Contabilidade Criativa, Ética e Gerenciamento de Resultados: Auditoria versus Academia
Creative Accounting, Ethics and Earnings Management: Auditors versus Academics
Contabilidade Criativa, Ética e Gerenciamento de Resultados: Auditoria versus Academia
Revista Administração em Diálogo, vol. 18, núm. 1, pp. 133-151, 2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Resumo: O objetivo deste artigo é examinar a percepção de auditores e acadêmicos em relação à Contabilidade Criativa, ao Gerenciamento de Resultados, assim como suas implicações éticas. Além do levantamento bibliográfico sobre o assunto, aplicou-se um questionário para acadêmicos de cinco instituições de ensino superior e auditores independentes de duas empresas consideradas parte do grupo "Big Four". Os resultados obtidos apontam que, ao longo do questionário, os acadêmicos mantiveram uma linha de raciocínio coerente, sendo contra o gerenciamento de resultados. Já os auditores apresentaram comportamento oscilante em relação a perguntas que tratavam do mesmo tema. Em questão específica sobre atitude fraudulenta, houve disparidade entre a maioria das respostas. O estudo está em linha com resultados apresentados por Jones (2011), Dechow e Skinner (2000), que demonstraram que a visão acadêmica sobre a Contabilidade Criativa, difere do observado entre os profissionais contábeis de forma geral.
Palavras-chave: Contabilidade Criativa, Ética, Gerenciamento de Resultados.
Abstract: This paper aims to analyze auditor's and scholar's perceptions regarding creative accounting, earnings management and its ethical implications. Besides the bibliographical study of the literature, we applied a survey for researchers of five Distrito Federal's institutions and for independent auditors of two companies considered part of the "Big Four" group. The results indicate that, throughout the questionnaire, the scholars maintained the same line of thought. Auditors showed oscillating behavior in relation to questions that dealt with the same point. In a specific question about a fraudulent attitude, there was disagreement between the majorities of respondents. This research follows results presented by Jones (2011), Dechow and Skinner (2000) who have shown that the academic view on Creative Accounting differs between accounting professionals in general.
Keywords: Creative Accounting, Ethics, Earnings Management.
Introdução
Na perspectiva informacional da ciência contábil, um dos objetivos da contabilidade é fornecer análises econômico-financeiras, intimamente ligadas ao valor de uma firma. No caso de companhias abertas que possuem ações negociadas nas bolsas de valores, os dados publicados sustentam decisões tomadas por investidores e acionistas, assim como de outros usuários das informações (empregados, credores, clientes, etc.).
A contabilidade criativa é um termo que se tornou famoso especialmente após os escândalos financeiros ocorridos nos Estados Unidos no início dos anos 2000. A prática ocorre quando os gestores utilizam seu conhecimento sobre as normas para manipular as cifras refletidas nas demonstrações financeiras da empresa, sem deixar de cumprir as normas. Similarmente, o conceito de gerenciamento de resultados reconhece a manipulação, mediante escolhas discricionárias de práticas e estimativas contábeis, com implicações no resultado (MATSUMOTO; PARREIRA, 2007). Consequentemente, as análises econômico-financeiras são afetadas, podendo não representar a realidade da entidade, mas não ocorre fraude.
Por natureza, uma fraude é difícil de ser detectada, já que frequentemente envolve a exploração do sistema por aqueles que melhor sabem rodeá-lo. De tal modo, mesmo que se tente adotar sistemas de informação e controle sofisticados com o propósito de aumentar a segurança da empresa, ainda assim pessoas familiarizadas com o ambiente, desde que mal intencionadas, poderão encontrar formas de burlar ou contornar as regras.
É válido estudar aspectos éticos nas ciências contábeis especialmente por existir expectativas de que sejam tomadas decisões que resultem na evidenciação da visão justa e verdadeira da situação financeira de cada entidade. Em resposta a escândalos financeiros envolvendo fraudes, houve imposição de regras rígidas para, dentre outros, minimizar a maquiagem de balanços no mercado de capitais norte-americano (Sarbanes-Oxley, Dodd-Frank Wall Street Reform e Consumer Protection Act). No Brasil, uma das mudanças ocorridas se deu por meio da Resolução nº 1.146 (2008), do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), pela qual os auditores independentes ficaram obrigados a cumprir determinada pontuação relativa à educação profissional continuada. A Instrução Normativa CVM n°. 308 (1999), por sua vez, em seu artigo 31, instituiu o rodízio de auditores. Acredita-se que isso evite a criação de vínculos que prejudiquem a independência da auditoria.
A importância em aumentar a exigência em relação à auditoria externa ocorre porque além dos usuários externos confiarem na opinião formalmente emitida, o parecer dos auditores é a resposta final desses profissionais atestando que as informações contidas nas demonstrações financeiras estão de acordo com a legislação societária, as normas legais, os princípios fundamentais de contabilidade (DOS SANTOS; GRATERON, 2003). Sendo assim, a representação correta, transparente e confiável do real patrimônio da empresa, seguindo os aspectos éticos da profissão contábil. Apesar do objetivo da auditoria não ser procurar fraudes, espera-se que a abrangência das atividades permita a identificação de irregularidades compreendendo, também, atitudes fraudulentas.
Os conceitos "contabilidade criativa" e "gerenciamento de resultados" estão cada vez mais presentes no mundo empresarial, nas finanças, nas pesquisas acadêmicas, no entanto, ainda é observada diferença no entendimento de tais práticas entre contadores, tanto na academia quanto no mercado de trabalho (DECHOW; SKINNER, 2000). De tal modo considerou-se pertinente aplicar um questionamento que captasse a percepção dos dois grupos em um contexto brasileiro, tendo como problema de pesquisa questionar qual é o entendimento dos acadêmicos e dos auditores em relação à prática da contabilidade criativa e do gerenciamento contábil. Destarte, o objetivo deste artigo é examinar, de uma forma geral, o entendimento de auditores e acadêmicos em relação à contabilidade criativa, ao gerenciamento de resultados e suas implicações éticas.
Referencial Teórico
Estudos envolvendo manipulação dos dados contábeis têm recebido atenção crescente, tendo em vista a importância das informações financeiras para o mercado de capitais (DANTAS et al. 2013; KOTHARI, 2001; FIELDS; LYS; VINCENT, 2001). Segundo Paulo (2007) os incentivos para a manipulação das informações contábeis são originados da regulamentação, contratos de dívidas, remuneração dos altos executivos, emissão e negociação de títulos mobiliários.
Quando não há leis e normas que impeçam o contador de utilizar determinados métodos e critérios para algumas contas, abre-se uma margem para que ele gerencie resultados. Essa manipulação pode aparecer de formas fraudulentas ou não. Um dos maiores impactos causados por esse gerenciamento resultará em uma tomada de decisão equivocada por parte dos investidores e acionistas.
Earnings management, que se traduz em gerenciamento de resultados, caracteriza o processo no qual se aplicam conhecimentos legais para manipular os dados contábeis (DOS SANTOS; GRATERON. 2003). Contabilidade criativa é uma maquiagem da realidade patrimonial de uma entidade, decorrente da manipulação dos dados contábeis de forma intencional, para se apresentar a imagem desejada pelos gestores (KRAEMER, 2004).
Dependendo da fonte utilizada, contabilidade criativa e gerenciamento de resultados são (YAPING, 2005; BARALDI, 2012) ou não (JONES, 2011) considerados fraudulentos. Ao estudar casos de empresas como a Enron e a World Com é possível notar que inicialmente foram adotadas estratégias que inflavam os resultados, porém não burlaram as leis. Com o tempo tais estratégias tendiam a crescer e ultrapassar os limites legais. Por isso Mulford e Comiskey (2002) ressaltam que a contabilidade criativa não é uma atividade fraudulenta, mas está diretamente relacionada a ela.
Frota, Vieira (2014), Cosenza (2015), consideram sinônimos os termos contabilidade criativa e gerenciamento de resultados. Niyama, Rodrigues, Rodrigues (2015) esclarecem:
A expressão “contabilidade criativa” é preferida ou comumente utilizada na Europa, enquanto “gerenciamento de resultados” é utilizada com maior frequência nos Estados Unidos. Além disso, outros termos comumente adotados são: “aggressive accounting” (esforço para aumentar lucros independente se as práticas seguem ou não os padrões ou princípios contábeis), “income smoothing” (procedimento para suavizar os picos de altos e baixos lucros mediante uma “estocagem” para linearização ao longo do tempo),“fraudulent financial reporting” (registro fictício de vendas ou omissão intencional e violação dos padrões ou princípios contábeis) ou “conservative accounting” (com base em julgamento e estimativa para aumentar gastos com pesquisas, perdas por imparidade ou provisões) (NIYAMA; RODRIGUES; RODRIGUES, 2015, p. 72)
Niyama, Rodrigues e Rodrigues (2015), em uma pesquisa descritiva sobre a contabilidade criativa, observam que tanto a contabilidade criativa quanto o gerenciamento de resultados, sendo ou não considerados sinônimos, se enquadram em um mínimo de manipulação de dados que, consequentemente, impactam as informações apresentadas.
A Resolução CFC nº 820 (1997, 11.1.4 a) determina fraude como: “o ato intencional de omissão ou manipulação de transações, adulteração de documentos, registros e demonstrações contábeis”. De tal modo, tem-se que o que assemelha fraude e contabilidade criativa é que ambas são constituídas por ato intencional e estão relacionadas à manipulação de resultados, porém, o principal ponto que as diferencia é que a fraude está relacionada a atos ilegais como falsificação de documentos e registros errados na contabilidade, enquanto a contabilidade criativa, ou o gerenciamento de resultados, se aproveita da flexibilidade de algumas leis em vigor, das normas de contabilidade e dos próprios princípios contábeis.
Há uma profusão de termos relacionados às fraudes corporativas. Destarte, diversos autores propõem acepções distintas para termos iguais, assim como, termos distintos para situações semelhantes. Neste artigo, adotou-se a significação de Jones (2011) para o termo contabilidade criativa. Segundo o autor, devido à existência de brechas nas normas contábeis, os gestores realizam escolhas específicas para gerenciar a mensuração e apresentação das demonstrações financeiras em prol de seus interesses. Nessa acepção, o uso contumaz da contabilidade criativa vem da flexibilidade que o contador tem no momento de elaboração das demonstrações financeiras, mas ocorre dentro da legalidade.
Visto que contabilidade criativa é uma prática que não pode ser diretamente associada à fraude, e, portanto, não há o que se falar de ilegalidade, deve-se ver e levar em consideração os aspectos éticos. Glock e Goldim (2003) afirmam que ética é o estudo da moral e está relacionada com os costumes e os valores das pessoas inseridas em um determinado grupo ou ambiente. Lucena et al. (2015, p. 3) ressaltam que “a conduta ética não está relacionada somente ao cumprimento de códigos ou normas preestabelecidas, mas também a uma questão de respeito e compromisso para com o crescimento da sociedade em que todos vivem”.
A maioria das pessoas consegue entender em um sentido amplo e geral o significado da palavra “ética”, poucas realmente sabem e conseguem conceituá-la. Neste sentido há, em muitas empresas, normas e códigos dizendo como ser ético ou como agir eticamente (GLOCK; GOLDIM, 2003). Por meio da Resolução nº. 803 (1996), o CFC aprovou o Código de Ética Profissional do Contabilista, que trata dos aspectos éticos que devem ser considerados nos assuntos relacionados à profissão, ao exercício da contabilidade e à classe contábil. Dessa forma, tem-se um código para disciplinar a profissão contábil de maneira que os profissionais protejam os interesses dos clientes, atuem com zelo e respeitem os Princípios de Contabilidade: as Normas Brasileiras de Contabilidade.
Uma vez que gerenciamento de resultados pode não trazer clareza e transparência nas demonstrações contábeis, investidores e acionistas podem apresentar uma visão deturpada da real situação econômica e financeira de uma empresa. Por isso, aspectos éticos devem estar envolvidos na preparação dessas demonstrações para que se possa ter confiabilidade nas informações fornecidas pelas empresas.
Proceder Metodológico
Para a realização desta pesquisa, do tipo qualitativa descritiva, escolheu-se a aplicação de questionário, com o objetivo de observar as percepções e opiniões existentes entre auditores e acadêmicos da área contábil sobre a contabilidade criativa e suas implicações éticas. Foi realizado um pré-teste com um acadêmico da UnB e um auditor. Não foram sugeridas alterações.
O questionário foi, então, enviado a 70 acadêmicos e a 50 auditores. No total, por parte dos acadêmicos, houve 41 respostas e, por parte dos auditores, houve 35 respostas, obtendo um retorno de respostas de 59% e 70%, respectivamente. O questionário foi aplicado por meio de correio eletrônico e impresso. O tempo de aplicação foi do dia 25 de setembro de 2011 ao dia 6 de novembro de 2011.
A pesquisa foi aplicada aos docentes do curso de Ciências Contábeis do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), Universidade Católica de Brasília (UCB) e Universidade de Brasília (UnB). Com a mesma finalidade, esse questionário foi aplicado aos Auditores Independentes de duas grandes empresas intituladas Big Four, com a condição de não serem citadas.
O questionário é formado por 11 perguntas fechadas e de múltipla escolha (disponíveis para consulta no Apêndice A), com aplicação da escala Likert da questão seis à onze. O uso dessa escala objetiva diferenciar e detectar o grau de concordância dos respondentes em relação aos temas abordados ao longo do questionário. O grau de concordância varia desde “concordo totalmente” até “discordo totalmente”.
As perguntas iniciais (1 a 5) objetivam conhecer o perfil de quem está respondendo, tais como área de formação, meio em que atuam e tempo no exercício da profissão. Em seguida, a pergunta 6 objetiva conhecer se o respondente acredita, ou não, que as leis devem ser seguidas rigorosamente para, então, a pergunta 7 discorrer sobre a validade de se encontrar brechas em leis de forma a deixar resultados favoráveis. As perguntas 8 e 9 exemplificam duas empresas que adotaram a contabilidade criativa. A pergunta 10 trata da aceitação, ou não, do conceito de que o que a lei não proíbe, ela permite. O propósito é avaliar se a concordância (discordância) com o conceito condiz com a resposta da contabilidade criativa nos exemplos práticos Por fim, a pergunta 11 apresentou uma empresa fraudulenta.
Resultados e Análises
Com base nos dados coletados por meio da aplicação do questionário, foram feitas análises para identificar possíveis diferenças de opiniões conforme o objetivo já exposto. Não obstante, deve-se deixar claro que houve limitação para a realização do artigo, uma vez que o fator tempo foi reduzido, o que afetou a quantidade de respostas. Ademais, as conclusões são restritas à amostra utilizada.
Para esclarecer a especialização de cada participante, questionou-se a formação de cada um, apresentada no Quadro 1, a seguir:

A maioria dos respondentes, aproximadamente 86%, é formada em contabilidade. Desses 86%, 18% já ouviram falar em contabilidade criativa, mas não sabem exatamente o que significa, 59% já trabalharam, estudaram ou a área em que trabalha está relacionada ao tema, 5% nunca ouviram falar do assunto. É imprescindível que os contadores se atualizem frente ao mercado dinâmico e com alterações constantes. O termo contabilidade criativa é utilizado frequentemente não só no meio acadêmico, mas também pela mídia - não apenas jornais de grande circulação, como também blogs e redes sociais, revistas e conversas informais.
A pergunta seguinte tem como propósito identificar o meio em que cada participante atua, com a intenção de se conhecer se há visão prática, vivenciada no meio empresarial, e se há visão teórica, percebida pelos acadêmicos. O Quadro 2, a seguir, destaca a segregação dos respondentes de acordo com o meio em que atuam, apresentando uma amostra equilibrada já que a quantidade de professores e auditores é similar.

O Quadro 3 evidencia há quanto tempo o participante da pesquisa exerce sua profissão de docência e/ou auditoria. Observa-se que a maioria dos profissionais atua há menos de dez anos.

A quarta pergunta, com os resultados apresentados no Quadro 4, tem o intuito de determinar se há conhecimento de ética.

Foi apresentada a seguinte frase: "Ter um comportamento ético é ter atitudes que estejam de acordo e dentro dos limites da moral dos homens." O participante opinou a anuência (ou não) ao que foi exposto. A maioria, cerca de 80%, respondeu que concordava.
A quinta pergunta (Quadro 5) investigou se o respondente já havia ouvido falar sobre contabilidade criativa.

Vários auditores já tinham ouvido algo a respeito de contabilidade criativa, mas não sabiam o que exatamente representaria o conceito. Para o grupo de professores a resposta foi um pouco diferente. Grande parte estudou ou trabalhou com gerenciamento de resultados. De modo geral, poucos respondentes (três auditores e dois professores) nunca ouviram falar sobre contabilidade criativa. Dos professores que desconheciam sobre o assunto, um é formado em direito, atua no meio acadêmico e exerce sua profissão entre cinco a dez anos; o outro é formado em contabilidade, atua tanto no meio acadêmico quanto no empresarial e também exerce a profissão entre cinco a dez anos. Para aqueles auditores que desconheciam sobre contabilidade criativa, dois trabalham há menos de cinco anos na área e um trabalha entre dez e quinze anos.
Conforme informações destacadas no Quadro 6, a sexta pergunta objetiva identificar o grau de concordância dos respondentes em relação à pergunta: “Você acredita que as leis devem ser seguidas rigorosamente?”.

A maioria (em torno de 60%) respondeu que concorda totalmente com o seguimento rigoroso das leis. Duas pessoas responderam que discordam totalmente e uma que discorda parcialmente. O professor formado em Direito que respondeu à pergunta anterior afirmando nunca ter ouvido falar de contabilidade criativa, respondeu nesta questão que discorda totalmente de que as leis devem ser seguidas rigorosamente. Um auditor, que igualmente ao advogado exerce a profissão há menos de cinco anos, também respondeu que discorda totalmente da pergunta feita. O participante que discordou parcialmente do questionamento é um acadêmico com menos de cinco anos de prática profissional.
A sétima pergunta, com resultados descritos no Quadro 7, foca o grau de concordância dos respondentes com relação à procura por brechas nas leis.

Questionou-se aos participantes se eles consideravam válido procurar brechas nas leis para solucionar os casos a seu favor. Esperava-se que aqueles que responderam acreditar que a lei deve ser seguida rigorosamente (questionamento 6) responderiam que não procurariam brechas nas leis para solucionar casos a seu favor. Porém, observou-se o contrário, a maioria (aproximadamente 70%) diz concordar de alguma forma em pesquisar brechas nas leis.
Houve duas exceções: o professor formado em Direito manteve sua postura e concordou com tal prática, demonstrando não ser a favor de seguir as leis rigorosamente para poder, assim, buscar tais brechas para solucionar seus casos. Da mesma forma, o auditor que respondeu discordar totalmente do rigor com que as leis devem ser seguidas, manteve sua postura e concordou totalmente que é possível procurar brechas nas leis.
A oitava questão trata de gerenciamento de resultados, considerando uma situação na qual há alteração de práticas contábeis. Apresentou-se uma empresa que iniciou o exercício com um critério de provisionamento para contingência, mas que, perto do fim do exercício, alterou tal critério com o intuito de aumentar a despesa de contingência, diminuindo o lucro a ser tributado. Questionou-se o grau de concordância do respondente em relação à atitude da administração. Os resultados estão dispostos a seguir (Quadro 8):

Uma parcela dos respondentes, cerca de 50%, discordou totalmente dessa prática, demonstrando não concordarem com a prática de gerenciamento de resultados. Tanto o professor formado em Direito quanto o formado em Contabilidade, mencionados nas questões anteriores, responderam ser indiferentes nesta questão por não conhecerem a respeito do assunto conforme suas respostas dadas na pergunta cinco. Dos três auditores que nunca ouviram falar de contabilidade criativa, um concordou totalmente e os outros dois discordaram totalmente com a prática de gerenciamento de resultados.
O gerenciamento de resultados está no aumento das despesas de natureza não operacional. O administrador da Cia ABC, na situação apresentada na nona questão utilizou seus conhecimentos para alterar a situação patrimonial da empresa e, assim, alterou o resultado, por meio da Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), sem infringir nenhuma lei ou norma vigente.
A questão seguinte, com os resultados apresentados no Quadro 9, apresentou uma empresa que decidiu aumentar as despesas não operacionais dedutíveis e, assim, recolheu menos tributos.

A maioria dos entrevistados discordou totalmente da prática. Quando os grupos são observados individualmente, os acadêmicos continuam, em sua maioria, a discordar totalmente da administração da empresa, enquanto os auditores se dividem entre as respostas.
Nessa questão, o gerenciamento de resultados está no aumento das despesas de natureza não operacional, como doações. Esse é um exemplo de contabilidade criativa, pois o administrador da Cia ABC utilizou seus conhecimentos para alterar a situação patrimonial da empresa e, assim, alterou o resultado, por meio da Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), sem infringir nenhuma lei ou norma vigente.
A décima pergunta, com resultados apresentados no Quadro 10, questiona o grau de concordância dos respondentes em relação à afirmação: “o que a lei não proíbe, ela permite”.

A maioria, aproximadamente 70%, diz concordar de alguma forma com a afirmação. Os professores apresentaram coerência entre essa resposta e as opiniões apresentadas anteriormente a respeito de gerenciamento de resultados. Os auditores, todavia, não apresentam harmonia, ora discordando que é válido procurar brechas em lei, ora concordando.
Por fim, o último questionamento apresenta uma situação em que as atitudes da administração da empresa alteram o ativo circulante e, consequentemente, indicadores econômico-financeiros. Questiona-se o grau de concordância dos respondentes em relação aos gestores de uma empresa que aceleraram a fabricação e as vendas de produtos no fim do exercício, de forma a aumentar as contas a receber ou o disponível, não se preocupando com a qualidade dos pagadores e/ou do produto, como de costume. As respostas estão dispostas no Quadro 11:

A maioria, quase 70%, respondeu discordar de alguma forma. Dos que concordaram de alguma forma, dez são acadêmicos e quatro são auditores. Desses quatro auditores que concordaram de alguma forma com a situação exposta, um é formado em economia e o outro em computação, por isso, pode-se dizer que eles, talvez, não tenham conhecimento específico em relação ao tema. Dos dez professores que de alguma forma concordaram com a prática desenhada nessa pergunta, oito são formados em contabilidade, um em economia e um em administração. Os sete professores que concordaram com a prática de fraude aqui apresentada, discordaram quando a questão envolvia gerenciamento de resultados. De maneira geral, pode-se inferir que os acadêmicos desconhecem exemplos práticos relacionados à fraude.
Considerações Finais
O presente trabalho busca evidenciar, por meio de aplicação de questionário, as diferenças existentes entre a percepção dos auditores independentes e dos acadêmicos da área contábil em relação à prática de gerenciamento de resultados, da contabilidade criativa, assim como algumas implicações éticas envolvidas.
A maioria dos respondentes concordou que as leis devem ser seguidas rigorosamente e, ao mesmo tempo, acredita ser aceitável procurar brechas nas leis para melhorar a situação da empresa. A afirmação “o que a lei não proíbe, ela permite” foi, de maneira geral, tida como certa. Ao mesmo tempo, se considerou aceitável a atuação da administração ao gerenciar os resultados quando, aos respondentes, eram apresentados exemplos descritivos.
De forma geral, os professores apresentaram coerência entre as opiniões apresentadas a respeito de gerenciamento de resultados. Os auditores, todavia, não apresentam harmonia, ora discordando que é válido procurar brechas em lei, ora concordando. Os sete professores que concordaram com a prática de fraude apresentada, discordaram da atuação da administração quando a questão envolvia gerenciamento de resultados.
As respostas dos auditores independentes e dos acadêmicos da área contábil foram similares às encontradas em estudos anteriores. A amostra se caracteriza como tendo a maioria dos respondentes formação em contabilidade, reconhecimento do conceito “ética” e “gerenciamento de resultados”.
O estudo está em linha com resultados apresentados por Jones (2011), Dechow e Skinner (2000), que demonstraram que a visão acadêmica sobre a Contabilidade Criativa, especialmente em relação ao Gerenciamento de Resultados, difere do observado entre os profissionais contábeis de forma geral.
Tendo em vista que o auditor independente, ao emitir a sua opinião em forma de Parecer de Auditoria favorável, está atestando que todas as informações contábeis divulgadas pela empresa estão em conformidade com a lei, é de se esperar que o profissional adote a postura na qual as leis devem ser seguidas, evitando subjetividade. Porém, alguns auditores concordam com a possibilidade de se procurar brechas nas leis e com a prática de gerenciamento de resultados. De tal modo, como continuação desta pesquisa sugere-se examinar o grau de aceitação de subjetividade dos auditores, tendo como base a concordância com a afirmação de que "o que a lei não proíbe, ela permite". Ainda, sugere-se associar o nível de liberdade interpretativa com a maturidade profissional.
Referências
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Apêndice A
Questionário aplicado aos acadêmicos e auditores
O objetivo desta pesquisa é examinar, de uma forma geral, a percepção de auditores (representados por profissionais de auditoria independente) e acadêmicos (representados pelos professores de diversas universidades e centros universitário de Brasília) em relação à contabilidade criativa, ao gerenciamento de resultados e suas implicações éticas. Para auxiliar as respostas, destacamos os seguintes conceitos:
Gerenciamento de Resultados: Alteração intencional dos resultados contábeis.
Comportamento Ético: se apoia em regras passíveis de justificação perante o público e respeita os valores morais intrínsecos num determinado grupo profissional, em que tais regras precisam ser apreciadas, respeitadas e aceitas por todos (BONHOEFFER, 1994).
Questão 1: Qual a sua área de formação? (Assinale a opção que melhor se enquadra. Caso sua área não esteja em nenhuma das alternativas, selecione “Outras” e detalhe a sua área de formação).
Opções de resposta: (a) Contabilidade; (b) Administração; (c) Economia; (d) Engenharia; (e) Direito; (f) Outras.
Questão 2: Você é do meio acadêmico (professor) ou empresarial (auditor)?
Opções de resposta: (a) Acadêmico; (b) Empresarial; (c) Ambos.
Questão 3: Há quantos anos você exerce a sua profissão? (Se você respondeu “ambos” na pergunta anterior, assinale a opção que represente a função que você exerce há mais tempo).
Opções de resposta: (a) Menos de 5 anos; (b) De 5 a 10 anos; (c) De 10 a 15 anos; (d) De 15 a 20 anos; (e) Mais de 20 anos.
Questão 4: Considere a frase: "Ter um comportamento ético é ter atitudes que estejam de acordo e dentro dos limites da moral dos homens." Você concorda com a afirmação?
Opções de resposta: (a) Concordo. Está dentro do conceito que conheço. (b) Imparcial. (c) Não concordo. O conceito que entendo não está relacionado ao mencionado nesta questão.
Questão 5: Você já ouviu falar em gerenciamento de resultados, contabilidade criativa ou earnings management?
Opções de resposta: (a) Sim, mas não sei exatamente o que é. (b) Sim, a área que trabalho está relacionada ao tema. (c) Sim, já trabalhei ou estudei a respeito. (d) Não, nunca ouvi falar.
Questão 6: Você acredita que as leis devem ser seguidas rigorosamente? (Assinale a opção que melhor se enquadre ao seu grau de concordância em relação à pergunta).
Opções de resposta: (a) Concordo Totalmente; (b) Concordo Parcialmente; (c) Indiferente; (d) Discordo Parcialmente; (e) Discordo Totalmente.
Questão 7: Você acredita que é válido procurar brechas nas leis para solucionar os casos a nosso favor?
Opções de resposta: (a) Concordo Totalmente; (b) Concordo Parcialmente; (c) Indiferente; (d) Discordo Parcialmente; (e) Discordo Totalmente.
Questão 8: A Cia XYZ iniciou o exercício com um critério de provisionamento para contingência. Perto do fim do exercício, apesar das Demonstrações Financeiras já divulgadas durante os trimestres, a Cia XYZ decidiu alterar o critério, de forma a aumentar a despesa de contingência, diminuindo o lucro a ser tributado. Considerando que não existe impedimento legal, qual é o seu grau de concordância em relação à situação?
Opções de resposta: (a) Concordo Totalmente; (b) Concordo Parcialmente; (c) Indiferente; (d) Discordo Parcialmente; (e) Discordo Totalmente.
Questão 9: Com o fim do exercício social, a Cia ABC, fabricante de automóveis, decidiu aumentar as despesas não operacionais dedutíveis e, assim, recolheu menos tributo. Julgando que isso seria possível, qual é o seu grau de concordância em relação a tal atitude?
Opções de resposta: (a) Concordo Totalmente; (b) Concordo Parcialmente; (c) Indiferente; (d) Discordo Parcialmente; (e) Discordo Totalmente.
Questão 10: Você concorda com a afirmação “O que a lei não proíbe ela permite”?
Opções de resposta: (a) Concordo Totalmente; (b) Concordo Parcialmente; (c) Indiferente; (d) Discordo Parcialmente; (e) Discordo Totalmente.
Questão 11: A Cia LMN, fabricante de bolsas e sapatos, acelerou a produção e as vendas de seus produtos no fim do exercício de forma a aumentar as contas a receber (quando tratando-se de vendas a prazo) ou o disponível (vendas a vista), não se preocupando com a qualidade dos pagadores e/ou do produto, como de costume. Sabendo-se que um aumento do Ativo Circulante aumentará o Índice de Liquidez Corrente (ILC) e que os investidores da Cia LMN acreditam que a saúde da empresa está ligada a um bom ILC, você concorda com a decisão tomada pelos gestores da Cia LMN?
Opções de resposta: (a) Concordo Totalmente; (b) Concordo Parcialmente; (c) Indiferente; (d) Discordo Parcialmente; (e) Discordo Totalmente.