Resumo: Analisando a Base Nacional Comum Curricular e a Reforma do Ensino Médio, o presente artigo tem como objetivo discutir a dicotomia das relações entre educação e capital, preconizadas por virada conservadora e neoliberal, alicerçada no Pós- Golpe (2016) e fortalecida no sufrágio de 2018. Nosso objeto é a Educação Básica brasileira , principalmente na Etapa do Ensino Médio, que se vê pressionada por dois caminhos: educação propedêutica e educação aligeirada, caracterizada pela acumulação flexível, a qual atende diretamente ao mercado de trabalho e não à formação omnilateral, desejável para a classe e juventude trabalhadoras. Assinalamos, ainda, a educação politécnica como categoria de superação e resistência a este cenário de exceção. A metodologia compreende análise documental e fundamentos estruturantes dos documentos educacionais e análise bibliográfica. O artigo é fruto do Projeto de Pesquisa Reforma do Ensino Médio com a Lei 13.415/2017: percursos das redes estaduais e da rede federal de Ensino Médio. O referencial teórico fundamenta-se em Kuenzer (2007;2017), Saviani (2003), Frigotto (2016), Bourdieu (2007) Gramsci, entre outros. Por fim, salientamos a categoria da superação por meio de educação politécnica, integral que forme o jovem da Escola Pública para emancipação, pelo princípio educativo do trabalho e da democracia frente à alienação e à precarização.
Palavras-chave: conservadorismo, juventude, ensino médio, reforma.
Abstract: Analyzing the National Common Curricular Base and the Secondary Education Reform, this article aims to discuss the dichotomy of the relationship between education and capital, advocated by the conservative and neoliberal turn, based on the Post-Coup (2016) and strengthened in the 2018 suffrage Our object is Brazilian Basic Education, mainly in the Secondary Education Stage, which is pressured by two paths: propaedeutic education and lightened education, characterized by flexible accumulation, which directly serves the labor market and not omnilateral training, desirable for the working class and youth.. We also point out polytechnic education as a category for overcoming and resisting this exceptional scenario. The methodology comprises document analysis and structuring fundamentals of educational documents and bibliographic analysis. The article is the result of the High School Reform Research Project with Law 13.415/2017: paths of the state and federal high school networks. The theoretical framework is based on Kuenzer (2007;2017), Saviani (2003), Frigotto (2016), Bourdieu (2007) Gramsci, among others. Finally, we emphasize the category of overcoming through polytechnic education, integral that trains the youth of the Public School for emancipation, by the educational principle of work and democracy in the face of alienation and precariousness.
Keywords: conservatism, youth, democracy, high school reform.
Dossier
Base nacional comum curricular e reforma do ensino médio no Brasil- A "derforma" da juventude
Bases of the national common curriculum and reform of secundary education in Brazil. "Deform " youth
Recepción: 15 Diciembre 2022
Aprobación: 12 Febrero 2023
Pergunta sempre a cada ideia: a quem serves?
Fuente: Bertolt Brecht
Este trabalho resulta da análise de referencial teórico e de discussões realizadas em projeto de pesquisa que acompanha a implementação da Reforma do Ensino Médio no país. Refletimos à luz dos fundamentos ontológicos e históricos da relação do trabalho e educação e a maneira como as mudanças do mundo do trabalho interferem diretamente na Educação Pública, principalmente diante da virada educacional conservadora e ultraliberal, vivida a partir do Golpe de 2016 e acirrada após sufrágio de 2018.
Elencamos como objeto principal de debate o Ensino Médio, seu currículo e os sujeitos que o compreendem: a juventude trabalhadora da Escola Pública e como esta virada tem destituído os sujeitos de formação plena. E por que Ensino Médio? Porque o Ensino Médio vem, desde a Constituição de 1988 e como resultado da criação dos Fundos educacionais, FUNDEF e FUNDEB, constituindo- se campo de disputas políticas, tanto pelos Empresários da Educação (Gentilli, 1994), quanto pela classe trabalhadora, a qual almeja acesso à formação integral nesta etapa na Educação Básica.
Em um primeiro momento discutimos sobre a política tardia do Ensino Médio no Brasil e como está foi caracterizada, como um espaço de lutas e reinvindicações. Posteriori apresentamos a conjuntura a qual foi ensejada a Medida Provisória 7.746 de 22 de setembro de 2016 e como este cenário de exclusão do saber se instalou no Brasil.
Em um segundo momento, a discussão comtempla a categoria da juventude e quem são estes sujeitos que compreendem o Ensino Médio Brasileiro, ensejando se mesmos contribuíram, participaram para debate desta reforma ou se foram excluídos desta discussão. Por fim discute-se de fato a Reforma do Ensino Médio no Brasil, preconizada nos governos Temer (2016-2018) e Bolsonaro (2019-2022.)
Entendemos que a política de acesso ao Ensino Médio inicia-se tardiamente no Brasil, o que o coloca, ainda mais, como um espaço de lutas e contradições, conforme as autoras: Moll e Garcia (2014), apontam:
A história da escola pública brasileira seguiu essa trilha. TARDIA, DESIGUAL E INSUFICIENTE, tanto em termos do tempo educativo, quanto nas dimensões formativas contempladas, distribui-se de modo assimétrico, privilegiando alguns em detrimento da maioria. (MOLL, GARCIA,2014, p. 7)
Assim, salientamos o cunho histórico desta etapa de Ensino, suas dualidades e contradições, que ora se vê às voltas com conhecimento sistematizado (Saviani,1994), ora com uma educação minimalista e cerceadora.
Depois do Golpe de 2016, denominado por Ferretti e Silva (2017) como “Golpe” devido a vários fatores de contradições processuais, é exarada a Medida Provisória-MP nº 746/2016”. Com a saída do Governo Dilma (Partido dos Trabalhadores), nos deparamos com a Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016, convertida na Lei nº 13.415 de 2017.
A MP define que, em relação ao Ensino Médio, irá:
[...] dispor sobre a organização dos currículos do ensino médio, ampliar progressivamente a jornada escolar deste nível de ensino e criar a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (BRASIL, 2016a).
A parte a que nos atentaremos é a nova forma de organização do Ensino Médio e a instrumentalização por “competências habilidades”, imposta pela Lei nº 13.415 de 2017. Esta ContraReforma do Ensino Médio, conforme alguns autores denominam tal Medida, aliada à Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio e às novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, caminha de acordo com a conjuntura histórica brasileira, marcada por suas políticas sociais sufocadas pelo desmonte do Estado de Bem-Estar Social como resultado o que Husson (1999) chama de “variantes estruturais do capitalismo”.
As condições de funcionamento do capitalismo podem estar reunidas durante um período bastante longo, mas os dispositivos que garantem a sua obtenção não são estáveis ou em todo caso não podem ser reproduzidos duradouramente, porque, de certa maneira, isso não está em sua natureza. E é aí que se encontram as variantes estruturais do sistema. (HUSSON,1999,p.28)
Ou seja, é necessário intervir, desregulamentar e criar novas regulamentação dentro do espaço formativo, que crie variantes estruturais e atenda ao sistema capitalista, reprimindo o “catastrofismo marxista” e criando “harmonicismo regulacionista” entre direitos sociais e a economia, ao que Moraes (2001) intitula como “inimigos do neoliberalismo:
Um desses inimigos era o conjunto institucional composto pelo Estado de bem-estar social, pela planificação e pela intervenção estatal na economia, tudo isso identificado com a doutrina keynesiana. O outro inimigo era localizado nas modernas corporações - os sindicatos e centrais sindicais, que, nas democracias de massas do século XX, também foram paulatinamente integrados nesse conjunto institucional. Além de sabotar as bases da acumulação privada por meio de reivindicações salariais, os sindicatos teriam empurrado o Estado a um crescimento parasitário, impondo despesas sociais e investimentos que não tinham perspectiva de retorno.(MORAES,2001,p.13)
Catastrofismo marxista é um destes inimigos do Governo Bolsonaro, junto à Educação pública e democrática, a grande “vilã”, inimiga dos governistas, uma vez que o próprio Ministro da educação decreta o retorno da educação dualista, afirmando que a “universidade não é para todos”, mas “somente para algumas pessoas”, excluindo a juventude trabalhadora e revelando uma posição contrária à da Constituição Federal de 1988, ao negar educação de qualidade como direito de todos, conforme o artigo 205:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL,1988)
Porém, na idiossincrasia, fundante ao golpe de 2016, esta ação de liberdade, cidadania e formação para o mundo do trabalho, que reverbera não só na Carta Magna, como na LDB9,394/96, vem sendo desfigurada pelo neoliberalismo, com o Governo de Temer (2017-2018) e, atualmente, com o ultraconservadorismo do Governo Bolsonaro (2019-2022). Esta junção ganha força contra uma educação pública para a classe proletária, sofre os efeitos desta precarização e usurpação de direitos, tanto o de acesso integral dos conhecimentos, quanto ao de manifestação de qualquer cunho social, cultural.
Podemos compreender que o Brasil vem se caracterizando como uma sociedade hegemônica, tal como Grasmci defende:
as relações de organização internas e internacionais do Estado tornam-se mais complexas e maciças, e a fórmula [...] da revolução permanente é elaborada e superada na ciência política pela fórmula da “hegemonia civil”. Verifica-se na arte política aquilo que ocorre na arte militar: a guerra de movimento transforma-se cada vez mais em guerra de posição, podendo-se dizer que um Estado vence uma guerra quando a prepara minuciosa e tecnicamente em tempos de paz. (GRAMSCI, 1978, p. 92)
Toda esta engrenagem da virada educacional, postergada pelo neoliberalismo, vem sendo desenvolvida desde 2017 e agora encontra terreno fértil para seu desenvolvimento contrário a todos interesses da classe trabalhadora. Marx (2004), nesta conjuntura, diz que o trabalhador não tem apenas negado seu direito ao capital intelectual sistematizado, mas sim a todos seus direitos e saberes na luta contra alienação. Logo, o espaço onde educação de sociedade democrática seria a base de contraditória, observa-se a reificação – alienação – unilateralidade, frente à emancipação, senso crítico e omnilateralaidade não ocorrem.
Assim, de acordo com Silva (2015), faz-se urgente e necessária a educação como expressão de contradição:
Por isso, a análise da formação humana no interior dos processos e relações de trabalho exige, além das tradicionais apreciações e críticas sociológicas, psicológicas e educacionais sobre a qualificação do trabalho e dos trabalhadores, a compreensão da dinâmica de socialização e educação como expressão da relação contraditória entre humanização e alienação/estranhamento. (SILVA,2015, p.251)
Não são estes, entretanto, os objetivos preconizados pelo Governo. Ao contrário disso, o cunho é ultraconservador, apoiado pelo que prega o Movimento Escola sem Partido, assim como a precarização da formação do jovem com Reforma do Ensino Médio e a própria crise no cenário democrático.
Congênere ao intuito, foco e forma de atuação destes governos, Moraes (2001) diz:
Não dirigem seu fogo apenas contra os partidários da revolução e da economia globalmente planificada, mas a toda e qualquer medida política, econômica e social que indique a mais tímida simpatia ou concessão para com as veleidades reformistas ou pretensões de fundar uma "terceira via" entre capitalismo e comunismo. (MORAES, 2001, p.13)
Depreende-se, assim, que a semelhança com conjuntura atual não é mera coincidência. Isso porque governança não se limita a calar socialistas e esquerdistas de plantão, mas também todo aquele que sublime “ a mais tímida simpatia” a outros ideais que não seus, tais como : “privatização, censura e sociedade aberta”, resultando no que Pereira( 2013.p.15) aponta como “nova geração” : “à política como uma estratégia de “nova geração” quanto mais ela parece ser insustentável para cumprir a sua principal função, que é a de concretizar direitos sociais (inclusive o direito ao trabalho condigno)”, caracterizando precário mundo social aos trabalhadores e aos filhos da classe trabalhadora brasileira. ,
De acordo com Sposito (2014, p333), “não há o que concluir, restam apenas novas possibilidades” de luta e superação através de educação politécnica, que rompa com a polissemia de educação alienante e unilateral.
Dialogamos, portanto, com a dicotomia de educação e trabalho no regime de acumulação flexível, a qual engendra implementação de estratégias e marcos regulatórios a partir da reestruturação produtiva, com o objetivo de alterar regulamentações do Estado e das relações de trabalho a favor do capital, corroborando a materialização da dualidade estrutural apontada por Kuenzer (2007,2017).
Estas regulamentações e relações de trabalho usam, de forma perversa, a inclusão excludente no sistema educacional, a fim de utilizá-lo como meio de reprodução das necessidades do capital, seja através da “precarização dos programas pedagógicos que conduzem a certificação vazia e desqualificada”(Kuenzer,2007,p.1155), seja por alterações e criações de normatizações, que priorizem interesses do capital. É o caso da Base Nacional Comum Curricular e Reforma do Ensino Médio, objetos de análise neste artigo.
Como primeiro ponto, discutimos políticas resultantes desta virada educacional, de junção conservadora e neoliberal, das quais destacamos a formação politécnica ao sujeito, a partir de Saviani (2003).
Noção de politecnia não tem nada a ver com esse tipo de visão. Politecnia diz respeito ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo moderno. Está relacionada aos fundamentos das diferentes modalidades de trabalho e tem como base determinados princípios, determinados fundamentos, que devem ser garantidos pela formação politécnica.(SAVIANI,2003,p.140)
Esta visão de domínios de fundamentos científicos, formação omnilateral plena para o jovem do Ensino Médio e, de certa forma, para toda Educação Básica, não é finalidade, preconizada pela Base Nacional Comum Curricular, muito menos o ideário da Escola sem Partido, que também cerceia o acesso ao conhecimento, uma vez que elenca como “doutrinação” toda formação integral ao sujeito, como discussões plurais de sexo, raça, gênero, democracia etc.
Assim, dividimos nosso texto da seguinte forma: primeiramente, privilegiamos a discussão deste cenário precário e antidemocrático, alicerçado pela Base Nacional Comum Curricular e Contrarreforma do Ensino Médio. Num segundo momento, destacamos o impacto desta realidade na formação para jovens. Por fim, reiteramos a superação da alienação proposta pela contrarreforma a partir da politecnia.
Salientamos que o sentido da polictenia, como base de educação, contraria a antidemocracia e a educação voltada para o mercado, para competências e habilidades. Isto só pode ser superado com a escola caminhando para um Ensino Médio omnilateral a qual detenha, em seu pilar central, a defesa de formação para democracia, em um currículo, pelo qual o sujeito tenha acesso a todo saber sistematizado produzido pela humanidade (Saviani,1989) e alcance a emancipação e a transformação
Conforme Dayreell e Carrano(2014,p.101), o conceito de juventude é construção histórica, “categoria socialmente produzida, onde temos que levar em conta que as representações sobre a juventude, os sentidos que se atribuem a essa fase da vida, a posição social dos jovens e o tratamento que lhes é dado pela sociedade”. Ou seja, é necessário considerar sua condição social, tratando o jovem como “Sujeito de Direitos” e não como mera engrenagem do sistema.
Esta fala sobre juventude, sujeito da Educação básica suscita algumas reflexões, como a provocada pela fala da Indiana Gaiyatri Spivak(1987), em artigo escrito em 1985 , no qual ela questiona: “Os subalternos podem falar?”. Aqui poderíamos perguntar: “E os jovens estudantes da Escola Pública Brasileira podem falar? Têm sido ouvidos? Discutiram-se, em seus espaços, ideários da Reforma do Ensino Médio? Foram eles alertados sobre os impactos cerceadores que teriam em sua “formação cidadã”? Ou, concordando com Moraes (2001), teriam sido barrados pelo capital?
Dizem eles: é urgente barrar a vulnerabilidade do mundo político à influência perniciosa das massas pobres, incompetentes, malsucedidas. Em primeiro lugar, reduzindo esse universo político - ou o campo de atividades sobre as quais elas podem influir, desregulamentando, privatizando, emagrecendo o Estado. (MORAES,2001, p.35)
Como resposta, a segunda opção nos parece adequada, uma vez que, em consultas a bancos de dados do MEC, não constam indicadores sobre participação, consultas públicas endereçadas a grêmios ou entidades que pudessem representar o público desta etapa de ensino. O que se verificou foi que, conforme palavras de Moraes(2001), ocorre urgência de barrar as massas e, por isso, estudantes não foram ouvidos , nem respeitados, uma vez que a pauta do Movimento Ocupa Escola, protagonizado por estudantes das escolas públicas, era também negação à Reforma do Ensino Médio e repúdio a ela.
A juventude, como “protagonista” de seu projeto de vida, vê-se dele alijada, pois o que se tem proposto é inserir os jovens na meritocracia, em um ensino médio pautado por “pura negatividade da ciência, da técnica e da tecnologia em face da subordinação aos processos de exploração e alienação do trabalhador como força cada vez mais a reprodução do capital” (Frigotto,2007, p.244).
A presente Reforma do Ensino Médio inicia-se no Pós-Golpe de 2016 e resulta na Lei 13.415/2017, de 17 de fevereiro de 2018. Como objetivo, defende o fortalecimento das vertentes dos Empresários da Educação, voltadas para uma formação polissêmica, “tarefeira”, que atenda aos interesses do modo de produção, do mercado de trabalho, negligenciando objetivos sociais de transmissão do conhecimento sistematizado. Em contrapartida, Marques (2000) argumenta:
As práticas escolares não podem esquecer ou negligenciar os seus objetivos sociais, pelas implicações sérias e negativas que esse fato acaba tendo sobre a maneira de como o professor vê, implementa e avalia sua atividade profissional. De consequências concretas, têm como resultado as práticas das escolas acabarem sendo marcadas como opostas aos seus objetivos sociais. Se a intenção manifesta é o de preparar o indivíduo para se integrar de maneira ativa e crítica no contexto social, acaba sendo um instrumento de marginalização das classes populares, pois é o segmento social que mais sofre as consequências da prática da reprovação, da não-aprendizagem na escola. (MARQUES, 2000, p.68)
A Reforma do Ensino Médio, concebida a partir da Medida Provisória (MP) nº 746/2016, resulta de ambivalência da agenda de contrarreforma da Emenda Constitucional 95, qual traz consigo “morte dos direitos”, congelamento de gastos e anulação de políticas públicas e sociais, assim como a desregulamentação de Programas, Diretrizes e Orientações já produzidos para o Ensino Médio, como o Programa Ensino Médio Inovador – PROEMI, propulsor de educação politécnica, como meio de superação da dualidade estrutural, ao que Garcia e Moraes(2016) assinalam como :
O ProEMI se coloca como indutor das políticas para o Ensino Médio que começam a ser estruturadas pelas Secretarias Estaduais de Educação, responsáveis por esta etapa da Educação Básica. Apresenta em seu objetivo central a superação da dualidade do Ensino Médio, objetivando a criação de uma identidade integrada entre caráter propedêutico e a preparação para mundo do trabalho, com um currículo integrado não apenas em torno das disciplinas. (GARCIA;MORAES,2016,p.68)
Destacamos que as DCNEM/2012 não se restringem à preparação para o mercado de trabalho, mas sim preconizam uma proposta integral, de superação da dualidade do Ensino Médio, conforme apontado pelas autoras.
Na proposta curricular e formadora da escola pública, o que se observa é dualidade e acirramento das desigualdades sociais, com os quais, segundo Frigotto, “decreta-se escola para rico e outra para pobre”, retomando, assim, “mais do mesmo”, nas políticas educacionais, ou, conforme defende Grasmsci: “ o velho ainda não morreu e o novo não pode nascer”.
O velho não morreu e o novo não pode nascer, pois se tem buscado fechar um ciclo que foi interrompido de 2003 a 2016, com a retomada das políticas neoliberais da década de 90, das experiências já assinaladas na história também imposta e o que vem ocorrendo no momento atual, da aprovação da BNCC, da Reforma do Ensino Médio.
Com o ressurgimento das políticas dos anos de 1990, recupera-se o sentido do currículo flexível e da educação voltada imediatamente ao atendimento aos interesses do capital e “educação para vida”. Esta é a herança das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, de 1998, DCNEM/1998, baseadas na LDB 9394/96, de acordo com objetivos dos Organismos Internacionais, conforme apontado por Moehlecke(2012):
por meio da valorização de uma concepção de “educação para a vida e não mais apenas para o trabalho”; da defesa de um ensino médio unificado, integrando a formação técnica e a científica, o saber fazer e o saber pensar, superando a dualidade histórica desse nível de ensino; de um currículo mais flexível e adaptado à realidade do aluno e às demandas sociais; de modo contextualizado e interdisciplinar; baseado em competências e habilidades. Contudo, ao analisar‐se o contexto mais amplo das políticas para o ensino médio em curso à época, o que se percebia era uma realidade muito distinta daquela proposta pelas diretrizes. Além disso, após um estudo mais detalhado do discurso presente nas DCNEM, o que se percebia era um texto híbrido que, em vários momentos, acabava por ressignificar certos termos a tal ponto de estes assumirem sentidos quase que opostos aos originais. (MOEHLECKE, 2012, p.9)
Esta ressignificação de termos, que assumem sentidos contrários, também se manifesta no documento da Reforma do Ensino Médio, com a seguinte proposta:
Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida.(BRASIL, 2018)
Neste documento, observamos a ressignificação dos termos “cidadania e mundo do trabalho”, uma vez que a Reforma do Ensino Médio secundariza disciplinas fundamentais ao desenvolvimento do senso crítico e formação da cidadania, como Sociologia, Filosofia, entre outras. Além disso, sinaliza para formar a juventude numa escola “pobre”, escola de “acolhimento social” consoante com intentos dos organismos internacionais.
O Currículo “flexível”, voltado ao ideário da pedagogia da acumulação flexível, (Kuenzer,2007), responde ao novo e às transformações do mundo do trabalho, ocupado por um “novo homem”, que, conforme a autora, seja capaz de:
Ajustar-se aos novos métodos da produção, para cuja educação eram insuficientes mecanismo de coerção social; tratava-se de articular novas competências e novos modos de viver, pensar e sentir, adequados aos novos métodos de trabalho caracterizados pela automação, ou seja, pela ausência de mobilização de energias intelectuais e criativas. (KUENZER,2007, p.1155)
É, então, ofertado ao jovem este currículo vazio, predominante da acumulação flexível, com “experiências, preparação básica para o trabalho” (Brasil,2018), pois este tem tido acesso a uma preparação mínima, entregando-se ao jovem dever que era do Estado de ensinar e transmitir conhecimento:
Essa estrutura adota a flexibilidade como princípio de organização curricular, o que permite a construção de currículos e propostas pedagógicas que atendam mais adequadamente às especificidades locais e à multiplicidade de interesses dos estudantes, estimulando o exercício do protagonismo juvenil e fortalecendo o desenvolvimento de seus projetos de vida. (BRASIL,2018)
Recorrendo à semântica da palavra e sua origem etimológica de protagonismo, o qual vem do grego prōtagōnistḗs, oû 'que combate na primeira fila, que tem significado como: o que desempenha o papel principal em uma peça teatral”, verifica-se que isso não se aplica ao jovem do Ensino Médio, conforme o documento aponta, uma vez que este jovem não é protagonista do ensino , do currículo, sendo, sim, instrumento de fomento ao capital e roda da economia, o que, segundo Ball(2001), somente visa ao objetivo da produtividade e à criação de ambientes competitivos dentro das organizações escolares do setor púbico.
Outro ponto também falacioso é o “protagonismo” com escolhas das disciplinas, o que, segundo Kuenzer (2007), é somente adequação à nova concepção de mundo, fornecimento ao trabalhador de uma justificativa para sua alienação e, ao mesmo, suprimento de necessidades do capital.
Essa estrutura adota a flexibilidade como princípio de organizaçãoCurricular, o que permite a construção de currículos e propostas pedagógicas que atendam mais adequadamente às especificidades locais e à multiplicidade de interesses dos estudantes, estimulando o exercício do protagonismo juvenil. (BRASIL,2018)
Deste modo, o protagonista do processo educativo não é ao jovem e sim o mercado. Em relação a isso, Ball remete à “colonização das políticas pelo imperativo das políticas econômicas”, tendo em vista a crise do capital, as transformações do mundo do trabalho e o necessário ajustamento de “novo homem”, o qual, segundo Kuenzer (2007), fosse adequado ao novo modelo de trabalho.
O Currículo flexível do Ensino Médio cumpre estritamente a função de preparar, a partir da “fragmentação, a separação entre trabalho instrumental e intelectual, organização em linha, e outra, com foco na ocupação”, um currículo mínimo centrado as competências e habilidades.
Modelo único de currículo do Ensino Médio por um modelo diversificado e flexível:
O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I – Linguagens e suas tecnologias;
II – matemática e suas tecnologias;
III – ciências da natureza e suas tecnologias;
IV – ciências humanas e sociais aplicadas;
V – formação técnica e profissional (LDB, Art. 36; ênfases adicionadas).
Nesse contexto, é necessário reorientar currículos e propostas pedagógicas – compostos, indissociavelmente, por formação geral básica e itinerário formativo (Resolução CNE/CEB nº 3/2018, Art. 10).
Segundo Silva (2010), este modelo caracteriza-se pelo “conhecimento” utilitarista, sendo comum, em que “se restringe a possibilidade de que se tome o conhecimento como objeto da experiência que leva à reflexão, à crítica. Reproduz-se, em outras bases, os limites postos pelo currículo disciplinar e sequencial, pois não realiza a inversão necessária
É, contudo, a reprodução unilateral que a presente Reforma do Ensino Médio atende, demonstrando toda hegemonia do capital, em deferência ao mundo do trabalho, revelando adestramento e exclusão dos jovens frente a dificuldades para acessar a aquisição de conhecimentos que possibilitem sua autonomia intelectual. Tal política transforma o currículo em aligeirado conjunto de práticas do senso comum, o qual serve para nada mais do que reprimir o acesso ao Ensino Superior e obter mão de obra “barata, qualificada com saberes básicos” exigidos pelo mercado de trabalho. Segundo Bourdieu (2007):
As diferenças nas maneiras em que se exprimem diferenças no modo de aquisição, ou seja na antiguidade do acesso á classe dominante- associadas, frequentemente a diferenças na estrutura do capital possuído, estão predispostas a marcar as diferenças no amago da classe dominante, assim como as diferenças de capital cultural marcam as diferenças entre as classes.(BOURDIEU,2007,p.67)
O que se vê, então é a Contrarreforma alicerçada no lema : “Educação para Todos”, fundada em educação “Para todos os Pobres”, de acolhimento e conhecimento práticos, conforme marca a Conferência de Jomtien, na Tailândia, Educação para Todos (1990), com o objetivo de “satisfazer as necessidades básicas da aprendizagem de todas as crianças, jovens e adultos”.
O único modo de suplantar a centralidade neoliberal e excludente na escola pública seria através da superação dicotômica do trabalho manual e trabalho intelectual, entre o saber e o fazer, entre a ciência e a técnica, “a partir do desenvolvimento atingido pela humanidade no nível da sociedade moderna, da sociedade capitalista, já detectando a tendência do desenvolvimento para outro tipo de sociedade que corrija as distorções atuais” (SAVIANI, 2003, p. 9).
Essa disputa entre a defesa de uma educação integral, omnilateral e a educação para mercado de trabalho é potencializada pela política neoliberal, favorecendo cada vez mais modelos de formação com distanciamento do conhecimento.
Com esta análise, constatamos que o esvaziamento do saber sistematizado, histórico, cultural e cidadão é o que orienta a Proposta da Base Curricular e da Reforma do Ensino Médio, com modelos de homogeneização da educação, que retiram o caráter crítico da escola, redefinindo-a não como espaço de acesso ao conhecimento, historicamente desenvolvido pela humanidade, mas sim, como espaço de empregabilidade, da venda do possível sucesso pessoal, sem levar em conta, em momento algum, as especificidades de cada jovem, sua região e contexto social.
A Reforma do Ensino Médio se distancia fortemente da proposta anterior das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio, rompendo com suas dimensões de eixos estruturantes do ensino médio como trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia na perspectiva da formação humana integral.
A precarização do Ensino Médio, constatada pelo consenso empresarial do Ministério da Educação, preponderante nas políticas atuais, aponta para grande lacuna na política educacional, a qual deveria ser pensada para a formação do sujeito em sua integralidade e não para neocapitalismo.
Isso posto, depreende-se que a classe trabalhadora segue em uma mercoescola, cada vez mais distante do acesso aos conhecimentos integrais do saber histórico, científico e sistematizado, que deveriam estar presentes na educação básica. Assim, salientamos a questão levantada por Bertolt Brecht: ”pergunta sempre a cada ideia: a quem serves? ” A Base Nacional Comum Curricular e Reforma do Ensino Médio servem ao grande capital, ao neoliberalismo, à exclusão dos jovens estudantes da escola Pública Brasileira e, principalmente, à desarticulação dos ideários democráticos, sociais aos quais escola pública se destina, colocando em xeque toda construção democrática autônoma e sociopolítica do espaço escolar.