela reflexão, sugerindo ao grupo realizar a mesma intervenção com o acompanhante ao lado.
Cuidado Intelectual - Consistiu em uma ação educativa sobre as doenças do familiar internado: câncer, diabetes e hipertensão. Para realização desta ação, foi elaborada uma apostila de estudo prévio para os integrantes do projeto se apropriarem com segurança sobre a definição, fatores de risco, sintomas, complicações, diagnóstico, tratamento e condutas de autocuidado apropriadas ao caso.
A dinâmica consistiu em oferecer ao familiar figuras de mitos e verdades a respeito da patologia, as quais o familiar relacionava com o caso do paciente, possibilitando, com base nesta dinâmica, discutir sobre o que é verdadeiro ou falso no saber popular, esclarecendo possíveis dúvidas sobre a patologia escolhida, a fim de oportunizar um maior conhecimento à família sobre a doença. Ao final, o familiar agradeceu pelo cuidado intelectual, pois esclareceu algumas dúvidas, gerando mais segurança no acompanhamento de seu ente querido.
Cuidado Físico - Este cuidado era composto de materiais que possibilitassem a essa família o cuidado do corpo, tais como: massagem relaxante, alongamento, cuidados estéticos não invasivos ou outros viáveis que poderiam ser sugeridos pelo familiar. O familiar escolheu a massagem relaxante, pois estava cansado e tenso devido ao fato de também não ter dormido bem à noite. Logo após o cuidado, afirmou se sentir bem melhor.
Avaliação da proposta
Ao final da implementação dos quatros cuidados, o familiar fez o seguinte relato, que foi considerado com a sua avaliação da experiência:
Eu me senti amparado, né, nesse período que a gente fica aqui é muito difícil porque a gente vê muitos cuidados com o paciente, e esses cuidados são muito importantes, porque a gente vê que o paciente precisa, mas o acompanhante também fica abalado. Ontem mesmo eu tava falando com as meninas, faleceu um rapaz ali, então, assim, ontem eu não tava, mas o paciente que estava antes dele eu tava, e a gente presencia tudo isso, é muito forte a cena né, a gente vê a pessoa chegando, conhece a pessoa, vai ter alta vai pra casa e, de repente, você vê a pessoa, se apega com os outros acompanhantes; aí, de uma hora pra outra, a pessoa começa a passar mal e já vem a equipe de saúde com aquele carrinho, aquela coisa todinha, entendeu? Então, a mente da gente fica abalada e aí, nesse período, foi bom esse acompanhamento que vocês fizeram, porque o cuidado também deve ser para os acompanhantes, entender o lado do acompanhante, então, a gente vai pra casa mais forte, sabendo que toda semana vai ter aquele cuidado com a gente, e saber que tem alguém pra acompanhar ouvir a gente, entendeu? Teve um fortalecimento, né, saber que tem alguém que se preocupa com seu estado, então, as contribuições foram essas, a gente vem, é uma motivação, entendeu? Pra ajudar a passar os dias com mais força, um amparo de saber que tem alguém te ouvindo, alguém preocupado, de estar cuidando de sua parte física, intelectual, espiritual, então eu senti isso, amparo, cuidado, que Deus abençoe todos vocês (Familiar Principal).
Discussão
Os resultados demonstram como a sistematização da assistência à família no hospital também é oportuna e relevante, revelando desde a investigação transpessoal, o quanto pode ser compreendido da dinâmica da família no processo de interação e cuidado estabelecido entre a enfermagem, o paciente e sua família. O olhar sistêmico ampliou a visão sobre o contexto, as potencialidades e as dificuldades enfrentadas no período, favorecendo um planejamento mais assertivo, direcionado às demandas familiares. Complementarmente, a sensibilidade transpessoal contribuiu com essa diferenciada estratégia, ao organizar de modo multidimensional as ofertas de cuidado, desenvolvendo ações simples, viáveis de serem replicadas em qualquer cenário e que representam uma criativa possibilidade de intervenção familiar, capaz de transformar a experiência do sistema durante o árduo processo da hospitalização.
Deste modo, os 10 fatores de cuidado propostos pela Teoria Transpessoal convergiram nesta proposta ao cuidado, ao implementarem as dimensões emocional, espiritual, intelectual e física apenas do familiar que acompanhava o paciente periodicamente.
Na implementação do Cuidado Emocional, foi possível alcançar os fatores: Fator 5. Promover e aceitar a expressão de sentimentos positivos e negativos, que significa estar presente, oferecendo suporte para a expressão de sentimentos como uma ligação mais profunda com o próprio espírito, alcançando o ser para o cuidado; e Fator 4: Desenvolver confiança no processo de ajuda/cuidado, ou seja, o cuidado nas relações humanas, favorecendo um vínculo autêntico e de confiança (WATSON, 2008).
Associado ao Cuidado Espiritual, foi possível acolher os fatores: Habitar a fé e a esperança, que significa ser autenticamente presente, manter e honrar a fé e a esperança, com profunda convicção do sistema interior subjetivo de si próprio e do outro no mundo; e, 10. Considerar a dimensão existencial fenomenológica: favorecer abertura aos aspectos espirituais, desconhecidos da dimensão existencial da vida-morte, enxergando o sofrimento, de modo a permitir/conceber a possibilidade de um milagre (WATSON, 2008).
Na implementação do Cuidado Intelectual foi possível agregar os fatores: 6. Utilizar conhecimento científico de forma sistemática e criativa, através da problematização/resolução no processo de cuidado: uso criativo do ser para todas as formas de conhecer-ser-fazer; e, 7. Promover ensino-aprendizagem transpessoal: ou seja, desenvolver um processo educativo a partir das experiências no contexto da relação cuidar-assistir, considerando o significado subjetivo de cada uma, buscando adequar à linguagem de maneira individualizada no sentido de envolver/instruir, indo além da convencional transmissão de informações (WATSON, 2008).
Os Cuidados Físicos, por sua vez foram inspirados no fator 9. Satisfação das necessidades humanas básicas, que busca prestar assistência com atenção às necessidades básicas, a partir da ação de cuidar-tocando e trabalhando com o outro, considerando as suas necessidades pessoais elementares (WATSON, 2008).
Ao tecer tais cuidados ao sistema familiar no hospital, representado pelo acompanhante, o enfermeiro se lança em uma posição de centralidade no cuidado integral que deve ser cultivado não somente no cenário da atenção primária à saúde, mas em qualquer espaço de relacionamento com a família, o que é compreendido de forma bastante clara a partir do referencial sistêmico utilizado, no qual não se pode cuidar do paciente sem acolher a sua família na perspectiva da totalidade.
O enfermeiro tem um papel central de cuidado também na vida do familiar cuidador. Sobre este, pesam atitudes de acolhimento e comunicação para ajustar-se ao novo papel e poder tomar decisões de forma mais segura. Nesse sentido, destacam-se entre as necessidades da familia que podem ser minimizadas pelo enfermeiro, a promoção de conhecimento e aprendizagem para o autocuidado decorrentes da transição para o novo papel de cuidador, além do cuidado emocional enquanto fonte importante de suporte para o desempenho da nova e desafiadora função (FERNANDES; ANGELO, 2016).
Nessa perspectiva, o enfermeiro deve ir além das técnicas direcionadas ao paciente, ao encontro de um relacionamento de vínculo e empatia para cuidar também da família, respeitando os valores inter-subjetivos inerentes de cada ser. Assim, a Teoria do Cuidado Transpessoal é capaz de proporcionar uma metodologia valiosa no aprimoramento do cuidado de enfermagem por sua natureza ampliada que preconiza as necessidades do ser humano, referentes ao todo: mente-corpo-alma na relação de cuidar (ROSA; ESTES; WATSON, 2017).
Especificamente na área oncológica, ela corrobora com uma nova visão no cuidado ao paciente com câncer, preconizando uma assistência que envolva a totalidade da pessoa doente. Visão fundamental para que a equipe de saúde se proponha a oferecer uma melhor qualidade dos cuidados, possível de conhecer e colaborar com as diversas formas de vivenciar o câncer para cada indivíduo e família, inerentes às experiências durante todos os estágios do tratamento (CARVALHO, 2014). Desta forma, compreende-se a relevância da comunicação empática, respeitosa, afetiva e eficiente para direcionar o cuidado a família em situações de terminalidade (MONTEIRO et al. 2015)
Este estudo apresentou como limitação ser um autorrelato da experiência de apenas uma família, não podendo ser considerada como uma compreensão definitiva, sendo necessários estudos com uma amostragem maior para a enfatizar a importância da abordagem familiar no cuidado transpessoal sistêmico.
No entanto, apesar dessas limitações, o estudo proporcionou reflexão acerca do cuidado ao acompanhante, visto que o mesmo necessita de cuidados holísticos para o melhor acompanhamento do paciente, podendo ser usado como modelo por ser uma experiência exitosa.
Considerações finais
Este relato de experiência mostrou que é possível proporcionar um cuidado diferenciado para com a família em situação de terminalidade oncológica. Com os cuidados físico, emocional, espiritual e intelectual aos familiares, foi possível experimentar uma maior aproximação com os processos de desenvolvimento e consolidação das estratégias de enfrentamento e suas respectivas resignações para com o momento vivenciado.
Pensar sistemicamente possibilitou uma melhor compreensão da família enquanto todo de partes interdependentes, direcionando a equipe de saúde a pensar em estratégias de cuidados que possam contemplar a família como um todo nos processos de enfrentamento da hospitalização e desenvolvimento da resiliência.
O enfoque transpessoal, por outro lado, favoreceu a percepção ampliada das necessidades de cuidado da família em suas múltiplas dimensões, oportunizando aos acadêmicos do projeto de extensão AMA um aprendizado experiencial significativo no desenvolvimento de habilidades acolhedoras e humanizadas que abrem possibilidades criativas e autônomas de cuidar do ser humano e sua família.
Encoraja-se o uso das estratégias, aqui realizadas com êxito, assim como o engajamento em outras metodologias e empreendimentos, sejam no ensino, na pesquisa ou na extensão, capazes de mobilizar a enfermagem ao seu lugar de centralidade do cuidado.
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