Resumo: Para compreender mais do universo do consumo simbólico, foi realizada uma pesquisa sobre o consumo de acessórios femininos por mulheres de baixa renda. As participantes foram revendedoras ambulantes e suas clientes. Sob a perspectiva do consumo simbólico foi possível observar alguns aspectos comuns ao consumo dessa classe de mulheres que recorrem às suas experiências de consumo para relacionar-se no universo social e marcar sua presença nele. Em termos gerenciais essa pesquisa se faz importante porque apresenta algumas peculiaridades desse processo de consumo, revelando informações que podem contribuir para a avaliação das estratégias de mercado.
Palavras-chave:Consumo SimbólicoConsumo Simbólico, Consumidor de Baixa Renda Consumidor de Baixa Renda.
Abstract: To understand more of symbolic consumption universe, a survey on the consumption of women's accessories for low income women was held. Participants were street dealers and their clients. From the perspective of symbolic consumption it was possible to observe some common aspects of consumption of this class of women who resort to their consumer experiences to relate the social universe and mark their presence in it. In management terms that more research is important because it presents some peculiarities of this process of consumption, revealing information that can contribute to the assessment of market strategies.
Keywords: Symbolic Consumption, Low Income Consumers.
Baixa Renda: O Consumo Simbólico e o Comércio Informal de Acessórios Femininos
Low-Income: The Symbolic Consumption and Informal Trade of Women's Accessories

São inúmeras as formas para que sejam percebidos valores e significados, e entre tantas possibilidades, está o uso de acessórios femininos, entendidos como condutores de símbolos e valores. Ao observar como esses itens são consumidos, é possível notar que as características socioculturais que envolvem a mulher moderna estão presentes tanto em seu modo de agir no dia a dia quanto em seus atos de consumo. Dada a história de privações e conquistas que envolve o público feminino, em qualquer que seja o segmento social, a mulher sempre é um foco interessante para os estudos sobre consumo, porém, para esse artigo, foram consideradas apenas as mulheres de baixa renda. Buscamos primeiramente compreender algumas características comuns no consumo dessa classe de mulheres, e para isso foram selecionadas participantes que tenham uma renda per capita de até meio salário mínimo.
Buscamos compreender o quanto os códigos culturais estão envolvidos no consumo desses bens por parte dessas mulheres. Perguntamo-nos no início do trabalho, como esses acessórios representam relevância para essas consumidoras em seu dia a dia, e como os grupos de referências dessas consumidoras avaliam o uso desses acessórios. Embora em algum momento citemos alguns números relativos a esse tipo de consumo, não estamos comprometidas com esse aspecto, pois nossa real intenção está mais voltada às representações que os bens de consumo podem ter em determinados grupos sociais.
Partimos da ideia de McCracken (2007), para o qual os bens de consumo estão relacionados não somente ao valor comercial e o caráter utilitário dos bens de consumo, mas ultrapassam tais características tendo imbricados a capacidade de transmitir significado cultural, que parte do universo culturalmente constituído e é deslocado para um bem de consumo. Esses significados, difusos no universo social, percorrem um caminho até alcançar os bens de consumo e, consequentemente, serem apropriados pelos indivíduos que os adquirem. Nesse sentido, compreender as classes sociais as quais os indivíduos estão inseridos, é de grande importância para conhecer mais sobre o comportamento do consumidor, já que os grupos exercem significativa influência nos padrões de consumo.
As atitudes referentes ao consumo podem estar ligadas a fatores como crenças e sentimentos compartilhados pelo indivíduo consumidor e o grupo com o qual ele se relaciona (PINTO; SALUME, 2013). No entanto, atitudes e valores individuais podem ser representados por itens do vestuário e pelo modo como eles são utilizados. Conforme Miranda et al. (2003) um simples bem de consumo pode significar para o seu usuário, ou ainda para quem o observa, sentimentos como autoconfiança, sensualidade, desejo, vaidade e luxuria. Ao adquirir determinado bem, o indivíduo pode adquirir também o status social atribuído a esse bem, apropriando-se de suas características para se relacionar com o mundo exterior, expondo uma imagem que pode transmitir beleza, inteligência, independência, entre outros adjetivos, todos integrantes de uma forma de consumir que é, em suma, um ato simbólico.
Para Grubb (1967 apud MIRANDA et al. 2003, p. 38), o consumo simbólico está relacionado ao auto-conceito que os indivíduos consumidores atribuem em relação ao consumo de determinados bens ou serviços. Esses consumidores podem atribuir ao consumo uma relação simbólica, atrelada a sua existência social. Através da própria percepção que o indivíduo faz de si mesmo é possível observar significados simbólicos atribuídos ao ato de consumir. É como se os papéis ocupados por diferentes membros de uma mesma classe social, ou ainda, de membros de diferentes classes sociais, fossem representados pelos bens de consumo. Esses bens desempenham o papel de delinear a imagem e a autopercepção de alguns indivíduos ou classes sociais, exercendo ainda o papel de auxiliar no processo de inserção ou exclusão de determinados indivíduos em determinados grupos.
Nesse contexto, a mulher é receptora, condutora e formadora de opinião, relacionando seu consumo à sua condição social. Fatores como a ascensão da mulher no mercado de trabalho, a evolução histórica no que se refere aos seus papéis perante a sociedade e a família, fazem desse tipo de consumidora um alvo de interessantes pesquisas e investigações BACHA et al (2010). Para Torres et al. (2006), essas mudanças envolvendo a mulher provocaram outras mudanças, como por exemplo, os padrões de consumo das famílias, o que conforme Garcia (2003) deve-se ao fato de que a mulher moderna exerce poder significativo em relação as decisões em família, alterando hábitos e modificando comportamentos. E ainda, um importante aspecto a ser considerado é o fato de que a mulher, a partir do momento em que passou a ganhar seu próprio dinheiro obteve também o direito de expressar seus verdadeiros anseios e preferências no ato de consumir, passaram a decidir o destino de grande parte da renda familiar.
A mulher brasileira em particular, além desses aspectos ligados a sua ascensão social, possui também características ligadas a fatores ligados a sensualidade, tão marcante na cultura latina. No caso do Brasil, o clima tropical, o culto ao corpo e a identidade estreitamente carregada de aspectos relacionados à beleza, faz com que as consumidoras apresentem uma forma peculiar de consumir. Para Araújo (2005) esse grande grupo consumidor, vaidoso e narcísico, é exacerbado em campanhas publicitárias, através da oferta de corpos bem contornados, inculcando o desejo pelo consumo de uma enorme diversidade de produtos e serviços que relacionados à imagem feminina estabelecida no cenário e imaginário atual.
As mulheres das mais variadas classes socioeconômicas têm formas diferentes de consumir, mas é comum que o consumo de massa seja perpassado por critérios como sensualidade. Especificamente no caso das consumidoras de baixa renda, a sensualidade é um importante fator que perpassa a decisão de compra dessas mulheres, que desejam ser sensuais e ambicionam se aproximar do público formador de opinião a partir dos bens de consumo. Nesse sentido, Dantas (2007) reitera que o consumo da classe de baixo poder aquisitivo tem se revelado como impulsionador de vendas de produtos relacionados à beleza e a sensualidade.
Considerando a temática do consumo simbólico, das consumidoras de baixa renda e o consumo de acessórios femininos, pretendemos observar quais seriam os motivadores conscientes e inconscientes presentes no ato de consumir dessas mulheres. Entendendo os bens como marcadores de tempo, espaço e ocasião, buscamos identificar como eles podem servir como discriminadores de classe, status, gênero, idade ocupação e estilo de vida, como sinaliza McCracken (2007). Visando compreender esses significados, realizamos um estudo com mulheres consumidoras de joias de prata, que consomem esses acessórios de revendedoras autônomas, no município de Maringá. Foram aplicados 100 formulários com consumidoras e realizadas 15 entrevistas com as revendedoras.
Para facilitar a compreensão do tema proposto, nosso trabalho será apresentado a partir de um referencial teórico que trará informações sobre cultura e transferência de significados aos bens de consumo, consumo no varejo de baixa renda, sensualidade e consumo de acessórios femininos. Em seguida serão demonstrados os dados coletados, uma breve discussão sobre o tema envolvendo esses dados e a conclusão de nosso trabalho.
No que tange à cultura e consumo, Coppetti e Silveira (2004) apresentam a cultura de forma que essa possa ser vista como a integração lógica e social das representações coletivas, sendo que nesse aspecto o consumo exerce uma função social de inclusão e dissociação e, desse modo, o mesmo possui uma dimensão simbólica. Sabe-se, a partir disso, que os bens de consumo possuem uma significação que vai além da sua utilidade e de seu valor de mercado, sendo que, essa significação consiste na habilidade de carregar e comunicar significado cultural (DOUGLAS; ISHERWOOD, 1978; SHALINS, 1976, apud McCRACKEN, 2003; JYRINKI, 2012; COMASSETTO et al, 2013; GIESBRECHT et al, 2013; SOUZA; LEÃO, 2013; DEMO; GUANABARA, 2015; MAIA; SETTE, 2015; PINTO; PEREIRA, 2015; VALENZUELA, 2015).
Vale ressaltar que, são recentes os estudos que associam o consumo à cultura, tendo início no final dos anos 1980 (ROCHA; BARROS, 2006). Em princípio, a quantidade de peças vendidas e lucratividade eram termos relevantes, porém, com o tempo observou a importância de compreender a engenharia e a complexidade do comportamento do consumidor, que está inserido em uma cultura. Essa importância se deve ao fato da cultura possibilitar ao indivíduo uma forma de ver o mundo, que permite a assimilação e o aprendizado de fenômenos, podendo ainda, ser uma diretriz de ações sociais e de atividades produtivas e caracterizando, assim, os comportamentos e os objetos que derivam dessas ações e atividades. Desse modo, a cultura constrói e atribui significado ao mundo (McCRACKEN, 2007).
Observa-se o valor do estudo do consumo a partir da compreensão dos significados e símbolos, ou seja, da assimilação da cultura (D’ANGELO, 2003), e do entendimento da cultura, como sendo a diversidade de cognição, capaz de caracterizar diferentes comunidades (MOTTA e CALDAS, 1997). Em outras palavras, a cultura é uma forma de pensar e agir, bem como a maneira pela qual os indivíduos interagem e transmitem significados. Nota-se que vários dos papéis de nossas vidas podem ser exercidos pelos bens de consumo, como por exemplo, mediar nossas relações sociais, construir nossa identidade e estabelecer limites entre grupos e pessoas. A oportunidade de expressar nossos anseios através dos bens de consumo proporciona um processo de formação da identidade e subjetividade (BARBOSA e CAMPBELL, 2006).
Segundo McCracken (2007), o que constitui a importância dos bens de consumo em relação à sociedade é a transferência dos significados do mundo compartilhado culturalmente para esses bens. O mesmo autor assinala dois instrumentos de transferência desses significados, a publicidade, que pulveriza constantemente os significados do mundo para os bens de consumo, e o sistema de moda, capaz de transferir e até mesmo atribuir novos significados aos bens, através de formadores de opinião. Em algumas situações, os significados culturais por traz de um bem de consumo são evidentes, em outras estão ocultos, revelando que o indivíduo pode adquirir um bem sabendo de suas atribuições enquanto ícone que expressa o universo aspirado, ou apenas consome algo repleto de uma simbologia inerente ao bem dentro de determinado contexto cultural sem, no entanto, ter a consciência de estar reproduzindo os sentidos inerentes àquele bem.
A cultura é um sistema simbólico constituído por significados compartilhados pelos membros de uma mesma sociedade, onde o consumo é o meio de comunicar algo sobre a cultura (D’ANGELO, 2003; GEERTZ, 1978). Esse aspecto revela a relevância da contextualização da cultura atual e do comportamento do consumidor para compreender as relações sociais. Com isso, vale destacar que o consumo na sociedade contemporânea só se faz viável a partir do momento em que o consumidor assimila o produto como uma satisfação de uma necessidade e/ou desejo, que são ao mesmo tempo particulares e coletivos (ROCHA, 2006).
Mas Geertz (1989) e Bosi (1987) alertam que os padrões culturais aceitos e usados pelas sociedades são muitos, dificultando o trabalho de selecionar os padrões mais importantes e relacioná-los. No entanto, o que suaviza essa tarefa é que certas relações e padrões reaparecem de uma sociedade para outra. Mas é importante destacar que há traços específicos dos brasileiros na constituição de sua cultura, porém, pelo fato do Brasil possuir tanta diversidade, etnográfica e geográfica, fica impossível determinar um caráter nacional válido para todos (BAZARIAN, 1991; MOTTA; ALCADIANI; BRESLE, 2001; HANASHIRO; CARVALHO, 2005). Sob a mesma perspectiva, Alexandre e Klock (2002) afirmam que em estudos mais recentes são apontadas as controvérsias em relação à unanimidade cultural moderna brasileira. A partir disso, nota-se a dificuldade em determinar uma cultura brasileira absoluta apesar da existência de traços culturais brasileiros nas diversas regiões do Brasil.
Nesse sentido, diferentes simbologias são disponibilizadas de diferentes formas em diferentes produtos. Se alguns bens de consumo podem exalar status, ascensão social, e indicar pertencimento a determinados grupos, por outro lado, alguns produtos têm um papel mais particular, compartilhando características como autoconfiança e autoestima e sensualidade. Nota-se que é possível compreender a relação existente entre a cultura e o consumo do seu povo, sendo que a decisão de compra e uso de um produto é baseada nos valores conferidos aos atributos do mesmo pelas consumidoras.
É importante apresentarmos a classificação de quais segmentos da população será apresentada como consumidor de baixa renda. Segundo Barros (2006), no ano de 1997, a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes), a ANEP (Associação Nacional de Empresas e Pesquisa) e a ABIPEME (Associação Brasileira de Institutos de Pesquisas de Mercado) estabeleceram um critério único de classificação econômica da população brasileira, que compreende em cinco letras que vai da letra A até E, e a partir de algumas subdivisões constitui-se o consumidor de baixa renda, que é o grupo que pertence aos estratos C, D e E. De mesma opinião, Parente, Barki e Kato (2005), consideraram baixa renda os segmentos com renda familiar mensal inferior a R$1.200 e afirmam que 60% dos domicílios brasileiros se enquadram nesse perfil. Como são muitas as variações de definição desse público, optamos por adotar a classificação indicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de que a baixa renda corresponde às famílias que têm renda per capita de até um salário mínimo.
Prahalad (2005 apud ROCHA e SILVA, 2008), atentou para o fato de que quatro bilhões de pobres poderiam impulsionar a prosperidade em uma próxima etapa da economia global, propiciando, assim, um contexto em que os pobres devem deixar de transmitir um conceito de vítima e adotar uma posição de consumidor consciente do valor. No Brasil, o fenômeno do aumento no consumo no varejo de baixa renda pode ser observado a partir da implementação do plano Real em 1994, quando os brasileiros que nunca haviam ingressado em certos mercados, tinham pela primeira vez a possibilidade de ter acesso a novos produtos e/ou aumentar a frequência de compra de itens que já vinham adquirindo anteriormente. Tal fenômeno pode ter como uma de suas bases impulsoras, a diminuição do imposto inflacionário (ISSA JR., 2004).
Deste modo, foi possível observar uma maior estabilidade da economia e facilidade no acesso ao crédito que aliados ao movimento migratório de parte da classe D para a classe C, fomentou o surgimento de um vasto mercado de bens populares no Brasil, formado por consumidores das classes C, D e E. Com isso, a população das camadas mais baixas da pirâmide de renda obteve ganho no poder de compra e pôde experimentar o consumo de diversos produtos e serviços ainda que simples, baratos e adequados à sua renda (GIOVINAZZO, 2003).
É importante observar que o contexto que ocasionou esse fenômeno, constituiu um panorama complexo e de múltiplas variáveis, evidenciando a emergência por estudos e pesquisas que revelassem mais informações sobre o consumidor de baixa renda. No entanto, alguns autores sinalizam timidamente para algumas singularidades envolvendo esse consumidor, como seus comportamentos, suas características mais relevantes e peculiaridades. Meirelles (2006) aponta que algumas características são atribuídas ao varejo de baixa renda, tais como o ato de comprar para ser incluído e não necessariamente com a pretensão de se diferenciar. É um público que troca o sonho de ascensão pelos sonhos ao alcance das mãos.
Conforme Mattoso e Rocha (2005) há por parte dos estudiosos sobre o comportamento do consumidor, reconhecimento de que os valores e motivações, bem como o processo de informação e decisão de compra variam de uma classe para outra. Issa Jr. (2004), discorre sobre o fato de que os membros das classes populares valorizam pequenos prazeres do cotidiano, levando um estilo de vida mais simples, talvez pelo anseio de tornar suas vidas mais leves, dentro do quadro pesado do qual fazem parte. Neste sentido, valorizar o lar pode representar uma tentativa de neutralizar o sentimento de exclusão e possibilitar aos membros mais jovens da família o sonho da possibilidade de inserção em uma classe social mais ampla.
De acordo com Giovinazzo (2003), os produtos populares devem oferecer características que ultrapassem a questão de preço, pois é preciso entender que o consumidor costuma projetar seus anseios em um nível social superior ao seu. Dutra (2004) ressalta que o grupo consumidor do varejo de baixa renda pode apresentar valores conservadores, prezando família, honra e justiça. Mesmo com condições financeiras limitadas, necessitam sentir-se inclusos e respeitados, habitualmente se socializam e valorizam o contato direto. Para a autora, compreender a dinâmica envolvida no comportamento desse grupo de consumidor pode levar a conquista de um lugar em sua preferência. A autora alerta para o risco do preconceito, pois não é pertinente afirmar que tenham mau gosto ou que gostem do brega, mas constituem um grupo que valoriza a qualidade dos bens de consumo e não age apenas por questões de aspiração, mas são atraídos pela riqueza dos detalhes e a exuberância, que podem simbolizar fartura.
Entre os grupos de baixa renda, o consumo varia em função da renda, tamanho da família e perfil do chefe de família (BERTASSO, et al., 2007 apud SILVA, 2008, p. 91). Há ainda a cultura do compartilhamento (SILVA, 2008), o caráter religioso e o papel da mulher (PRAHALAD, 2005 apud SILVA, 2008, p. 113; TORRES et al 2006). O fato é que o varejo de baixa renda pode ser fonte de interessantes estudos tanto sobre cultura como consumo. É importante alertar que são inúmeras as variáveis integrantes do contexto envolvendo a classe em questão, mas talvez as mais instigantes sejam as relacionadas aos signos e símbolos atribuídos aos bens de consumo através dos traços culturais partilhados pelo grupo. Barros (2006) assinala que é possível deparar-se com caminhos reveladores ao se investigar os significados de consumo entre os grupos de baixa renda, ressalta ainda a importância de que esses consumidores sejam entendidos como tal. São esses os fatores que nos impulsionaram para a realização da pesquisa que apresentamos, sendo necessários antes, alguns apontamentos mais específicos sobre o tema sensualidade, apresentado a seguir.
A sensualidade pode ser entendida como uma referência a algo lúdico e prazeroso. Estão incluídos no conceito de sensualidade aspectos relacionados à percepção sensorial da realidade externa ou interna do indivíduo. Para Niño (2003) existe um tipo de sensualidade que coexiste com a realidade cultural. É uma sensualidade que desperta o anseio humano baseando-se na construção de um senso comum, pautado em alicerces culturais e na reprodução dos indivíduos no mundo experienciado. É possível perceber que a sensualidade se trata de algo que não apenas é influenciado pela cultura, mas também está diretamente relacionado com a percepção dos indivíduos.
Essa percepção pode levar ao que Simmel (1904 apud MIRANDA et al., 2003, p.39) definiu como uma tendência natural a imitação, proporcionando ao indivíduo a sensação de ser parte de algo maior que ele, onde suas ações são parte de um conjunto de outras ações. Esse processo de imitar corresponde a um potencial de transferir atividade criativa e responsabilidade sobre a ação. A necessidade de imitação se origina a partir da necessidade de similaridade, disseminando a imitação de algo que foi previamente estabelecido para satisfazer uma demanda por adaptação social, podendo ainda ser intrínsecos a esta imitação o anseio por diferenciação ou desejo de mudança, baseados na adoção dos grupos sociais. Essa tendência à imitação influencia na forma como os indivíduos percebem o que lhe é apresentado.
Ao considerar a percepção e tendência para a imitação que envolve os indivíduos, observa-se que a sensualidade está relacionada aos eventos de percepção e imitação. A partir do caso do carnaval brasileiro é possível fornecer um exemplo de como o conceito de sensualidade pode ser internalizado pelos indivíduos de diferentes formas, pois enquanto algumas pessoas encaram o carnaval como uma possibilidade de descanso, outros encaram como um evento para a exposição de corpos bem torneados e sensuais. Mulheres de corpos sensuais esculpidos em academias ou por meio de cirurgias plásticas desfilam se apresentam e inspiram outras mulheres à tentativa de serem como elas. São criados então, fantasias e estereótipos acerca do que é belo, constituindo o imaginário das brasileiras, que vão de alguma forma reproduzir essa sensualidade em sua vida cotidiana.
No anseio de se parecer com as personagens autoconfiantes apresentadas nas inúmeras formas de pulverização publicitária, ou no intuito de aproximar-se da idealização corroborada pelos agentes formadores de opiniões, como programas de televisão, revistas populares, pessoas famosas e até mesmo as inofensivas e estáticas vitrines, as pessoas se apropriam de elementos que se traduzirão em signos implícitos ou explícitos, presentes nos bens de consumo. Através da comunicação de massa, são emprestados a esses bens de consumo atributos que serão percebidos pelos consumidores sob diferentes anseios, baseando-se em nossa realidade cultural, produções como as campanhas publicitárias fazem “uso da sensualidade e do erotismo para atingir o íntimo das pessoas, apelando para o desejo” (SILVA et al., 2008).
A publicidade constitui-se, portanto, em um importante meio de divulgação da sensualidade exagerada. Através de símbolos que se utilizam da capacidade sensorial dos indivíduos, campanhas publicitárias culminam em imagens, músicas e apelos simbólicos exibidos em emissoras de rádio e televisão, em outdoors, revistas e quantos meios mais forem possíveis. A sensualidade pode ser percebida como um dos símbolos, carregados de significados culturais, que são utilizados na linguagem publicitária para atingir a atenção do consumidor, que internaliza, mesmo que de forma inconsciente, a ideia de poder adquirir através dos bens, o poder para a sedução (NICOLAU, 2007 apud SILVA et al., 2008, p.4).
De acordo com Santos (1997), os bens de consumo se traduzem em um dos meios para definir a identidade. Por meio do uso de determinadas indumentárias pode-se definir uma identidade mais ou menos próxima da sensualidade. Nesse sentido, a moda tem servido como indutor para transferências de padrões, arranjos e projeções de comportamentos presentes no ideal consumista de muitos indivíduos. Os bens de consumo, portanto, podem servir como uma poderosa fonte de significados que envolvem sensualidade e uma série de valores ordenados e relacionados a ela. No entanto, a sensualidade brasileira pode ser observada não somente na indumentária, mas também nas formas de agir, no modo de se expressar conferido em algumas regiões do país, na literatura, no cinema, nas expressões culturais de arte, dança, música entre outros.
Quando se refere à sensualidade não se pode deixar de mencionar que essa trata de um aspecto fortemente relacionado à feminilidade. Em muitas vezes são os aspectos integrantes da sensualidade que fazem com que a feminilidade seja evidenciada. Em muito se atribui o poder de atração de uma mulher à sensualidade que ela apresenta (MELLO; GIAVONI, 2004). A sensualidade “[...] focaliza a autoimagem e sua influência na interação com os outros” (GIAVONI; TAMAYO, apud MELLO; GIAVONI, 2004, p.254). Através da sensualidade a mulher é capaz de sentir-se mais segura e mais produtiva, tanto na vida pessoal quanto profissional e, talvez esse apelo tão forte a sensualidade possa representar um importante aspecto motivador de consumo, já que se trata de algo que em muitas vezes encontra-se atrelado a utilização de bens de consumo, como roupas, acessórios e perfumes.
A sensualidade pode representar um importante ponto para a análise do comportamento da consumidora de baixa renda. Pois se constitui como algo acessível a essas consumidoras, que por meio da aquisição de certos produtos sentem-se poderosas e pertencentes ao grupo de mulheres sensuais exibidas a todo o momento nos veículos de comunicação. Essas mulheres ao se apropriar de um bem que carrega signos referentes à beleza e autoconfiança, podem experimentar um universo de fetiches e sonhos que a desligue por um período de seu mundo real, e que lhe possibilite experiências acalentadoras em meio aos problemas e dificuldades enfrentadas diariamente.
A partir das campanhas publicitárias, mencionado anteriormente, é possível notar sem muito esforço, a constante presença dos acessórios femininos. Geralmente, as peças publicitárias estão fortemente relacionadas à apresentação de um ideal de beleza, utilizando-se de roupas e acessórios vestidos por belas modelos que representam o papel de uma bela e independente mulher em meio a um cenário cotidiano. Essas peças geralmente vendem um conceito explicito de jovialidade, modernidade, feminilidade e liberdade (FONTOURA, 2007). Os acessórios, geralmente estão ligados a uma exacerbação da feminilidade e sensualidade, porém, trata-se de uma sensualidade que não se aproxima do vulgar, ao contrário, os acessórios possuem a capacidade de enriquecer o visual, contribuindo para um grau de elegância.
A partir de um estudo realizado por Gralha (2009) é possível observar que os acessórios femininos têm acompanhado as mulheres desde muito tempo atrás. A investigação encontrou fotografias onde mulheres da elite carioca do início do século XX apresentavam-se em dia com a moda. Para o fotógrafo responsável pelas fotografias analisadas por Gralha (2009), essas representavam uma febre de consumo, que tomava conta do Rio de Janeiro. As mulheres se apresentavam ávidas por novidade e artigos que fossem tidos como de última moda. Casas de comércio estão presentes nas fotografias observadas pelo autor, que afirma se tratarem de centros capazes de oferecer as mulheres da época, tudo que as possibilitassem cumprir os decretos imperativos da moda.
Para Gralha (2009) é nítida a presença de acessórios na vida das mulheres dessa época. O uso de chapéus e outros acessórios serviam como um símbolo sinalizador do ingresso na civilização. A variedade de tipos de acessórios que se evidenciava era imensa e cada um representava uma ligação e características capazes de sinalizar para aspectos relativos à idade, estado civil, condições sociais, posição do pai ou do marido, estação, ambiente, hora do dia, entre outros. Tais características eram, no entanto, copiadas das atrizes teatrais e dos últimos lançamentos da moda. No entanto, para o autor esses acessórios significavam muito mais do que simples artefatos de beleza, pois traduziam regras de conduta e pertencimento a um grupo social.
Em um mundo de aparências, segmentado por espaços hierarquizados de representação, as mulheres do início do século passado tinham uma imagem associada à função de espectadora e modelo de comportamento e conduta. Nessa época o principal objetivo feminino era o de conseguir realizar um bom casamento. Embora sob diferentes aspectos, uma coisa já era percebida e se encontra presente até os dias atuais, a expressão da feminilidade por meio de acessórios, pois se inicialmente era apenas na forma de sinalizar para a diferença e sensibilidade feminina, com o tempo os acessórios passaram a exercer o papel de aproximar a mulher do ideal de feminilidade e sensualidade (GRALHA, 2009).
O tempo passou, a mulher começou exercer papéis distintos aos que exercera no passado e mesmo assim, os acessórios continuaram a acompanhá-la. Se antes havia os glamorosos chapéus e joias, hoje conta-se com as mais variadas bijuterias, lenços, semi-joias, e mesmo as joias, que por sinal perduram. No entanto, as mulheres não estão mais tão presas ao glamour, pois hoje elas contam com uma variedade de joias que não necessariamente estão ligadas ao valor econômico que possuem. Além da variedade de joias mais populares, ainda contamos com uma avalanche de artesanatos que encantam as mulheres. Um exemplo dessa variedade é a existência de produtos feitos a partir de resíduos recicláveis (HOFFMANN; NISHIDA, 2009). Esses produtos caíram no gosto feminino e impulsionaram até mesmo a criação e expansão de novos projetos.
Conforme Hoffmann e Nishida (2009), embora se trate de um setor competitivo, os acessórios possuem um grande potencial de diferenciação, pois traz a capacidade de agregar valor. Os valores que podem estar relacionados aos acessórios variam desde a capacidade de assinalar a sensualidade até a sensação de pertencimento a determinados grupos. Se por um lado são inúmeras as marcas e modelos de acessórios, por outro, existe um amplo mercado, ávido por novidades e diversidade. Nesse contexto, produtos bem-acabados e seguindo as tendências da moda possivelmente asseguram uma boa clientela. A preocupação estética com a aparência, cada vez mais evidente em nosso meio é um dos fatores que possibilitam tamanha variedade de produtos nesse segmento.
Para compreender a valorização dos acessórios por parte das mulheres é importante que se compreenda algumas das particularidades do universo feminino. Esse universo envolvente e capaz de suscitar curiosidade, embora se demonstre complexo, possibilita uma compreensão mais profunda acerca de certos comportamentos de consumo. As campanhas publicitárias e as revistas especializadas em assuntos femininos procuram traduzir esse universo. O que se pode observar, contudo, é que embora a mulher não exerça mais o papel de espectadora, ela continua submetida aos conceitos tradicionais de feminilidade (VERÓN, 2004). Nos dias atuais cabe a mulher o papel de exercer suas atividades tradicionais, como realizar os afazeres domésticos, e ainda adaptá-los a vida do século XXI. Se de alguma forma a vida ficou mais complicada para as mulheres modernas, em contrapartida essa mulher conquistou o direito de cuidar de si mesma, e isso tem fomentado o mercado direcionado ao consumo feminino.
Para Cobra (1997) um dos motivos para a ampliação do consumo é a ampliação do nível de escolaridade da população em geral, mas principalmente da mulher. A mulher mais informada, além de não dispensar produtos direcionados à aparência, também não abre mão da qualidade. Mas embora a mulher moderna apresente certas características que levem a uma postura de independência e autoconfiança, ela ainda corre em busca da autoafirmação (VERÓN, 2004). Talvez essa seja uma das facetas que propiciam que o consumo esteja cada vez mais presente na vida da mulher moderna, que em uma busca infinita, corre atrás de mais segurança e felicidade.
Conforme Guedes et al. (2009) uma das motivações para o consumo de acessórios está ligada a capacidade que produtos como estes tem em promover a integração entre as pessoas que partilham desse tipo de consumo. O consumo de acessórios se traduz na necessidade que algumas pessoas têm em demonstrar às outras sua capacidade de consumir. Para Araújo (2006) através do consumo de determinados bens os indivíduos partilham de uma espécie de relação narcisista e por meio de produtos como acessórios femininos, qualidades e atributos físicos são enfatizados ou construídos, gerando o aumento constante de consumo.
A pesquisa qualitativa é adequada aos estudos que pretendem compreender um fenômeno social (RICHARDSON, 1999). Sob essa perspectiva utilizou-se para a presente pesquisa o método indutivo (OLIVEIRA, 2002), pretendendo estudar as particularidades relacionadas aos signos e símbolos atribuídos aos bens de consumo. As análises ocorreram a partir de entrevistas realizadas com revendedoras ambulantes do município de Maringá, Paraná. De acordo com Alencar (2000), os métodos qualitativos podem ser empregados para desvendar e entender o que está por detrás de qualquer fenômeno, podendo fornecer detalhes intrincados do mesmo, os quais são difíceis de serem captados pelos métodos quantitativos.
No sentido de compreender como as consumidoras de baixa renda se comportam em relação ao consumo de joias em prata, adotou-se uma perspectiva de abordagem quantitativa, que segundo Alencar (2000), permite medir as reações de um grupo relativamente grande de pessoas, facilitando a comparação e o tratamento estatístico dos dados. Essa perspectiva mista, com característica descritiva (KÖCHE, 1997; CERVO, 1983), teve como finalidade descrever simbolismos existentes nas peças em prata, bem como assinalar aspectos da cultura brasileira que interferem no consumo (MAGALHÃES; ORQUIZA, 2002; VERGARA, 1998).
A intenção aqui foi estudar a interpretação e a atribuição de significados dos acessórios em prata por parte das consumidoras de baixa renda em um dado momento (GOLDENBERG, 1998). Para tanto, o estudo dessas particularidades abrangeu um corte transversal (VIEIRA; ZOUAIN, 2005), visto que se pretendeu mostrar os simbolismos existentes nos acessórios em prata em um período de 02 meses, durante o ano de 2011.
No que se refere aos procedimentos metodológicos, foram desenvolvidas pesquisas bibliográficas através do levantamento de livros, artigos de periódicos, material disponibilizado pela Internet, entre outros, a fim de ampliar o grau de conhecimento acerca do tema a ser estudado. Segundo Köche (1997), o objetivo desse tipo de pesquisa é o de conhecer e analisar as obras existentes que contribuem para o entendimento do problema, que no caso em questão diz respeito em compreender o quanto os códigos culturais podem estar envolvidos no consumo de joias em prata por parte das consumidoras de baixa renda.
Utilizou-se também para a obtenção de dados a documentação direta, que de acordo com Marconi e Lakatos (2006, p. 43), “constitui-se no levantamento de dados no próprio local onde os fenômenos ocorrem”. Para isso, foi feita uma pesquisa de campo através de entrevistas semiestruturadas, realizadas com 15 ambulantes, e de formulários, aplicados a 100 consumidoras de baixa renda, caracterizando uma pesquisa de opinião pública (MARTINS, 1994). A coleta das informações foi realizada pelos autores do artigo, que é resultado de um trabalho realizado para a disciplina de Administração Mercadológica do curso de mestrado da Universidade Estadual de Maringá, e contou com a colaboração de um pesquisador externo a instituição. Nosso contato inicial foi realizado com um grupo composto por 15 vendedoras ambulantes que, além de nos concederem entrevistas, nos indicaram suas clientes para que pudéssemos ter acesso às consumidoras, limitadas ao número de 100 para essa pesquisa.
O acesso a essas participantes se deu pelo contato com um distribuidor de joias em prata, que nos informou que suas clientes eram a maior parte, ambulantes. Foi ele quem nos deu os telefones dessas revendedoras, que nos receberam prontamente e falaram sobre suas clientes e suas rotinas, bem como sobre as dificuldades de ser ambulante. Em relação às clientes, essas também foram solícitas e nos atenderam com atenção e até entusiasmo em alguns casos. Queriam falar e achavam importante serem ouvidas.
Para essa coleta foram formuladas questões fechadas dicotômicas, questões abertas totalmente desestruturadas e com auxílio do método de escala, escalonamento tipo Likert e escala de importância (MARTINS; LINTZ, 2000). Nossa opção por esse procedimento se caracteriza por proporcionar dados consistes, já utilizados em diversos meios de investigação (MARCONI; LAKATOS, 2007), sendo útil para investigações sociais, cuja coleta de dados é realizada pelo entrevistador diretamente com o entrevistado.
As respondentes que compõem o grupo de revendedoras é composto em sua maioria por mulheres que não pertencem a baixa renda, são aposentadas, donas de casa ou mulheres que conciliam outra profissão com a venda de acessórios. Já as clientes que consideramos para essa pesquisa foram apenas aquelas que atendiam ao critério de baixa renda, que adotamos para essa pesquisa, o que não foi uma decisão fácil, visto que há divergências conceituais e econômicas sobre a utilização da expressão baixa renda, tanto no Brasil quanto em outros lugares no mundo (PRAHALAD, 2005). Entre as opções que tínhamos, decidimos pela definição do (IPEA), cuja família de baixa renda é aquela com rendimento familiar per capita de até meio salário mínimo mensal.
Lembramos que os instrumentos para a coleta de dados foram construídos a partir do nosso referencial teórico, e buscou desvelar as sensações e as referências elencadas no ato de consumir das participantes. Concluída a coleta de dados, foi feita uma análise estatística descritiva dos dados e informações obtidos com os formulários, bem como a interpretação desses dados e das entrevistas (GIL, 1994). Sendo assim, para esse processo de análise e interpretação realizou-se o estabelecimento de categorias, que consiste em organizar as variadas respostas fornecidas em certo número de categorias, de modo que essas respostas fossem adequadamente analisadas (GIL, 1994). Além disso, para que fosse possível analisar os dados dos formulários de modo mais consistente, fez-se uso da tabulação, que segundo Gil (1994, p. 169), “é o processo de agrupar e contar os casos que estão nas várias categorias de análise”. Após a tabulação, a fim de ampliar a possibilidade de explicação das respostas foi feito também o cruzamento de algumas variáveis. Com isso, foi possível proceder à análise estatística dos dados e a sua interpretação que “refere-se à relação entre os dados empíricos e a teoria” (GIL, 1994, p. 188).
Portanto, pode-se dizer que as análises se tornam convincentes e, consequentemente, a pesquisa acaba sendo confiável. Assim, vale ressaltar que o presente trabalho serviu-se de todas as técnicas de análise úteis para que o tornasse consistente.
A entrevista realizada com as revendedoras de acessórios em prata revelou que o consumo desses bens está direcionado a manutenção e aquisição da beleza. Todas as revendedoras entrevistadas relataram a preocupação que suas clientes demonstram em relação à aparência e como elas fazem uso dos acessórios para se sentirem mais bonitas. Ao falar de beleza foi perguntado a essas mulheres se elas se inspiravam em alguém, e as respostas, todas positivas, foram sempre relacionadas a alguma celebridade do meio televisivo, como personagens de novelas e atrizes famosas. Nesse sentido, observamos claramente o processo de imitação, mencionado anteriormente, em que a percepção e elaboração de uma imagem se traduz em novos comportamentos.
O tema moda foi frequentemente citado pelas entrevistadas, confirmando ainda mais essa tendência a imitação. Para algumas, a moda é completamente relevante para a aquisição de acessórios. Observou-se ainda que, a consumidora de baixa renda não leva em consideração questões relacionadas à exclusividade dos produtos, afirmando não dar importância a exclusividade das peças, uma delas enfatizou que “não tem problema todo mundo usar igual, ainda mais se for bonito”. Esse aspecto salienta que o mais importante para a consumidora de baixa renda é a possibilidade de pertencimento ao grupo e não a exclusividade das peças, ao contrário disso, elas estão mais preocupadas em se parecer umas com as outras, ou ainda com mulheres que vivem outra realidade socioeconômica. A percepção sobre o belo e o tornar-se mais bonita é unanime entre todas as entrevistadas e, 57% delas declararam que a sensualidade faz parte de suas características pessoais, alegando que as peças que elas consomem são instrumentos capazes de possibilitar que elas se sintam bem, poderosas e valorizadas.
O consumo de acessórios, além de estar relacionado à aparência, está também relacionado às relações sociais das consumidoras, visto que boa parte das revendedoras afirmou que suas clientes compram por influência das amigas. Essa característica também se evidenciou quando foi perguntado se as clientes consumiam mais quando estavam sozinhas ou acompanhadas das amigas. Pois das 15 revendedoras entrevistadas, 10 revelaram que suas clientes compram muito mais quando estão acompanhadas das amigas e que, geralmente, as amigas influenciam também na decisão de compra umas das outras. É o que vimos sobre o sentimento de pertença e inclusão no grupo, revelando aceitação e uma orientação no comportamento da consumidora, que se porta de forma diferente quando acompanhada de alguém que é importante em seu convívio social. Esse aspecto traduz ainda, que essas consumidoras de baixa renda apresentam um forte laço de identificação com o grupo em que estão inseridas.
O tema sensualidade surgiu das próprias conversas com as revendedoras e consumidoras, pois todas afirmaram acreditar que o uso de acessórios está diretamente relacionado à sensualidade. Acreditam estar mais femininas e atraentes quando usam os acessórios. Algumas mencionaram que “mulher tem que usar brinco, pulseira, anéis, tem que ser feminina”. Em outras palavras, elas atribuem a feminilidade ao uso dos acessórios, como marcadores de tempo e espaço para o sexo feminino. Algumas relataram que seus parceiros influenciam suas compras e o uso de acessórios. Apontaram que seus maridos e namorados gostam que elas se enfeitem para eles, e que também dão sinais de que a mulher fica mais feminina usando acessórios, como pulseiras, brincos e colares. Duas revendedoras relataram que têm clientes do sexo masculino, e que eles compram acessórios para suas parceiras porque acreditam que a mulher se sente mais confiante quando os usam.
O fato da maioria das consumidoras afirmarem que se percebem como sensuais revela que a consumidora de baixa renda está preocupada com esse aspecto envolvendo a sensualidade. Corroborando a ideia de que a cultura brasileira evidencia os traços de sensualidade, em que a imagem da mulher contemporânea veiculada pelos meios de comunicação, reforça, continuamente, a ideia de que a mulher precisa apresentar uma aparência sensual. Nota-se que o imaginário feminino sobre as brasileiras, seja por elas próprias ou pelos homens, é perpassado pela preocupação com a sensualidade, tornando a consumidora brasileira, especialmente a de baixa renda, um alvo submerso em ideais de beleza e sensualidade, sendo constantemente aplacada pelo mercado de acessórios e produtos de beleza, na mesma medida em que influenciam esse mesmo mercado a atender suas demandas fomentadas pela cultura e, obviamente, pelos veículos de massa.
Nesse ponto pode-se ver o deslocamento dos símbolos culturais para os bens de consumo, onde os significados imbricados no consumo de acessórios são difusos no meio social, percorrendo um caminho até as consumidoras que se apropriam desses significados para relacionarem-se e serem percebidas em seu meio. Os acessórios constituem assim, como objetos de comunicação sobre essas mulheres e o que elas sentem e pensam, ou, no mínimo, o que elas querem que os outros saibam sobre o que pensam e sentem.
Outra importante característica desse estudo é o fato de se tratar de uma pesquisa com vendedoras ambulantes e suas clientes de baixa renda. As quinze revendedoras entrevistadas, que atuam no mercado informal e realizam a venda ambulante, vendem juntas a média de R$ 25.000,00 por mês, alcançando uma renda individual de R$ 1.600,00 aproximadamente. A dedicação que essas revendedoras têm em relação a esse trabalho varia conforme sua disponibilidade de tempo. Uma delas vende em média R$ 4.000, 00 mensais, enquanto outra vende apenas R$ 300,00 por mês. Notamos que esse trabalho é o caminho que essas mulheres encontraram para driblar a realidade a qual estão submetidas, pois na formalidade vislumbraram um espaço para atuarem mediante suas dificuldades de horários, ocasionadas pela dedicação à família, ou ainda, uma saída para a complementação da renda familiar.
A parte desse grupo, que tem outro trabalho além da venda de acessórios, atua em ambientes com muitas mulheres, o que facilita o contato com as clientes. Há aquelas que realizam visitas em domicílio e sentem-se como conselheiras de suas clientes quando o assunto é a aparência, o que segundo elas justifica o fato de todas terem algumas clientes fixas, pois por meio da venda acabam se tornando amigas de suas clientes e sentem-se responsáveis por levar informações sobre moda e estão sempre atentas às tendências, usando para isso aquilo que veem nas revistas e na televisão. Elas contam que sabem que suas clientes gostam de usar o que as personagens das novelas usam, então fazem questão de ter sempre a mostra peças iguais ou parecidas.
Há ainda outras características do estudo que devem ser levadas em consideração. Além da renda de até meio salário mínimo por membro da família, essas consumidoras concluíram apenas o ensino médio, a maior parte delas é solteira encontra-se na faixa etária ente 20 e 35 anos. Esses dados revelam que a consumidora desse segmento, caracteriza-se pela renda, e também pelo fato de estarem na mesma faixa etária e possuírem o mesmo grau de instrução. A faixa etária, por exemplo, é um importante fator para se compreender os hábitos de consumo, pois as atitudes ligadas a crenças e sentimentos são comumente partilhadas por indivíduos em idades próximas e de grupos socioeconômicos semelhantes, como apontam Pinto e Salume (2013).
É importante apontar ainda, que as consumidoras de acessórios em prata, embora possuam uma renda modesta, investem grande parte de seus salários no consumo desses bens. Esse aspecto revela o quanto o ato de consumir é mais que um ato utilitarista, pois a importância que destinam a esses acessórios é mais do que eles representam em termos de uso, mas está pautada no que eles permitem comunicar e no quanto quem os usa considera esse gasto importante. Reitera-se mais uma vez que o consumo de acessórios em prata está diretamente relacionado com a sensação de pertencimento ao grupo e a aprovação e admiração por parte das amigas. Essa necessidade de aprovação pode estar relacionada ao fato de que, embora a mulher tenha se inserido no mercado profissional e ascendido no meio sociocultural, ela ainda está presa nos modelos de autoafirmação e coisificação da imagem feminina.
O objetivo proposto inicialmente foi alcançado. Pois os resultados possibilitaram relacionar o consumo de acessórios femininos ao comportamento da consumidora de baixa renda, bem como evidenciaram as relações existentes entre o envolvimento de significados durante o processo de aquisição e uso dos bens de consumo. Foi possível compreender que códigos culturais como os atributos relacionados à sensualidade, estão imbricados em campanhas publicitárias e nos diversos meios de comunicação, sendo que esses códigos são transferidos as consumidoras de baixa renda de forma incisiva e constante, consequentemente influenciando o comportamento em suas decisões de compra.
O consumo de acessórios por parte das consumidoras de baixa renda demonstra-se como um meio de transferência de significados do mundo culturalmente constituído para o cotidiano dessas mulheres. A partir desse tipo de consumo, é possível observar que as mulheres se apropriam de significados e símbolos que constituem os bens de consumo, como sensualidade, pertencimento ao grupo, feminilidade, autoconfiança e poder. Através do uso de acessórios as mulheres de baixa renda consideram-se capazes de resgatar sua autoestima, sentem-se mais capazes de se relacionar e envolver as pessoas ao seu redor. Nesse sentido, o consumo caracteriza-se como um instrumento de socialização e reafirmação da mulher.
Quanto à questão sociocultural, evidencia-se que a mulher moderna vem exercendo ativamente seu poder de consumo, mesmo nas classes menos abastadas. Sua inserção no mercado de trabalho bem como seu poder de decisão de compra tem transformado o papel do consumo na sociedade contemporânea. Pois essas consumidoras têm impulsionado novos segmentos e possibilitado a permanência de segmentos já existentes. As preferências e desejos femininos vêm adquirindo cada vez mais importância no cenário econômico. O papel da mulher tem ultrapassado barreiras sociais anteriormente impostas tanto no mercado de trabalho quanto nas questões culturais e de consumo.
O consumo de baixa renda se constitui como algo de importante valia para a investigação científica relacionada ao mercado. Embora possuam pouco poder aquisitivo, esses consumidores representam grande parte do consumo total, e compreender seu perfil, seu comportamento e seus desejos, se traduz como algo importante para análise de mercado. Visto que o trabalho trouxe apenas informações referentes às revendedoras ambulantes e consumidoras do mercado informal, sugerimos que novos trabalhos sejam realizados nesse sentido, no intuito de possibilitar uma compreensão mais adequada acerca do tema pesquisado. Estudos que abordem o mercado formal podem complementar de forma valiosa as informações que obtemos neste trabalho, bem como investigações acerca do universo da consumidora de baixa renda, em diferentes segmentos, podem ser preciosas para o delineamento e melhor compreensão dessa classe consumidora.
Por fim, compreende-se que as atitudes e valores individuais apontados como parte da constituição simbólica que os itens do vestuário têm perante o mundo socialmente constituído, bem como a forma como eles são utilizados, reiterando o que Miranda et al. (2003) apontam como a importância e significado que um simples bem de consumo tem para seu usuário, a partir da percepção que esse consumidor tem sobre o produto e para quem o observa. Lembrando também que a aquisição de certos bens relaciona-se ao status social que esses bens representam e ao que eles significam para determinados grupos sociais, meio onde os bens têm suas características mais ou menos valorizadas, conforme a relação que permitem o consumidor estabelecer com o mundo exterior, por meio de uma imagem que pode transmitir e comunicar crenças e valores.