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ATIVIDADES LÚDICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA
ATIVIDADES LÚDICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATENÇÃO VOLUNTÁRIA
Revista Conexão UEPG, vol. 17, núm. 1, pp. 01-19, 2021
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Recepción: 27 Octubre 2020
Aprobación: 24 Junio 2021
Resumo: O objetivo deste trabalho foi identificar e analisar atividades lúdicas que têm a potencialidade em avaliar e promover o desenvolvimento da atenção voluntária. Tal identificação e análise foram feitas a partir da participação de crianças no projeto de extensão “Jogos e brincadeiras para o desenvolvimento da atenção voluntária”, que tinham queixa de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). A concepção de desenvolvimento, aprendizagem e atividades lúdicas que orientou o projeto foi da psicologia histórico-cultural. Não foi identificada qualquer dificuldade na atenção voluntária das crianças, tendo em vista a etapa de desenvolvimento em que estavam, apesar da queixa de desatenção da professora. A hipótese para a divergência entre o que foi analisado e a queixa apresentada é que as atividades em sala de aula não eram motivadoras para as crianças e, na etapa do desenvolvimento em que elas se encontravam, a atenção é dirigida pelos motivos da atividade.
Palavras-chave: Atenção voluntária, Desenvolvimento, Aprendizagem, Atividades lúdicas.
Abstract: This study aims to identify and analyze the ludic activities that have the potential to evaluate and develop voluntary attention. Such identification and analysis were made from the participation of children in the outreach project “Games for development of voluntary care” carried out for children that had complaint of ADHD. The conception of development, learning and ludic activities that guided the project were based on cultural-historical psychology. It was not identified any difficulty in children’s voluntary attention considering the development stage they were in, despite teacher’s complaint of inattention. The hypothesis for the divergence between the analysis and the complaint lodged by the teacher is that the classroom activities were not motivating for the children since attention is directed by the reasons of the activity in the development stage they were in.
Keywords: Voluntary attention, Development, Learning, Ludic activities.
Introdução
Os diagnósticos do denominado Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) vem aumentando nos últimos anos, especialmente em crianças na idade escolar. A estimativa é que esse transtorno pode acometer de 3 a 5% das crianças no mundo; no Brasil supõe-se que a incidência é entre 0,9% e 26,8% (ANVISA, 2014). Na definição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, na sua quinta versão (APA, 2014, p. 59), o TDAH é “um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento” do indivíduo. Segundo o manual, para se configurar como transtorno, os sintomas devem persistir por, pelo menos, seis meses, e em pelo menos dois ambientes, como o escolar e familiar.
Não há um consenso sobre a causalidade do TDAH, mas de modo geral as hipóteses estão relacionadas a aspectos genéticos. Há também hipóteses que se referem a um atraso na maturação de determinadas áreas cerebrais, ocasionadas por situações externas durante a gestação (consumo de cigarros, álcool e outras substâncias tóxicas (BARKLEY, 2008). No entanto, apesar da indeterminação na causalidade, o principal tratamento para o TDAH é o uso do metilfenidato, fármaco que atua no sistema nervoso central e auxilia no controle da atenção, especificamente da concentração (APA, 2014).
Por outro lado, há diversos estudos que questionam a incidência do TDAH, alguns recusando sua existência) (SIGNOR; BERBERIAN, 2017) e que os denominados sintomas do transtorno revelam aspectos da atenção ainda em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, estudos indicam que as estratégias pedagógicas adotadas nas escolas nem sempre estão adequadas às especificidades do desenvolvimento das crianças, além de serem pouco motivadoras (LEONARDO; SUZUKI, 2016).
A partir das possibilidades das atividades lúdicas para a promoção do desenvolvimento da atenção (ASSUNPÇÃO; VIOTTO FILHO; MASTROIANI, 2011; CUNHA, 2012; MORI, 2017; JESUS; SOUZA, 2018), o presente texto apresenta os resultados de uma intervenção feita dentro de um projeto de extensão que teve como objetivo identificar e analisar jogos e brincadeiras que tinham a potencialidade em avaliar e desenvolver a atenção voluntária. Os pressupostos teóricos que orientaram essa intervenção foram da psicologia histórico-cultural, especificamente a compreensão sobre o desenvolvimento da atenção (e do psiquismo como um todo) e das atividades lúdicas.
Desenvolvimento da atenção e as atividades lúdicas no desenvolvimento infantil
O psiquismo é formado por um conjunto de processos, como sensação, percepção, atenção, memória, entre outros, que mantem uma relação de interdependência entre si de tal modo que sua complexidade aumenta ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Vigotski (2000) compreende que os processos psíquicos têm dois aspectos indissociáveis: um elementar, que se caracteriza por ser involuntário e natural; e outro superior, em que o desenvolvimento do indivíduo é demarcado pelo processo de internalização das relações sociais, possibilitando o controle voluntário dele. O autor bielorrusso entende que o desenvolvimento dos processo psíquicos superiores possibilita ao indivíduo o autocontrole de modo consciente, isto é, voluntário, a partir do conhecimento das mediações que são constitutivas dele mesmo e da realidade em que está inserido (VIGOTSKI, 2000).
A atenção é um dos processos psíquicos fundamentais, que possibilita ao indivíduo o controle de seu próprio comportamento, ao mesmo tempo que, para que ela proporcione isso, necessita se desenvolver para que seja controlada também de modo voluntário. A atenção é compreendida como o processo que organiza de modo seletivo e direcionado tanto os processos psíquicos como as atividades práticas do indivíduo (LURIA, 1979), possibilitando que o que é percebido se torne consciente (LEITE; FERRACIOLLI, 2019).
A atenção tem três elementos constitutivos: distribuição; oscilação ou alternância; e estabilidade ou concentração. A distribuição se refere a quanto a atenção pode ser direcionada para diferentes objetos; no entanto, essa distribuição não é feita de modo proporcional à quantidade de objetos, há alternância na direção da atenção em que ora predomina em um objeto, ora em outro. Já a concentração consiste em manter a estabilidade da atenção voluntariamente em uma determinada ação ou objeto por um período do tempo (LURIA, 1979). O TDAH se refere especificamente à dificuldade na concentração da atenção.
O desenvolvimento da atenção se inicia com mecanismos involuntários e inconscientes, ou seja, o objeto que capta a atenção é arbitrário e depende de suas características (intensidade, tamanho, cor). Inicialmente, esse processo é mediado pela atividade prática da criança (observação e manipulação de objetos), o que é significado por meio da fala do adulto ao nomeá-los. A internalização desses significados e a necessidade na direção e seleção de determinados aspectos dos objetos para a realização de uma tarefa criam condição de organização da atenção, ao mesmo tempo em que ela é possibilitada pela atividade que a exige.
A atenção voluntária (ou superior) se expressa quando o indivíduo a direciona para determinada situação ou objeto de forma intencional, sendo mais complexa que a atenção involuntária. Gradativamente, a atenção deixa de ser orientada pelos objetos para estar vinculada aos motivos da atividade, processo que se inicia no período escolar. Desse modo, é possível afirmar que uma criança que não encontra na atividade de estudo qualquer motivo, pouco ou nada dispensará de modo voluntário sua atenção no processo de aprendizagem. Fazer com que o conteúdo escolar seja de interesse da criança e encontrar estratégias pedagógicas que proporcionem motivação são aspectos fundamentais para que a atenção voluntária se expresse, ao mesmo tempo em que tais condições de ensino promovem o seu desenvolvimento.
Os jogos lúdicos têm importância nesse processo, por sua potencialidade de serem motivadores para as crianças ao mesmo tempo em que podem promover o desenvolvimento e a aprendizagem delas (LEONTIEV, 1989; PINHEIRO; DAMIANI; PEREIRA JUNIOR, 2016). As atividades lúdicas podem ser divididas em dois tipos: jogo protagonizado, que também é conhecido como “faz de conta”, e jogos com regras. Esse último tipo de jogo é mais comum às crianças do período escolar (7-11 anos), por seu psiquismo, a possibilitar entender a necessidade lógica das regras, por já se poder pensar por meio de conceitos empíricos e resolver problemas a partir deles. Outra característica do jogo com regra é que, além de a criança se relacionar com objetos, também há o envolvimento de relações sociais com pessoas (LEONTIEV, 1989). O jogo com regras é um tipo de atividade lúdica que exige dos participantes um maior domínio do comportamento para se submeter à regra, bem como maior desenvolvimento da atenção, especialmente a concentração, além da memória e do pensa- mento lógico (LEONTIEV, 1989).
Desse modo, pode ser utilizada para promover a aprendizagem que impulsiona o desenvolvimento, mantendo uma relação de interdependência com este (VYGOTSKI, 1989; 2018). Tal relação de interdependência é explicada pela zona de desenvolvimento próximo, que “define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão, presentemente, em estado embrionário” (VYGOTSKY, 1989, p. 97). A aprendizagem vai possibilitar a superação desse estado embrionário, quando auxílios são ofertados ao indivíduo de tal modo que ele consiga realizar algo que sozinho não tem possibilidades.
A compreensão da zona de desenvolvimento próximo permite ao professor identificar o que já está desenvolvido pelo indivíduo, evidenciado no que ele já aprendeu e o que está prestes a se desenvolver (que está em estado embrionário), e que no campo da aprendizagem ainda não consegue fazer sozinho, mas com auxílio, tem êxito. Para Vigotski (1989), o trabalho pedagógico deve incidir justamente nas potencialidades, a partir do que já foi aprendido. Esse pressuposto não se aplica apenas a conteúdos curriculares, mas também a processos psíquicos, como a atenção.
A atividade lúdica como estratégia pedagógica pode ser implementada em qualquer componente curricular, como matemática, português, geografia, história e educação física, ajudando a criar o interesse da criança pela disciplina ao mesmo tempo que facilita o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Além das atividades lúdicas poderem ser meios pedagógicos para o ensino da educação física, também são um conteúdo a ser ensinado. Brincando, a criança age, podendo promover seu desenvolvimento por meio da socialização, trabalho colaborativo, desenvolvimento de aspectos motores, além de funções psíquicas. A Educação Física promove tais processos por meio de jogos, brincadeiras, dança, luta, ginástica e esportes, compondo a cultura corporal, que podem contribuir para transformar o homem e as estruturas sociais (VENÂNCIO; DARIDO, 2012).
Procedimentos de intervenção
A intervenção foi realizada em um projeto de extensão universitária denominado “Jogos e brincadeiras para o desenvolvimento da atenção voluntária”, que teve como objetivo identificar e analisar quais jogos e brincadeiras podiam promover o desenvolvimento da atenção voluntária. O referido projeto foi coordenado por 2 professores de psicologia e por 3 monitores/ discentes do curso de licenciatura em Educação Física.
O projeto teve como público 14 crianças (3 meninas e 11 meninos) de uma escola pública de um município de Minas Gerais, matriculadas no 2º e 3º anos do ensino fundamental, com idades de 7 e 8 anos. A escola foi definida pela Secretaria da Educação, em reunião com todos os diretores das escolas municipais e as crianças foram escolhidas pela escola, seguindo dois critérios: 1) queixa de Transtorno de Déficit de Atenção da professora, não sendo necessário ter um diagnóstico médico; 2) o suposto quadro de TDAH devia ter sido constatado ao longo do ano anterior de escolarização das crianças.
Sobre o critério 1, não foi considerado neste projeto a necessidade de um diagnóstico médico para o TDAH, bastava a professora ter a hipótese dessa condição. Como foi apontado na introdução, a imprecisão dos sintomas do TDAH e sua banalização na saúde e na educação vem fazendo com que muitas crianças sejam compreendidas pedagogicamente com tal condição, a partir de comportamentos considerados desatentos e hiperativos que dificultam ou impedem a aprendizagem, mesmo sem um diagnóstico médico (que também pode ser infundado). O fato de o professor ter a hipótese de um transtorno pode levá-lo a compreender a criança com tal condição e isso orientar sua prática pedagógica, a qual nem sempre atende às necessidades educacionais do aluno, tendo em vista, até mesmo, o fato de o docente não conhecer as especificidades do desenvolvimento da atenção ou ter condições de trabalho que possibilitem isso.
Para avaliar o processo de atenção, foram propostas diferentes atividades lúdicas (especificamente jogos com regras), com uma partida sem auxílio para a criança alcançar o objetivo e outra com auxílio (dicas verbais, demonstração de movimentos, gestos). Tal procedimento seguiu a proposição vigotskiana sobre a zona de desenvolvimento próximo, pois era necessário avaliar não apenas como estava o processo de atenção voluntária, mas suas potencialidades.
Os jogos utilizados para a avaliação voluntária foram: jogo dos 7 erros, labirinto das sombras (silhuetas) e das cores proibidas. No jogo dos sete erros, duas figuras semelhantes foram apresentadas - uma em cima e outra embaixo -, mas em uma delas (a de baixo) havia 7 erros (diferenças) em relação à outra (a de cima), que deveriam ser encontrados no menor tempo possível (Figura 1). No jogo do labirinto, uma figura foi apresentada e deveria chegar a um ponto, mas com vários caminhos possíveis, sendo apenas um deles o correto (Figura 2). O objetivo pode ser alcançado por tentativas de ensaio e erro ou elaboração de estratégia.
No jogo das sombras, uma figura é apresentada com nitidez e, em torno dela, há 5 silhuetas; 4 têm detalhes que diferem da figura centralizada e apenas 1 corresponde a ela (Figura 3). As 3 figuras apresentadas representam o jogo que foi apresentado sem auxílio; outras figuras com grau de dificuldade semelhante a estas, em que o auxílio foi dado, foram apresentadas.
O jogo das cores proibidas consiste em responder a perguntas sem falar as cores proibidas (2), que são definidas antes do início da partida e sem repetir as cores já ditas. O jogo teve 3 etapas: na primeira, foram apresentados às crianças 10 cartões com diferentes cores; foi lhes perguntado se conheciam todas as cores, os cartões foram retirados, e as perguntas foram feitas (as apresentadas na Figura 4). Na segunda etapa, outras 2 cores foram definidas como proibidas, os cartões foram colocados na frente da criança, sem qualquer instrução de uso, e novas perguntas foram feitas. Na terceira etapa, foi dada à criança a dica de que poderia colocar ao lado os cartões das 2 cores proibidas e, conforme ela falasse as cores, os cartões correspondentes também poderiam ser retirados de sua frente, de tal modo a diminuir a chance de repetir as cores proibidas quando respondesse às perguntas que seriam feitas (terceiro conjunto de perguntas).
Esses jogos foram baseados em uma apostila escrita por Nakayama (2017), que tem a forma de aplicação, as orientações dadas às crianças e os gabaritos das atividades. Nakayama (2017) apresenta várias possibilidades de jogos para avaliar atenção, memória, linguagem (oral e escrita) e pensamento, a partir dos pressupostos da teoria histórico-cultural e de sua prática profissional. Os jogos escolhidos e aplicados no projeto de extensão possibilitaram avaliar as diferentes propriedades da atenção (distribuição, estabilidade, oscilação) e a relação com os processos mnemônicos (NAKAYAMA, 2017).
Os jogos foram desenvolvidos na brinquedoteca, ginásio de ginástica e ginásio poliesportivo do curso de Educação Física da universidade em que o projeto estava vinculado e na escola que as crianças frequentavam, com periodicidade semanal de uma vez por semana, por 2 horas, ao longo de 6 meses. Os pais das crianças e o diretor da escola assinaram termo de autorização para as crianças participarem do projeto.
Durante os dois primeiros encontros com as crianças, elas tiveram atividades de livre escolha, sendo observadas em relação ao tempo que conseguiam permanecer numa mesma atividade, quais seus principais interesses, se conseguiam compreender as regras do jogo/ brincadeira, como era a sua interação com as demais crianças. A avaliação da atenção voluntária foi feita entre o terceiro e sexto encontro; os dois primeiros tiveram como objetivo a famíliarização das crianças com a equipe do projeto e com os espaços da universidade, de tal modo que esses fatores fossem minimizados durante o período inicial de avaliação da atenção das crianças, que foi feito de modo individual.
A partir dos resultados da avaliação da atenção das crianças, das observações sobre as habilidades já desenvolvidas e que poderiam ser otimizadas, como a atenção e memória, e dos tipos e jogos que elas gostavam (verbalizados e pedidos pelas crianças), jogos lúdicos com regras foram desenvolvidos ao longo do projeto de extensão. Para alcançar os objetivos desses jogos, alguns exigiam desempenho coletivo, outros individual. Os que exigiam desempenho coletivo foram: morto ou vivo ao contrário; morto ou vivo de cores; construção de varetas; confecção de bola; escalada; ginástica, e boliche.
O morto ou vivo ao contrário é uma variação do morto ou vivo comum, mas com maior nível de dificuldade. Uma criança é escolhida para ficar na frente e dizer “morto” ou “vivo”. Quando ela disser "morto", todos ficam em pé. Quando disser "vivo", todos agacham. Vence quem acertar todos os movimentos. Esse jogo exige da criança coordenação motora, atenção, concentração, expressão corporal.
O jogo morto ou vivo de cores é outra variação do “morto ou vivo”, porém, em vez de falar, são mostradas cores e cada uma representa um movimento diferente: bola azul a criança deve abaixar, bola preta significa levantar-se, bola rosa a criança deve dar um passo para frente, e a branca significa dar um passo para trás. Vence quem acertar todos os movimentos. Esse jogo exige das crianças as mesmas habilidades e processos do morto ou vivo ao contrário.
A construção das varetas foi feita para o jogo de varetas. Usaram-se palitos de bambu para churrasco, que foram pintados com tinta guache, com cores que representam valores diferentes, de acordo com as regras do jogo de varetas. Preto: 50 pontos, azul: 20 pontos, amarelo: 15 pontos, vermelho: 10 pontos, verde: 5 pontos. O jogo inicia com um jogador segurando todas as varetas com uma só mão, em algum local plano. O jogador abre as mãos para soltar as varetas, um outro começa pegando o máximo de varetas uma de cada vez, sem mover as demais varetas. Se alguma vareta for mexida, passa a vez para outro jogador e assim sucessivamente; ganha quem tiver a pontuação maior contada a partir das cores das varetas que foram pegas. Esse jogo de desempenho individual exige coordenação motora, atenção e conhecimento de adição. Mas a construção das varetas envolveu todas as crianças do projeto.
No jogo de boliche, que consiste em derrubar o maior número de pinos com uma bola, os pinos de boliche e a bola foram adaptados (garrafas pet com água e bola de basquete); uma criança de cada vez teria a oportunidade de tentar derrubar o maior número de garrafas, em 10 tentativas. As próprias crianças fazem a soma de garrafas derrubadas e ganha quem derrubar o maior número delas.
Nos jogos que exigem desempenho coletivo, foram desenvolvidos: jogo da memória com cores, panobol, pega rabo, passar a bola, roubar bandeira, campo minado, dança das cadeiras cooperativa, pega-pega, esconde-esconde, futebol.
No jogo da memória com cores, o objetivo é memorizar a sequência de cores apresentada em cartões. Os cartões são apresentados numa sequência; em seguida, retirados e a criança tem que recolocá-los na mesma sequência que foi mostrada.
No jogo campo minado, folhas de papel são coladas no chão, com números e letras, e entre elas há “bombas” que significa que aquele que acertá-las deve fazer alguma mímica, imitando animais, desenhos, filmes ou fazer polichinelo. É uma atividade que exige memorização, assim como o jogo da memória com cores, pois se alguém consegue chegar ao final do caminho sem cair no campo minado, as demais só têm que seguir o mesmo trajeto.
O objetivo do panobol é fazer gol nos buracos que ficam nas extremidades de um pano em na forma de um quadrado. Cada criança segura uma parte do pano, de modo que ele fique suspenso, uma bola fica no centro dele e as crianças devem movimentá-lo de tal modo a direcionar a bola para o gol da sua equipe.
Na atividade da dança das cadeiras colaborativa, o objetivo é sentar-se na cadeira cada vez que a música para, mas em vez de uma criança ser retirada, uma cadeira é subtraída e as crianças têm que cooperar umas com as outras para que todas se sentem.
No jogo de passar a bola, as crianças são divididas em 2 grupos organizados em filas. A bola é passada pelo primeiro da fila até chegar ao último, que deve ir para o início da fila e passar a bola até chegar na criança que foi a primeira da fila. Para isso, a criança precisa ficar atenta ao colega da frente, para que a bola chegue e ele possa passar a bola imediatamente.
No jogo do arranca rabo, as crianças devem proteger seu rabo e tentar arrancar o rabo (pedaço de barbante) do outro. Na atividade de roubar, cada grupo tem que defender sua bandeira e tentar pegar a bandeira do outro grupo. Para alcançar os objetivos desses três jogos (rouba bandeira, arranca rabo e passar a bola), é necessário atenção aos movimentos do grupo “adversário” e dos integrantes do próprio grupo, para que estratégias sejam desenvolvidas de modo colaborativo. As atividades pega-pega, esconde-esconde e futebol seguiram as regras tradicionais desses jogos que são bastante conhecidos.
Resultados e análise da intervenção
Avaliação da atenção voluntária
As crianças foram levadas à brinquedoteca e, individualmente, foram conduzidas a uma sala de aula da universidade (no mesmo prédio onde a brinquedoteca estava situada) para a realização das avaliações, que foram feitas por dois monitores, um responsável pela condução da atividade e outro pela escrita das respostas das crianças. A maior parte das crianças não conhecia os jogos apresentados e o tempo máximo estipulado para a realização das atividades foi de 30 minutos.
O primeiro jogo apresentado foi o dos 7 erros. Primeiramente, a atividade foi realizada sem ajuda do monitor, dando apenas a orientação sobre o objetivo do jogo. A média de tempo que as crianças necessitaram para realizar a atividade foi de 2 minutos. Mesmo sem nunca terem visto um jogo como esse, a maioria das crianças não demonstrou dificuldade na realização. Depois, foi apresentada outra figura com 7 erros e as crianças foram orientadas a observar os desenhos de forma separada, um de cada vez; o tempo de realização foi bem menor que o jogo sem ajuda – média de 1 minuto para encontrar todos os erros. Observou-se que, apesar de as crianças não terem tido contato com o jogo, elas não tiveram dificuldades, demonstrando um bom nível de percepção dos detalhes dos desenhos, concentração para alcançar o objetivo do jogo (não demonstrou distração durante sua execução), especialmente ao se comparar o tempo de execução do primeiro jogo com o segundo, apesar de no último a criança ter recebido ajuda.
O segundo jogo foi o do labirinto, cujo objetivo foi encontrar o caminho que ligava uma figura à outra. Na avaliação do jogo, interessou identificar os recursos utilizados pelas crianças para alcançar o resultado - por tentativas de ensaio e erro ou por definição de uma estratégia. Sem ajuda do monitor, as crianças realizaram as atividades com média de 2 minutos, mas a maioria não encontrou o caminho correto: algumas demonstraram certa dificuldade em prever e organizar a ação em função dos dados disponíveis - primeiro traçaram o caminho, viram que estava errado e depois buscaram outro. Realizando o jogo com a ajuda do monitor, as crianças encontraram o caminho correto numa média de tempo de 1 minuto. As crianças foram orientadas para que, antes de iniciar o jogo, pensassem no caminho correto ou usassem o dedo para, depois, fazer um traço com o lápis até outro ponto que ligava as figuras. Mesmo com tal orientação, a maioria das crianças usou a tentativa de ensaio e erro, sem fazer um planejamento prévio da ação.
Entende-se que essa atividade é de um nível de complexidade maior que a anterior em relação à percepção dos detalhes, que exige maior concentração da atenção. E por ter sido a primeira vez que a maioria das crianças teve contato com a atividade, somado à vontade de finalizar logo para voltar a brincar na brinquedoteca, a estratégia adotada por elas pode ser justificada. Como apontado anteriormente, no período escolar do desenvolvimento (em que as crianças do projeto se encontravam), a atenção é orientada pela atividade (VIGOTSKI, 1989; PINHEIRO; DAMIANI; SILVA JUNIOR, 2016; JESUS; SOUZA, 2018), assim se esta não é motivadora, pouca atenção é dispensada para sua execução.
De acordo com Nakayama (2017), a ação das crianças para executar a atividade pode ser avaliada em nível 2, em que o planejar pode ser interrompido pela ansiedade de terminar, o que pode ocasionar erro no percurso. A autora afirma que há três níveis para avaliar a atenção nessa atividade, sendo que, no primeiro, a criança pode ter a incapacidade de prever e de organizar a ação em função dos dados disponíveis (o que pressupõe a seleção e a organização dos estímulos adequados). Já no nível 3 a criança mostra ser capaz de realizar sua ação com prudência e previsão, utilizando os procedimentos adequados e tempo suficiente.
O terceiro jogo foi o das sombras, cujo objetivo era identificar quais sombras pertenciam ao desenho central. Ele era mais difícil que os anteriores, pois os detalhes eram menores, o que exigia maior concentração da atenção. Sem ajuda, as crianças realizaram a atividade em 10 segundos, e a maioria errou na escolha da sombra. Quando a ajuda foi ofertada, as crianças acertaram em 1 minuto, pois foram orientadas a observar e perceber os mínimos detalhes das sombras.
O último jogo realizado foi o das cores proibidas, cujo objetivo era identificar a capacidade de atenção e memória na realização da atividade. Primeiramente, foi dada a instrução de responder 12 perguntas realizadas pelo mediador (por exemplo, que cor é a laranja?), sem dizer as cores proibidas – marrom e laranja - ou repetir a cor já dita. Nenhum tipo de ajuda foi dada nesse momento. A maioria das crianças repetiu as cores, porém, percebeu o erro imediatamente, demonstrando que estava prestando atenção na atividade e que havia memorizado o que já fora falado e as cores proibidas. “Não sei” e “não vou falar” foram respostas dadas às cores proibidas pela maioria das crianças. Quando perguntadas se ganharam o jogo, as crianças sabiam o motivo pelo qual perderam, mostrando que a atenção foi pouco dispersa, mantendo um bom volume e usando atenção voluntária, tal como apontou Nakayama (2017).
Depois, ainda sem ajuda, foram mostrados cartões com algumas cores. O monitor orientou as crianças que poderiam utilizá-los como quisessem, mas não demonstrou nenhuma forma de uso. Todas usaram os cartões somente para separar as 2 cores proibidas – azul e vermelho –, deixando-os de lado, uma estratégia para que as cores proibidas não fossem esquecidas, mas não separou os demais cartões, conforme falavam as cores. A maioria das crianças repetiu entre 1 e 3 cores, mas percebeu o erro imediatamente.
Numa terceira rodada, com auxílio para alcançar os objetivos do jogo, foi explicado às crianças como os cartões poderiam ser usados (separar as cores que iam sendo ditas e não apenas as proibidas, que agora foram amarelo e verde). Todas as crianças conseguiram completar atividade sem repetir nenhuma cor. Nas três etapas do jogo, as crianças demonstraram bom conhecimento das cores, porém, com a utilização dos cartões (um auxílio externo) houve uma melhora significativa para resolver a tarefa, pois o uso dos signos externos potencializa a atenção voluntária. De acordo com Nakayama (2017), nesse caso a atenção foi mediada por meio de signos externos, tendo de 70 a 80% de acertos com a utilização dos cartões para resolver a tarefa, sendo um resultado satisfatório.
Para Vigotsky (1989), os signos são ferramentas auxiliares no controle da atividade psicológica, são orientados para o próprio sujeito, isto é, dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do próprio indivíduo, seja de outras pessoas. Nos jogos relatados, percebeu-se o quanto tais meios potencializaram a realização das atividades das crianças, o que pode ser observado no índice de acerto e o tempo de execução das atividades, podendo demonstrar não apenas suas capacidades, mas como elas podem ser desenvolvidas.
Por meio das avaliações realizadas com as crianças, percebe-se que a maioria não teve dificuldades para realizar os jogos dos 7 erros e dos caminhos corretos. No jogo das sombras e das cores proibidas, por não conhecerem e ser um jogo que exige maior concentração para perceber os detalhes das figuras que os demais, as dificuldades foram maiores, porém, quando tiveram ajuda do mediador, foi possível que as crianças encontrassem estratégias para resolução da atividade proposta.
Uma criança apresentou dificuldade em nomear as cores, inclusive as primárias. Isso foi identificado antes de iniciar a atividade, quando foi pedido para que fossem faladas as cores dos lápis que estavam dispostos à mesa. Outra criança também apresentou dificuldades, mas no momento da avaliação da atenção não foi possível identificar se estava relacionada à atividade em si (por baixa motivação, dificuldade de compreensão do que estava sendo solicitado ou em alcançar o objetivo) ou timidez. Ao longo das atividades, esta criança demonstrou baixa concentração e interagiu muito pouco com os monitores. Ela permaneceu por apenas 2 meses no projeto, não sendo possível avaliar melhor seu processo de desenvolvimento.
De modo geral, as crianças desenvolveram bem os jogos, resolvendo os problemas de forma bastante rápida (média de 2 minutos), tendo em vista a ausência de contato com estes (quanto às regras e estratégias para alcançar os objetivos). Após as crianças terem realizado os jogos, percebeu-se que não havia qualquer indício de desatenção, pois sua atenção estava diretamente vinculada à motivação da tarefa, o que é característico da fase do desenvolvimento em que se encontravam. Isso ficou evidente não apenas durante os jogos avaliativos individuais, mas também nas atividades desenvolvidas em conjunto com as demais crianças ao longo dos 6 meses do projeto de extensão. Nas duas situações, quando apresentavam maior interesse e motivação, o tempo em que se concentraram foi significativamente maior. O auxílio verbal foi efetivo para direcionar a atenção voluntária quando se percebia que ficavam desatentas.
Tendo em vista o período do desenvolvimento, tais resultados corroboram o que a psicologia histórico-cultural preconiza sobre a atenção ser dirigida pelo motivo da atividade e não mais pelas características do estímulo, o que possibilita o controle voluntário da atenção (VIGOTSKI, 1989; PINHEIRO; DAMIANI; SILVA JUNIOR, 2016; JESUS; SOUZA, 2018). A oferta de auxílios evidenciou a potencialidade do desenvolvimento e da aprendizagem de determinados processos, como a atenção e memória, o que orientou o planejamento das atividades lúdicas ao longo do projeto.
As atividades lúdicas e a atenção voluntária
Durante o projeto, foram desenvolvidas várias atividades, tanto de desempenhos individuais como coletivos. As atividades de desempenho individual foram: morto ou vivo ao contrário, morto ou vivo de cores, que indicavam 4 movimentos diferentes, construção de varetas, confecção de bola, escalada, ginástica e boliche. Algumas delas foram desenvolvidas uma única vez, e outras várias vezes ao longo do projeto.
O jogo morto ou vivo ao contrário teve duração de aproximadamente 20 minutos; o morto ou vivo de cores durou 30 minutos. Durante a atividade morto ou vivo com cores, além do jogo de acordo com o descrito nos procedimentos, também teve partida, em que foi aumentado o grau de dificuldade com a apresentação de 2 bolas de uma vez - tinham que levantar e dar um passo para trás, por exemplo. Notou-se que as crianças prestaram bastante atenção na atividade e, quando elas erravam, logo reconheciam o erro e faziam o movimento correto. Essa atividade foi desenvolvida 3 meses depois do início do projeto, em que já havia uma relação de confiança das crianças com os monitores e o conhecimento das regras gerais para participação das atividades do projeto (direito de brincar; de ser respeitado, o que implicava não xingar e bater em nenhum colega). Entende-se que esses fatores, além da ausência de desatenção, justificam o tempo em que as crianças permaneceram numa mesma atividade feita em grupo.
O jogo de varetas (Figura 5) foi construído para deixar um na escola e outro para cada criança participante do projeto levar para casa, pois, nas idas à brinquedoteca, a maioria das crianças gostou do jogo e com frequência o pedia. A atividade foi realizada durante 3 dias, divididos em 3 semanas diferentes, sendo 2 na escola e 1 na brinquedoteca, com uma média de 40 a 50 minutos em cada dia. As varetas foram feitas nos últimos 2 meses do projeto, que contou com 8 crianças assíduas.
A atividade de boliche durou 40 minutos, sem qualquer necessidade de lembrar as regras do jogo (entre elas, esperar a vez para jogar). Importante destacar que, no início do projeto, o tempo que as crianças ficavam concentradas numa atividade era de, no máximo, 10 minutos, mesmo quando gostavam muito dela. Ao longo do projeto, percebeu-se que o tempo que as crianças dispensavam atenção na tarefa foi aumentando, possibilitando que ficassem numa atividade por mais de 30 minutos. Esse aumento no tempo da atividade pode ser justificado, além dos motivos expostos anteriormente, pelo melhor entendimento da função das regras, especificamente na organização dos jogos, pois, ao se respeitar a vez e cumprir o que estava estabelecido no jogo, os objetivos eram alcançados de modo mais rápido, ao mesmo tempo que todos tinham mais possibilidades de participar e se divertir.
Outra atividade de desempenho individual foi a escalada em um muro com tal finalidade, que ficava no ginásio poliesportivo da universidade a que o projeto estava vinculado. Essa atividade contou com o auxílio de um monitor devidamente treinado para atividades de escalada, que orientou as crianças sobre a preparação do corpo antes de uma prática corporal (com alongamentos) e, depois, sobre as regras e estratégias a serem utilizadas na escalada. A atividade teve duração de 90 minutos e todas as crianças seguiram as regras previamente explicadas. Nesse dia, houve a participação de 11 crianças e apenas 2 podiam escalar o muro ao mesmo tempo.
Para confeccionar a bola, foi utilizado papelão e durex e todas participaram ativamente; algumas crianças fizeram 2 bolas de tamanhos diferentes, depois ficaram um tempo brincando com ela. O tempo de realização desta atividade (cerca de 40 minutos) e o respeito às regras vinculadas (o modo de fazer da bola, esperar a vez para receber ajuda quando necessário) e os jogos feitos a partir das bolas criadas pelas crianças evidenciam que a atenção no período desenvolvido em que estavam é dirigida de acordo com o a motivação, isto é, quando a atividade faz sentido para elas (JESUS; SOUZA, 2018).
Nas atividades de ginástica (saltos, rolamentos, aterrisagem), realizadas no ginásio dessa modalidade de prática corporal, também na universidade onde o projeto estava vinculado, o objetivo foi trabalhar a atenção nos movimentos do corpo. Alguns movimentos as crianças já sabiam como fazer, como os rolamentos; outros elas realizaram com auxílio dos monitores, seja com demonstração de como realizar ou segurando a criança. Destaca-se que, para realizar as atividades da ginástica, assim como da escalada, era necessário a criança ter atenção não apenas às regras de funcionamento dos espaços, mas sobretudo de seus próprios movimentos, a partir do modo de ação, para que o objetivo fosse alcançado.
Para frequentar o ginásio de ginástica, as crianças não poderiam entrar com calçados e sempre deveriam contar com a presença de um monitor; na cama elástica devia-se usar meia, no fosso de espuma não poderiam ir mais de 3 crianças ao mesmo tempo; havia alguns espaços que não se podia pisar com meia, pois era perigoso por causa do chão liso. No início, como era um espaço novo, as crianças não cumpriram as regras com frequência e facilidade, e, quando elas eram infringidas, a criança saia e ia para a brinquedoteca, e era justificado que ali ela não podia brincar mais nesse dia, pois poderia colocar-se em risco e, também, outras crianças. No entanto, ela poderia brincar em outro espaço menos perigoso, como a brinquedoteca.
Essa postura foi adotada porque era comum as crianças serem retiradas das brincadeiras na escola como forma de punição diante de um comportamento considerado inadequado; no projeto de extensão, tal atitude era contraproducente, pois o esperado era que, por meio dos jogos lúdicos, a criança tivesse seu desenvolvimento impulsionado, tanto da atenção como de outros aspectos/processos. Assim, quando a criança infringia a regra, era retirada do espaço (como no ginásio de ginástica) ou do jogo que estava participando e dava-se a opção para ela participar de outra atividade.
Importante destacar que, faltando 15 minutos para o término das atividades dirigidas de ginástica, foi combinado com as crianças que poderiam brincar livremente no fosso de espuma e na cama elástica, revezando entre si a ida a esses locais e respeitando todas as regras do espaço. Ao final do projeto, não era necessária qualquer dica verbal para a permanência no ginásio e nenhuma criança era retirada desse local por infringir as regras. Tais comportamentos indicam não apenas a compreensão das regras, mas também submeter o próprio comportamento a elas, e que, em um primeiro momento, era necessário auxílio, mas no final do projeto isso não era mais preciso. Como foi explicitado no início deste texto, aprender a controlar o próprio comportamento é um aspecto importante no processo de desenvolvimento, tendo a atenção como uma das funções psíquicas essenciais para tal conquista.
Além das atividades individuais, foram desenvolvidas também as coletivas: jogo da memória com cores, panobol, pega rabo, passar a bola, circuito, roubar bandeira, campo minado, pega-pega, esconde-esconde, futebol, dança das cadeiras cooperativa. Assim como as atividades de desempenho individual, algumas das coletivas foram feitas uma única vez.
Nos jogos da memória com cores e batalha naval, buscou-se trabalhar com a concentração e memória. No jogo da memória, a turma foi dividida em 3 grupos; a atividade foi realizada na escola e durou cerca de 15 minutos no segundo mês do projeto. Algumas crianças demostraram dificuldade em falar os nomes das cores secundárias e terciárias (identificado no período de avaliação da atenção), pois não tinham familiaridade com elas, porém, sabiam a ordem correta.
No jogo campo minado, também desenvolvido na escola, a maioria não conseguiu memorizar o local das bombas, mesmo que algumas crianças tenham alcançado o objetivo primeiro. Essa atividade não agradou muito as crianças, o que pode explicar a dificuldade em alcançar o objetivo do jogo e na própria memorização.
Nas atividades da dança da cadeira cooperativa e panobol, a finalidade foi trabalhar atividades em grupo. O objetivo do panobol é fazer gol nos buracos que ficam nas extremidades do pano, e para isso, todas as crianças deveriam movimentá-lo, inicialmente divididas em 2 grupos, cada um com um pano (Figura 6), depois todas ficaram juntas, numa mesma equipe com um pano. A atividade durou 40 minutos e, com o término, as crianças pediram para jogar mais uma vez.
Na atividade da dança das cadeiras, realizada na escola, no início as crianças não compreenderam o jogo e o avaliaram como competição, mas depois entenderam e jogaram dentro das regras para que o objetivo fosse alcançado. No jogo de passar a bola, as crianças foram divididas em 2 grupos organizados em filas e não houve dificuldade na execução desta atividade.
O jogo do arranca rabo foi realizado na escola no início do projeto e as crianças não conseguiram seguir as regras; quando era tirado seu rabo não aceitavam e o colocava de novo. Quando o jogo foi realizado novamente no ginásio de ginástica ao final do projeto as regras foram seguidas.
A atividade de roubar bandeira foi realizada no ginásio poliesportivo na segunda metade do projeto, com a divisão das crianças em 2 grupos, cada um teria que defender sua bandeira e tentar pegar a bandeira do outro grupo. As crianças desenvolveram a atividade sem dificuldade. Ao longo do projeto percebeu-se que a dificuldade das crianças em se submeter as regras foi diminuindo, deixando gradativamente atitudes competitivas entre elas para posturas mais colaborativas, com aumento da atenção nas situações de jogos (tanto sobre as regras como na submissão delas para alcançar os objetivos) e melhor desenvolvimento de estratégias.
As atividades pega-pega, esconde-esconde e futebol foram realizadas a pedido das crianças. O futebol foi o jogo predileto de todos os meninos participantes do projeto: eles eram divididos em 2 grupos, com um goleiro para ambos os times, e o que fizesse mais gols ganhava. Todos participaram, sempre seguindo as regras estabelecidas antes de iniciar o jogo.
Nas atividades propostas na brinquedoteca, no ginásio de ginástica e na escola, as crianças mantiveram a atenção dirigida para a tarefa num tempo bastante significativo (entre 30 e 90 minutos), sendo necessários poucos auxílios verbais para direcioná-las, especialmente da metade do projeto para o final. Com isso, verificou-se que, quando as atividades eram atrativas, as crianças demonstraram motivação em realizá-las e conseguiam manter um bom nível de concentração, como os estudos de Assumpção, Viotto Filho, Mastroianni, (2011), Mori et al. (2017) e Jesus e Souza (2018) já indicaram.
Analisando-se o comportamento das crianças em relação ao objetivo proposto no projeto, pode-se afirmar que foram alcançados, tendo como principal indicador o uso de regras que as crianças não conseguiam seguir no início do projeto e que passaram a orientar suas ações com certa facilidade ao final (com poucos auxílios ou sem eles). Entende-se que seguir a regra implica não apenas compreendê-la, mas também submeter-se a ela, o que exige controle do próprio comportamento. Para tanto, é necessário que a criança tenha atenção ao seu modo de ação, a ação dos outros, as regras e objetivos do jogo, para que estratégias sejam elaboradas. Ao propor atividades lúdicas com tais exigências, entende-se que foram criadas condições para a promoção do desenvolvimento da atenção voluntária, bem como de outros processos psíquicos.
Considerações Finais
As avaliações e intervenções realizadas por meio de jogos (individuais, coletivos, cooperativos) referendaram a importância das atividades lúdicas no desenvolvimento da atenção voluntária já indicada na literatura. Percebeu-se que, das diferentes práticas corporais realizadas que exigiam atenção dos movimentos, do conhecimento das regras e controle do comportamento para submeter-se a elas, as crianças apresentaram concentração de forma consistente, tendo dificuldades, em alguns momentos, mais relacionadas à imperícia do movimento.
As atividades lúdicas proporcionam situações de aprendizagem e desenvolvimento de processos psíquicos da criança, a qual aprende a agir a partir de regras, e diante da com- preensão que tem do mundo, tem sua curiosidade estimulada e exerce sua autonomia. É importante que, no processo de escolarização, a criança também seja ensinada a desenvolver a atividade de estudo, o que implica em leitura, ouvir o professor, escrever, num intervalo de tempo maior que as atividades lúdicas no ensino fundamental. No entanto, o que se observa é que esse ensino, a partir da transição entre a atividade lúdica como predominante nas estratégias pedagógicas e a de estudo, não ocorre. Nem mesmo a primeira, que deveria ser a privilegiada na educação infantil, é garantida em muitas escolas.
Por isso, tornam-se necessários cursos de formação de professor voltados para se ter conhecimento sobre as atividades lúdicas, para que as aulas possam ser mais motivadoras e promotoras de aprendizagem, considerando as especificidades das etapas de desenvolvimento da criança. Cabe também à escola promover atividades que considerem a importância das atividades lúdicas, bem como as secretarias de educação estipularem políticas públicas em que tais atividades façam parte da proposta pedagógica, implementando-as.
Os resultados do projeto de extensão evidenciaram o que a literatura já vem denunciando quanto ao desenvolvimento da criança ser avaliado a partir de uma concepção patologizante e medicalizante. Apesar da queixa das professoras de que a dificuldade das crianças em aprender e controlar o comportamento era explicada por um suposto TDAH, não foi observado qualquer indício desse transtorno nos participantes do projeto. Se houvesse qualquer sintoma, mesmo considerando-se os critérios imprecisos de diagnóstico do DSM-V, as crianças não conseguiriam permanecer por longo tempo em uma mesma atividade com pouco ou sem qualquer auxílio, nem mesmo controlar seu comportamento diante das regras de convivência do grupo e das atividades lúdicas desenvolvidas.
Não é possível afirmar que as crianças participantes do projeto, se tivessem sido encaminhadas a especialistas da área da saúde receberiam o diagnóstico de TDAH, mas eram sérias candidatas. Desse modo, políticas públicas que promovam o processo educacional para todos, independente da condição do desenvolvimento, formação profissional para que o professor tenha maior conhecimento sobre o que e como ensinar, tendo em vista as especificidades dos seus alunos e condições objetivas de trabalho pedagógico, são fundamentais para romper e superar a patologização dos processos educativos, como vem ocorrendo por meio do aumento no número de diagnósticos do TDAH, como já foi apontado na introdução deste texto.
Ressalta-se também a importância da educação física como componente curricular, especialmente a inserção do professor formado nessa área, tanto na educação infantil como nos primeiros anos do ensino fundamental, por sua especificidade – a cultura corporal. A cultura corporal possibilita a apropriação de aspectos importantes da realidade, construídos ao longo da história e que expressam modos de vida, significados, valores éticos-morais e se evidenciam na reprodução de um dado movimento num jogo/dança/luta/esporte ao mesmo tempo que movimentos podem ser aprendidos.
Desse modo, o professor de Educação Física, a partir da especificidade de sua área, pode estimular não apenas o desenvolvimento e aprendizagem das práticas corporais, mas também de processos psíquicos superiores, como a atenção, percepção, memória voluntária, pensamento, sentimentos, linguagem. É necessário que o professor seja receptivo às diversas produções criadas pelas crianças para conhecê-la e ensiná-las de maneira a impulsionar seu desenvolvimento. As atividades desenvolvidas no projeto de extensão aqui apresentado evidenciaram tais potencialidades.
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