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GÊNERO, AFETIVIDADE E SEXUALIDADE: O QUE DIZEM OS ADOLESCENTES DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO VALE DO ITAJAÍ (SC) SOBRE ISSO?
Melissa Probst ; Celso Kraemer
Melissa Probst ; Celso Kraemer
GÊNERO, AFETIVIDADE E SEXUALIDADE: O QUE DIZEM OS ADOLESCENTES DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO VALE DO ITAJAÍ (SC) SOBRE ISSO?
GENDER, AFFECTIVENESS AND SEXUALITY: WHAT SAYS THE TEENAGERS OF THE PUBLIC SCHOOLS OF THEITAJAÍ VALLEY (SC) ABOUT IT?
Revista Prâksis, vol. 1, pp. 156-172, 2020
Universidade Feevale
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Resumo: A sexualidade e as questões que a envolvem são temas recorrentes nos debates políticos e pedagógicos que envolvem a educação. Objetivando contribuir com as discussões, o presente estudo buscou identificar o entendimento de adolescentes/estudantes sobre ‘sexualidade, gênero e afetividade’. No que concerne à metodologia, o estudo se caracteriza como qualitativo e colaborativo encontrando encontra ancoragem teórica nos estudos foucaultianos (Foucault 1987, 1999, 2000, 2008) e nos estudos de gênero (Louro 1997, 2008). Os dados de campo foram obtidos pela aplicação de questionários a adolescentes sujeitos da pesquisa, de escolas da rede pública do Vale do Itajaí (SC). Pressupõe-se que, ao abordar a discussão sobre sexualidade, gênero e afetividade no contexto escolar, são evidenciadas questões de saber/poder e discursos de ‘verdade’ sobre o tema. Os dizeres desses escolares apontam para a heteroafetividade e a sexualidade como ‘norma’, portanto, imbricados na complexa trama de saber-poder, (re)produzida social e culturalmente ao longo dos tempos que coloca.

Palavras-chave:EscolaEscola,SexualidadeSexualidade,SubjetividadeSubjetividade,PoderPoder.

Abstract: Sexuality and the issues involved are recurrent themes in the political and pedagogical debates surrounding education. Aiming to contribute to the discussions, the present study sought to identify the understanding of adolescents/students about 'sexuality, gender and affectivity'. Regarding the methodology, the study is characterized as qualitative and collaborative, finding theoretical anchorage in Foucault 's studies (Foucault 1987, 1999, 2000, 2008) and in the studies of gender (Louro 1997, 2008). Field data were obtained through the application of questionnaires to adolescents subject to the survey, from public schools in Vale do Itajaí (SC). It is assumed that in addressing the discussion about sexuality, gender and affectivity in the school context, questions of knowledge / power and 'truth' discourses on the subject are evidenced. The sayings of these schoolchildren point to heterosexuality and sexuality as a 'norm', therefore embedded in the complex fabric of know-power, (re) produced socially and culturally throughout the times it poses.

Keywords: Sexuality, School, Subjectivity, Power.

Carátula del artículo

GÊNERO, AFETIVIDADE E SEXUALIDADE: O QUE DIZEM OS ADOLESCENTES DAS ESCOLAS PÚBLICAS DO VALE DO ITAJAÍ (SC) SOBRE ISSO?

GENDER, AFFECTIVENESS AND SEXUALITY: WHAT SAYS THE TEENAGERS OF THE PUBLIC SCHOOLS OF THEITAJAÍ VALLEY (SC) ABOUT IT?

Melissa Probst
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
Celso Kraemer
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Revista Prâksis, vol. 1, pp. 156-172, 2020
Universidade Feevale

Recepção: 15 Setembro 2019

Aprovação: 13 Novembro 2019

INTRODUÇÃO

A aproximação entre os termos ‘sexualidade’ e ‘escola’ não é recente no âmbito dos estudos e discussões que envolvem a educação. As discussões que colocam em questão certos paradigmas relativos ao gênero e à sexualidade já remontam ao século XIX. Colaboraram para tais debates, tanto os movimentos de mulheres quanto os estudos de e produções intelectuais, como a psicanálise. Ao longo do século XX os estudos/os debates e, principalmente, os movimentos sociais, artísticos, e protestos se ampliaram e aprofundam a questão, ganhando espaço em diferentes níveis da organização social, política, jurídica, médica e assistencial. Um dos efeitos significativos deste processo foi a criação de políticas públicas educacionais sobre esta temática.

Tais políticas públicas ainda hoje estão em processo e, não poucas vezes, são causa constante de atritos. A formulação dessas políticas, bem como a produção de conhecimento sobre tal temática ocorre num campo de tensões, negociações, disputas e relações conflituosas. Elas culminam na efetivação ou supressão de direitos de minorias, no bojo das infindáveis reformas, documentos e planos orientadores/ norteadores. As verdades que daí resultam produzem efeitos de subjetividade sobre a temática, influenciando a produção de discursos, de saberes e de práticas no âmbito educacional brasileiro.

No campo da prática, conforme Constantino e Kraemer (2016), os escolares vivenciam suas experiências relacionadas à sexualidade das mais diversas formas, desde os modos de se vestir, cuidados com a aparência visual, amizades e afetos entre os pares, na comunicação pessoal ou virtual. Mesmo que de modo muitas vezes ‘inconsciente’, suas experiências estão marcadas pelo que Foucault (1999) chamou de ‘dispositivo da sexualidade’.

Deste processo resulta a constituição e significação da sexualidade que efetivamente os escolares vivenciam. A partir dela se sentem realizados ou frustrados, normais ou problemáticos, felizes ou infelizes. Pelo corpo, como lócus de experiência da sexualidade sentem-se, portanto, normais ou anormais. Mas também e a partir dele julgam e classificam o outro, vivenciam sentimentos de aceitação ou rejeição do modo de explicitar sua sexualidade. A sexualidade é, nesta fase, uma experiência sensível dos afetos, dos sonhos e desilusões; uma experiência de sexualidade que perpassa a aceitação de si e do outro, influenciando no êxito ou no fracasso escolar e social.

Pelo viés do dispositivo da sexualidade, ao abordar a temática no contexto escolar, são abordadas também questões de saber/poder, tecnologias, estratégias e táticas que atuam sobre os indivíduos, constituindo-os em sua subjetividade/verdade no âmbito da sexualidade, conformando os modos de ser, agir, pensar, dizer (FOUCAULT, 1999). Parte-se, portanto, do pressuposto de que sexualidade, afetividade, gênero, entre outros conceitos são ‘naturalmente’ instalados/desenvolvidos, mas são conceitos históricos e socialmente elaborados, não sendo, portanto, indiferentes às tramas e estratégias de saber e poder. Nesse contexto, o presente texto parte das discussões conceituais sobre sexualidade para analisar os dizeres de adolescentes/escolares sobre o tema.

Nesta articulação entre os estudos conceituais e os dizeres de adolescentes busca-se identificar, a partir de conceitos como sexualidade, afetividade e gênero, as bases discursivas que perpassam tais dizeres, constituindo a verdade/subjetividade dos adolescentes. As experiências que se constituem nas diferentes sociedades emergem nos discursos, nas teorias, nas práticas e nas mais diversas instâncias da vida em sociedade.

Por seu espaço de circulação e convivência humana, a escola pode ser considerada uma das instituições nas quais ocorre a reprodução, preservação ou modificação dos saberes e verdades em torno de tais conceitos. Considerando as tensões recentes que os debates em torno das questões de gênero e sexualidade no âmbito da educação têm gerado, justificando a escolha da ‘escola’ como lócus do presente estudo.

A metodologia empregada no estudo do qual resulta o presente texto no que diz respeito ao aporte teórico-metodológico, está ancorado na genealogia de Michel Foucault e nos estudos de gênero e educação. Optou-se por embasar o artigo em Foucault (1987, 1999, 2000, 2008), Louro (1997, 2008) entre outros, citados no decorrer do artigo. Os dados de campo provem do projeto “Vozes e Saberes de Si: Discutindo sexualidades e homoafetividades na educação e na escola”,que concorreu na Chamada MCTI/ CNPq/SPM-PR/MDA Nº 32/2012, que contou com financiamento do CNPq. O projeto foi aprovado no ano de 2013 e teve sua execução entre 2013 e 2015, entretanto, o volume de dados gerados ainda não foi suficientemente explorado, sendo o presente texto resultante do aprofundamento das discussões da pesquisa.

A pesquisa de campo foi desenvolvida, de modo colaborativo, em 16 escolas públicas, 8 municipais e 8 estaduais, de 4 municípios do Médio Vale do Itajaí (SC). Responderam ao questionário 987 adolescentes, contemplando estudantes do 9º ano do ensino fundamental e do 1º, 2º e 3º anos do ensino médio. O questionário contou com um total de 21 questões, quatro descritivas e 17 objetivas. No presente artigo discutem-se, prioritariamente, as respostas dos adolescentes as 3 primeiras questões (todas descritivas) de tal questionário, sendo elas: 1 - Sexualidade é...; 2 - Homossexualidade é...; 3- Homoafetividade é...

Salienta-se que o questionário foi aplicado, de modo colaborativo, aos adolescentes em ambiente escolar1. Destaca-se que, conforme Desgagné (2007), a abordagem colaborativa de pesquisa busca reunir pesquisadores universitários e docentes acerca de questões relacionadas ao seu exercício profissional, caracterizando um processo de co-construção de saberes pelos parceiros envolvidos. Os respondentes, ao acessar o questionário o fizeram na condição de alunos/escolares, o que explicita a relação entre suas respostas e as discussões sobre a relação entre sexualidade e educação escolar. Esses escolares responderam ao questionário acompanhados por seus respectivos professores, bem como por acadêmicos (bolsistas e voluntários) e professores universitários vinculados ao projeto anteriormente descrito. Suas respostas auxiliam na compreensão dos modos de elaboração do vocabulário relacionado à sexualidade no ambiente escolar, bem como da significação/ressignificação dos conceitos pelos escolares, sobre o modo como a sexualidade, a afetividade, bem como a homossexualidade/homoafetividade são conhecidas/experimentadas em seu cotidiano.

A SOCIEDADE MODERNA, A ESCOLA E OS DISCURSOS-VERDADE

No bojo da ‘modernidade’, desde fins do século XVIII até o século XX, foi gestada a ‘escola’, no modelo em que se encontra naturalizado na sociedade atual. Nossa Modernidade (FOUCAULT, 2000) é oriunda das transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas desde a Baixa Idade Média, passando pelo Renascimento, sofrendo uma modificação mais profunda com o advento das disciplinas, uma nova tecnologia que se difundiu no Ocidente, sobretudo a partir do século XVIII (FOUCAULT, 1987). Este processo traz consigo algumas características que influenciam fortemente as instituições sociais, como a escola, por exemplo.

Sobre tais características, Giddens (1991) aponta para o ‘industrialismo’. Este, mais conhecido como Revolução Industrial, articula a produção de bens com o papel central da máquina. Com isso a máquina passa a regular a produção, tanto pelo controle do tempo e matéria-prima, quanto pelo controle sobre os corpos dos indivíduos que operam a máquina. O capitalismo como modelo econômico, na sua relação direta com o industrialismo, também é mencionado, com ênfase na ‘posse’, acúmulo de capital, natureza competitiva e expansionista, bem como a configuração do Estado-nação como modelo administrativo, no âmbito da sociedade industrial e capitalista

[...] nenhum dos estados pré-modernos foi capaz de se aproximar do nível de coordenação administrativa desenvolvido no estado-nação.

Tal concentração administrativa depende, por sua vez, do desenvolvimento de condições de vigilância bem além daquelas características das civilizações tradicionais, e o aparato de vigilância constitui uma terceira dimensão institucional associada, como o capitalismo e o industrialismo, à ascensão da modernidade. A vigilância se refere à supervisão das atividades da população súdita na espera política – embora sua importância como uma base do poder administrativo não se confine a esta esfera. A supervisão pode ser direta (como em muitas das instâncias discutidas por Foucault, tais como nas prisões, escolas e locais de trabalho abertos), mas, mais caracteristicamente, ela é indireta e baseada no controle da informação. (GIDDENS, 1991, p. 63)

A vigilância, portanto, torna-se um definidor da modernidade. Entretanto, o conceito de disciplina é fundamental no regime de vigilância. Embora ela já existisse anterior à Revolução Industrial e à consolidação do capitalismo, a disciplina assume papel fundamental na modernidade. Conforme Foucault (2008, p. 27), a disciplina “[...] arquiteta um espaço e põe como problema essencial uma distribuição hierárquica e funcional entre os elementos [...]”. Ainda, sobre a disciplina, Foucault (2008, p. 16) diz que

A disciplina só existe na medida em que há urna multiplicidade e um fim, ou um objetivo, ou um resultado a obter a partir dessa multiplicidade. A disciplina escolar, a disciplina militar, a disciplina penal também, a disciplina nas fábricas, a disciplina operária, tudo isso é urna determinada maneira de administrar a multiplicidade, de organizá-la [...].

Portanto, a disciplina integra o que Foucault (2008) caracteriza como ‘biopoder’. Se inicialmente a disciplina atua sobre o corpo do indivíduo (como instrumento de docilização e controle de seus movimentos/comportamentos), com o biopoder ela passa a atuar em escala ampliada, como uma tecnologia que generaliza a disciplina como técnica de governar a ‘população’.

[...] em vez de atingir os indivíduos como um conjunto de direito capazes de ações voluntárias [...], vai-se procurar atingir, precisamente, uma população. Ou seja, uma multiplicidade de indivíduos que são e que só existem profunda, essencial, biologicamente ligados à materialidade dentro da qual existem. O que se vai procurar atingir por esse meio é precisamente o ponto em que uma série de acontecimentos, que esses indivíduos, populações e grupos produzem, interfere com acontecimentos de tipo quase natural que se produzem ao redor deles. (FOUCAULT 2008, p. 28)

Nesse mesmo dossel de transformações e configurações que forjou a sociedade moderna, forjaram- se as instituições que a compõe (entre elas, a escola, como já mencionado), bem como muitos conceitos e os dispositivos de vigilância, sexualidade, controle e poder que se naturalizam nas ações e práticas discursivas. Assim, no processo de formação do ‘pensamento’ do Estado moderno foi se desenvolvendo uma sociedade ‘(bio)política’ na qual, decorrente de ações pretensamente voluntárias, os indivíduos passam a adequar-se à norma, como que estabelecendo um pacto/contrato fundamental, justificando assim o ‘governo’ sobre os ‘súditos’, como garantia necessária ao exercício da ‘vida em sociedade’. Essa ‘vida em sociedade’ implica em vivenciar, no cotidiano, as relações de poder e saber, que acabam por implicar também nos enunciados e discursos disciplinares que se materializam nas instituições e nas práticas sociais.

Nesse contexto, a instituição escolar contribui sobremaneira, como lugar privilegiado de ‘formação das novas gerações’, visto que a educação é calculada, planejada, colocada em prática por intermédio de uma “[...] ação técnica, em que se trata de conseguir um produto real mediante a intervenção calculada num processo concebido como um campo de possibilidades. Uma prática técnica, definitivamente, em que o resultado deve ser produzir segundo o que foi previsto antes de iniciar” (LARROSA, 1999, p. 193). Foi assim que, no decorrer do processo de universalização da instituição escolar e da instituição de políticas públicas de educação para todos, passou a contribuir sistematicamente para a configuração do chamado ‘Estado educador’, mobilizado no sentido de implementação das técnicas de governamento da população, desde a infância.

SEXUALIDADE GÊNERO, AFETIVIDADE, ESCOLA

A instituição escolar é uma elaboração social e, portanto, atende aos preceitos dessa sociedade e está à serviço dela. Desse modo, não se pode tentar compreender seus propósitos e funções de modo descontextualizado, mas sob a perspectiva das relações culturais, econômicas e políticas vigentes. Nesse contexto, na configuração da instituição educacional moderna, entre outras possibilidades,

[...] conjugaram-se tarefa da instrução e as medidas higiênicas, além da preocupação com a educação do sexo da criança visando à sua saúde física e moral. Assim, não houve educação escolarizada que não fosse também uma ‘educação sexual’. Esta sempre esteve em curso no interior da instituição escolar e foi um instrumento fundamental do dispositivo da sexualidade, pois colocou o sexo em discurso e produziu a verdade do sexo. (CÉSAR 2013, p. 273).

Historicamente, desde os anos de 1920 a temática da sexualidade já ocupava lugar nos discursos e políticas educacionais, na voz dos médicos, intelectuais e professores, respaldados no interesse moral e higiênico do indivíduo. Assim, o ‘sexo’ tornou-se elemento de discussão no sentido de promover, por intermédio da escola, uma educação para a higiene sexual dos jovens (CÉSAR, 2009). A ênfase do discurso estava ancorada no campo da medicina, voltada ao campo da ‘doença’, priorizando os fatores causadores das enfermidades. Através de preocupações sobre a higiene e a saúde da população escolar, passou-se ao controle das atitudes e comportamentos sexuais. Tais controles careciam de estudos científicos ou embasamentos racionais. Estavam calcados nas normas culturalmente aceitas. Visavam a manutenção de um ‘estilo de vida’ considerado moralmente válido.

Assim, a ‘sexualidade’, desde muito tempo, permeia o processo ‘educativo’ que se materializam na escola pública. Ela passou a desempenhar papel-chave na constituição de indivíduos amarrados à normalidade e reprodutores dela (FOUCAULT, 1999). Ao tratar da sexualidade, seja em termos gerais da sociedade, seja na educação, outros signos se projetam nos discursos que a enredam, tais como gênero, identidade, subjetividade, entre outras. Sua presença é permanente nas práticas e discursos que, por vezes, ocorre no nível das visibilidades, outras vezes perpassa o que é falado, mas sempre constituindo os saberes e verdades produzidos sobre a temática. Mas elas vêm sendo inscritas e reiteradas nos corpos dos escolares há muitos anos. Conforme Louro (1997, p. 60), foi por intermédio de instituições e práticas que “[...] essas concepções foram e são aprendidas e interiorizadas; tornam-se quase ‘naturais’[...]. A escola é parte importante desse processo”.

Outros estudos ainda nos mostram que “O saber científico-pedagógico objetiva a infância, produzindo-a de determinadas maneiras, pela instauração de um discurso que, considerado como dotado de credenciais cientificamente qualificadas, oblitera quaisquer outros discursos [...]” (RESENDE, 2010, p. 246). Portanto, tanto o corpo quanto os desejos e as subjetividades, desde a infância, são atravessados e capturados pelo dispositivo da sexualidade, amarrando-as à normalidade da verdade moralizada que se encontra social e institucionalmente ‘naturalizada’.

Assim sendo, o ‘saber’ praticado no contexto escolar, por seu status de verdade, como único saber qualificado, tende a tornar-se soberano, e por isso, capaz de exercer, por intermédio de dispositivos específicos, como o dispositivo da disciplina (FOUCAULT, 1987), juntamente com o dispositivo de sexualidade (FOUCAULT, 1999) e com o dispositivo de segurança, poder e controle (FOUCAULT, 2008), sobre o conjunto de indivíduos que ali circulam. Esses dispositivos tendem a articular os tempos, os espaços e os saberes no sentido de avaliar, classificar, controlar com vistas à conformação da população à ‘norma’ vigente. E, envolvidos por tais dispositivos e práticas escolares, os adolescentes acabam por construir suas identidades:

Gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas, tornam- se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a preferir. Todos os sentidos são treinados, fazendo com que cada um e cada uma conheça os sons, os cheiros e os sabores “bons” e decentes e rejeite os indecentes; aprenda o que, a quem e como tocar (ou, na maior parte das vezes, não tocar); fazendo com que tenha algumas habilidades e não outras... (LOURO, 1997, p. 61).

Pela análise genealógica, os dizeres de alguns dos adolescentes/escolares nos permitem, no presente estudo, identificar alguns elementos dos ‘saberes’ e ‘discursos de verdade’ que circulam e que são produzidos/reproduzidos nas escolas. São estes dispositivos e formas de saber-poder que atuam sobre os corpos dos adolescentes na escola que se busca questionar. E, conforme lembra Louro (1997), ao fazer isso, são postas em questão as relações de poder; relações estas enredam os saberes e práticas educacionais, e que, portanto, também nos dizem respeito.

ADOLESCENTES NA ESCOLA ATUAL: DIZERES E REFLEXÕES

Ainda nos dias atuais, em grande medida, a sexualidade é tratada pelas perspectivas biológica (higiene, reprodução, saúde, segurança) e moral (erotismo identificado com genitalidade/heterossexualidade). Nesse contexto, o papel da escola, enquanto espaço da biopolítica, é primordial às formas de governo das condutas, pois a aposta de governantes continua sendo a de que “[...] Melhores cidadãos seriam formados se lhes fossem asseguradas possibilidades para que tivessem comportamentos e atitudes que resultassem em indivíduos sadios mental e fisicamente.” (RIBEIRO, 2009, p. 135). O currículo escolar, e todas as ações praticadas a partir dele se constituem política e culturalmente, sendo, portanto, também discursivas. Com isto se evidencia o espaço de disputas políticas que percorrem os currículos escolares, mesmo em temas que sejam aparentemente ‘inocentes’ como a sexualidade.

Partidários da diversidade sexual e de gênero e adeptos da ortodoxia do binarismo heterossexual se confrontam no campo dos saberes e discursos sobre sexualidade que perpassam os currículos e políticas educacionais. Entretanto, conforme aponta Ribeiro (2009), embora os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional podem ser considerados avanços nesse sentido, não há, ainda, ações efetivas que tragam a sexualidade para o ‘debate’.

Sobre tais práticas e conteúdos, Stromquist (2006) afirma que a escola tente a reproduzir modelos supostamente harmoniosos e não conflitivos, transmitindo assim uma mensagem de não questionamento dos seus diversos padrões culturais, econômicos e políticos. Entretanto, não nos cabe esquecer, que para além do cognitivo, há diversas lições de natureza psicossocial, nessas ações e práticas escolares, que moldam nossa personalidade e identidade. E, se no contexto das políticas públicas e da educação brasileira o tema parece ser, faz muito, objeto de resistência, “Quase todos os países europeus têm políticas educacionais de perspectiva de gênero. Talvez o primeiro país a aprovar essas leis foi a Suécia; cujas políticas de gênero precedem o movimento de mulheres e se concentraram em mudanças curriculares2.” (STROMQUIST, 2006, p. 35 )

Em meio aos enfrentamentos e debates restam às populações escolares, crianças, adolescentes, adultos, educadores e educandos, o esclarecimento político e pedagógico, ou o discurso moralizante em torno da sexualidade. Nas práticas do currículo escolar, o dogmatismo heteronormativo, baseado em critérios morais, tem sido predominante. Sobre tais critérios, tem-se clara oposição por parte mais conservadora da sociedade, incluindo-se aí a igreja (entre outras instituições), à adoção de novas posturas e abertura dos currículos ao debate, ancorada em argumentos como a destruição da família e o incentivo à homossexualidade, conforme destaca Stromquist (2006).

Com isto, não surpreende que os dizeres dos escolares (sujeitos da pesquisa) sobre “O que é sexualidade?” reduzam a noção de sexualidade a um tema puramente corporal/prática sexual, uma ‘relação’ genital com o outro. Sexualidade, em seus dizeres3, foi assim definida: ‘É a escolha da pessoa por uma pessoa de sexo diferente ou não para relacionamento intimo’, ‘Quando ambas pessoas querem fazer sexo’, ‘Relações sexuais entre pessoas’, ‘É a relação entre homem e mulher (relação sexual)’, ‘Relação amorosa entre um homem e uma mulher’, ‘a atração que ele sente ou por um indivíduo de sexo diferente ou do mesmo sexo’, ‘o tipo de sexo que ela prefere ou gosta, algo do gênero’, ‘quando o homem gosta de mulher’, ‘o ato de fazer sexo é a relação íntima que você tem com um parceiro seja somente por desejo/paixão ou amor’.

Em termos de escala, um número reduzido de adolescentes, em suas respostas, relacionaram a sexualidade com as formas constituintes do ser da pessoa, com temas como a identidade/subjetividade ou identidade de gênero: ‘quando uma pessoa escolhe uma sexualidade, como hetero, e homossexual’, ‘opção sexual da pessoa’, ‘homem e mulher na orientação sexual de uma pessoa’, ‘Opção sexual: Feminino e Masculino’, ‘algo que todos têm, sendo que cada um pode escolher sua orientação sexual’, ‘é o sentimento e o amor que você sente por um sexo, seja masculino ou feminino isso identifica qual o sexo que você pertence’, ‘É a definição do sexo da pessoa’, ‘masculino e feminino’.

Ao definir a sexualidade, portanto, os dizeres dos escolares apontam, em sua maioria, para o sexo, em duas direções: na relação (física ou afetiva) com o outro, e na definição biológica (homem ou mulher), evidenciando ainda a o caráter da ‘heteronormatividade’ associado à sexualidade. Esses dizeres trazem as ‘marcas’ dos saberes e discursos de verdade que circulam na escola (e também fora dela), ou seja, do que se aprendeu como ‘legítimo’ em relação à sexualidade, conforme expresso no dizer dos escolares: ‘Algo criado por Deus, Ele criou o homem e mulher’, ‘Se relacionar com pessoas do sexo oposto para ter gerações, o mundo continuar a evoluir por um fruto de relacionamento heterossexual’.

Compreende-se que ‘falar de sexualidade’ é complexo, numa sociedade que, em muitos aspectos, se mostra repressora, na qual falar de sexualidade ainda é tabu, sendo ainda associada às ideias de pecado, de feio, de promiscuidade ou imoralidade. Talvez seja por isso que, ao responder a questão, mesmo com a garantia do anonimato previsto pelo questionário, alguns adolescentes/escolares disseram ‘não sei’, ‘Sei o que é mas não sei explicar’, ‘Envolve questões envolvendo a sexualidade de uma pessoa’, ‘Não saberei responder essa pergunta’, ‘Deriva de sexo ... mas explicar eu não sei’, corroborando a afirmação de César (2013, p. 277) “Mais de uma década de lançamento dos documentos de que, segundo eles próprios, ‘definitivamente introduziu a educação sexual nas escolas brasileiras’, as sexualidades permanecem como território conflagrado”. Entretanto, Britzmann (1996, p. 74) destaca que “Nenhuma identidade sexual - mesmo a mais normativa - é automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção”. E, sobre isso, Foucault (1999, p. 100) já afirmava que:

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências [...].

Desse modo, embora os discursos, os comportamentos e os corpos mudem um pouco a cada geração, ao longo do tempo, nos diferentes agrupamentos sociais e algumas reinvenções conceituais existam, a heterossexualidade como ‘norma’ parece persistir, do mesmo modo que persistem os ‘lugares tradicionais’ de sexualidade e de gênero. “Mesmo que algumas experiências educacionais específicas já tenham abordado as experiências homoeróticas e homoafetivas, a heterossexualidade permanece como o centro organizador do governo da sexualidade” (CÉSAR, 2013, p. 276), como normatividade moral e científica geral.

Quando perguntados sobre o significado dos conceitos de homoafetividade e homossexualidade, certo grau de desconhecimento é evidenciado nos dizeres da grande maioria dos escolares que responderam ao questionário: ‘Gostaria de saber o que é isso’, ‘Não tenho certeza’, ‘Não sei o significado’;‘ Não tenho conhecimento’, ‘Amigos do mesmo sexo’, ‘É a pessoa que gosta dos dois sexos’, ‘Eu acho que é quando dois homens gostam um do outro’, ‘É quando a pessoa resolve trocar de sexo ao invés de continuar ser o que a embalagem manda’. Ademais, os dizeres de vários estudantes atribuem a homossexualidade/ homoafetividade, ao comportamento do homem: ‘São os gays’; ‘Algo que faz um homem sentir afeto por outro’; ‘Homem gostar de homem’, ‘Um homem que gosta ou sente atração por outro homem e assim mantém suas relações’, ‘Uma pessoa que é masculino e que gosta da pessoa do mesmo sexo’; ‘Quando o cara é viadão’. Poucos dizeres caracterizaram a homossexualidade também como uma possibilidade para o sexo feminino, e, quando ocorre é quase sempre sem dissociar o feminino do masculino: ‘Pessoas que se atraem pelo mesmo sexo mulher com mulher e homem com homem’, ‘A relação amorosa entre pessoas (homens e mulheres) do mesmo sexo’; ‘Casal de homem com homem e mulher com mulher’; ‘Ficar com o sexo igual, ou seja, mulher com mulher, homem com homem’; ‘Quando dois homens ou duas mulheres namoram’. Tais dizeres nos levam a pensar, mais uma vez, no quanto a construção binária (masculino-feminino) da sexualidade está presente nos discursos que circulam no contexto escolar, e o quanto isso supõe ignorar ou negar todos os sujeitos que não se “enquadram” em uma dessas formas:

Mulheres e homens, que vivem feminilidades e masculinidades de formas diversas das hegemônicas e que, portanto, muitas vezes não são representados/as ou reconhecidos/ as como “verdadeiras/verdadeiros” mulheres e homens, fazem críticas a esta estrita e estreita concepção binária. (LOURO, 1997, p. 34).

Sobre os três conceitos analisados nas respostas destes adolescentes, nos chama a atenção a maneira simplória com que respondem. Parecem incapazes de utilizar conceitos e raciocínios mais complexos sobre o assunto. Muitos confessam literal ignorância sobre sexualidade, homoafetividade e homossexualidade. Considerando-se que são pessoas que já frequentam a escola há nove, dez ou doze anos, este dado revela a omissão da escola no que tange à educação sobre sexualidade e gênero. Faz-se indispensável compreender, portanto, que, atualmente, “[...] multiplicaram-se os modos de compreender, de dar sentido e de viver os gêneros e a sexualidade” (LOURO, 2008, p. 17).

Por outro lado, os dizeres destes escolares evidenciam o modo como se constitui seus saberes sobre sexualidade e as identidades de gênero. Mesmo entre os que tem alguma noção de homossexualidade, a heterossexualidade atua como ‘norma’ constituinte de sua subjetividade:

Ao longo da história, essa voz falara de um modo quase incontestável. Construíra representações sociais que tiveram importantes efeitos de verdade sobre todos os demais. Passamos, assim, a tomar como verdade que as mulheres se constituíam no segundo sexo ou que gays, lésbicas, bissexuais eram sujeitos de sexualidades desviantes. (LOURO, 2008, p. 19-20).

Além disso, seus dizeres também são indícios do que ocorre na prática do currículo escolar. Verifica-se um distanciamento entre o que está preconizado em documentos norteadores para a educação e para as políticas púbicas e o silêncio obscurantista que regula os saberes, os discursos e as práticas sobre as ‘verdades’ que circulam nos espaços escolares. A exemplo, podemos mencionar a Base Legal dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2000, p. 101, grifo nosso):

Art. 3º. Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prática administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementação de política educacional, os critérios de alocação de recursos, a organização do currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação deverão ser coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:

I - a Estética da Sensibilidade, que deverá substituir a da repetição e padronização, estimulando a criatividade, o espírito inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a constituição de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto e o imprevisível, acolher e conviver com a diversidade, valorizar a qualidade, a delicadeza, a sutileza, as formas lúdicas e alegóricas de conhecer o mundo e fazer do lazer, da sexualidade e da imaginação um exercício de liberdade responsável.

Pressupondo que a sexualidade, como conceito, engloba os valores e as normas morais que cada cultura elabora sobre o comportamento sexual, talvez valha a pena indagar se a discrepância entre as políticas públicas e as verdades constituintes do discurso escolar sobre o tema da sexualidade, que circulam entre os adolescentes, seja um reflexo da vivência, marcas presentes no ‘corpo’, na e pela norma predominante na sociedade brasileira, atingindo a população escolar, estudantes e professores? Talvez o processo educativo que ocorre na escola, no tocante à sexualidade, se deva menos ao que é preconizado nos documentos norteadores sobre este tema ou ao currículo escolar, em sentido estrito, e se deva mais ao dispositivo de sexualidade que é constituinte da moral sexual e do corpo em nossa sociedade, lembrando que “A distância entre os objetivos e as práticas reais não é exclusiva das políticas de gênero, embora, neste caso, pareça ser maior” (STROMQUIST, 2006, p. 444).

Existem publicações diversas (legais, didáticas e paradidáticas) que visam propor técnicas de ensino sobre a temática da sexualidade, construindo conceitos e saberes sobre a diversidade. No entanto, considerando as respostas dos adolescentes, os saberes que perpassam os discursos dos professores evidenciam as marcas heteronormativas do dispositivo de sexualidade. A análise das falas dos estudantes mostra que o saber predominante na escola apenas confirma a moral social sobre sexualidade.

As sociedades ocidentais modernas inventaram e instalaram, sobretudo a partir do século XVIII, um novo dispositivo que se superpõe ao primeiro e que, sem o pôr de lado, contribui para reduzir sua importância. É o dispositivo de sexualidade: como aliança, este se articula aos parceiros sexuais; mas de um modo inteiramente diferente. Poder-se-ia opô-los termo a temo. O dispositivo de aliança se estrutura em torno de um sistema de regras que define o permitido e o proibido, o prescrito e o ilícito; o dispositivo de sexualidade funciona de acordo com técnicas móveis, polimorfas e conjunturais de poder. O dispositivo de aliança conta, entre seus objetivos principais, o de produzir a trama de relações e manter a lei que as rege; o dispositivo de sexualidade engendra, em troca, uma extensão permanente dos domínios e das formas de controle (FOUCAULT, 1999, p. 101).

Nos dizeres dos adolescentes sobre sexualidade estão justapostos os saberes dos professores nos quais, por sua vez, estão imbricados os enunciados do discurso de nossa época sobre sexualidade. Neste processo constituem-se as subjetividades e as identidades, nesta complexa trama de saber- poder, produzida e reproduzida no interior de nossas instituições. Até mesmo a construção da identidade de gênero está justaposta aos ‘jogos de poder’ difundidos pelos discursos e se efetivam nas práticas cotidianas.

Assim a série de práticas humanas que materializa nos corpos, não existe de maneira natural. Não é algo com o que se nasce não pertence, portanto ao corpo - se o considerarmos como algo dado no nascimento. A sexualidade não é o sexo e sim é um modo de ser que se incorpora a um corpo mediante as práticas. (FOUCAULT, 2000, p. 87)

As ‘verdades’ (re)produzidas no âmbito pedagógico/escolar preconizam a sexualidade como idealizada pelos dispositivos de saber-poder. Na sexualidade se faz circular verdades, traçam-se como meta a ‘orientação sexual’ nas escolas, prática esta que também se sustenta nas políticas públicas e publicações pensadas nessa direção, conforme já mencionado. Entretanto, conforme menciona César (2013), para além das questões biológicas e reprodutivas, da prevenção dos riscos (doenças sexualmente transmissivas e gravidez), implicitamente está posta uma norma em relação às identidades sexuais e de gênero.

Sutilmente, a instituição escolar garante assim a preservação da heterossexualidade como norma, embora afirme que este é um trabalho que caracteriza uma preocupação com as identidades de gênero. É importe ressaltar que, nessa perspectiva, alunos e alunas gays, lésbicas, travestis e transexuais permanecem nas margens do ambiente normativo da escola. (CÉSAR, 2013, p. 276).

Indícios de que a heterossexualidade como norma está engendrada nos discursos e práticas escolares são fornecidos nos dizeres dos adolescentes escolares quando esses definem homossexualidade como sendo ‘o desrespeito das leis criadas por nosso querido Deus’, ‘ter uma opção sexual diferente do convencional’, ‘apesar de ser contra, cada um faz o que quer’, ‘é muito comum hoje em dia mas acho isso contra a ordem natural’ ou ainda como ‘coisa de gente que não tem nada melhor pra fazer’. Tais modos de dizer sobre a homossexualidade/homoafetividade apontam que, por fugir da regra, esta muitas vezes é compreendida na perspectiva da perversão ou da patologia sexual (FOUCAULT, 1999), ofensiva ou contagiosa, e, por ser algo que não se enquadra na ‘norma’, deve ser combatida ou evitada. Talvez seja por isso que ‘Homofobia é o modo como a homossexualidade é tratado na escola’, conforme diz um dos escolares, sujeito da pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abordar a temática da sexualidade é, ao mesmo tempo, abordar questões complexas relacionadas aos sentimentos, emoções, afetos, excitações, formas de prazer. Para além da sua redução aos aspectos biológicos do sexo, a sexualidade é também o lócus dos afetos, das intersubjetividades, dos desejos, dos corpos. Implica, portanto, nos modos de ser e estar na relação consigo mesmo e com o outro. Compreende-se, assim, que a sexualidade não é apenas ‘pessoal’, tampouco é ‘natural’.

Como construção social histórica, a sexualidade pode ser aprendida. E por constar no rol do que pode ser aprendido, a sexualidade é também política e está ancorada em símbolos, linguagens, rituais, representações, que refletem os discursos de verdade sobre ela, pautados em dispositivos de saber- poder.

Em sendo a escola uma das instituições criadas pela sociedade moderna com o intuito de educar a população, portanto, lócus de (con)formação das gerações futuras para a vida em sociedade, os discursos sobre a sexualidade, como dispositivo da biopolítica, não poderiam passar ao largo. No exercício das práticas educativas que visam o controle dos corpos, numa atuação de vigilância constante sobre os estudantes, acaba por (re)produzir os modos de vida e os valores socialmente preestabelecidos.

As falas dos adolescentes nos questionários mostram que as práticas e as discursividades que se difundem nas escolas ainda se constituem pela heteronormatividade como norma socialmente válida. Nesse contexto, a discussão sobre a as gestões de gênero e sexualidade a partir de uma perspectiva fragmentada entre um lado supostamente masculino e outro feminino seria essencial para a superação da lógica binária contida na proposta da análise relacional do gênero. Seguir nessa direção, é fundamental para que se construa um novo olhar, mais aberto às diferenças.

Neste artigo, por intermédio dos dizeres dos adolescentes/estudantes buscamos compreender os efeitos destas práticas discursivas nos corpos e compreensões da sexualidade, entremeadas às experimentações de si na constituição de suas identidades de gênero. Os dizeres dos estudantes, ao responder o questionário, evidenciam, além do vocabulário precário, praticamente senso comum acerca do tema. Mostram que na escola as ‘verdades’ do dispositivo de sexualidade são (re)produzidas sem elaborações conceituais críticas.

Conclui-se, mesmo que de modo provisório, visto que pretendemos continuar nos debruçando sobre a temática, que a sexualidade é compreendida pelos adolescentes no ambiente escolar na perspectiva do corpo, como prática de sexo, relação sexual, com pouca elaboração conceitual. Desse modo, embora se tenha conseguido alguns entendimentos sobre a relação educação e sexualidade, permanece a dúvida sobre a formação que a escola proporciona (ou negligencia), bem como sobre os marcadores linguísticos- discursivos que delineiam os processos de ensino aprendizagem na escola no que se refere à sexualidade.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
1 A Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informa- ções identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana, na forma definida nesta Reso- lução: estão dispensados os registros no Conselho de Ética de pesquisas que objetivam o aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que possam identificar o sujeito (Artigo 1º parágrafo VII).
2 Tradução livre.
3 Os dizeres dos educando foram agrupados em torno da similaridade das respostas. Respostas com alto grau de similaridade foram consideradas ‘iguais’, para essa análise, sendo trazidas, para o texto, apenas alguns exemplos desses dizeres.
4 Tradução livre.
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