
Resumo: A política de defesa da concorrência possui consideráveis lacunas no que diz respeito à análise de eficiências de um ato de concentração. Dada a tradição de uma análise estática, buscou-se explorar as possibilidades, os benefícios e as limitações da incorporação de certo dinamismo, sob a ênfase da inovação. Essa, retratada sob diversos nuances sob a perspectiva schumpeteriana, faz-se o elemento central da revisão bibliográfica elaborada. O intuito deste trabalho é contribuir para uma agenda de pesquisa que analise a relação existente entre um ato de concentração e a inovação, refletindo, dentre diversos aspectos, sobre os efeitos desse sobre o processo inovativo.
Palavras-chave: Inovação, Defesa da Concorrência, Eficiência Econômica.
Abstract: The antitrust policy has significant gaps with regard to the efficiencies analysis in a merger evaluation. Given the tradition of a static analysis, this paper tried to explore the possibilities, benefits and limits of incorporate certain dynamism, with emphasis on innovation. The innovative process, reflected by several nuances under a schumpeterian perspective, is the main element of the literature review elaborated. The aim of this paper is to contribute to a research agenda that analyse the relation between merger and innovation, reflecting, among many aspects, about the effect of mergers in the innovative process.
Keywords: Innovation, Antitrust Policy, Economic Efficiency.
Introdução
A concorrência capitalista pode ser vista como a luta das empresas pela sobrevivência no mercado. O processo permanente é uma lógica de assimetrias e a inovação presente nesse processo desestabiliza as estruturas de mercado existentes. Tem-se, então, a modificação da estrutura industrial e das formas de organização das empresas, atuando no longo prazo ao formar vantagens competitivas decisivas. Os atos de concentração constituem parte da estratégia empresarial de fazer frente à competitividade necessária para sua sobrevivência. Tais fenômenos não são recentes e têm demonstrado um ritmo cada vez mais acelerado. Assim, diante da análise dos objetivos da Defesa da Concorrência, torna-se evidente a finalidade de se garantir a existência de condições de competição. A necessidade de assegurar a existência de concorrência pode ser inteiramente compreendida ao se considerar os resultados positivos do ponto de vista social.
A concorrência deve ser defendida porque gera, ainda que não exclusivamente e nem sempre, eficiência no funcionamento dos mercados[2]. Assim, as leis relacionadas à Defesa da Concorrência tentam limitar o exercício do poder de mercado em sua forma abusiva, buscando evitar que o processo de concorrência seja restringido. Nesse contexto, o presente trabalho busca compreender as formas tradicionais que o aparato antitruste dispõe para analisar os atos de concentração. Incita-se que essas possuam lacunas, o que, por sua vez, mostraria a inconsistência dessas com as situações reais que envolvam o dinamismo, no tocante às incertezas e aos contornos relativos à inovação a que as empresas estão submetidas. Dessa forma, a inovação é posta em destaque.
Este artigo encontra-se dividido da seguinte forma. O primeiro item analisa a eficiência estática sob a perspectiva da análise antitruste, expondo as formas tradicionais de avaliação do conceito de eficiência econômica, sob as formas alocativa, produtiva e distributiva. Buscou-se retratar, ainda, o conceito de eficiência transacional, embasado pela Teoria de Custos de Transação, considerando as contribuições dos autores seminais Ronald Coase e Oliver Willianson. O segundo item trata do conceito de eficiência dinâmica. Tem-se como base que o enfoque estático se faz insuficiente para lidar com situações reais, que envolvem a correlação entre atos de concentração e o esforço inovativo da empresa. Assim, a incorporação da incerteza quanto aos resultados em um futuro não tão imediato constitui uma das principais contribuições para o aprimoramento da análise antitruste. Para a visão dinâmica, a concorrência schumpeteriana, aspecto central da análise, considera como mecanismo de mercado relações concorrenciais que não se dão via preços, mas sim por um conjunto de precondições estruturais e comportamentais. O terceiro item trata da inovação sob a perspectiva antitruste. A inovação, neste trabalho, é vista como um fator fundamental que compõe o crescimento econômico e dá forma às condições do mercado, afetando inclusive o comportamento dos agentes. Sob essa perspectiva, buscou-se compreender o impacto que as fusões e aquisições possuem sobre a inovação, incitando um novo enfoque passível de análise pelas autoridades antitruste.
Eficiência Estática e a Análise Antitruste
A análise econômica do antitruste é influenciada pela tradicional “Teoria da Organização Industrial”, que possui como hipótese central uma relação causal entre estrutura[3]-conduta-desempenho (E-C-D). A motivação dessa linha de estudo é a percepção de que mercados concentrados possuem implicações sobre o comportamento das empresas. Dentre seus teóricos, Bain (1956) reconhecia a concentração como elemento básico da estrutura do mercado, inovando ao escolher como variável principal do aspecto estrutural a “condição de entrada” de novas empresas, em outras palavras, as condições de concorrência potencial.
A intensidade das barreiras à entrada seria um indicador do poder de mercado das empresas oligopolistas e codeterminante da conduta e do desempenho empresarial[4]. A ideia é que as barreiras à entrada existem porque as empresas já estabelecidas, apenas por já estarem estabelecidas, possuem vantagens sobre as empresas potenciais. Portanto, a condição de entrada seria uma condição estrutural. Essa condição de entrada[5] estaria associada ao nível competitivo de preços, definido como o custo médio de produção, distribuição e venda da produção.
O estruturalismo e o seu modelo heurístico de base, a relação causal E-C-D, até hoje têm influência predominante na análise antitruste (POSSAS, 2002). Sua influência pode ser observada nas medidas de market-share e de concentração de mercado, além da avaliação sobre a existência e o nível das barreiras à entrada para avaliar a viabilidade de exercício de poder de mercado.
Segundo Possas (1998), as fusões e aquisições horizontais são analisadas pelos órgãos antitruste segundo alguns passos básicos, como: i) a estimativa das participações das empresas no mercado relevante; ii) a avaliação do nível de barreiras à entrada; iii) a observação das eficiências econômicas geradas pela operação[6]. Cabe a esse trabalho, dar enfoque ao estudo do terceiro item em questão – a análise das eficiências econômicas geradas por um ato de concentração. Nesse sentido, o presente item busca capturar as principais características dos efeitos positivos de um ato de concentração sobre o bem-estar econômico, a base normativa sobre a qual está enraizado, suas diferentes facetas e suas limitações. Ademais, tenta-se demonstrar o espaço existente para a incorporação de novas formas de análise, com a introdução de aspectos de maior dinamicidade.
A análise preponderante das eficiências econômicas tem como referencial teórico os pressupostos da concorrência perfeita. De forma simplificada, tais pressupostos - homogeneidade de produtos; perfeita mobilidade de recursos; atomismo; informação perfeita; ausência de custos de transação – criam um cenário ilusório e discrepante do que pode ser constatado na realidade. Dessa forma, a utilização de tais premissas em si já dá margem à crítica, dentro da perspectiva schumpeteriana.
Tais características embasariam o funcionamento do mercado, sendo possível, então, determinar a situação de equilíbrio proveniente dos ajustamentos entre diversos mercados. Nesse contexto, a situação eficiente de Pareto mostra-se como a alocação em que nenhum agente econômico conseguiria melhorar, sem piorar a situação de outro agente. O equilíbrio competitivo supondo-se ausência de falhas de mercado, então, apresenta eficiências econômicas em sua dimensão estática, desenvolvidas aqui, sob três formas – eficiência alocativa, eficiência produtiva e eficiência distributiva. Ademais, cabe analisar neste item apenas um critério alternativo de eficiência econômica que decorre da abordagem da economia dos custos de transação, e possui, portanto, caráter complementar à teoria neoclássica preponderante – a eficiência transacional.
Eficiência Alocativa
O conceito de eficiência alocativa trata da habilidade que a firma possui para utilizar os insumos em proporções ótimas, dados seus respectivos preços. Ou seja, trata-se da alocação socialmente eficaz dos recursos existentes, considerando-se a escassez desses frente às infindáveis necessidades dos agentes.
Em um contexto de equilíbrio geral competitivo, considerando-se o Primeiro e Segundo Teorema do Bem-Estar[7], a relação existente entre concorrência perfeita e ótimo de Pareto (que pode ser visto como a eficiência alocativa para a economia como um todo) toma forma. Vê-se então a percepção da eficiência alocativa, dentre a maioria dos economistas, como sinônimo de eficiência econômica como um todo, aproximando as diversas formas de eficiência a uma só.
Segundo Possas (2009), a eficiência produtiva se reduziria à alocativa, na medida em que esta implicaria aquela, ou seja, a concorrência perfeita impediria os custos de se situarem acima do mínimo que o uso eficiente da tecnologia permite. A eficiência alocativa também asseguraria a eficiência distributiva, ao impedir preços sistematicamente acima do custo marginal, ou seja, impedir o exercício do abuso de poder de mercado. Mesmo a eficiência dinâmica, que nitidamente contraria o embasamento estático da eficiência alocativa, acaba como subproduto desta quando analisada como uma medida intertemporal de eficiência alocativa.
Portanto, atos de concentração que resultem em situações alocativas com preços superiores aos custos marginais, sob a análise antitruste, são vistos como ineficientes. Segundo Geoffroy (2010):
A política antitruste deve ter o objetivo de evitar que as empresas detentoras de poder de mercado reduzam artificialmente a quantidade ofertada dos seus bens e serviços, provocando uma destruição de riqueza – o “peso morto” –, de modo a impedir que qualquer concentração possa trazer a quantidade para um patamar inferior àquele correspondente ao mercado perfeitamente competitivo. Quanto mais próximo da concorrência perfeita estiver estruturado um determinado mercado, tanto maior será o bem-estar econômico de sua sociedade (GEOFFROY, 2010, p. 18).
Eficiência Produtiva
A eficiência produtiva consiste na melhor combinação de insumos utilizada para gerar determinado nível de produto, a partir do uso da tecnologia existente. Considera-se, portanto, os pressupostos do modelo de concorrência perfeita já mencionados, sendo possível aplicar o conceito de eficiência de Pareto. Ou seja, um vetor de produção se diz eficiente quando não houver outro vetor de produção factível que gere tanta produção quanto o vetor em questão, utilizando a mesma quantidade de insumos.
Na esfera da defesa da concorrência, um ato de concentração pode gerar eficiência produtiva de três formas: via economias de escala, economias de escopo e sinergias. Ao mesmo tempo, um ato de concentração pode reduzir a eficiência produtiva, caso o maior poder de mercado gerado pela concentração intervir nos incentivos das firmas pós-fusão de manterem seus custos baixos.
As economias de escala estão associadas a dois tipos de fontes – as economias de escala reais e as economias de escala pecuniárias. Segundo Lotty e Szapiro (2002)[8], a primeira é dita real quando o fator que a explica é a redução na quantidade de fatores produtivos utilizados quando há um aumento da produção. Uma economia de escala é dita pecuniária quando o fato que a explica é uma redução no preço pago pelo insumo, o que reduziria os custos da empresa, porém não como consequência de mudanças reais no método de produção. Segundo a autora, existiriam quatro fontes principais de economias de escala reais – os ganhos de especialização; a indivisibilidade técnica; as economias geométricas e as economias relacionadas à lei dos grandes números.
No caso de um ato de concentração, diversas são as origens dessas economias de escala, tais como - a possibilidade de reduzir os custos duplicados, diluir os custos fixos, amenizar a proporção dos custos com manutenção de estoque. De forma geral, mudanças que levam a firma a um nível de produção mais próximo do nível de escala ótimo de produção.
Já quando analisamos a produção conjunta de mais de um tipo de produto, vemos o surgimento das economias de escopo. Ou seja, os custos de produzir conjuntamente dois produtos seria menor do que o custo de produzi-los separadamente. Assim, a existência de fatores comuns, a existência de reserva de capacidade e as complementaridades tecnológicas e comerciais (ou seja, o uso das mesmas instalações, da mesma rede de fornecedores e dos mesmos canais de distribuição, entre outros) surgem como componentes de vantagens competitivas advindas das economias de escopo.
Por último, cabe analisar o surgimento das sinergias. A definição de sinergia está relacionada às economias de custo, ou melhoras na qualidade, provenientes da integração de ativos específicos. Segundo Possas (1995), a incorporação de ativos intangíveis, que permitiriam a obtenção de ganhos extraordinários e que são de difícil reprodução pelos concorrentes, seria outra vantagem competitiva advinda de um ato de concentração. Tais ativos têm como características básicas o fato de serem criados no tempo, de serem efêmeros e o fato de sua “venda” não significar uma transferência em si, já que esses continuam a existir sob o domínio do vendedor e o comprador precisaria estar preparado para recebê-lo.
Assim, pode-se concluir, que sob a perspectiva da análise antitruste, a eficiência produtiva, também conhecida como eficiência técnica, seria a espécie de eficiência menos controversa. Tal eficiência mostra-se, então, amplamente utilizada na contraposição entre os efeitos anticompetitivos e os ganhos de eficiência de um ato de concentração.
Eficiência Distributiva
A eficiência distributiva considera a transferência que ocorre do excedente do consumidor para o produtor, tendo como foco o excedente total gerado pelo ato de concentração. Ou seja, a eficiência distributiva busca garantir a existência de excedente do consumidor em mercados onde possam existir ganhos supracompetitivos, oriundos do exercício de abuso de poder de mercado. É preciso destacar que dentre os métodos teóricos utilizados para medição das eficiências, o critério distributivo pode ser verificado em dois desses: o critério do excedente do consumidor e o critério price standard.
Segundo Corrêa (2009), o critério price standard ignora as reduções de custo que não são repassadas para os consumidores. Ou seja, reduções de custos seriam insuficientes para se justificar um ato de concentração, a não ser que os custos caiam tanto que os preços pós-fusão não sejam maiores do que os preços vigentes antes da operação. Tal condição significaria maiores exigências em termos de ganhos de eficiência, quando comparada ao critério do excedente total.
Já o critério do excedente do consumidor pode considerar outros aspectos, como redução na qualidade do produto pós-fusão ou redução na variedade de produtos, ao passo em que as firmas reduziriam o número de marcas produzidas. Esse critério não condiciona, portanto, a aprovação de um ato de concentração à neutralidade ou redução dos preços ao consumidor.
Eficiência Transacional
A eficiência transacional é um critério de eficiência com embasamento teórico na chamada Economia dos Custos de Transação, cuja contribuição de Ronald Coase, em 1937, com seu pioneiro trabalho - The nature of the firm - exercera grande influência posterior, como pode ser verificado nas obras de Oliver Willianson, expoente de uma nova vertente denominada “Nova Economia Institucional”.
Segundo Coase (1937), a explicação para a existência das firmas passa pela ideia de que se torna mais lucrativo estabelecer uma empresa, se os custos para o uso do mecanismo de preços são considerados. Ou seja, as formas organizacionais, também chamadas de estruturas de “governance”, são resultados da busca de minimização dos custos de transação por parte dos agentes econômicos (Fagundes, 1997). Assim, o tamanho das firmas passa a estar relacionado, não apenas à sua função de produção, mas à capacidade de se obter economias em termos de custos de transação.
Os custos de transação seriam, portanto, os custos relacionados à configuração de contratos que buscam melhorar a estrutura da transação de forma a minimizar os riscos e concretizar a transação de forma eficiente. Segundo Possas, Fagundes e Pondé (1996),
Os custos de transação nada mais são que o dispêndio de recursos econômicos para planejar, adaptar e monitorar as interações entre os agentes, garantindo que o cumprimento dos termos contratuais se faça de maneira satisfatória para as partes envolvidas e compatível com a sua funcionalidade econômica (POSSAS; FAGUNDES; PONDÉ, 1996, p. 7).
É preciso considerar que os pressupostos nos quais essa teoria repousa divergem, e de certa forma rompem com, dos pressupostos neoclássicos discutidos até o momento.
Williamson (1985) adota a hipótese comportamental da racionalidade limitada desenvolvida por Simon (1959). Diante das incertezas e na presença de informações assimétricas, a racionalidade dos agentes fica condenada à parcialidade, trazendo à tona a incapacidade dos agentes de prever e estabelecer medidas corretivas no que diz respeito a qualquer transação. Além desse pressuposto, encontra-se a constatação de que os agentes buscam o interesse próprio de forma oportunista. O comportamento oportunista dos agentes gera problemas de risco moral e de seleção adversa. Além do mais, esse comportamento torna-se possível dada a existência de contratos incompletos, que implicam riscos, ao mesmo tempo em que esses só são possíveis devido à racionalidade limitada dos agentes.
Ainda quanto à caracterização dos custos de transação, Williamson (1985) identifica três dimensões relativas aos mesmos: frequência, incerteza e especificidade dos ativos. A primeira refere-se ao número de vezes que uma transação é realizada, sendo que os custos associados a essas transações estão em relação inversa com o número de transações ocorridas. A imprevisibilidade inerente aos contratos traz a dimensão da incerteza, ou seja, essa está diretamente relacionada ao pressuposto do comportamento oportunista. Por fim, a especificidade dos ativos está associada ao condicionamento entre o retorno do ativo e a continuidade da transação, de tal forma que a continuidade da transação deixa de ser impessoal e instantânea.
Considerando-se a existência de custos referentes à utilização dos mecanismos de preço, a concentração vertical surge como uma possibilidade de se substituir os custos advindos do ato de comprar e vender no mercado pelos custos de transferência intra-empresas. A importância de se analisar tal possibilidade pode ser verificada no artigo The Economics of Governance, de Williamson (2005), que analisa a concentração vertical como o problema-paradigma dos estudos sobre governança, para o qual, outros fenômenos contratuais seriam variações desse tema. Segundo o autor, dada a existência de custos relacionados à burocracia, uma transação é retirada do mercado e organizada internamente como um último recurso. Ou seja, recorrer-se-ia aos mercados, aos mercados híbridos, sendo a empresa unificada o último recurso, plausível apenas quando esses demais falhassem. O autor postula que atos de concentração verticais, especialmente os que envolvem ativos específicos, são eficientes, já que esses seriam formas organizacionais que economizariam custos de transação.
Visto sob outra perspectiva, seria a presença de ativos específicos e do comportamento oportunista inerente aos agentes que faria com que as transações apresentassem ineficiências. Segundo Fagundes (1997):
A conclusão de Williamson no que tange as implicações da presença de custos de transações sobre a análise antitruste de integrações verticais (1985, p. 99) baseia- se em dois argumentos: (i) a possibilidade de que as integrações verticais sejam formas institucionais economizadoras de custos de transações deve ser levada em consideração, sobretudo quando essas envolvem ativos específicos, de modo que as partes envolvidas se encontram em situação de dependência bilateral; e (ii) o desejo de aumentar ligeiramente seu poder de mercado não deverá levar uma firma a integração vertical quando os ativos não foram (sic) específicos, posto que, nesse caso, existirão fortes ineficiências derivadas da ausência de incentivos e da existência de rigidez nas estruturas hierárquicas. (FAGUNDES, 1997, p. 34).
Portanto, pode-se inferir que a inclusão da eficiência transacional, que considera em sua análise os efeitos referentes à minimização dos custos de transação, à análise antitruste traria elementos essenciais para uma discussão mais completa no tocante à confrontação dos efeitos positivos e negativos de um ato de concentração.
Eficiência Dinâmica e a Análise Antitruste
A concorrência, referente à livre-concorrência, possui o sentido de competição, ou seja, disputa da preferência por aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço oferecido. No entanto, o conceito de livre concorrência possui caráter dúplice. Primeiramente, do ponto de vista do fornecedor, a livre concorrência se caracteriza pela livre ação dos agentes econômicos, atuais ou futuros, de forma que esses tenham liberdade para empregar os meios que julgarem próprios e adequados para conquistarem a preferência do consumidor, tendo liberdade para entrar, permanecer e sair do mercado. Já do ponto de vista do consumidor, a livre concorrência significa a plena liberdade de escolha[9].
Essa visão “clássica” de concorrência está associada, de forma sintética, à livre mobilidade do capital, implicando a ausência de “barreiras à entrada”. Dentro desse enfoque teórico, a concorrência seria um processo cuja maior preocupação residiria no seu resultado, ou seja, na formação de uma taxa de lucro uniforme entre indústrias e o respectivo equilíbrio intersetorial[10]. A noção clássica desenvolvida por Marshall está associada à ideia de atomismo de mercado e na percepção das empresas como tomadoras de preços, sendo esses determinados pelo equilíbrio existente entre oferta e demanda, e equivalentes ao custo marginal. Dessa noção, temos diversas implicações para a noção de eficiência estática.
Nesse sentido, qualquer artifício utilizado para restringir, dificultar ou impedir a livre ação dos agentes econômicos e/ou a livre escolha dos consumidores importa em violação à livre concorrência[11]. Faz-se de suma importância destacar que o objetivo da atuação dos órgãos de defesa da concorrência não é o de proteger os concorrentes, não devendo haver qualquer preocupação primária com o número de agentes de um mercado. A preocupação central dos órgãos antitruste é a de proteger a concorrência como um todo, ou seja, o processo de competição em si.
Segundo Katz e Shelanski (2004)[12], quando tratamos do ato de competir, vemos que, normalmente, as empresas buscam atrair os consumidores através de preços mais baixos e/ou produtos e serviços de maior qualidade, se comparados aos de seus rivais. Consequentemente, os órgãos antitrustes têm focado a competição como sendo uma forma de promover o bem-estar do consumidor. Porém, ao investirem em P&D, as empresas também beneficiam os consumidores com a criação de novos produtos e a redução dos custos de produção de novos ou já existentes produtos. Assim, a percepção da importância da inovação para o bem-estar dos consumidores tem crescido dentre os órgãos de defesa da concorrência. Dentro de uma perspectiva histórica, os autores incitam que na década de 1960 já se constatava uma maior percepção das autoridades antitruste quanto à necessidade de se considerar mais expressivamente a inovação. E já na década 1990, a inovação pôde ser vista como uma consideração importante nas análises de atos de concentração[13].
Tradicionalmente, vemos que em contrapartida a um possível prejuízo à concorrência, os órgãos antitruste consideram os ganhos de eficiência potencialmente compensatórios. Generalizou-se, então, o uso do tradicional trade-off entre a perda de bem-estar de “peso morto” decorrente de eventual monopolização do mercado e os ganhos de eficiência esperados como resultado da redução de custos ligadas a economias de escala, melhorias de qualidade, aperfeiçoamentos tecnológicos, diferentes tipos de sinergias, entre outros, decorrentes do ato de concentração em questão (Possas, 2004). Dessa forma, a análise tradicional foca no possível aumento do nível de eficiência alocativa do mercado, medido pela magnitude do excedente total gerado. No entanto, segundo Farrell & Katz (2006), a maior parte da legislação antitruste é vaga e limitada.
Vale ressaltar que a crítica estabelecida por este trabalho não considera como problema o uso das eficiências estáticas como critério, mas sim sua exclusividade. A existência de uma série de limitações na análise sustentada em pressupostos estáticos, tais como o trade-off intertemporal entre eficiências presente e futura, a desconsideração da incerteza quanto aos rendimentos futuros e, finalmente, o aparato teórico ser intrinsecamente estático e centrado em um suposto equilíbrio, nos leva à nítida necessidade de se incorporar certa noção de dinamismo às eficiências econômicas.
O Conceito de Concorrência Dinâmica
A percepção schumpeteriana de que a competição ocorre primariamente através de ciclos de inovação, e não por fatores estáticos como preço ou rendimentos, dá sustentação ao aparato teórico deste subitem. A essa ideia, soma-se a noção de que as empresas competem por situações de dominância temporárias, que se darão através da introdução de novas gerações de tecnologias relevantes. Finalmente, cabe aqui dissertar sobre o conceito de concorrência schumpeteriana desenvolvido por Nelson & Winter (1982).
A concorrência é apresentada como um processo dinâmico ativo, no qual a inovação encontra-se no centro da análise e os lucros seriam o atrativo motivador da atividade inovadora, assim como o meio pelo qual as firmas inovadoras bem-sucedidas crescem em relação às demais. Vemos que a percepção das firmas serem idênticas no que diz respeito às suas expectativas ex ante em relação ao avanço tecnológico seria errônea, dado que algumas firmas apresentam um esforço maior para liderar as inovações tecnológicas, enquanto outras tentam acompanhar os sucessos das líderes via imitação. Além disso, deve-se considerar os efeitos que as estruturas de mercado possuem sobre a atividade de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e sobre o avanço técnico.
Dentro da teoria evolucionária, a função da concorrência seria entender corretamente os sinais e incentivos, dado que o conjunto de escolhas não é dado e as consequências dessas são desconhecidas. Espera-se, então, que no longo prazo, o sistema competitivo promova as firmas que na média escolheram bem e que elimine as firmas que erraram constantemente.
Segundo Possas (2002), a concorrência schumpeteriana se caracteriza pela busca permanente de diferenciação por parte dos agentes, por meio de estratégias que visam à obtenção de vantagens competitivas que proporcionam lucros de monopólio, ainda que temporários. Seria, portanto, um processo de criação de espaços e oportunidades econômicas, sendo que seu resultado não pode ser previsto, estando relacionado a uma interação complexa de forças que se modificam ao longo do processo. Vê-se, então, um processo distante daquele associado ao ajustamento de posições de equilíbrio, com a eliminação de lucros anormais, aproximando-se de um processo de interação entre empresas voltadas à apropriação de lucros, não incorrendo ou pressupondo situações de equilíbrio. A noção de equilíbrio seria substituída, na análise neo-schumpeteriana, pela noção de trajetória e a ideia de racionalidade maximizadora, pelo conceito de racionalidade limitada.
A busca de diferenciação de produtores, uns frente aos outros; a necessidade de renovar constantemente tal diferenciação; a mobilidade que permite a entrada de novos competidores e a difusão das vantagens obtidas; e a formação de alianças são alguns dos mecanismos da concorrência identificados por Maria Silvia Possas (1997). Nas palavras da autora, temos que “A diferenciação de produtores é um procedimento geral para a obtenção de lucros. Não se trata aqui apenas da diferenciação de produto, mas de tudo o que possa dar a cada produtor uma vantagem sobre os demais, inclusive alterações nos custos” (POSSAS, 1997, p. 29).
As empresas não competem, portanto, simultaneamente por uma parcela do mercado, mas sequencialmente pelo mercado como um todo. A posição dominante é temporária e contestada continuamente. Joseph Schumpeter argumenta que contínuos investimentos em P&D levam a ondas periódicas de novas tecnologias, levando a mudanças nas posições estabelecidas dos atores do mercado competitivo. A “destruição criadora” expressa a ideia que a busca empresarial por lucros é uma força dinâmica e criativa que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente a estrutura antiga e criando uma nova estrutura. Esse seria, segundo o autor, o fato essencial sobre o capitalismo. Portanto, a interação entre as estratégias das empresas e as estruturas de mercado preexistentes geraria a dinâmica industrial (POSSAS, 2002).
Portanto, o monopólio não seria o oposto de concorrência, mas sim o resultado temporário do processo competitivo. A busca pelos lucros extraordinários, através de estratégias competitivas, fundamenta a tentativa de alcançar uma posição monopolista e, então, os lucros anormais seriam uma consequência da existência de vantagens competitivas embasadas em estratégias de diferenciação. No entanto, tais posições, vale reafirmar, são temporárias.
Dentro desse contexto, a incerteza é algo constantemente presente no momento de decisão de uma empresa. Os agentes não possuem capacidade para compreender completamente e suficientemente seu presente, e, então, frente a essas incertezas tenta-se seguir a opinião média, ou seja, usam-se procedimentos convencionais. Prevaleceria, portanto, a adesão à rotina. Nelson & Winter (1982) desenvolvem, ainda, a ideia de que, embora rotineiras, as decisões das empresas podem sofrer mudanças e essas seriam o “processo de busca” pelas empresas de novas oportunidades, como a inovação tecnológica. Não desconsiderando, então, o caráter de incerteza inerente à concorrência, cabe detalhar o conceito de eficiência dinâmica e as possibilidades relativas à análise antitruste que diversos autores neo-schumpeterianos exploraram em suas respectivas obras.
A Eficiência Dinâmica
As mudanças qualitativas provenientes das inovações e do progresso técnico, em um contexto inerentemente marcado por incertezas, exigem uma expansão do escopo da análise da organização industrial, de modo geral, e da teoria da defesa da concorrência, em particular[14]. Vemos que essas mudanças, ainda que não traduzidas em menores custos, devem ser consideradas para a análise das eficiências potencialmente compensatórias de atos de concentração, além de deverem estar presentes na delimitação do mercado relevante. Segundo Jorde e Teece (1992), o sucesso financeiro das firmas inovativas depende de sua capacidade de se posicionar rapidamente em relação aos ativos e tecnologias complementares àquelas desenvolvidas, e a realização de alianças pode facilitar esse processo.
A criação de assimetrias reforçadas pelo avanço da tecnologia são fatores determinantes do comportamento da firma. Segundo Corrêa (2009), os mercados devem ser vistos como mecanismos poderosos para estimular o progresso econômico por meio das inovações, e a ênfase das políticas públicas, sobretudo daquelas relacionadas à defesa da concorrência e antitruste, deve estar nos requisitos para a sustentação da busca de inovações pelas empresas, considerando que este é um processo que em geral envolve longo prazo e alto risco. Segundo a autora, não se deve ignorar o papel disciplinador da presença de concorrentes em potencial, sendo que esse tende a ser reforçado pela participação crescente do comércio exterior e dos fluxos de investimento entre os países.
Considerando as contribuições de Dosi (1984), as vantagens mais consistentes são aquelas que são difíceis de serem apropriadas pelos adversários. O processo de evolução tecnológica apresenta uma seleção ex post, determinando quem serão os vencedores e perdedores, e uma considerável incerteza ex ante sobre quem será o vencedor. Dessa forma, os avanços tecnológicos de hoje tendem a seguir os avanços de ontem, baseando-se sobre o que já fora alcançado.
Seria o paradigma tecnológico o que delimitaria aonde os esforços tecnológicos seriam alinhados. Vê-se que diferentes combinações setoriais de características tecnológicas podem configurar diferentes padrões de difusão e geração de assimetrias no interior e entre indústrias. A criação e recriação de assimetrias, reforçadas pelo desenvolvimento de novas tecnologias, é um fator que condiciona o comportamento das firmas. Dessa forma, um escopo de órgãos antitruste que não considerasse o papel das assimetrias, relacionadas com a trajetória da inovação, no comportamento das firmas estaria cada vez mais distante de uma política pública eficiente e de reais efeitos sobre a ampliação do bem-estar.
Segundo Glader (2006), ao reconhecerem a dinâmica do desenvolvimento tecnológico como uma fonte de competição e uma forma de competir, e ao analisarem as transições do mercado considerando a dinâmica dos processos de mercado, as autoridades antitruste podem afetar a competição e o bem-estar dos consumidores no longo prazo. O aspecto a ser considerado pelo autor será o da inovação como determinante para a competição, em especial a de produto, realizada no futuro. Normalmente, tem-se que a competição fomenta a eficiência em diversos níveis: no desenvolvimento do produto, na produção e na distribuição, não havendo uma forma apropriada de se distinguir dentre competição via inovação e competição via revenda.
A ideia sustentada pelo autor é a de quando a habilidade em competir reside fortemente na habilidade em tornar produtos e serviços atrativos para o mercado, o que dependeria do desenvolvimento de um produto de sucesso, então, haveria poucas formas de se impedir a entrada ao mercado. Com uma grande parte das tecnologias se tornando obsoleta, a inovação, normalmente, abre espaço para oportunidades para novos competidores e novos produtos. Ou seja, em mercados onde o desenvolvimento tecnológico é difícil de controlar, a possibilidade dos atores manterem suas posições dominantes sem contarem com altos níveis de eficiência dinâmica seria mínima. Considera-se, ainda, que uma firma que se faz dominante por um dado período apresentaria níveis superiores de eficiência, o que por sua vez, será contestado continuamente por seus rivais via possíveis inovações de sucesso.
Tradicionalmente, temos que as políticas de antitruste focam suas análises na competição em mercados compostos por produtos e serviços já existentes. Ou seja, não se considera a possibilidade de criação de novos processos e produtos como resultado de um ato de concentração, o que torna a análise normativa destituída de uma visão intertemporal que trate de mudanças qualitativas que tangeriam a dinâmica da inovação. Além disso, como já exposto, os fundamentos econômicos utilizados pelo aparato jurídico da Defesa da Concorrência valem-se dos preços como principal variável da competição e idealiza o mercado de tal forma que esse seria marcado por produtos homogêneos, livre circulação da informação e disponibilidade de tecnologias. Tal visão considera que os market-shares dos atores, referente à produção e distribuição de produtos, ainda seriam a base geral para o processo decisório que julga se determinada prática de mercado levará a uma maior restrição na competição. Conclui-se que, ao utilizar esse aparato teórico, pode-se incorrer na típica expressão de efeitos anticompetitivos como sendo a habilidade de exercer o poder de mercado[15] via imposição de preços que excederiam o limite competitivo que o mercado suportaria.
Essa espécie de política de antitruste, alicerçada em market-shares e estratégias de preços, pode proteger o estado de bem-estar dos consumidores de forma menos efetiva, dado o trade-off existente entre os benefícios de curto e longo prazo. Segundo Glader (2006), os incentivos para o investimento e a tomada de risco - não apenas para o desenvolvimento de novos produtos e serviços, mas também para as estratégias que almejam tornar os gastos com P&D mais eficientes, contando também com menores riscos – devem reconhecer se os mercados e a competição se apresentam de forma a evoluírem dinamicamente.
De forma geral, a definição de eficiências dinâmicas passa pela ideia de sinergias que melhoram o desempenho das firmas, seja em função de melhoras na qualidade, nos custos, nos processos produtivos, nos serviços ou em outros aspectos relativos a melhoras na competitividade da firma. Tais melhoras podem ser contínuas e provenientes de formas de aprendizado cumulativo. Além disso, vemos na origem das vantagens competitivas mais significativas, ou seja, aquelas que aumentam o grau de apropriabilidade das inovações, os ativos específicos da firma, ou seja, os ativos não transmissíveis. Vale frisar que nem todas as vantagens competitivas têm como base ativos intangíveis. Claramente, devem-se considerar os benefícios advindos de economias de escala e de escopo, dado seus reflexos na dimensão da cumulatividade.
Segundo Possas (2002), haveria, ao menos, três formas de se conceituar as eficiências dinâmicas: a) eficiência dinâmica como eficiência alocativa (de Pareto) intertemporal; b) eficiência dinâmica qualitativa; e c) eficiência dinâmica em condições de incerteza.
No primeiro caso, tenta-se superar o trade-off existente entre bem-estar presente e futuro. Ou seja, tenta-se argumentar que as perdas de eficiência estática no presente podem gerar benefícios futuros, como redução de custos, por exemplo. Segundo Jorde & Teece (1992), o pressuposto implícito é o de que o processo de inovação é essencial para o desenvolvimento econômico, proporcionando benefícios sociais futuros, ainda que à custa de perdas de eficiência estática, na forma de ineficiências no mix de produção. Foi nesse contexto que Baumol e Ordover (1992) definiram o conceito de eficiência dinâmica como “uma alocação Pareto-ótima de recursos entre presente e futuro”.
No segundo caso, vê-se a tentativa de incorporar mudanças qualitativas na análise antitruste. Esse aspecto tem como fundamento considerar as possíveis mudanças nos atributos do produto, como alterações no design, no desempenho, ou aspectos específicos do produto em questão que possam beneficiar o consumidor, ainda que não possam ser expressos em menores custos. Segundo Possas (2004), haveria uma tendência natural em se exagerar a importância da homogeneidade dos produtos para a análise da substituibilidade, e com isso delimitar o mercado relevante de forma muito restritiva, amplificando as medidas de concentração e market-share, e, portanto, o risco percebido de atos de concentração em indústrias inovativas, dinâmicas e com forte concorrência extra-preço, se a possibilidade de substituição entre produtos não considerar fatores de desempenho qualitativo. Portanto, o grau de inovatividade de uma indústria em termos de produtos deveria ser considerado na análise antitruste.
O terceiro caso – eficiência dinâmica em condições de incerteza - seria o de maior complexidade, segundo Possas (2004). O autor descreve esse caso mediante o fato de muitos atos de concentração poderem se justificar por produzirem inovações ou mudanças tecnológicas cujo resultado em termos de ganhos de eficiência, dado o horizonte temporal, é em grande medida desconhecido no presente, devido ao alto grau de incerteza envolvido nessa espécie de previsão. A eficiência dinâmica estaria inserida em um contexto de incerteza estrutural e essa tem sua origem não só na impossibilidade do mercado fornecer todas as informações necessárias à decisão da firma, como também na incapacidade dos agentes econômicos de listarem todos os eventos possíveis resultantes de suas ações no presente.
Nas palavras de Possas, Fagundes e Pondé (1995):
A noção de eficiência dinâmica dos mercados deve ser redefinida pela ótica da visão dinâmica da própria concorrência, e não apenas de seus efeitos alocativos. Nesta direção é preferível uma noção de eficiência seletiva dos mercados, que na tradição neo-schumpeteriana evolucionista inaugurada por Nelson & Winter são vistos como, essencialmente, ambientes de seleção de inovações em sentido amplo (Nelson & Winter, 1982). Uma operação eficiente dos mercados, nesta acepção, dispensa equilíbrio e otimização alocativa estática e implica um ambiente suficientemente competitivo (...) para que as inovações encontrem oportunidade adequada para serem não só difundidas, como geradas e incorporadas num ritmo intenso, dentro dos limites possibilitados pela tecnologia e pela limitação de recursos e dos padrões internacionais (POSSAS; FAGUNDES; PONDÉ, 1995, p. 24).
O autor classifica a eficiência dinâmica, nesses parâmetros, como a “capacidade hierarquizadora do processo de seleção, refletindo o grau em que a filtragem das inovações pelo mercado se correlaciona com sua ordenação, tanto quanto possível objetiva, em termos de indicadores de progresso ao longo de uma trajetória inovativa” (POSSAS, 2004, p. 91).
O mercado, então, é tratado, na perspectiva neo-schumpeteriana, como o ambiente de seleção das inovações, incluindo as possibilidades de estratégias e rotinas. Claramente, dispensar-se-ia qualquer suposto equilíbrio ou qualquer solução maximizadora de bem-estar no sentido Paretiano. A incerteza geraria indeterminações e open ends que inibiriam não apenas a otimização estática, como a possibilidade de otimização dinâmica. Dessa forma, dois aspectos básicos a se considerar, seriam: a pressão competitiva sobre as firmas (associada às condições ambientais de mercado) e a competitividade das firmas desse mercado. Essa análise avaliaria em que medida as forças seletivas atuariam no mercado, conduzindo o processo de evolução ao longo de uma dada “trajetória inovativa” na direção do progresso.
Dentro dos conceitos apresentados, um mercado pode se mostrar tão mais eficientemente seletivo quanto maior a pressão competitiva, até o limite em que a pressão excessiva pode inviabilizar sua sobrevivência. Já em relação à competitividade das firmas, vemos que esse aspecto varia de acordo com o ambiente seletivo e com as características especificas de cada indústria. “O processo de seleção, em última análise, incide sobre as firmas, de forma que a sobrevivência e o maior sucesso econômico de firmas mais competitivas e/ou inovadoras estará indicando maior eficiência seletiva do mercado; enquanto, reciprocamente, a sobrevivência indefinida de firmas pouco competitivas e/ou inovativas estará indicando baixa seletividade” (POSSAS, 2004, p. 93).
Sob a perspectiva de uma análise antitruste de caráter dinâmico, temos que o foco do exercício de verificação de possíveis ataques à concorrência deveria se fazer em como diversas práticas – como joint-ventures ou fusões e aquisições- afetam os incentivos e as habilidades das firmas em inovarem e não no aparente poder de mercado que essas exercem ou em questões de preço e de rendimento de curto-prazo. O argumento schumpeteriano é o de que mesmo que o aumento da competição, verificado pela análise estática, traga benefícios via preços mais baixos e maiores rendimentos, esses benefícios são de curto-prazo.
Além disso, esses benefícios podem ocorrer em detrimento da inovação, que traria retornos ainda maiores para os consumidores no longo-prazo. Dessa forma, as práticas antitruste deveriam se preocupar menos com as possibilidades de geração de lucros monopolistas e mais com os possíveis efeitos de retardamento da inovação, especialmente no que diz respeito às indústrias baseadas na inovação.
Ainda sob a perspectiva dinâmica, uma política de antitruste que visa proteger a competição e o processo de inovação pode contar com uma série de objetivos específicos. Um objetivo possível seria permitir a integração e cooperação que aumentem a eficiência no processo de inovação. Ao alcançarem eficiências de escala, efeitos de sinergia, evitando o desperdício de etapas duplicadas do processo produtivo, teríamos a criação de benefícios aos consumidores através da relação entre gastos efetivos em P&D e inovações concretas.
No contexto da análise antitruste, as eficiências estática e dinâmica representam, como já dito, um trade-off entre interesses de curto e longo prazo dos consumidores, o que por sua vez, acentua as diferenças entre uma análise ex ante e ex post. Assim, o conceito de inovação no modelo estático de competição perfeita seria aproximado da ideia de falha de mercado. Segundo Meltcalfe (1995), o processo de inovação gera e é influenciado pela incerteza, inerente particularmente ao comportamento dos indivíduos e firmas. Ou seja, fundamentalmente a inovação estaria relacionada à informação assimétrica. Dado que a inovação é induzida por informações assimétricas, considerar soluções ótimas de mercado, no sentido estático, aliadas à inovação e à situação de Pareto seria incompatível.
Segundo Katz & Shelanski (2004), os órgãos antitruste poderiam preservar e promover a inovação tecnológica reduzindo a dependência de indícios de curto prazo da concorrência do produto no mercado. É inegável a série de efeitos positivos que uma mudança tecnológica contínua confere à sociedade. Os custos de produção para novos e antigos produtos são menores, a qualidade do produto e seu desempenho se tornam superiores e o número de produtos é ampliado. Portanto, segundo Glader (2006), a eficiência dinâmica representa a geração de novos produtos e novos processos economicamente desejáveis e requer que os recursos sejam utilizados de forma eficiente durante o processo. No entanto, ao contrário da eficiência estática, não haveria um modelo de mercado formalizado para alcançar a eficiência dinâmica.
Eficiência Dinâmica: Benefícios e Limitações
Segundo Corrêa (2009), a ideia de dar maior peso para as eficiências que incentivam a inovação tem ganhado força nos últimos anos, e aparece como uma recomendação da Comissão de Modernização do Antitruste norte-americana. Considerando seu maior potencial em gerar benefícios aos consumidores, a eficiência dinâmica deveria ter sua expressividade ampliada. Porém a efetividade dessa recomendação esbarra na ausência de um método robusto de analisá-la e na ausência de uma teoria sólida que a sustente. Apesar de durante a década de 1970, diversas jurisdições terem modificado seus olhares sobre a eficiência dinâmica, a incerteza quanto ao cálculo acaba por fazer com que os órgãos de defesa da concorrência hesitem em utilizá-la como base para decisões.
Segundo Nelson e Winter (1982), no período recente tem se desenvolvido uma série de tentativas de formulação de modelos que formalizem as contribuições de Schumpeter, mas que, ao mesmo tempo, preservassem algumas premissas ortodoxas como a maximização de lucro e a existência da situação de equilíbrio. Esses modelos ignoraram alguns aspectos fundamentais da concorrência schumpeteriana, como o fato do processo de competição ser de contínuo desequilíbrio, havendo ganhadores e perdedores.
Ao mesmo tempo em que as tentativas de incorporação das eficiências dinâmicas alertam para a importância que a inovação possui como ponto fundamental na análise antitruste, vê-se diversas limitações na identificação de medidas que possua a inovação como base e nas formas de calculá-las empiricamente. A identificação dos competidores pode ser bastante complexa, e assim, identificar inovadores atuais ou potenciais pode envolver um alto grau de dificuldade, dado que a habilidade de inovar depende da posse de certas habilidades e ativos de informação que podem ser particularmente difíceis de identificar e de medir. A existência de esforços de inovação em curso pode render alegações de tornar a concorrência no mercado do produto potencial mais facilmente verificável, isso porque uma empresa que incorre em investimentos substanciais e de sucesso em P&D destinados a um determinado produto é mais provável de entrar no mercado de tal produto do que uma firma que possua as capacidades tecnológicas relevantes para inovar, mas que não tem investido no mercado em questão.
É claro que a identificação dos competidores não resolveria a problemática em se medir os efeitos da inovação em si. Porém, ao saber identificar os atores do mercado de forma satisfatória dá-se um passo a frente na incorporação de certo dinamismo às análises antitruste, dado que existe uma relação íntima entre competidores em potencial e a inovação, podendo limitar as inferências da forma convencional de se determinar os efeitos no bem-estar de atos de concentração em indústrias de alto grau de inovação via identificação dos market-shares (Katz e Shelanski, 2004).
A compreensão do papel da inovação na dinâmica capitalista nos mostra que, ao contrário do que os órgãos antitruste normalmente pregam, em alguns mercados específicos a defesa da concorrência não pode se sustentar no pressuposto de que um aumento na concentração do poder de mercado irá reduzir o grau de inovação e prejudicar o consumidor. No entanto, sabe-se que são poucos os casos de análises de atos de concentração que consideram as eficiências econômicas, mesmo as estáticas, de forma destacada. Esse fato se apoia na dificuldade em se quantificar seus efeitos, problemática essa que só se agrava no tocante ao aparato dinâmico. As eficiências dinâmicas, dado o tempo envolvido em um processo de inovação, tendem a se caracterizar por uma natureza mais incerta se comparadas às estáticas. Além disso, fica claro o conflito existente entre uma análise centrada nos efeitos nos preços e a possibilidade de consequentes efeitos positivos em outros aspectos considerados pela base teórica dinâmica, como a qualidade dos produtos. Esse conflito revela outra problemática já exposta neste trabalho – a contraposição entre efeitos de curto prazo e efeitos de longo prazo. A tentativa de trazer certo caráter temporal ao conceito de eficiência alocativa esbarra na incerteza quanto aos benefícios futuros, como custos reduzidos ou uma maior qualidade do produto, provenientes de alguma inovação incremental que tenha tido como contrapartida o sacrifício da eficiência alocativa estática atual.
Mesmo ao tratar das possibilidades que, na visão do autor, a eficiência dinâmica e o aparato antitruste dispõem, Possas (2004, p. 91) conclui que “a avaliação normativa será inevitavelmente imprecisa e pouco quantificável (ou, se tanto, com elevadas margens de erro), fortemente qualitativa e, logo, preferivelmente pouco interventiva”. As dificuldades em se incorporar as eficiências dinâmicas, portanto, são diversas. Deve-se considerar, dessa forma, a incerteza como agravante do processo inovador em si e das reais possibilidades de sucesso, as debilidades em se quantificar os efeitos diretos da inovação e em se medir os seus efeitos no bem-estar, além da existência de informações assimétricas.
Além disso, como incitado por Fagundes (2004, p. 10), “as relações entre concorrência, estrutura de mercado e progresso técnico são ambíguas, não fornecendo uma base normativa suficientemente segura para orientar as decisões políticas de defesa da concorrência”. Seria necessária a realização de uma revisão dos critérios utilizados pelo aparato antitruste, e sob uma visão schumpeteriana, dar ênfase não somente à análise das estruturas de mercado que apresentam traços de eficiência que maximiza o bem-estar econômico. O aspecto central das análises antitruste deveria considerar a criação e preservação de ambientes que estimulem a inovação. Dessa forma, a visão empregada consideraria medidas que possuíssem impactos de mais longo-prazo.
A Inovação e os Impactos das Fusões e Aquisições
O conceito de inovação desenvolvido por Joseph Schumpeter, em Teoria do desenvolvimento econômico, engloba cinco casos – a introdução de um novo bem; a introdução de um novo método de produção; a abertura de um novo mercado; a abertura de uma nova fonte de suprimentos; e o estabelecimento de uma nova organização em qualquer ramo. A inovação, seja ela qual for, que afete os diferenciais de custo, desestabiliza as estruturas de mercado existentes, modificando a estrutura industrial e as formas de organização das empresas.
O processo de destruição criadora, termo criado para designar a mutação das empresas, seria um elemento endógeno à estrutura econômica, destruindo incessantemente o antigo e criando componentes novos. Esse processo seria ininterrupto e seria um elemento básico para compreender as implicações da lógica do capitalismo. Para o autor o capitalismo se constituiria deste processo, indicando que o poder de adaptação das empresas é essencial para a sobrevivência dessas. A lógica de assimetrias constituiria o processo, de tal forma que ao introduzir uma nova ideia, torna-se obsoleto o uso das ideias que constituem o processo de produção anterior.
Grande parte da discussão acerca da relação existente entre inovação e estruturas de mercado pode ser sintetizada na chamada “hipótese schumpeteriana”. Essa, segundo Nelson e Winter (1982), seria a assertiva de que uma estrutura de mercado que envolve firmas grandes com um razoável grau de poder de mercado seria o preço que a sociedade deveria pagar pelo avanço tecnológico rápido.
Nesse sentido, Schumpeter (1942) destaca que dentre as vantagens de inovação das firmas grandes estariam as “vantagens de aptidão”, oriundas de economias de escala em P&D e no gerenciamento da maior capacidade de repetir os riscos, obter financiamento, entre outros. Deve-se considerar que a grande firma possui níveis de produção, capacidade produtiva, arranjos de comercialização e finanças que lhes permitem explorar mais amplamente uma nova tecnologia e em uma escala muito maior. Um dos pontos desenvolvidos por Schumpeter é o de que as grandes firmas seriam mais eficientes em P&D e poderiam colher mais rapidamente as vantagens da utilização de uma inovação em grande escala. Tal argumento fora contestado pela ideia de que as estruturas de controle burocrático das grandes firmas seriam o contraponto que equilibrariam as vantagens potenciais.
Objetivando a possibilidade de conexão entre os conceitos desenvolvidos por Schumpeter e o arcabouço teórico da Defesa da Concorrência, este trabalho relembra a ponte desenvolvida pelo autor entre inovação e estruturas de mercado inferindo que o poder de mercado por si só já seria um fator importante para se induzir à inovação[16]. No entanto, sob a abordagem de Nelson e Winter (1982), tal argumento deve ser categorizado de acordo com a sua espécie. Segundo esses, um argumento possível é o de que a inexistência de concorrentes e a destreza em se impedir a imitação por parte dos concorrentes seriam fatores que por si só já exerceriam influência sobre a apropriabilidade. Ou seja, a estrutura de mercado influenciaria a rapidez com que as quase-rendas provisórias são construídas pelos imitadores.
Segundo Schumpeter (1942), a concorrência perfeita é, e sempre foi, temporariamente suspensa toda vez que se introduz algo novo. Ou seja, a concorrência perfeita seria incompatível com a inovação. Outro argumento, elaborado por Nelson e Winter (1982), é o de que uma concorrência fraca poderia reduzir o estímulo à inovação. Nesse sentido, a obviedade seria assumir que mesmo que o ambiente seja de permissividade quanto às atividades de P&D, nada garante que a atividade seja mesmo realizada e que se alcance certo sucesso. A ideia é que na ausência de pressão, a preguiça empresarial prevalece. Assim, sem incentivos concorrenciais, a inovação fica a deriva dos humores dos gerentes[17].
É importante frisar que sob o enfoque da concorrência schumpeteriana, a correlação existente entre inovação e estrutura de mercado não se faz em uma via única. A relação de causalidade da primeira frente à segunda também pode ocorrer na via contrária. Assim, a ideia de uma firma realizar uma estratégia eficiente de “segundo rápido” pode levar essa a dominar o setor. Ou seja, a estrutura de mercado deveria ser analisada como fator endógeno na análise schumpeteriana, com conexões de causalidade de ambos sentidos.
Nelson e Winter (1982) desenvolvem um modelo de concorrência schumpeteriana onde estruturas de mercado de setores originalmente desconcentrados mostram uma tendência à concentração crescente, enquanto estruturas que já eram concentradas permanecem estáveis[18]. Para uma melhor compreensão, é preciso ter em mente que as medidas de concentração de mercado, na concepção de Resende e Boff (2002), fornecem um indicador sintético da “concorrência existente” em um determinado mercado. Uma maior concentração industrial implicaria uma maior desigualdade na parcela de mercado que cada empresa ocupa. Ou seja, quanto maior o valor da concentração, menor seria o grau de concorrência e mais concentrado se encontra o poder de mercado virtual da indústria[19].
Sabe-se que se tratando de uma firma inovadora bem-sucedida, a consequência de tal pode vir a ser uma estrutura setorial extremamente concentrada. Williamson (1972 apud NELSON; WINTER, 1982, p. 469) discutira algumas questões do antitruste que poderiam resultar de uma circunstância em que uma capacidade de inovar no passado de uma firma promova seu domínio e bloqueie a entrada de um mercado em que ela deixa de ser criativa.
Um contraponto desenvolvido por Nelson e Winter (1982) é o de como se avaliar os ganhos sociais de mais P&D, de forma que alguns custos sociais sejam aceitos. Para os autores, alguns determinantes dos ganhos sociais seriam endogenamente determinados ou codeterminados pela estrutura de mercado. Ou seja, uma questão relevante, por exemplo, seria saber se o gasto em P&D é alocado eficientemente de um ponto de vista social. No entanto, seria necessário considerar elementos exógenos importantes. Um ponto crítico, por exemplo, seria pensar que o resultado de maiores gastos em P&D, em determinado setor, depende, ao menos em parte, do regime tecnológico que orquestra os resultados das atividades em P&D.
No que diz respeito aos impactos da fusão e aquisição sobre a inovação, é preciso considerar que a estratégia de realizar um ato de concentração possui consequências para o processo de inovação. Essa constatação faz parte de um estudo desenvolvido por Cassiman (2005)[20] no qual se tenta inferir de que forma as operações de fusão e aquisição afetam a inovação das empresas envolvidas no ato de concentração. Além disso, o autor indaga se seria possível antecipar com exatidão os efeitos das F&A sobre a inovação.
De acordo com Cassiman (2005), o impacto das F&A sobre o P&D&I (Pesquisa e desenvolvimento e inovação) depende da afinidade tecnológica e de mercado existente entre as empresas envolvidas em tal operação. A existência de afinidade tecnológica em empresas que se dedicam às mesmas áreas tecnológicas deveria resultar na racionalização do processo de P&D, enquanto empresas que operam em áreas tecnológicas complementares possuem maior probabilidade de concretizar sinergias e economias significativas no processo de P&D pós-fusão. Segundo o autor, a afinidade de mercado permitiria a existência de economias de escala na produção e/ou distribuição de produtos, o que, por sua vez, influenciaria no processo de inovação, tornando esse mais eficaz, e, portanto, o estimulando.
Constatou-se que os efeitos de uma F&A sobre a inovação, como um todo, variavam consideravelmente de acordo com a espécie de afinidade existente entre as empresas pré-fusão. Tratando-se de empresas com afinidade tecnológica, ou seja, com atividades nos mesmos campos tecnológicos, concluiu-se que após o ato de concentração, a nova empresa reduzira gastos e cortara funcionários no departamento de P&D; não abrira novos laboratórios de pesquisa, contando com mais oportunidades de racionalizar a P&D, fechando projetos da área; exigira resultados mais rápidos, concentrando os objetivos do setor de P&D, elencando prioridades e reduzindo o período típico de tais projetos; reduzira a concorrência tecnológica, eliminando padrões rivais e reduzindo o risco de ser imitado. Já se tratando de empresas com tecnologias complementares, chegou-se a: o desenvolvimento de novas competências tecnológicas; a aposta na reutilização de recursos; e a constatação de que essas atingiram a massa crítica em campos tecnológicos novos.
Conclui-se, então, que as influências das F&A sobre a inovação podem se dar em direções opostas. Empresas com afinidades tecnológicas sobrepostas estimulam a racionalização, tornando o processo inovativo mais específico e reduzindo a concorrência. Fusões e aquisições de empresas rivais impactaram a inovação de forma mais negativa – houve maiores reduções em P&D, fechando instalações e demitindo mais pessoas da área; não houvera o lançamento de novos projetos de P&D; e houvera menores investimentos em P&D, com menor propensão para patentes. Dessa forma, tratando-se de empresas concorrentes, o efeito é principalmente negativo sobre os investimentos, a produção e os rendimentos do setor de P&D. A conclusão do autor é que deve haver um amplo entendimento das possíveis pressões sobre o processo inovativo da empresa, e nesse sentido, deve haver um esforço de integração reforçado para aliviar os possíveis efeitos negativos das F&A sobre o P&D da empresa.
Conclusão
A análise de um ato de concentração baseada em eficiências estáticas possui diversas limitações. A incapacidade de incorporar mudanças qualitativas, envolvendo inovações, e a presença do trade-off entre eficiência presente e futura são alguns dos obstáculos, tratados neste trabalho, que mostram as insuficiências da análise tradicional de eficiências. O aparato teórico dessas eficiências faz-se intrinsecamente estático, baseado no equilíbrio geral ou parcial, distante, portanto, da concorrência efetiva com seus nuances de incerteza e subjetividade. Todavia, a problemática está no uso exclusivo das eficiências estáticas como instrumento de avaliação da eficiência econômica e dos efeitos no bem-estar social.
Dessa forma, tratar a eficiência de forma dinâmica, considerando o papel das inovações no ambiente competitivo, poderia tornar a análise antitruste mais completa. Mesmo com as dificuldades em se quantificar objetivamente as eficiências dinâmicas e em se conciliar aparatos teóricos díspares, a incorporação de certo dinamismo tornaria a análise antitruste mais representativa frente às possíveis consequências concorrenciais de um ato de concentração.
Dado o impacto existente de atos de concentração sobre as inovações, buscou-se atentar para a inclusão da inovação como ponto de estudo da agenda de pesquisa da Defesa da concorrência. Portanto, além da tentativa de demonstrar a relevância da inovação para uma análise de bem-estar menos baseada na fé e mais fundamentada em pontos tangíveis, buscou-se expor a enorme lacuna existente na agenda de pesquisa de Defesa da Concorrência com relação à inovação
De forma sumária e sem a pretensão de esgotar o tema ou de surgir com uma solução miraculosa, este trabalho buscou demonstrar a fragilidade que compõe a tradicional análise de eficiência, centrada em pressupostos estáticos e amparada por uma base teórica de realismo duvidável. Assim, ao se desconsiderar as possibilidades de criação de novas formas de competição após um ato de concentração, deixa-se de lado o elemento que deveria ser central na análise antitruste – a dinâmica da inovação.
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Notas