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Empoderamento e Gênero: Um Estudo com Mulheres que Ocupam Cargos de Gestão em uma Universidade Federal

Empowerment and Gender: A Study with Women in Federal University Management Positions

Camila Borges Fialho 1
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Brasil
Ágata Figueiró da Rosa 2
Faculdade Integrada de Santa Maria – FISMA, Brasil
Maria Julia Pegoraro Gai 3
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Brasil

Empoderamento e Gênero: Um Estudo com Mulheres que Ocupam Cargos de Gestão em uma Universidade Federal

Revista Administração em Diálogo, vol. 20, núm. 1, pp. 1-24, 2018

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Recepção: 30/06/2017

Aprovação: 05/09/2017

Resumo: O empoderamento consiste basicamente em autonomia, como se fosse uma máquina pela qual as organizações ou até mesmo as pessoas tomam controle dos seus assuntos, destino, competências e habilidades. Tendo em vista o histórico de desigualdades entre mulheres e homens, este estudo objetivou analisar as relações de empoderamento de mulheres que ocupam cargos de gestão em uma universidade federal. Para tanto, optou-se pela pesquisa qualitativa com entrevistas com duas Pró-Reitoras. Os resultados indicam que essas gestoras se sentem empoderadas – embora, em um quadro de nove pró-reitorias, apenas quatro serem mulheres –, elas são livres para sugerir ideias aos superiores, estão seguras no cargo que exercem e acreditam que ter liderança e mostrar segurança é necessário para um bom funcionamento da equipe.

Palavras-chave: Empoderamento, Relações de Poder, Gênero.

Abstract: Empowerment consists basically of autonomy, as if it were a machine by which organizations or even people take control of their subjects, destiny, skills and abilities. Given the history of inequalities between women and men, this study aimed to analyze the relationships of empowerment of women who hold management positions in a Federal University. For that, we chose qualitative research with interviews with two Pro-Rectors. The results indicate that these managers feel empowered, although in a framework of nine Pro-Rectors, only four are women, they are free to suggest ideas to their superiors, they are secure in their position, and they believe that having leadership and showing security is necessary for a smooth operation of the team.

Keywords: Empowerment, Power Relations, Gender.

Introdução

Com o crescimento e o desenvolvimento das organizações, é natural que novas estruturas sejam desenhadas, impactando diretamente nas relações burocráticas do desempenho de tarefas e nas relações hierárquicas e de cargos de gerência. Nesse sentido, o estudo do poder nas organizações é importante para a compreensão dos mecanismos organizacionais e seus vieses de gerenciamento, revelando diversas estruturas de dominação na modernidade.

De acordo com Godelier (1996 como citado em Felipe, Melo, Pinto & Lopes, 2014, p. 2) “a sociedade é sustentada por uma base patriarcal onde o homem possui posição privilegiada na hierarquia social”. Para Bourdieu (1998), uma vez que, socialmente e historicamente, o poder da autonomia está nas mãos dos homens, esse poder seria mais difícil de ser alcançado pelas mulheres, e, ainda, esse privilégio foi definido por acreditarem que a mulher foi destinada somente para as atividades domésticas e para a criação dos filhos.

Nesse sentido, Cruz (2010) menciona que, em função do seu “caráter natural”, os homens são cobrados a serem mais fortes, líderes, sendo-lhes reservado o sucesso e, às mulheres, é exigido um comportamento submisso e frágil, compreendido como característico de seu sexo. No entanto, o autor menciona que esse posicionamento vem sendo modificado, especialmente devido aos progressos do feminismo, questionador dessas crenças, e também às transformações da sociedade vividas atualmente pelas mulheres.

Existem marcos diferenciais entre homens e mulheres, como diferenças salariais, oportunidades de crescimento e reconhecimento, pois, mesmo com maiores níveis de educação, as mulheres ainda não possuem os níveis de ocupação, rendimentos e receptividade no mercado de trabalho equivalentes aos obtidos pelos homens (Borges, 2009). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dentre os cargos que as mulheres ocupam na indústria, nos serviços domésticos e nos outros serviços, o registro na carteira de trabalho é inferior ao verificado entre os homens. Também se verificou que as mulheres, independentemente dos anos de estudo e mesmo tendo a igualdade salarial garantida por lei, em média, recebem menos que os homens.

Levando-se em consideração os dados do IBGE, verifica-se que as mulheres continuam a enfrentar discriminação e exclusão, ainda que a igualdade entre homens e mulheres seja um direito humano fundamental. Entretanto, as mulheres têm buscado seus direitos, e sua cidadania tem, cada vez mais, se efetivado na medida em que elas ganham poder social, o qual buscaram através da educação e da capacitação, que lhes permitem usufruir de seus direitos. Nesse sentido, Borges (2009) menciona que a mulher brasileira está incluída na tendência global de fortalecimento, alcançando espaços aos quais não possuíam acesso anteriormente, pois eram destinados aos homens, como, por exemplo, o mercado de trabalho, os estudos e a política.

Nesse cenário do século XXI, as mulheres se dedicam não somente às atividades domésticas e aos cuidados com os filhos, mas também têm uma profissão e, consequentemente, trabalham fora de casa. Nas relações de trabalho, reconhecendo que os cargos de liderança não são ocupados de maneira equitativa entre os dois sexos, Metz (2014) evidencia uma atuação maior da mulher; mas um número pouco significativo de gestoras sinaliza a existência de dificuldades a serem superadas, ainda que venham sendo diminuídas com o tempo, uma vez que, antes, as mulheres eram percebidas como subordinadas aos maridos e, atualmente, muitas mulheres são as provedoras da família.

Em face do que foi exposto, questiona-se: a sociedade atual reconhece a presença feminina e o desempenho da mulher tal qual percebem, tradicionalmente, esses aspectos no gênero masculino? E, ainda, é possível que os sujeitos, independentemente do gênero, apresentem performances semelhantes? Qual a percepção dos homens em relação à atuação feminina no mercado de trabalho? Será que os homens estão preparados para serem liderados pelas mulheres? E, finalmente, estão as mulheres realmente sentindo-se empoderadas quando exercem cargos de chefia? Levando-se em conta que o empoderamento não proporciona vivências iguais para todas as mulheres, ele não tem começo bem definido, sendo ajustado pelo indivíduo de acordo com suas experiências de vida e o contexto no qual está inserido (Felipe et al., 2014).

Nesse sentido, este estudo, tendo como foco problemático as relações de empoderamento de mulheres que ocupam cargos de gestão (pró-reitoria) em uma universidade federal, apresenta como objetivo geral analisar as relações de empoderamento dessas mulheres que ocupam cargos de gestão. Para nortear o objetivo da pesquisa, têm-se como objetivos específicos apresentar o perfil das gestoras pesquisadas, investigar sua percepção em relação à posição hierárquica que exercem e compreender os desafios/dificuldades que elas enfrentaram/enfrentam em seu ambiente de trabalho com seus pares e subordinados.

Destaca-se que os estudos sobre as relações de poder nas organizações abrangem temáticas que envolvem, entre outros elementos, a subjetividade, o conflito, a dominação e os movimentos de adesão e resistência (Capelle, 2006). Assim, este trabalho é justificável na medida em que busca um melhor entendimento sobre as relações de gênero e empoderamento da mulher. Esse assunto é discutido também pela Organização das Nações Unidas (ONU). Conforme o site do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), a ONU Mulheres está em pleno funcionamento desde 1º de janeiro de 2011 e é regida por sete princípios de empoderamento da mulher que visam à equidade de gênero. Vale destacar que esta pesquisa tem seu direcionamento para a compreensão do empoderamento feminino e suas relações no ambiente de trabalho, não se preocupando em considerar habilidades ou competências no exercício dos cargos de gestão envolvidos, no que tange ao desempenho das funções e da relação entre os gêneros.

Revisão da Literatura

Teoria do Poder

A parte da gramática que trata da origem da palavra “poder” a trata como uma expressão de ação, controle ou persuasão. A palavra poder origina-se do latim vulgar potere, substituído no latim clássico por posse, que vem a ser a contração de potis, que significa, “ser capaz”, “ter autoridade” (Ferreirinha & Raitz, 2010, p. 2).

Ao longo da história da humanidade, o termo “poder” suscita algumas interpretações, pois pode estar associado a eventos negativos, como, por exemplo, a história da escravidão. Somente depois de muitos séculos, as pessoas conseguiram considerar o verdadeiro sentido do poder e das variadas formas de seu uso no que diz respeito à vida social, aos relacionamentos entre pessoas, às organizações e às nações. “Em qualquer sociedade, todos os relacionamentos estão sujeitos a um mínimo de normas pautadas em tradições, valores, crenças e padrões de comportamento que constituem a cultura do grupo e a regulam” (Krausz, 1991, p. 17).

Vários autores escreveram sobre poder, e todos têm dois pontos em comum: relacionamento e influência. Bourdieu (1989, p. 7) define poder como sendo “um estado de autoridade onde há invariavelmente a dinâmica (relação de poder) entre dominador e dominado”. Segundo esse autor, qualquer relação humana tem vínculos com a natureza simbólica (poder simbólico) que, mesmo sem perceber, inevitavelmente acaba influenciando na equidade, na conduta do indivíduo e nas relações – sejam elas de esferas de cunho religioso ou linguístico – ou até mesmo nas relações e nos símbolos estabelecidos na cultura organizacional (Bourdieu, 1989).

O poder organizacional está presente em todas as partes das instituições, “ele não é uma unidade global, passível de observação e análise, mas uma prática social que assume formas heterogêneas, às vezes díspares entre si, porque é constituído historicamente e resulta de articulações locais circunscritas a determinadas áreas de ação” (Fleury & Fischer, 2010, p. 29). Portanto, o caráter do poder depende muito da localidade, da regionalidade e da postura de quem o emprega. Conforme Krausz (1991), a eficácia do uso do poder nas suas diversas formas dependerá da capacidade, sensibilidade e postura ética de quem o emprega no sentido de obter a aceitação dos atos influenciais.

Há séculos, as pessoas sofrem pressão para se habituar e se adequar às suas culturas e, por isso, desenvolvem opções para lidar com a atuação do poder das pessoas e das instituições ao seu redor – dessa pressão social é que se originam as pessoas influenciadoras e influenciadas. Krausz (1991) dá um exemplo em seu livro Compartilhando o poder em suas organizações que se refere ao indivíduo que ocupa uma posição gerencial intermediária em uma empresa. Como chefe de seus subordinados, terá o papel de influenciador; como subordinado de seu chefe, terá o papel de influenciado. Nessa parte também se insere o conceito de “empoderamento” que remete à palavra “poder”, em destaque no que diz respeito às relações sociais (Krausz, 1991). De acordo com Kleba (2005), tendo em vista a formulação do conceito sobre empoderamento ser de origem inglesa, alguns autores preferem usar o termo em inglês empowerment para manter a característica da tradução.

O empoderamento possui vários significados, podendo expressar controle, emancipação e até mesmo busca de poder social ou político. Empowerment “é um conjunto de procedimentos que buscam a interação e o envolvimento das pessoas com o trabalho e que as impulsionam a tomar iniciativas e a interferir com ações no processo produtivo” (Herrenkohl, Judsos & Heffner, 1999, p. 375). O poder pode proporcionar autoritarismo, porém também pode gerar valorização e crescimento profissional. Conforme Lisboa (2008, p. 7), “empoderamento é o mecanismo pelo qual as pessoas, as organizações e as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir”.

De acordo com Bordieu (2007), empoderamento consiste na autonomia e na posição de dominador simultâneo num mesmo indivíduo. Por exemplo, em uma empresa, existe um cargo de gerência, e o ocupante tem o poder formal. A partir desse cargo, ele pode se empoderar, aderindo às funções e à autonomia nas tomadas de decisões para si. Nesse sentido, pode-se dizer que há um processo de empoderamento, ou seja, o ocupante do cargo está se sentindo empoderado de fato (Bordieu, 2007).

Mosadale (2005) salienta que o empoderamento somente pode ser alcançado pelo indivíduo que quer se empoderar. Mesmo que um terceiro indivíduo possa criar uma situação ou condição favorável para que isso se concretize, somente o interessado pode realizar a ação. Portanto, todos os sinônimos e os significados da palavra empoderamento apresentam a capacidade de o indivíduo ter autonomia e controle nas suas ações e iniciativas, assumindo seu próprio destino.

Na questão empoderamento e gênero, Prá (2006, p. 40) explica empoderamento da mulher e inclui nas relações de poder que “o empoderamento da mulher se refere ao poder e às relações dentro da sociedade que se entrecruzam com o gênero, a classe social, a raça, a cultura e a história”.

A seguir serão abordados conceitos sobre as relações entre gênero e poder, principalmente no que se refere ao empoderamento da mulher, aos desafios que elas enfrentam e como elas se sentem em relação aos seus pares.

Relação entre Poder e Gênero

O estudo da relação entre poder e gênero é importante para que se possa entender as dificuldades e os desafios dos homens e mulheres. Também cabe destacar a diferença entre sexo e gênero. Conforme Strey (1997, p. 98), “sexo é um sistema multivariado e sequencial, incluindo o lado cromossômico, hormonal, fetal e morfológico, sendo o que distingue fisiológica e biologicamente a mulher do homem”. Já a distinção do gênero para sexo surge através da diferença entre sexos. Sendo assim, o sexo difere-se fisicamente, e o gênero é construído socialmente (Strey, 1997). Muraro e Boff (2002) esclarecem que o modo pelo qual os homens são desde pequenos induz à vida autônoma, pública, pontuada por objetividade e agressividade. Já a educação formada para as mulheres tende à vida para a adoção, intuitiva, com personalidade mais sensível, e, portanto, o comportamento de homens e mulheres é definido pelos meios socioculturais (Muraro & Boff, 2002).

Outra forma de reafirmar a dominação masculina na sociedade é o que Bourdieu (2007) chama de violência simbólica, a qual ocorre de maneira subjetiva e, muitas vezes, passa imperceptível, pois o grupo dominado não se vê como vítima, e sim como fazendo parte de um processo natural.

[...] alcançar a igualdade de gênero é um processo vagaroso e ao mesmo tempo desafiador pelo fato de o mesmo estar arraigado nos valores, crenças e práticas de uma sociedade, o que requer muito mais do que mudanças em leis ou políticas públicas, ou seja, são necessárias mudanças de práticas nas famílias, nas escolas, nas comunidades, bem como nos processos de tomada de decisão, tanto no âmbito público, como no político e no organizacional e, principalmente, no que se refere ao próprio sujeito (Melo, 2011, p.1).

Para Scott (1995, p. 86), “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”. O autor fundamenta que o gênero é a parte inicial na qual serão movimentadas as relações de poder, pois se acredita que essas relações são o significado de masculino e feminino em sociedades e organizações. Del Priore (2010) define a mulher como o padrão de moralidade e conduta a ser seguido pelo resto da sociedade da qual fazia parte. A mulher tinha que se comportar e ser o padrão de perfeição, o que a autora chamou de “a fabricação da santa mãezinha” (Del Priore, 1993, p. 105).

Figueiredo (2001, p. 144) sinaliza que “quando as mulheres ingressaram no mercado de trabalho, mesmo em tarefas mecânicas, as ocupações eram designadas e ocupadas discriminadamente por raças e condutas específicas de mulheres”. Por exemplo, no minério ficavam as negras e no comércio as brancas. Porém, as coisas começaram a tomar outro rumo com os avanços da medicina, com o controle de natalidade e com o desenvolvimento das pílulas anticoncepcionais, pois as mulheres passaram a decidir sobre ter filhos ou não, surgindo, assim, a revolução feminista.

Porém, segundo Kanan (2010), as coisas começaram a tomar outro rumo com as mulheres brasileiras, que conseguiram inserir-se em outros espaços especialmente em função do crescimento de seu nível de instrução, diminuição da taxa de fecundidade e maior número de famílias com chefia feminina. Ainda, a mesma autora menciona que a discordância das mulheres em relação à dominação masculina fez surgir uma proposta feminina: uma modificação do conceito de poder, o qual passa a ser entendido como compartilhado e democrático, e não com o sentido de deter o poder de maneira autoritária e opressora. Conforme Castells (2008), a revolução feminista não impelia uma dominação feminina, mas sim uma possível igualdade social com os homens, e, além disso, tal revolução também abriu portas para as mulheres no mercado de trabalho e na política.

No entanto, a atuação da mulher, principalmente no mercado, por mais que seja há algum tempo discutida, ainda gera discordância nas relações de gênero, como, por exemplo, remuneração e possibilidades de promoção. O IBGE lançou, no dia 8 de março de 2012 (Dia Internacional da Mulher), uma pesquisa sobre a representatividade da mulher no mercado de trabalho, e esse estudo revelou que as mulheres com o mesmo tempo de experiência que os homens recebem menos.

Para Bordieu (1998), ter poder é mais difícil para as mulheres, pois historicamente o poder da autonomia está com os homens. Portanto, fica mais difícil alcançar a igualdade, e o empoderamento fica dependendo da regulação de seus pares masculinos que quebram a autonomia e impedem as realizações de empoderamento. Menezes (2012) designa a barreira para ascensão da mulher com a terminologia firewall, por causa do antivírus operacional que age quando vê seu sistema sendo atacado por um corpo estranho. Para esse autor, a dominação masculina é presente constantemente nas organizações, mas não se manifesta em todas elas, e a transposição social da mulher é um fenômeno ainda sutil nas relações de gênero (Menezes, 2012).

Melo (2011) constatam que, ao longo do tempo, as mulheres estão mudando seu comportamento para competir em igualdade com os homens. Elas vêm conquistando isso através da educação, capacitando-se para o mercado de trabalho; e, de fato, há na sociedade uma geração de mulheres que luta por reconhecimento e valorização. Conforme Prá (2006, p. 40), “o empoderamento da mulher se refere ao poder e às relações dentro da sociedade que se entrecruzam com o gênero, a classe social, a raça, a cultura e a história”, e o poder está identificado com a equidade e a igualdade da mulher e do homem no que se refere ao acesso a recursos e vantagens.

A mulher que era dependente financeiramente do marido, com o tempo, além de constituir uma família, vem procurando construir sua própria identidade, buscando independência para traçar seu próprio caminho, mostrando sua capacidade e força de vontade (Machado, 2002). Conforme Georges (2008), há divergência entre o que as mulheres almejam conquistar e o que elas realmente atingem como objetivo profissional, mas a culpa não é somente da dominação masculina, isso se deve também pela influência do que Bordieu (1989) chama de poder simbólico, que é o poder que ocorre de maneira subjetiva e, muitas vezes, passa de modo imperceptível.

A seguir, apresentam-se os aspectos metodológicos para a realização deste estudo envolvendo mulheres que ocupam cargos de poder em uma Universidade Federal.

Método de Pesquisa

Para a realização do presente estudo, foram utilizados vários conjuntos de procedimentos para ter sucesso nos objetivos propostos. A abordagem do estudo é de natureza qualitativa, segundo a qual, para Triviños (1987, p. 175), “não existe preocupação com números, medidas ou expressões quantitativas, expressando uma visão mais subjetiva dos atores envolvidos”.

Como esta pesquisa teve como objetivo analisar as relações de empoderamento de mulheres que ocupam cargos de gestão em uma universidade federal, ela é caracterizada como descritiva. Para Gil (2002, p. 42), “as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”.

Trata-se de um estudo de caso, pois, conforme Chizzotti (2006, p. 10), os estudos de caso “visam explorar [...] um caso singular, situado na vida contemporânea, bem delimitado e contextuado em tempo e lugar para uma busca circunstanciada de informações sobre um caso específico”. Sendo assim, a pesquisa consiste em um estudo de caso em uma universidade federal, no qual foi realizada uma entrevista adaptada de Oliveira (2012), composta por vinte perguntas, com duas pró-reitoras da universidade.

A justificativa para a escolha das participantes do estudo reside no fato de que a Respondente 1 foi a primeira mulher a ocupar a pró-reitoria na área de Gestão de Pessoas e a Respondente 2, em cinco anos de trabalho, conseguiu ser pró-reitora substituta também na área de gestão de pessoas. Conforme levantamento de dados realizado pelo Cadastro Catho – um banco de dados com informações de mais de 7 milhões de profissionais –, constatou-se que o número de mulheres em cargos de gerência, como a de vice-presidência, por exemplo, passou de 12,89% em 2002 para 27,06% em 2015.

Quanto à técnica de coleta de dados, foi usada a entrevista. Para Minayo (1999, p. 57), o uso dessa técnica “se caracteriza por uma comunicação verbal que força a importância da linguagem e do significado da fala. Já, em outro nível, serve como um meio de coleta de informações”. O estudo busca sistematizar as variáveis encontradas nas respostas dos sujeitos de acordo com as perguntas enunciadas, tendo como técnica a Análise de Conteúdo (Bardin, 2006).

Análise e Discussão dos Resultados

Nesta parte, serão apresentadas as análises dos resultados, feitas após a entrevista com duas pró-reitoras de uma universidade federal, cargo ocupado por indicação do reitor.

No entanto, inicialmente, apresentam-se alguns apontamentos no que diz respeito à universidade estudada. Trata-se de uma instituição federal de ensino superior constituída como autarquia especial vinculada ao Ministério da Educação e foi fundada em 1960. A atual estrutura, determinada pelo estatuto da universidade, estabelece a constituição de 12 unidades universitárias, e, além disso, a Instituição possui três unidades de educação básica, técnica e tecnológica. Possui, em pleno desenvolvimento, cursos, programas e projetos nas mais diversas áreas do conhecimento humano, agrupando 113 cursos de graduação presencial, 94 cursos de pós-graduação e um curso de pós-doutorado. Essa universidade está localizada no interior do estado do Rio Grande do Sul e apresenta papel fundamental na região, impactando significativamente na vida das pessoas e na economia local.

No que tange aos aspectos da gestão da universidade, por ser uma instituição pública, segundo Saldanha (2006, p. 12), “em primeira análise, a gestão teria as mesmas características da administração, porém, válidas para um período de tempo determinado”. A gestão pública, conforme Matias-Pereira (2012), é um sistema complexo, composto de instituições e órgãos do Estado, normas, pessoas, infraestrutura, entre outros, com o objetivo de exercer de forma adequada a autoridade política e as demais funções constitucionais visando ao bem comum. Assim, a gestão pode ser considerada uma ferramenta que visa orientar os gestores e a executar seus objetivos através de um conjunto de normas e princípios.

A administração pública envolve aspectos econômicos, organizacionais e políticos. Quanto ao aspecto econômico, as empresas não visam ao lucro e são voltadas para o bem-estar social. Já, no aspecto organizacional, são as forças externas que podem afetar o bom desempenho da administração pública, seja por objetivos sociais ou econômicos. E, no que se refere ao aspecto político, as empresas públicas sofrem influência do impacto político, gerando resultados bons ou ruins (Marques, 2008). Vale ressaltar que o aspecto econômico, o organizacional e o político são interdependentes e possuem várias funções. Um aspecto comum a todos pode ser a falta de funcionários e a rotatividade gerencial devido à troca de governos.

Assim, existe no contexto da universidade, vários cargos de gestão que envolvem relações de poder e de subordinação; mas, com algumas exceções, tais cargos são ocupados via indicação da reitoria, caso dos sujeitos deste estudo, que foram empoderados dessa forma. Nesse sentido, a escolha em realizar a pesquisa com as duas pró-reitoras também se justifica por, no momento do estudo, ocuparem, hierarquicamente, os maiores cargos investidos por mulheres.

Primeiramente foram realizadas perguntas sobre o perfil das gestoras, Por meio delas, foi identificada a idade das respondentes, assim como também o estado civil, a escolaridade, o tempo na instituição e o cargo que elas ocupavam (Quadro 1).

Quadro 1
Perfil das Entrevistadas
Identificação Idade Estado Civil Escolaridade Tempo na Instituição Cargo
Respondente 1 61 anos Solteira Mestrado 35 anos Pró-Reitora de Gestão de Pessoas
Respondente 2 32 anos Solteira Mestrado 5 anos Pró-Reitora Substituta de Gestão de Pessoas e Coordenadora de Concursos
Fonte: Dados da pesquisa.

Além das questões de perfil, foram realizadas mais nove questões relativas ao empoderamento e nove sobre relações de poder e gênero, que envolvem principalmente a escolha delas para o cargo atual, como se sentem em estar atuando e como são vistas diante de seus pares ou subordinados. Santos, Brandão e Maia (2015) relatam que a decisão de optar por uma carreira pública tem sido seguida por milhões de brasileiros, que passam a se preparar para os concursos todos os anos. Ainda, os autores mencionam que o fator remuneração é importante nessa decisão. De fato a Respondente 2 mencionou que a necessidade de ajudar os pais financeiramente foi aspecto fundamental em sua decisão de escolher a carreira pública.

Quando questionada sobre as razões em escolher ser uma funcionária pública, a Respondente 1 disse não ter programado; que foi algo que aconteceu conforme as circunstâncias da vida, ainda que ela tivesse como perspectiva trabalhar na área pública.

A Respondente 2 relata que a escolha se deu por questões pessoais, pois precisava ajudar sua família e tinha medo de entrar na área privada e correr o risco de ser demitida a qualquer momento. Por ser a filha mais velha da família, ela sentiu que era sua responsabilidade ajudá-la financeiramente e percebeu a necessidade de procurar algo que lhe desse um plano de carreira e estabilidade.

Nesse sentido, é possível observar que a mulher concilia a vida pessoal com a profissional. Segundo Fischer e Marques (2001), esse fator é determinante para que ela desenvolva a habilidade de gestão, tanto com experiências de chefia da família, quanto com o convívio em uma equipe de trabalho.

Percebe-se também que a Respondente 2 se sente segura no que faz, motivo principal pelo qual aceitou atuar no cargo que exerce atualmente – como ela já vinha exercendo a função de administradora, sentiu-se segura para atuar como chefe de núcleo em uma coordenadoria e ser a pró-reitora substituta da área de Gestão de Pessoas. O motivo de a Respondente 1 aceitar o cargo que ocupa é o gosto pela área de Gestão de Pessoas. Embora seja um cargo de bastante responsabilidade, a gestora abre mão da zona de conforto para ter essa satisfação.

A área de Gestão de Pessoas é uma área que me identifico muito, que eu gosto e por isso aceitei o desafio, embora todas as implicações que tem a gente assumir essa função (Respondente 1).

Gestão de Pessoas é uma área que exige manter-se atualizado sempre. Conforme Dutra (2002), no padrão global em que se encontram atualmente as organizações e a concorrência, a competividade exige gestores que se articulem bem entre si e que estejam em um processo contínuo de aprimoramento e aperfeiçoamento.

Além da rotina do cotidiano, a gente tem que se manter atualizada, os controles tanto interno como externo são maiores, cada vez mais exigentes no serviço público e a gente tem que se manter atualizada (Respondente 1).

Não obstante, pode-se observar o aumento das mulheres no mercado de trabalho, algumas vezes com o objetivo de complementar a renda familiar, mas, em suma, com a pretensão de ter sua independência pessoal e financeira. Diante desse aumento da presença feminina no universo laboral, as gestoras entrevistadas relataram que conseguem equilibrar sua vida pessoal com a profissional, mesmo não sendo uma tarefa fácil.

Outro fator que dificulta o equilibro entre a vida pessoal e profissional, para a Respondente 2, é ter dois empregos e trabalhar três turnos. Com a rotina de casa para o trabalho, de um trabalho para outro, mesmo que seja recompensador financeiramente, não é fácil conseguir esse equilíbrio, pois é necessário abrir mão até mesmo do convívio com amigos e familiares.

Eu me policio assim, eu trabalho a semana toda até sábado de manhã, sábado à tarde até noite é minha folga, pois domingo de manhã já começo a me preparar para a semana (Respondente 2).

No caso deste estudo, as respondentes são solteiras, mas é importante mencionar que muitas mulheres, além de seus afazeres profissionais, ainda têm a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos. Piovesan (2011) cita que, ao longo da história, foram atribuídos, às mulheres, os cuidados com os filhos e o marido, além de tarefas domésticas; e, aos homens, foi destinada a esfera pública. Essa divisão de responsabilidades com a casa ainda é predominante, fazendo com que as mulheres tenham sobrecarga de atividades após o horário de trabalho.

A combinação entre vida profissional e cuidados com a família pode trazer dificuldades para que as mulheres possam ser mais produtivas, impactando, por exemplo, em uma menor remuneração, em menos oportunidades de inserção e estabilidade no mercado de trabalho, e em dificuldades para obtenção de cargos de liderança ou de chefia, uma vez que, no Brasil, a média de horas que as mulheres utilizam para realizar as tarefas domésticas é mais que o dobro da média de horas que os homens utilizam para isso (Agostinho, & Saboia, 2011).

Essa fase de crescimento da carreira da mulher é considerada por Steil (1997) como o fenômeno “teto de vidro”. Este seria o processo sutil de impedimento da mulher de avanços profissionais em função do gênero. O termo refere-se ao processo sutil, mas instransponível, como o vidro.

Em relação à recompensa sobre o trabalho que realizam na universidade, ambas as gestoras se sentem recompensadas, e o reconhecimento e a recompensa financeira são fatores que as motivam, embora a Respondente 1 não tenha um parâmetro para saber se, na mesma função que exerce na instituição, ela seria mais ou menos recompensada financeiramente do que em uma instituição privada. Ela se sente recompensada, pois, economicamente, tem condições de ter uma vida independente.

A Respondente 2 cita o reconhecimento como forma de recompensa, pois, na maioria das vezes, a escolha se dá por profissionais mais antigos, com mais tempo de carreira, para assumir algum cargo de chefia ou gestão, e ela nunca imaginava que em tão pouco tempo seria escolhida para assumir cargos de gerência.

Em relação a normas e regras da Universidade, a Respondente 1 comenta que a área de Gestão de Pessoas no serviço público tem um grande arcabouço de ordem legal; apresentando, portanto, uma normatização exigente, principalmente para ingresso de pessoas na universidade, pois tem que seguir o plano de cargo sem acrescentar atributos a mais no processo de recrutamento e seleção.

Tem, sim, uma certa rigidez, muitas vezes na iniciativa privada, em alguns sistemas na área de Gestão de Pessoas, tem mais flexibilidade do que no serviço público (Respondente 1).

A Respondente 2 diz que, no seu setor, as regras são bastante rígidas com relação a legislação e prazos mais flexíveis, no sentido que é livre para propor alterações nas resoluções e propor suas ideias. Para ela seria ruim um trabalho em que as decisões viessem, hierarquicamente, imutáveis. Com relação às decisões que precisam ser tomadas na instituição, a Respondente 1 sente-se segura, pois tem uma longa trajetória na área de Gestão de Pessoas; caso não se sentisse segura, ela não assumiria esse cargo de pró-reitora, pois é de muita responsabilidade decidir sobre a vida de um grande número de pessoas.

Quem assume a função de Pró-Reitora tem que exercer liderança, se eu estou na função e não consigo ter conhecimento e não consigo transmitir essa segurança, para minha equipe impactaria negativamente (Respondente 1).

A Respondente 2 também cita a experiência na área em que ela atua e toma sempre as decisões dentro da legalidade, tendo apoio de uma equipe, a Procuradoria Jurídica (Projur), que também a ajuda a se sentir segura nas decisões que precisa tomar.

Foi perguntado também para as respondentes se havia diferenciações no trato de homens e mulheres por parte dos superiores. A Respondente 1 foi muito rápida e clara ao responder que ela não percebia isso dentro da universidade, e a Respondente 2 disse também não perceber haver diferenciação no trato de homens e mulheres na universidade.

Acredito que seja por ser setor público, se fosse talvez no setor privado, a gente lê muitas reportagens que há desigualdade de salários, aqui não, aqui podemos ocupar os mesmos cargos (Respondente 2).

A percepção da Respondente 2, de que ainda se veem muitos casos de desigualdades de salários, vai ao encontro do entendimento de Bruschini e Lombardi (1996), que percebem que as mulheres passam por várias maneiras de discriminação ao procurar trabalho, como, por exemplo, a desigualdades no salário em relação aos homens, mas também menos oportunidades e impedimentos para alcançar cargos de comando e chefia. No entanto, as autoras ainda entendem que, mesmo com essas dificuldades, as mulheres se inserem e se mantêm cada vez mais em atividades produtivas.

Quando perguntadas se era fácil ou difícil conviver com mulheres/homens na instituição, a Respondente 2 diz que não vê diferenciação e acredita que seja porque o ingresso é feito por concurso, o que garante a todos os mesmos direitos; cita, ainda, que é mais perceptível que entram mais mulheres do que homens. A Respondente 1, comentando sobre sua trajetória na escolha do curso realizado e de sua profissão, conta que, quando se formou em Administração, havia apenas quatro mulheres e que, em sua época, formavam-se mais homens em Administração do que mulheres, e, assim, ela já foi desafiando esse espaço. Também comenta que as pessoas ao seu redor fazem um pré-julgamento, dizendo: “Ah, essa é uma profissão mais masculina ou mais feminina”. Segundo ela, esse pensamento nunca a impediu de realizar seus objetivos.

Quando tenho que impor minhas decisões nunca penso no fato de ser mulher ou não, eu penso assim, essa é minha função e tenho que tomar as decisões, mas nunca penso na questão dos gêneros (Respondente 1).

A crença de que existem atividades que são mais indicadas para homens ou mulheres começa a ser gerada ainda na infância

Nas rotinas escolares, meninos e meninas são expostos a mensagens sobre como devem se comportar, sobre o que se espera deles e delas ou o que lhes é permitido ou proibido e, mesmo do que é “normal” a cada um gostar (Teixeira, 2010, p. 41).

Essa influência, que acontece tão cedo, mantém-se ao longo dos anos, gerando segregação em relação ao gênero na escolha das profissões.

A Respondente 1, quando perguntada sobre quais cargos as mulheres têm ocupado mais na universidade, comenta que, na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo e que, atualmente, apenas quatro mulheres atuam no total das pró-reitorias existentes.

A Respondente 2 citou professoras assumindo cargos de chefia. O ingresso das mulheres no mercado de trabalho é influenciado pelo avanço da escolaridade das brasileiras, que estão tendo cada vez mais acesso à educação, o que faz com que, em relação aos homens, a escolaridade das mulheres trabalhadoras seja superior (Bruschini, 2007).

Quando perguntada sobre questões étnicas e raciais, se havia diferenciações no trato, a Respondente 1 cita que nunca houve problemas de racismo, embora ela comente que é uma situação que está se consolidando, pois, no concurso que aconteceu em julho de 2015 na universidade, foi a primeira vez que se contemplou a legislação, reservando cotas para negros e pardos. Também citou que tem vários colegas negros e negras e que nunca presenciou problemas com discriminação. A Respondente 2 também comentou sobre essa nova lei na universidade que precisa contemplar as cotas raciais para professores titulares, professores substitutos e técnicos administrativos, mas ela não vê como uma diferenciação e, sim, como uma exigência legal.

Cunha (2012) relata que, devido à conscientização das questões raciais, ao compromisso de esferas da sociedade, dos governos e dos meios de comunicação no amparo e na valorização da diversidade e igualdade étnico-racial e também à luta contra a discriminação, nas duas últimas décadas aconteceram mudanças significativas que permitiram algumas conquistas concretas. É o caso da lei n. 12.900, de 9 de junho de 2014, citada pelas respondentes, que reserva 20% das vagas em concursos públicos aos negros.

Foi perguntado a elas se havia incentivo de progressão de cargos. A Respondente 1 explicou que, na universidade, existem três carreiras que são: a do professor magistério superior, a do professor ensino básico, técnico e tecnológico e a do técnico- administrativo. A Respondente 1, como administradora, enquadra-se na carreira do técnico-administrativo e, pela legislação, pode chegar até pró-reitora, não podendo ser reitora nem vice, porque são funções privativas para quem ocupa a carreira docente. Ela, no entanto, sente-se muito realizada profissionalmente.

Eu cheguei ao topo em termos de promoção, o que eu poderia ser eu cheguei, que é ser Pró-Reitora (Respondente 1).

A Respondente 2 explicou que esse incentivo de progressão foi uma das formas de ela querer seguir a carreira no serviço público e explicou também que existe incentivo de progressão por méritos, que é feito pela avaliação de desempenho e progressão por capacitação, mediante cursos com uma determinada carga-horária em um período de 18 em 18 meses até três níveis. Além disso, a Respondente 2 comentou que a carreira dentro da universidade prevê que, se o profissional fizer especialização, este tem um aumento no salário de 30%; se fizer mestrado, 52%; e doutorado, 75%, além de cursos gratuitos que um dos núcleos promove.

Isso faz com que se crie uma cultura, tu convives com pessoas que tão sempre estudando, então mesmo que tu não tenhas o perfil de estudar bastante, tu vais acabar se profissionalizando cada vez mais, porque sabe que vai ser recompensado por isso, sabe que vai progredir, eu comparo com as empresas privadas que muitas não têm esse incentivo, então as pessoas não vão adiante (Respondente 2).

Com essas análises, na perspectiva das gestoras, pode-se verificar que, na instituição onde elas trabalham, não há diferenciação de gênero, tanto no relacionamento como em questões salariais, porém citam que já souberam de relatos de outras empresas de setor privado em que há desigualdades em relação a cargos e salários. Bruschini (2007) menciona que as remunerações mais baixas recebidas pelas mulheres, em comparação aos homens, são reafirmadas ao se levar em conta os setores econômicos, o cargo na ocupação, as horas de trabalho e a formação delas.

Conforme o comentário das respondentes, é possível perceber que elas se sentem empoderadas, buscam participação dos seus subordinados, delegam poder nas decisões que precisam tomar, têm autonomia, estão seguras e pensam que precisam garantir segurança para sua equipe também. Portanto, a partir dessas análises, verificaram-se as percepções das gestoras entrevistadas sobre assuntos de relações de poder e gênero e empoderamento. Com a contribuição delas, contando suas experiências e motivos, tornou-se mais fácil a compreensão, a discussão e conclusão deste estudo.

Considerações Finais

Este trabalho é justificável na medida em que busca um melhor entendimento sobre as relações de gênero e empoderamento da mulher. Os dados de 2011 do IBGE chamam a atenção, revelando que as mulheres, independentemente dos anos de estudo e mesmo tendo a igualdade salarial amparada por lei, em média, recebem menos que os homens.

Nessa perspectiva, Cruz (2010) relata que a distinção entre homens e mulheres é um fenômeno evidente, em relação tanto a questões biológicas como culturais. Dessa forma, o autor percebe que mecanismos de identificação são usados com o objetivo de “produzir” o homem e a mulher, fazendo com que eles precisem se moldar aos comportamentos que são aceitos, para que possam ser considerados “normais” em relação a sua condição sexual.

Silva (2010) entende que o mito da dependência da mulher em relação ao homem foi originado pelas sociedades de base patriarcal. Segundo ele, tal discurso ficou arraigado na herança antropológica, e, ao longo dos anos, a composição do imaginário coletivo não foi redimensionada no que diz respeito às questões de gênero. Nas culturas patriarcais, como a brasileira, associa-se a mulher ao privado e à subordinação, impondo, a elas, essa condição (Monteiro, 2015). Assim, a segregação sexual não acontece apenas pela crença na natureza “masculina” ou “feminina”, na verdade, essa segregação gera poderes, beneficiando apenas alguns em seus interesses (Teixeira, 2010).

Como foi possível verificar nas entrevistas realizadas com as gestoras, as mulheres atualmente se dedicam não somente às atividades domésticas, mas também possuem uma profissão ou até mesmo duas profissões. Por isso, a importância em pesquisar se também ocorriam esses fatos de desigualdade com essas gestoras.

Para o processo de mudança nessa cultura já estabelecida, segundo a qual alguns comportamentos são considerados aceitos para determinado sexo enquanto outros não, Albuquerque (2010, p. 31) menciona que “seria importante que uma nova etapa dos feminismos incluísse os homens como sujeito e como objeto de suas práticas e discursos”. Assim, o processo de mudança dessas crenças estaria incluindo não só as mulheres, mas ambos os sexos.

Este estudo teve como foco problemático a questão sobre como se dão as relações de empoderamento de mulheres que ocupam cargos de gestão (pró-reitoria) em uma universidade federal. Observou-se, por meio dele, que as relações se encontram bem definidas, e as gestoras nunca pensam na questão do gênero quando têm que expor suas decisões.

Quanto ao primeiro objetivo específico do estudo, que era apresentar o perfil das entrevistadas, foi identificado que a Respondente 1 tem o dobro da idade da Respondente 2 e trabalha trinta anos a mais que a Respondente 2 na universidade federal. A Respondente 1 é a pró-reitora de Gestão de Pessoas e a Respondente 2 é sua pró-reitora substituta, assumindo também uma coordenadoria de concursos. Fora da universidade, a Respondente 2 ainda leciona em uma faculdade privada. As duas estão solteiras, e a Respondente 2 explica que, por conta do trabalho, muitas vezes o lado social fica em segundo plano. As duas gestoras têm graduação e estrado em Administração e pretendem continuar os estudos para o acréscimo de 75% do salário (doutorado).

O segundo objetivo foi investigar a percepção das gestoras em relação à posição hierárquica que exercem. A Respondente 2 pretende crescer ainda mais como administradora, e a Respondente 1 explica que já chegou ao topo de promoção, que é ser pró-reitora. Ambas estão contentes com seus cargos, que obtiveram através de seus méritos, e sentem-se integradas na instituição e confiantes para liderar e passar segurança para seus subordinados.

Assim, nota-se que a formação da identidade feminina vem sendo alterada e está cada vez mais voltada para o trabalho produtivo, já que grandes transformações aconteceram nos padrões de comportamento e nos valores quanto ao papel social da mulher, que foram intensificadas pelos movimentos feministas dos anos 1970 e pela atuação mais presente das mulheres em espaços públicos (Bruschini & Lombardi, 1996). Dessa forma, as mulheres estão ganhando cada vez mais papel de destaque, tanto em instituições privadas quanto públicas, como no caso das gestoras participantes deste estudo.

O terceiro objetivo foi compreender os desafios/dificuldades que as gestoras enfrentaram/enfrentam em seu ambiente de trabalho com seus pares e subordinados. Conforme as Respondentes, talvez por ser em área pública, em que a forma de ingresso é igual para todos, elas não encontram dificuldades no convívio com seus pares e subordinados, explicando também que as ideias delas são ouvidas pelos superiores e contam com boas equipes para ajudá-las.

Em relação às limitações do estudo, houve certa dificuldade para marcar as entrevistas com as gestoras, pois os cargos delas exigem muitas responsabilidades e compromissos. Sugerem-se, para trabalhos futuros, estudos envolvendo a percepção dos homens em relação às mulheres em cargos de gerência e também de mulheres que trabalham em instituições privadas, visto que, em algumas pesquisas do IBGE, evidenciaram-se desigualdades em alguns setores.

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Autor notes

1 ca.fialho@yahoo.com.br, Brasil. Professora da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI. Doutoranda em Administração na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Rua José Bonifácio 3149, Centro, CEP: 97800-000 - São Luiz Gonzaga, RS – Brasil.
2 agatafr@outlook.com, Brasil. Bacharel em Administração pela Faculdade Integrada de Santa Maria – FISMA. Rua José do Patrocínio, 26, Centro, CEP: 97010-260 – Santa Maria, RS – Brasil.
3 mariajuliagai@hotmail.com, Brasil. Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. Av. Roraima, 1.000, Camobi, CEP: 97105-900, - Santa Maria, RS – Brasil.
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