Identificação de Riscos Corporativos no Ambiente de Valor de Instituições de Ensino Superior Privadas (IES)

Identification of Corporate Risks not Environmental of Value of Private Higher Education Institutions

Silvye Ane Massaini
Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, Brasil
Viviane Renata Franco de Oliveira
Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, Brasil
Fábio Lotti Oliva
Universidade de São Paulo – USP, Brasil

Identificação de Riscos Corporativos no Ambiente de Valor de Instituições de Ensino Superior Privadas (IES)

Revista Administração em Diálogo, vol. 19, núm. 1, pp. 89-111, 2017

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Resumo: O presente artigo tem como principal objetivo compreender quais riscos corporativos podem ser identificados no ambiente de valor de instituições de ensino superior privadas (IES). O estudo classifica-se como descritivo e qualitativo, tendo como base a análise de entrevistas com gestores de duas diferentes instituições de ensino superior privadas. Os resultados demonstram que a nomenclatura e tipologia de riscos corporativos ainda é pouco clara aos profissionais responsáveis pela gestão das IES privadas. Além disso, percebeu-se que o risco mais evidenciado foi o risco legal, decorrente da relação com o Ministério da Educação; seguido pelo risco financeiro, ocasionado pela evasão e falta de alunos.

Palavras-chave: Gestão de Riscos Corporativos, Instituição de Ensino Superior, Ambiente de Valor.

Abstract: This paper aims to understand what type of corporate risk can be identified in the value system of private higher education institutions. The study is classified as descriptive and qualitative, based on analysis of interviews with managers of two different private higher education institutions. The results show that the nomenclature and typology of corporate risk is still unclear, considering the perception of the private higher education institutions’ managers. In addition, it was noted that the most evident risk was legal, arising from the relationship with the Ministry of Education; followed by financial risk, caused by evasion and lack of students.

Keywords: Enterprise Risk Management (ERM), Higher Education Institution, Value System.

Introdução

Os riscos podem ser entendidos, de forma geral, como a possibilidade de perda (ISO 31000, 2009). Eles estão presentes em diferentes âmbitos da vida humana, sendo inerentes a qualquer atividade econômica (ZANIZ et al., 2013). Diversos agentes, incluindo as organizações de ensino superior, estão sujeitos a vários tipos de riscos, que podem ser gerados pela própria atividade ou provocados por eventos externos.

Ao longo das últimas duas décadas, o risco no ambiente educacional tem despertado grande atenção e se destacado no âmbito da gestão das escolas. Como consequência, os processos de gestão de risco têm sido implementados com maior frequência em instituições de ensino superior (IES) (STARR, 2012).

Dada a importância crescente da gestão de risco, não é de se admirar que o tema passe a desempenhar um importante papel nas escolas, considerando-se os diversos perigos potenciais no alcance dos objetivos das instituições de ensino superior (ABRAHAM, 2013).

Salienta-se, no entanto, que a gestão de riscos em IES é uma tarefa complexa, realizada, muitas vezes, com o apoio ferramentas de avaliação de risco e, muito frequentemente, com a ajuda consultores (STARR, 2012). Apesar disso, os processos de gestão e ferramentas de identificação dos riscos não estão necessariamente adaptados ao ambiente da IES (GAUSTAD, 1993). Ademais, muitos dos modelos consideram as organizações como entidades fechadas, deixando de analisar os riscos provenientes de relações entre as organizações envolvidas no ambiente de valor das IES.

Sendo assim, considerando-se que a tarefa de levantamento dos riscos constitui o cerne do processo, e tendo em vista a necessidade de desenvolvimento de uma visão mais sistêmica, o presente artigo apresenta como principal objetivo compreender quais riscos corporativos podem ser identificados no ambiente de valor de instituições de ensino superior privadas (IES). De forma a responder a essa questão, têm-se como objetivos específicos (a) identificar os principais riscos corporativos relacionados às instituições de ensino superiores (IES) privadas segundo seus gestores, (b) relacionar os tipos de risco identificados pelas IES privadas com os diferentes agentes do setor, (c) hierarquizar os riscos identificados por cada agente segundo seu grau de relevância para o setor, e (d) adaptar o modelo de identificação de riscos corporativos ao ambiente de valor das IES privadas.

Por fim, entende-se que este é um tema relevante tanto para os gestores de instituições de ensino superior, quanto a pesquisadores da área, dada a relação estabelecida entre a gestão de riscos corporativos (ERM) e o contexto educacional privado do país. Além disso, diante da complexidade da gestão de riscos em IES, o tema merece atenção de autoridades da educação, de forma a impulsionar o interesse governamental na supervisão e controle do risco.

O estudo classifica-se como descritivo e qualitativo, tendo como base a análise de entrevistas com gestores de diferentes instituições de ensino superior privadas, localizadas no estado de São Paulo.

O artigo está estruturado em três capítulos, onde são abordados os conceitos teóricos acerca do processo de gerenciamento de riscos e gestão de riscos no ambiente educacional. Na sequência, é expresso o delineamento metodológico do estudo, seguido pela apresentação do setor de ensino superior privado no Brasil e pela discussão dos resultados da pesquisa.

Referencial Teórico

Esta sessão trata da teoria relacionada ao risco e sua identificação. Para tanto, são levantados conceitos sobre o processo de gestão de riscos que abrange, dentre outras etapas, a identificação dos mesmos; além de conceitos relacionados à gestão de risco no ambiente educacional.

Processo de Gestão de Riscos

A gestão de riscos tem recebido crescente atenção por parte dos gestores nos últimos anos. O gerenciamento de risco pode ser definido como um processo lógico e sistemático para as organizações identificarem e avaliarem riscos, visando a uma melhor tomada de decisões e a avaliação de desempenhos. Assim, a gestão de riscos implica “conhecer a probabilidade da ocorrência de cada risco e saber o impacto que sua materialização poderá causar nos ativos empresariais e/ou na sua capacidade de produzir resultados” (MARTIN et al., 2004, p. 10).

Os modelos mais difundidos para a gestão de risco podem ser encontrados no manual do Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO) e na norma 31.000 da ISO (2009).

Em 1992, o COSO publicou a obra intitulada Internal Control – Integrated Framework. Nela, é sugerida uma sequência de processos para identificação, avaliação e controle dos riscos. O objetivo da obra é ajudar empresas e outras organizações a avaliar e aperfeiçoar seus sistemas de controle interno a partir do desenvolvimento de uma estrutura de gerenciamento de riscos corporativos, capaz de fornecer os princípios e conceitos fundamentais, com uma linguagem comum, direcionamento e orientação claros (COSO, 2004).

Por meio de um framework integrado, a obra fornece um enfoque mais vigoroso e extensivo ao tema, abordando, além dos sistemas de controles internos, os princípios e conceitos fundamentais de gerenciamento de riscos corporativos, sendo referência internacional para o estudo e gestão dos riscos (COSO, 2004).

A ISO 31.000 (2009), por sua vez, também estabelece um processo lógico para tornar a gestão de riscos eficaz. Por meio de uma série de etapas estabelecidas, a norma recomenda que as organizações desenvolvam, implementem e melhorem continuamente sua estrutura para gestão de riscos. O processo de gestão de riscos proposto pela ISO consiste na aplicação sistemática de políticas, procedimentos e práticas de gestão para as atividades de comunicação, consulta, estabelecimento do contexto, e na identificação, análise, avaliação, tratamento, monitoramento e análise crítica dos riscos (ISO 31000, 2009). A Figura 1 apresenta um comparativo entre o modelo COSO e o modelo da ISO 31.000 quanto ao processo de gestão de riscos.

Figura 1
Comparação dos modelos de gestão de risco
Comparação dos modelos de gestão de risco
Adaptado de COSO (2004) e ISO 31.000 (2009).

A Figura 1 demonstra a convergência entre os conceitos expressos tanto na ISO 31.000 (2009) quanto no modelo COSO (2004), principalmente no que se refere ao processo de avaliação dos riscos. Ressalta-se também que, em ambos os modelos, a etapa de identificação constitui-se como cerne de todo o processo, adquirindo um caráter essencial para as etapas posteriores da gestão de risco.

Identificação dos Riscos Corporativos

De acordo com Tchankova (2002), a identificação do risco pode ser considerada um estágio básico do processo de gerenciamento de riscos. O autor coloca que o sucesso da gestão de riscos depende, em grande parte, de sua correta identificação, pois a falta de habilidade dos gestores em levantar todos os possíveis fatores de perda da organização tornam os riscos não gerenciáveis. Em outras palavras, “a falha na identificação dos riscos impossibilita a tomada de ações cabíveis, tornando as consequências dos riscos inimagináveis à organização” (TCHANKOVA, 2002, p.291).

Segundo o COSO (2004), a etapa de identificação de riscos consiste na execução de atividades para levantamento de eventos internos e externos que afetam a realização dos objetivos da empresa.

Esta visão também é ressaltada pela ISO 31.000 (2009), segundo a qual a etapa de identificação consiste na busca, reconhecimento e descrição dos riscos aos quais à organização está exposta. A norma preconiza a necessidade de gerar uma lista abrangente de riscos baseada em eventos internos e externos que possam influenciar na realização dos objetivos da empresa. Como resultado, espera-se identificar as fontes de riscos, suas áreas de impacto, os eventos que os originam, bem como suas possíveis causas e consequências. Para tanto, pode-se recorrer a dados históricos, análises teóricas, opiniões de especialistas, necessidades das partes interessadas, dentre outros aspectos (ISO 31000, 2009).

Vale salientar que o processo de identificação dos riscos deve ser desenvolvido de acordo com as características de cada organização, contemplando as particularidades da sua indústria, mercado e setor de atuação. Isso porque “não há um tipo de classificação de riscos que seja consensual, exaustivo e aplicável a todas as organizações” (IBGC, 2007, p. 17).

Corroborando com este pensamento e visando ampliar as concepções acerca do processo de identificação de risco, Oliva e Grisi (2014) desenvolveram um modelo baseado no ambiente de valor, expresso na Figura 2.

Os autores consideram importante a análise de riscos em um âmbito além das fronteiras da organização, incluindo sua cadeia de valor:

Considerando-se que as organizações não são entidades fechadas e que a administração moderna exige cada vez mais uma visão sistêmica, as teorias associadas à cadeia de valor apoiam, em grande parte, o debate necessário para analisar as relações entre as organizações envolvidas no ambiente corporativo (OLIVA; GRISI, 2014, p.5-6).

Figura 2
Modelo de identificação de riscos no ambiente de valor
Modelo de identificação de riscos no ambiente de valor
Adaptado de Oliva e Grisi (2014).

O modelo teórico de identificação de riscos dos autores incorpora a análise das relações com agentes no ambiente organizacional. Assim, os riscos podem ser provenientes da relação com diferentes agentes (clientes, fornecedores, concorrentes, distribuidores, sociedade e governo), sendo que cada um destes pode afetar a empresa de forma diferente. Esta visão possibilita, inclusive, verificar qual o risco mais eminente (estratégico, financeiro, operacional, de imagem, ético, de inovação ou de sustentabilidade ambiental) em cada tipo de relação estabelecida pela empresa em seu ambiente de valor. Além disso, os autores também propõem que o ambiente político, econômico, tecnológico, social e o meio ambiente podem influenciar os riscos no ambiente de valor.

Por apresentar uma abordagem mais abrangente e sistêmica, este modelo foi utilizado como base conceitual da presente pesquisa.

Gestão de Risco no Ambiente Educacional

A Gestão de Riscos Corporativos (ERM) tem ganhado bastante espaço nas faculdades e universidades nos últimos anos (STARR, 2012; ABRAHAM et al., 2013). Segundo Abraham et al. (2013), as instituições públicas e privadas de ensino superior (IES) têm implementado processos de gestão de riscos para apoiar o planejamento estratégico e avaliar novas iniciativas no negócio.

De acordo com Gaustad (1993), a gestão das escolas tem sido ameaçada por riscos que eram raros ou desconhecidos há algumas décadas, como ameaças à segurança dos funcionários e alunos, o aumento das despesas para a segurança escolar, os altos custos para a manutenção da estrutura dos campi, como também o aumento do processo de regulação e legislação. Para o autor, os administradores de IES estão sendo continuamente desafiados a desenvolver novas estratégias para salvaguardar seus ativos.

Corroborando com este pensamento Starr (2012) expõe que, há duas décadas, as considerações sobre a gestão de risco nas escolas eram muito diferentes das questões pelas quais os gestores têm de lidar atualmente. A atenção ao risco deixou de ser algo relacionado aos percalços habituais, adquirindo um caráter bastante estratégico nas instituições de ensino superior.

No contexto educacional, a gestão de riscos pode ser entendida como um processo de identificação, priorização e comunicação dos riscos que podem afetar o alcance dos objetivos das instituições de ensino. Tais riscos podem prejudicar a alocação de recursos, o sucesso de um programa internacional, ou até mesmo a implementação de um método de ensino à distância (ABRAHAM et al., 2013).

Por esse motivo, a gestão de risco educacional tem se tornado cada vez mais uma tarefa estratégica. O Quadro 1 apresenta os principais tipos de risco identificados pelos autores em IESs.

A partir desses estudos, nota-se que os riscos identificados são, em sua maioria, bastante congruentes com o exposto na literatura sobre riscos corporativos em outros setores da economia. No entanto, evidencia-se a especificidade das IES no que se refere, principalmente, ao risco de segurança e à propriedade intelectual. Os estudos também ressaltam a necessidade de novos modelos e ferramentas de identificação de riscos que considerem as atividades das IES e o ambiente no qual elas estão inseridas (GAUSTAD, 1993).

Quadro 1
Tipos de riscos identificados em IESs
Tipo de risco Descrição Geral Referências
Risco estratégico refere-se à possibilidade de perdas pelo insucesso das estratégias adotadas, levando-se em conta a dinâmica dos negócios e da concorrência, as alterações políticas e sociais. Malasri et al.(2011); Starr (2012); Abraham (2013)
Risco financeiro/ liquidez refere-se à capacidade da instituição assumir e honrar suas dívidas, estando associado aos desequilíbrios entre os ativos e passivos, podendo levá-las, em última instância, à insolvência. Malasri et al.(2011); Starr (2012); Abraham (2013)
Risco moral refere-se à possibilidade de que um agente econômico mude seu comportamento em função de um interesse e/ou informação assimétrica, o que pode levar ao conflito entre o agente e o principal. Abraham (2013)
Risco operacional advém de possíveis perdas, como resultado de sistemas e/ou controles inadequados, falhas no gerenciamento, em processos, equipamentos, além de erros humanos . Malasri et al.(2011); Starr (2012); Abraham (2013)
Risco patrimonial é decorrente da utilização não autorizada de recursos, de sua má utilização, da depredação ou roubo dos bens, da falta de manutenção ou conservação de bens de uso e da falta de segurança dos valores custodiados. Starr (2012)
Risco regulatório / legal / compliance está relacionado à legitimidade da instituição, seus registros e legalidade de suas obrigações. Estes riscos podem ocasionar perdas à organização em decorrência da inobservância dos dispositivos legais ou regulamentos, legislação, alterações em jurisprudências e normas de órgãos reguladores. Malasri et al.(2011); Starr (2012); Abraham (2013)
Risco reputacional é decorrente de veiculação de informações que afetam negativamente a imagem da instituição, pondo em risco a manutenção de suas atividades. Starr (2012)
Risco tecnológico está associado ao estágio de desenvolvimento da tecnologia. Refere-se às incertezas decorrentes da introdução de novos produtos ou serviços no mercado, da sua aceitação pelos consumidores e das ações promovidas pela concorrência. Starr (2012)
Risco de governança proveniente da falha na gestão, do conflito de interesses, da utilização de mecanismos como chantagem, suborno e pagamento de propina, como também de erros nos processos decisórios. Starr (2012)
Risco de mercado é decorrente dos movimentos adversos de preços, taxas de juros, de câmbio, ou qualquer outro tipo de ativo que possa afetar de alguma forma as atividades da instituição. Starr (2012)
Risco de propriedade intelectual é resultado do uso de estudos, informações, publicações e outros tipos de produção de terceiros, sem a devida autorização. Geralmente envolve questões relacionadas a marcas, licenças e patentes. Abraham (2013)
Risco de segurança refere-se à falta de segurança física das pessoas decorrente da possibilidade de acidentes, injúria física, contaminação, transmissão de doenças, sequestros, atentados, dentre outros fatores. Malasri et al.(2011); Starr (2012); Abraham (2013)
Elaborado pelos autores.

Procedimentos Metodológicos

Tendo em vista o problema de estudo proposto, optou-se pela realização de uma pesquisa descritiva, de caráter qualitativo. Segundo Sampieri et al. (2006, p. 102), os estudos descritivos têm como objetivo “especificar propriedades e características importantes de qualquer fenômeno que se analise”. A escolha da perspectiva qualitativa se deu em função deste tipo de pesquisa permitir uma melhor compreensão do fenômeno no contexto no qual ele ocorre, de forma a fornecer dados descritivos das organizações pesquisadas por meio de um contato direto do pesquisador com a conjuntura estudada (GODOY, 1995).

Quanto aos meios de investigação, o estudo baseou-se na pesquisa bibliográfica e na pesquisa de campo. Segundo Cervo e Bervian (1983, p.55), a pesquisa bibliográfica pode ser utilizada para “explicar um problema a partir de referenciais teóricos publicados”, contribuindo para o levantamento de informações relevantes acerca do objeto de estudo. Complementarmente, a pesquisa de campo é uma forma de levantamento de dados no próprio local onde ocorrem os fenômenos, por meio da observação direta, entrevistas ou medidas de opinião (LAKATOS; MARCONI, 2008).

O método de coleta de dados utilizado na presente pesquisa foi o de entrevista semiestruturada. Segundo Lakatos e Marconi (2008), o levantamento de informações por meio de entrevistas confere maior flexibilidade para interpretação e direção das perguntas e respostas. Assim, esse tipo de entrevista apresenta como vantagem a sua elasticidade quanto à duração e permite profunda cobertura sobre o assunto.

As entrevistas foram realizadas com quatro gestores de duas IES privadas do estado de São Paulo, que oferecem cursos de bacharelado reconhecidos pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Os entrevistados foram denominados E1, E2, E3 e E4 Como fontes, foram selecionados diretores, coordenadores e gestores, por acreditar-se possuírem maior conhecimento estratégico da IES. O roteiro semiestruturado, encontrado no Apêndice A deste trabalho e foi construído de forma a abarcar as questões expressas no Quadro 2:

Quadro 2
Estrutura do roteiro de entrevista
Tipos de questões Descrição
Contextuais questões mais amplas, impulsionadoras do assunto de interesse, concernentes ao setor das IES.
Estruturais questões relacionadas aos tipos de risco encontrados no ambiente das IES e aos principais agentes do setor.
Exemplificadoras questões que servem de impulso a explorações mais profundas, como a descrição detalhada do risco e seu fator indutor.
De contraste questões relacionadas à identificação de semelhanças e diferenças no processo de identificação de riscos da IES em comparação ao setor.
Adaptado de Sampieri et al. (2006, p. 381)

Para a análise das entrevistas seguiram-se os passos preconizados por Bardin (2011), na análise de conteúdo, que inclui: (1) pré-análise; (2) exploração do material; e (3) tratamento dos resultados obtidos, inferência e interpretação.

A pré-análise é uma fase de organização e sistematização das ideias, em que ocorre a escolha dos documentos a serem analisados, a retomada das hipóteses e dos objetivos iniciais da pesquisa em relação ao material coletado, e a elaboração de indicadores que orientarão a interpretação final. Já a exploração do material consiste na fase em que os dados brutos do material são codificados para se alcançar o núcleo de compreensão do texto. A codificação envolve procedimentos de recorte, contagem, classificação, desconto ou enumeração em função de regras previamente formuladas. Por fim, o tratamento e interpretação dos resultados consistem no encontro de um significado para as informações e sua validação. Nesta etapa, o investigador propõe suas inferências e realiza suas interpretações de acordo com o quadro teórico e os objetivos propostos, ou identifica novas dimensões teóricas sugeridas pela leitura do material (BARDIN, 2011).

Apresentação e Análise dos Resultados

Caracterização do Setor de Ensino Superior Privado no Brasil

O setor de ensino superior privado no Brasil passou por grande dinamismo nos últimos anos em função do crescimento de matrículas e do número de instituições privadas. Entre 1960 e 1980 o crescimento do número de matrículas no ensino superior privado foi mais de 800% e, atualmente, responde por 75% das matrículas (SAMPAIO, 2011). No período entre 1995 e 2007 o crescimento do número de matriculados sofreu um incremento de 177% e, apenas na rede privada, a participação no total de matrículas foi de 60,2% para 74,6%. Em relação ao número de instituições privadas no mesmo período, o aumento foi de 197,1% (SÉCCA; LEAL, 2009).

Tal aumento de demanda pode estar vinculado a fatores como o aumento da população jovem adulta, as novas exigências do mercado de trabalho, aumento dos concluintes do ensino médio, baixos níveis históricos de penetração do ensino superior, maior disponibilidade de financiamento estudantil e bolsas de estudo e desregulamentação do setor, principalmente em função da promulgação da LDB de 1996, que promoveu grande flexibilização ao setor (SÉCCA; LEAL, 2009). Em relação ao financiamento estudantil, o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) é um programa do Ministério da Educação destinado ao financiamento da graduação em IES privadas, que vigora desde 1999 (MEC, 2015).

Em função do crescimento do setor e de mudanças de natureza institucional e de estatuto, as instituições de ensino privadas passaram a contar com a inclusão de profissionais de mercado como consultores, com o intuito de atuar na elaboração de novos programas, implantação de grupos de pesquisa, projetos de extensão, criação de novos cursos, entre outras funções. Além de atender a estas demandas, os consultores também deveriam comprovar especialização em gestão de negócios com foco na gestão financeira, recursos humanos, sistemas de informação e marketing (SAMPAIO, 2011), o que demonstra o caráter mercadológico da gestão das atividades educacionais nos dias de hoje.

Análise e Discussão das Entrevistas

Definição e Tipologias de Riscos nas IES Privadas

Em relação à conceituação de riscos corporativos, os entrevistados os definem como “fatores que ameaçam a continuidade das atividades core de uma empresa” (E1) e tudo aquilo que “pode desestabilizar o funcionamento interno de uma organização e afetar a produção” (E2). A visão mais objetiva foi apresentada pelo entrevistado E4, que define os riscos corporativos “como os aspectos que podem prejudicar ou comprometer os objetivos traçados para o negócio”. Notou-se que os quatro entrevistados demonstraram alguma dificuldade na definição de riscos inicialmente, porém, de certa forma, todos conseguiram chegar em alguma definição plausível. Alguns definem risco como algo apenas prejudicial, outros possuem a visão de risco mais abrangente, considerando aspectos tanto positivos quanto negativos. De forma geral, percebe-se que os entrevistados associam o risco corporativo à possibilidade de comprometimento dos objetivos e atividades da empresa estando concernente à norma ISO 31000 (2009) e à definição proposta pelo COSO (2004).

A respeito dos principais riscos existentes no ambiente das IES, foram apontados riscos que podem gerar a descontinuidade do negócio / serviço e que impactam todos os segmentos internos envolvidos (mantenedores, professores, alunos, gestores, etc.) como, por exemplo, as oscilações econômicas. Tal fato também é citado pelos entrevistados E3 e E4, que colocam que as crises econômicas e o atual mercado podem afetar o faturamento das IES privadas: “quando você pensa em economia e está em uma IES privada, com um valor de mensalidade considerável, o risco econômico pode impactar diretamente” (E3).

Além disso, é citado pelo entrevistado E1 que o MEC passa por momentos de maior ou menor intervencionismo, gerando impactos diretos na gestão das IES. Vale salientar que os entrevistados E3 e E4 também apontaram para riscos associados ao Ministério da Educação e órgãos legais, relacionados às mudanças de normas, a exames como o ENADE, às avaliações do MEC na IES, dentre outros aspectos.

A entrevistada E2 considera ainda os riscos decorrentes do mau atendimento ao aluno, desde os serviços da secretaria, coordenação, direção e professores. Nesta mesma linha, o entrevistado E3 cita os riscos operacionais, que envolvem tudo que pode dar errado nas rotinas da IES, como o relacionamento entre aluno e professor.

O entrevistado E4 ainda levanta uma questão associada ao risco estratégico das organizações. Para ele, o sistema de ensino superior encontra-se uma fase de massificação, onde apenas uma minoria de instituições de ensino persegue a excelência do ensino. Tal fato acarreta na perda da qualidade da educação e, consequentemente, da função central da IES. O entrevistado cita também os riscos decorrentes da “miopia em relação à mudança do mercado, a concorrência emergente, a entrada do capital estrangeiro e os professores não comprometidos”.

Em geral, os riscos mais levantados foram o legal e o financeiro, tratado pelos entrevistados como decorrência dos fatores econômicos. Além disso, em segundo plano, são citados riscos internos como o atendimento de má qualidade ao aluno e outros relacionados à operação da IES (riscos operacionais), além de risco de mercado (enfatizado pela alta concorrência) e risco estratégico. Os riscos citados estão condizentes com os identificados em IES pela literatura levantada (MALASRI et al., 2011; STARR, 2012; ABRAHAM, 2013). No entanto, não foram citados riscos relacionados à imagem da instituição, à segurança, à propriedade intelectual, dentre outros, conforme apontado no referencial teórico

Agentes no Ambiente das IES Privadas e o Risco Decorrente Dessa Relação

A respeito dos principais agentes do ambiente da IES, o entrevistado E1 considera importantes os agentes internos, caracterizado pelos os gestores, o corpo docente, corpo discente e os funcionários. No âmbito externo, o entrevistado E1 apontou para o governo e a concorrência, embora a regulamentação e decisões governamentais sejam mais impactantes. O entrevistado E3 citou como agentes os consumidores (alunos e pais), seguidos pelos concorrentes (diretos e indiretos), funcionários e professores (que influenciam a operação), governo e, por fim, os ex-alunos e comunidade externa local. Já o entrevistado E4 reforçou que as IES estão baseadas em um tripé, composto pela própria instituição, seus professores e alunos. No entanto, ele ressaltou que o agente mais importante no ambiente da IES é o governo, pois ele determina todo o escopo de ação das instituições.

De forma geral, foram citados agentes internos como os gestores, corpo docente, corpo discente e funcionários. Os agentes externos principais são o governo e a concorrência, sendo o governo o mais importante, uma vez que a IES tem menos controle sobre suas ações se comparado à concorrência. Os agentes influenciadores (imprensa, amigos, profissionais, colegas, ex-alunos e sociedade em geral) também foram citados, porém de forma menos enfática.

De acordo com Oliva e Grisi (2014), o modelo proposto de identificação de riscos deve incorporar as relações com agentes no ambiente organizacional, bem como os principais riscos decorrentes destas relações. Os principais agentes citados pelos autores são os clientes, fornecedores, concorrentes, distribuidores, sociedade e governo. No caso das IES, os agentes citados se diferem em parte dos agentes previstos por Oliva e Grisi (2014). A maior diferença em relação ao modelo diz respeito à relevância dos agentes internos para as IES. Sobre os agentes externos principais, o governo e a concorrência já estão incorporados no modelo, e os influenciadores podem ser inseridos no grupo que compõem a sociedade em geral.

No que se refere aos riscos provenientes das relações com os agentes supracitados, o entrevistado E1 cita os riscos de governança e comunicação interna, considerando que estes podem afetar muito a rotina da IES. O mesmo entrevistado cita que os riscos do ambiente interno são mais importantes porque podem neutralizar ou potencializar os fatores externos. Fatores que impactam a reputação da IES também foram citados, pois podem afetar a decisão do aluno pela permanência.

A entrevistada E2 cita que em relação ao concorrente, o principal risco é a perda de seus diferenciais. A evasão também pode ser um risco, mas decorre da relação com o próprio aluno, sendo maior no período de ingresso do aluno na IES e quando o aluno está insatisfeito com o serviço. Em termos de riscos provenientes da relação com o governo, citou-se a mecânica e estrutura do curso, que não podem ser facilmente alteradas, o que afeta negativamente o serviço educacional.

Para o entrevistado E3, a relação entre a IES e o agente cliente implica em risco financeiro, já que o não atendimento das necessidades do aluno pode gerar sua evasão. Em relação ao concorrente, o principal risco identificado é o de mercado, traduzido por ele como a falta de percepção da movimentação dos concorrentes, fazendo com que eles atinjam o mercado de forma mais rápida, por meio de parcerias, melhor conteúdo e professores mais bem atualizados. Em relação aos funcionários e professores, tem-se o risco operacional e, da relação com o Governo, emergem os riscos econômico, legal e estratégico.

Uma percepção semelhante é apresentada pelo entrevistado E4, que afirma que a relação com o governo acarreta riscos econômicos e estratégicos, dado que as ações da IES estão condicionadas a ele. Além disso, da relação com os professores pode emergir o risco operacional, fazendo com que as atividades da IES não se sustentem por falta de comprometimento do profissional de ensino.

Alguns riscos que não tinham sido citados anteriormente surgiram quando os entrevistados refletiram acerca do risco proveniente da relação com cada agente, indicando que talvez essa seja uma abordagem importante para a identificação de outros tipos de risco do negócio. O Quadro 3 resume os principais riscos decorrentes da relação com os agentes, segundo os entrevistados.

Quadro 3
Riscos da IES decorrentes da relação com os agentes
Dimensão Tipo de agente Risco relacionado
Interna Clientes Governança, operacional (relacionado à comunicação), reputacional, financeiro/econômico (evasão e falta de alunos)
Funcionários / Professores Governança, operacional.
Externa Concorrência Estratégico (perda do diferencial), mercado
Governo Estratégico (a mecânica e estrutura do curso não podem ser facilmente alterados), legal, econômico.
Sociedade Reputacional (influência de ex-alunos, mercado de trabalho, etc)
Elaborado pelos autores.

Fatores Indutores de Riscos nas IES Privadas e Influência do Ambiente de Negócios

De acordo com os entrevistados, os principais fatores internos impulsionadores dos riscos são a manutenção do nível de investimentos, a reputação da IES, a dependência em relação aos recursos humanos. Voltando-se para o ambiente externo, foram citadas questões políticas e econômicas, questões relacionadas ao mercado de trabalho, à política governamental e à própria estrutura competitiva do setor de IES privadas, que apresenta instituições massificadas e de baixo custo, como também instituições focadas na excelência.

O entrevistado E3 afirmou que os fatores que impulsionam os riscos citados são a condição econômica do país, a elevada concorrência, a grande dependência da IES com o corpo docente e outros fatores humanos, como também o jogo político “que é decorrente do fato de não se pensar na educação propriamente dita do país, fazendo com que ela não seja um fim, mas sim um meio político”.

A partir de uma visão mais macro, o entrevistado E4 ressaltou que os riscos são impulsionados pelos momentos econômicos e pelas políticas do governo, como por exemplo, os critérios para fornecimento de bolsas para pesquisa e o corte nos financiamentos universitários. Por não existir um programa educacional por parte do governo que esteja atrelado ao desenvolvimento do país, isso causa sérios problemas ao ensino superior. “Há também o jogo de poderes entre os grupos de IES privadas massificadas, com capital estrangeiro e o grupo de IES focado na qualidade, que é minoria” (E4).

No que diz respeito à influência do ambiente de negócios sobre os riscos citados, o entrevistado E1 afirmou que uma IES particular sofre grande influência da conjuntura econômica, como a estagnação econômica e recessão, que têm impacto direto na procura das vagas por meio do vestibular. Além disso, as IES particulares acabam favorecidas pelos problemas políticos provenientes do setor público, como redução de verba e sucessão de greves, que são constantemente divulgados na mídia. “Recebemos muita gente do setor público por necessidade para se distanciar da instabilidade da IES pública, quando a situação se torna inviável” (E1). Estes fatores impactam a mobilidade dos alunos e do corpo docente, podendo potencializar os riscos caso a IES particular não esteja preparada para atender esta demanda.

A entrevistada E2 também aponta para a importância da conjuntura econômica.

Há pouco tempo havia maior influência em função do dólar baixo, porque compensava mandar o filho para uma IES internacional. Com a alta do dólar isto parece impactar menos a IES, principalmente no vestibular do meio do ano, onde a procura sofreu um aumento.

Outro fator é o posicionamento da profissão no momento atual, a quantidade de ofertas de emprego e os níveis salariais. O fator tecnológico também influencia a atração de alunos, embora não seja tão relevante. “A disponibilidade de laboratórios, estúdios de produção, em alguns cursos específicos, pode atrair e minimizar riscos provenientes da demanda de alunos” (E2).

Em concordância com outros entrevistados, o entrevistado E3 apontou que a conjuntura econômica afeta diretamente a quantidade de alunos, como também as operações das IES (pagamento de professores e funcionários, investimentos, etc.). A conjuntura política também apresenta efeitos no ambiente de negócios da IES. Nesse sentido, o grande problema está vinculado a não colocar a educação como prioridade no país, fato que desencadeia um jogo de poder, influenciando a alocação de verbas para educação. A conjuntura tecnológica também acarreta um risco pedagógico/educacional muito forte, estando relacionada às novas metodologias de ensino, como o EAD.

Ainda para o entrevistado E3, a conjuntura social também acarreta riscos para o setor de ensino superior, considerando a imaturidade dos alunos e a responsabilidade da educação geral que é atribuída às IES erroneamente pelos pais. Para o entrevistado E4, a conjuntura econômica e política tem grande influência no ambiente das IES. No entanto, a conjuntura tecnológica apresenta-se relevante apenas em algumas áreas do conhecimento. De forma geral, os entrevistados citaram como mais relevantes as conjunturas econômica, social, política e tecnológica. Além destes, foi citada a influência do mercado de trabalho. Dentre os fatores que compõem o ambiente de negócios, de acordo com o modelo de Oliva e Grisi (2014), apenas não foi citado o fator meio ambiente.

Em relação às principais diferenças entre os riscos no ambiente da IES e os riscos percebidos em outros setores empresariais, o entrevistado E3 afirmou que para ele, há uma diferença muito clara entre riscos no setor de serviços versus o setor educacional. Nas IES, por exemplo, os gestores lidam com o aperfeiçoamento das pessoas em função do contato muito direto com os clientes, o que dificilmente é replicado em outros setores. A questão dos riscos legais também se mostra diferente em relação aos outros setores, já que as IES estão vinculadas diretamente ao MEC. Dessa forma, grande parte dos riscos das IES é decorrente da relação com o governo, sendo difícil a atuação direta diante desse risco.

Segundo o entrevistado E4, o setor de IES apresenta mais riscos, pois ele apresenta uma lentidão maior. Isso porque as empresas de outros setores conseguem reagir muito mais rapidamente do que as IES, que são mais amarradas em termos legais. Segundo o entrevistado: “Por exemplo, se eu perceber que o currículo do curso está desatualizado, eu tenho que esperar pelo menos 4 anos para mudá-lo; isso não existe em um negócio de tecnologia” (E4).

Em resumo, os entrevistados mostraram que existem riscos mais complexos e difíceis de gerenciar nas IES se comparados aos riscos empresariais. Os riscos nas IES são os últimos a chegar pelo efeito das crises e nas empresas o fator inadimplência é mais imediato. Os entrevistados apontaram que, nas IES existe alta dependência em relação aos professores e no ambiente corporativo existe menor dependência em relação aos funcionários. Há também a dificuldade provocada pela legislação do MEC que, algumas vezes, gera certa morosidade na tomada de decisão frente ao risco.

Contudo, notou-se que, embora existam diferenças e riscos específicos, em geral os riscos identificados pelos entrevistados são congruentes com os riscos corporativos em outros setores.

Adaptação do Modelo de Identificação de Riscos ao Ambiente de Valor de IES Privadas

A partir dessas constatações, foi possível a adaptação do modelo proposto por Oliva e Grisi (2014), considerando-se o ambiente de valor das IES privadas [Figura 3].

Figura 3
Modelo de identificação de riscos no ambiente de valor
Modelo de identificação de riscos no ambiente de valor
Elaborado pelos autores

O modelo fruto desta pesquisa apresenta os principais agentes que compõe o ambiente da IES privada: governo, representado principalmente pelo Ministério da Educação; clientes, cuja concepção se estende ao aluno e seus pais ou parentes que podem pagar pelo serviço educacional; professores; funcionários das áreas de gestão e administrativas; além da sociedade, caracterizada pelo mercado de trabalho, pelos ex-alunos, e por todos os indivíduos que possam exercer algum tipo de influência na IES.

Os riscos mais relevantes, decorrentes da relação da IES com seus agentes no ambiente de valor, são o legal, estratégico, operacional, financeiro, de mercado, de governança e reputacional, sendo essa estrutura influenciada ainda por fatores políticos, econômicos, tecnológicos e sociais.

Considerações Finais

A identificação de riscos é uma atividade fundamental a qualquer organização, uma vez que a ocorrência dos riscos pode impedir o alcance das metas e objetivos. Diante dessa constatação, o presente artigo buscou compreender quais riscos corporativos podem ser identificados no ambiente de valor de instituições de ensino superior privadas (IES).

Por meio da realização de entrevistas com gestores de diferentes instituições de ensino superior privadas, localizadas no estado de São Paulo, foi possível notar que o conceito de riscos corporativos, ainda que de forma genérica, é bem compreendido no âmbito das IES privadas pesquisadas. No entanto, a nomenclatura e tipologia de riscos ainda é pouco clara aos profissionais responsáveis pela gestão das IES privadas, demonstrando certa falta de familiaridade com o tema e indicando, provavelmente, a ausência de processos formais de gestão de risco nessas instituições.

Os principais riscos corporativos relacionados às IES levantados pelos gestores foram os riscos financeiro / econômico, de mercado, operacional, estratégico e legal. No entanto, não foram citados riscos relacionados à imagem da instituição, à segurança, à propriedade intelectual, dentre outros, conforme apontado no referencial teórico. Notou-se que alguns riscos que não tinham sido citados inicialmente pelos entrevistados, como o risco reputacional, surgiram quando os entrevistados refletiram acerca do risco proveniente da relação com cada agente, indicando que talvez essa seja uma abordagem importante para a identificação de outros tipos de risco do negócio.

Percebeu-se que o risco mais citado foi o risco legal, decorrente da relação com o Ministério da Educação. Segundo os entrevistados, o MEC condiciona as ações das IES, influenciando fortemente sua atuação e, consequentemente, os riscos decorrentes de sua atividade. Além disso, o risco financeiro, ocasionado pela evasão e falta de alunos também foi apontado de forma mais proeminente. Outros riscos decorrentes da relação com clientes, funcionários, professores, concorrentes e sociedade também foram citados, porém em menor nível.

Estas constatações permitiram adaptar o modelo de identificação de riscos corporativos, proposto por Oliva e Grisi (2014) ao ambiente de valor das IES privadas, suscitando o modelo expresso ao final deste trabalho.

Entende-se que este é um tema relevante tanto para os gestores de instituições de ensino superior, quanto a pesquisadores da área e autoridades da educação, podendo servir de base para a elaboração de processos para supervisão e controle do risco no ambiente de IES.

Apesar de sua contribuição, algumas limitações podem ser apontadas, como o fato do levantamento dos dados ter sido feito com base em uma amostragem que, apesar de fornecer informações valiosas, não permite a generalização dos resultados. Além disso, as implicações apresentadas neste estudo podem ser descritas como provisórias, considerando-se as limitações do estudo transversal. Vale ressaltar, ainda, que o estudo examinou o tema sob a perspectiva do gestor das IES privadas, a partir de sua percepção. Visando o aprofundamento do tema, sugere-se o desenvolvimento de novos estudos longitudinais, que possam investigar a adoção de processos de gestão de risco nas IES ao longo do tempo, considerando-se também o ponto de vista de outros agentes de seu ambiente.

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Apêndice A

Roteiro da entrevista

QUESTÕES CONTEXTUAIS

1) Sob a sua perspectiva, o que é risco corporativo?

2) Quais os principais riscos existentes no setor das IESs? (descrever esses riscos)

QUESTÕES ESTRUTURAIS E EXEMPLIFICADORAS

3) Quais são os principais agentes do ambiente das IESs? Qual o grau de importância de cada um deles?

4) Quais os riscos provenientes da relação da IES com cada um desses agentes? (descrever os riscos para cada um deles e seu grau de importância)

5) Quais são os fatores indutores ou impulsionadores desses riscos, considerando cada agente?

6) Como a conjuntura econômica, política, tecnológica, social e ambiental podem afetar esses riscos identificados? Qual o grau de importância de cada um dos fatores conjunturais?

QUESTÕES DE CONTRASTE

7) Qual a diferença dos riscos no ambiente das IES para os riscos percebidos em outros setores empresariais?

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