Artigo
Recepção: 17 Abril 2018
Aprovação: 29 Agosto 2018
DOI: https://doi.org/10.23925/2178-0080.2017v21i1.37031
Resumo: Este artigo analisa como o perfil de profissional de alto desempenho foi disseminado pela revista HSM Management a partir das publicações entre 1997 e 1999. Adotou-se o conceito de subjetividade a partir de autores como Gilles Deleuze, Felix Guattari e Suely Rolnik, além de valer da análise foucaultiana do discurso. Observou-se que através de diferentes artigos publicados, a revista buscou traçar um perfil de trabalhador para o mercado de trabalho do século XXI. Concluiu-se que, entre outras características, esse trabalhador deveria ser capaz suportar as exigências de um mercado de trabalho flexível além de deter a capacidade de avaliar-se continuamente.
Palavras-chave: Psicologia, Subjetividade, Análise do Discurso, Perfil Profissional.
Abstract: This article examines how the high-performance professional profile was disseminated by HSM Management magazine from publications between 1997 and 1999. The concept of subjectivity was adopted from authors such as Gilles Deleuze, Felix Guattari and Suely Rolnik in addition to Foucault's analysis of discourse. It was observed that through different published articles, the magazine sought to draw a worker profile for the twenty-first century labor market. It was concluded that, among other features, the worker should be able to support the requirements of a flexible labor market besides having the ability to evaluate himself continuously.
Keywords: Psychology, Subjectivity, Speech Analysis, Professional Profile.
Introdução
Buscar a compreensão da produção de subjetividades na vida dos profissionais é um desafio fundamental para o enfrentamento dos novos tempos, momento em que são apresentados altos índices de esgotamento no exercício da profissão e são exigidas múltiplas atividades por parte do trabalhador. Nessa perspectiva, é comum identificar, nos diversos discursos, exigências de práticas sociais que convergem em modelos esperados, referidos como necessários para sobrevivência no mercado de trabalho e que sustentam a atual estruturação do capital.
Este artigo se debruça sobre o estereótipo do profissional de alto desempenho, que ocupa um lugar importante no mercado de trabalho, sendo valorizado pelo foco nos resultados. Esse modelo de perfil é amplamente utilizado pelas mídias e no cotidiano das relações de trabalho e até familiares e sociais, uma vez que respaldam, por exemplo, a justificativa de ausências em momentos da vida com os pares.
Importante dizer que o termo “profissional de alto desempenho” foi escolhido para identificar um conjunto de características que apareceram como valorizadas para o mercado de trabalho na contemporaneidade a partir desta pesquisa realizada e não antes. O que impulsionou a realização da pesquisa foi a percepção de que havia um conjunto de atitudes desejáveis e até mesmo exigidas aos profissionais, independentemente de suas atribuições, formações ou posicionamento hierárquico na organização. Tais exigências passavam pela valorização da flexibilidade, polivalência, resultados, entre outras dimensões que não eram consideradas em uma sociedade de valorização do emprego a longo prazo.
Para dar um exemplo, para os trabalhadores na contemporaneidade, o avanço tecnológico, já não permite as divisões entre o que é profissional e o que é pessoal e o trabalho avança para a mesa de refeição. Tais características da contemporaneidade trazem importantes apontamentos para a forma de viver nos dias de hoje.
Entende-se que, para possibilitar a naturalização desse perfil de trabalhador, acontecimentos, enunciados e outros dispositivos de subjetivação se fizeram historicamente presentes. Tais aspectos embasaram o problema de pesquisa e instigou a análise de vozes presentes na mídia que consolidaram uma formação discursiva acerca desse profissional a partir do final da década de 1990. Era interesse compreender se havia elementos propulsores de um novo “tipo de profissional”, presentes nos dias atuais.
Entende-se neste artigo que as mídias, ao serem veiculadas, participam da produção dos modos de subjetivação, criam lugares a serem ocupados pelos trabalhadores em seus contextos de atuação (Gregolin, 2007), sendo um instrumento que coloca em movimento um tipo específico de subjetividade, a capitalística. Assim, tem-se como objetivo analisar esse processo partindo do conceito de subjetividade tal como concebido por Deleuze e Guattari (1995, 1996, 2010) e em específico da capitalística, apresentado por Guattari e Rolnik (1996), buscando, em materiais midiáticos, a presença de elementos que podem ter corroborado com a composição do perfil hoje compreendido como de um profissional de alto desempenho.
Assim, no que se refere aos modos de subjetivação, elenca-se, para este artigo, a formação discursiva através dos meios de comunicação, em especial a mídia impressa, como um importante dispositivo produtor de sujeitos e subjetividades. Em especial, um meio de comunicação que tivesse como missão ser portador de uma visão internacionalizada do profissional que se deseja - ser e buscar, para a realização de um projeto de sucesso dos ambientes corporativos.
Rolnik (1997) comenta que embora tudo levasse a crer que a criação individual e coletiva se encontraria em alta pelas múltiplas possibilidades proporcionadas inclusive pela própria tecnologia, que possibilitava compartilhar ideias, gostos e decisões, a globalização que pulveriza identidades também produz kits de perfil padrão de acordo com o mercado. Analisar esse perfil padrão, em especial o do profissional chamado de alto desempenho, mostra-se relevante para compreender o tempo.
Para analisar tal produção de subjetividade a partir da mídia impressa, percorreremos inicialmente o marco teórico, onde será desenvolvido o conceito de subjetividade no referencial teórico apontado e de sua produção; em seguida, será apresentada a metodologia de pesquisa utilizada para análise do objeto - a revista HSM Management e, por fim, faremos a apresentação dos resultados encontrados e seus elementos respaldados em conceitos da análise foucaultiana do discurso, bem como, pontuar algumas inquietações acerca do tema.
Marco de Referência
O termo mídia, segundo Moreira (2010, para.2), “[...] está vinculado aos processos de produção, circulação e recepção de mensagens”. Na contemporaneidade, é formada por veículos de notícias, materiais de publicidade, filmes, novelas, minisséries e todo o conteúdo virtual (internet). É esta mídia que, conforme o pressuposto, produz modos de existência, de subjetividade e de relacionamento. Na análise de Fischer (2001), a mídia participa efetivamente da constituição do sujeito e subjetividades, através de imagens e significações que disseminam modos de ser e estar na cultura.
No entanto, é importante apontar, desde já, que essa produção agenciada pelos meios de comunicação não é algo imposto e sem escape. A partir de novos encontros e agenciamentos, é possível desterritorializar, traçar linhas de fuga e singularização. Nesse sentido, segundo Guattari (1992), a subjetividade está relacionada a vias individuais, coletivas e institucionais. Para o autor, “[...] a subjetividade, de fato, é plural, polifônica, [...] Ela não conhece nenhuma instância dominante de determinação que guie as outras instâncias segundo uma causalidade unívoca” (Guattari, 1992, p.11). Isso significa que não há determinismo nessa produção.
Ainda assim, os modelos hegemônicos, como os profissionais de alto desempenho objeto deste estudo, vieram se naturalizando e marcando sua posição. Podemos compreender melhor conforme nos elucidam os autores:
O indivíduo, a meu ver, está na encruzilhada de múltiplos componentes de subjetividade. Entre esses componentes alguns são inconscientes. Outros são mais do domínio do corpo, território no qual nos sentimos bem. Outras são mais do domínio daquilo que os soció1ogos americanos chamam de ´grupos primários´ (O clã, o bando, a turma, etc.). Outros, ainda, são do domínio da produção de poder; situam-se em relação à lei, à polícia etc. Minha hipótese é que existe também uma subjetividade ainda mais ampla; é o que chamo de subjetividade capitalística (Guattari & Rolnik, 1996, p.34).
Os autores propõem, em vez de uma subjetividade no domínio da natureza humana, uma “subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente fabricada, modelada, recebida e consumida” (p. 25). Assim, dividem em dois tipos de produção de subjetividades: tradicional e capitalística. A primeira se dá através de máquinas mais territorializadas, atuantes em escala de etnias, classes de profissionais, grupos familiares, entre outros. Já a produção de subjetividade capitalística se dá em escala internacional. Ambas estão relacionadas com a subjetividade territorializada, e como tal, sempre é possível desterritorializar-se através de novos encontros e, portanto, está sempre em movimento.
Por territorialização, pode-se compreender não um espaço físico, geográfico, mas sim um território existencial. Assim, quando se pensa em uma subjetividade tradicional, esta se vincula ao campo dos territórios pertencentes ao sujeito. Como exemplo, há o ambiente de trabalho, a família ou um grupo étnico. Tais territórios consistem em um local de propriedade e apropriação, identificação subjetiva que encontra sentido maior no que se pode chamar de “meu”, minha casa, e não pelo “eu” (Zourabichvili, 2004).
Analisando nessa perspectiva, a produção de subjetividade pode se evidenciar tanto no âmbito tradicional, a partir dos diversos grupos, clãs de pertencimento, quanto no capitalístico, que se dá como uma produção industrial a partir das influências da abertura do mercado internacional, fruto do capitalismo pós-industrial, que Guattari (1990) prefere denominar como Capitalismo Mundial Integrado - CMI.
Kroef (2010) esclarece que a subjetividade capitalística, ao modelar comportamentos, pode dar forma ao assujeitamento do indivíduo que, em vez de diferenças, apresentam identidades preestabelecidas e previsíveis. Assim, à medida que o sistema capitalista retira do homem sua possibilidade de subsistência (consolidada pela terra ou oficinas), seu saber (consolidado em sua arte completa de produção e no seu saber artesão) e o transforma em mercadoria (força de trabalho do capital, desqualificado e dependente), produz subjetividades de um novo homem, o necessário para reprodução da lógica capitalista: não o artesão ou o camponês, mas o operário, o soldado (Guattari & Rolnik, 1996).
Dessa forma, tem-se subserviente a esse sistema uma massa de trabalhadores agindo em favor dos resultados organizacionais. Vieira (2015, p. 85) corrobora na direção da importância desta compreensão, ao declarar que é “a função por excelência da subjetividade capitalística o bloqueio dos processos de singularização, ou seja, da possibilidade de outros modos de ser não inscritos nos modelos hegemônicos”. Conforme trazem Guattari e Rolnik (1996, p.19):
A produção dos meios de comunicação de massa, a produção da subjetividade capitalística gera uma cultura com vocação universal. Esta é uma dimensão essencial na confecção da força coletiva de trabalho, e na confecção daquilo que eu chamo de força coletiva de controle social. Mas, independentemente desses dois grandes objetivos, ela está totalmente disposta a tolerar territórios subjetivos, que escapam relativamente a essa cultura geral. É preciso, para isso, tolerar margens, setores de cultura minoritária - subjetividades em que possamos nos reconhecer, nos recuperar entre nós numa orientação alheia ao Capitalismo Mundial Integrado (CMI).
Segundo os autores, sem desconsiderar os territórios subjetivos que escapam à cultura geral, essa cultura de massa é um elemento fundamental para produção da subjetividade capitalística, já que esta pretende produzir indivíduos normalizados, articulados entre si por sistemas hierárquicos, de valores, de submissão. Conforme afirmam os autores, “[...] esses sistemas são ‘interiorizados’ ou ‘internalizados’. Não somente uma produção de subjetividade individuada - dos indivíduos -, mas uma produção de subjetividade social [...] que se pode encontrar em todos os níveis de produção e do consumo” (1996, p. 9).
Tal produção de subjetividade pode ser realizada por múltiplos dispositivos, entendidos como “determinada maneira de dispor, de ordenar ou de posicionar estrategicamente sujeitos e equipamentos” (Mansano, 2009, p. 18). É composto por uma rede que “engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são elementos do dispositivo” (Foucault, 2013, p. 364), podendo ser caracterizado como discursivo ou não discursivo. Na mesma obra, Foucault esclarece que o jogo de poder e as configurações do saber estão ligados a esse ordenamento e consiste em estratégias que sustentam tipos de saber e sendo sustentado por eles.
A partir desse ponto, pode-se compreender que um dispositivo não é apenas um enunciado, uma lei, mas sim uma composição de elementos que, de acordo com Foucault (2013), tem uma função estratégica de responder a uma urgência de um tempo histórico. Entendemos a mídia como um deles, que origina opiniões, visões de mundo e comportamentos a serem tomados como referência moral.
Conforme aponta Gregolin (2007, p.24) “[...] a mídia é uma fonte poderosa e inesgotável de produção e reprodução de subjetividades, evidenciando sua sofisticada inserção na rede de discursos que modelam a história do presente”. Guattari (1990) define como primária a produção de subjetividade que se desenvolve em escala industrial, processo que pode ser visto na mídia e em diferentes equipamentos coletivos. “A imprensa, enquanto produtora de cultura de massa, alimenta-se de f1uxos de singularidade para produzir, dia a dia, individualidades serializadas. Democraticamente, ela “amassa” os processos de vida social, em sua riqueza e diferenciação e, produz a cada fornada, indivíduos iguais e processos empobrecidos” (Guattari e Rolnik, 1996, p. 39).
É possível pensar, com base no referencial teórico, o ambiente - grupo de trabalho como uma máquina de produção de subjetividade tradicional. Já a mídia, com seus discursos ampliados em escala global, pode ser marcada por um equipamento de subjetividade capitalística, mas um não está isolado do outro. Alimentam-se mutuamente e ganha força em seus agenciamentos.
Caminho Metodológico
Com o objetivo de identificar elementos que poderiam servir como dispositivos de produção de subjetividade capitalística no que se refere ao trabalhador contemporâneo com o foco em resultado, escolheu-se a mídia impressa como um recorte metodológico e a pesquisa qualitativa respaldada na análise foucaultiana do discurso.
Dentre as revistas de circulação, o interesse foi direcionado às veiculadas no período de abertura neoliberal e ampliação da globalização no País, a partir da década de 1990. Esta escolha se deu pelo interesse em buscar os elementos que já estavam presentes naquela época e compreender se nesse período já havia um empenho nos dispositivos midiáticos para produção de profissionais que atenderiam a demanda por resultados - fruto de um novo capitalismo que se expandia no mundo desde a década de 1970.
Ao realizar o levantamento das revistas corporativas que no período tratavam direta ou indiretamente do tema de pessoas no mercado de trabalho, identificou-se o surgimento das revistas “HSM Management” (em 1997) e da “Você S/A” (em 1998). Além destas, já se encontravam em circulação as revistas “Gestão RH” e “Melhor Gestão de Pessoas”, que surgiram um pouco antes, porém dentro da mesma década. A mídia direcionada ao tema recursos humanos se ampliava, evidenciando as condições de emergência para o discurso da gestão do humano e ao mesmo tempo o perfil de trabalhador que o capitalismo necessitava engajar.
Após apreciação dos conteúdos das revistas elencadas, foi selecionada, como fonte de dados, a revista HSM Management, por apresentar tendências do mundo corporativo e ser voltada para altos executivos do País. Entende-se esse lugar - executivo - como privilegiado e empoderado tanto para transmissão da formação discursiva quanto para acionamento de outros dispositivos produtores de subjetividade.
Após análise preliminar, determinou-se um número mínimo de 8 edições, referentes ao período escolhido para análise que vai de 1997 - ano da primeira edição da revista - a 1999, quando se completou a amostra de oito unidades. A delimitação em no mínimo oito edições foi para garantir uma amostra significativa do primeiro e do segundo ano da revista, considerando que neste período inicial não havia matérias específicas direcionadas a recursos humanos em todas as edições. Assim, ao longo da pesquisa foram consultadas desde a segunda edição de 1997 até se completar a seleção de dez matérias que faziam referência à temática, categorizada pela revista sob o tema “recursos humanos”. Realizou-se um recorte metodológico nos três primeiros anos da revista (com edições bimestrais), em artigos cuja a temática central estivesse relacionada a recursos humanos. A partir destas, foram considerados enunciados que fizessem referência a um perfil relacionado ao profissional de alto desempenho.
O período inicial da revista foi escolhido por compor interesse nesta pesquisa, analisar o conteúdo que uma revista americana estava trazendo ao País na chamada abertura neoliberal e se tais enunciados direcionavam para uma mudança do mercado de trabalho e do próprio trabalhador.
Para analisar o material acima exposto, buscando compreender a produção da subjetividade no grupo de profissionais que atua hoje no mercado de trabalho e que vem respondendo às necessidades do novo capitalismo, esta pesquisa se respaldou na análise foucaultiana do discurso, entendendo o discurso como “[...] uma prática social, historicamente determinada, que constitui os sujeitos e os objetos” (Gregolin, 2007, p.13).
Foucault (1987) esclarece que não trata o discurso como documento, mas como um monumento, sendo a história que realiza esse processo. O monumental, em um texto para uma análise foucaultiana, diz respeito a tomar os discursos numa dimensão exterior, não interior (Veiga-Neto, 2014). Isso significa dizer que, dentro dessa perspectiva, analisar o discurso não é buscar algo oculto, um outro discurso que precisa ser desvelado, mas sim trabalhar com o que está claramente apresentado na materialidade da prática discursiva.
Conforme Fernandes (2011), as análises de discurso, refletem a problemática da subjetividade e a produção do sujeito diante dos grupos a que pertence e suas formações discursivas. Ou seja, ao se tomar para análise o próprio discurso, percebe-se que ele ganha forma no cotidiano relacional dos sujeitos, produzindo subjetividades. Sobre as pesquisas de análise dos modos de subjetivação através do discurso e a análise do discurso propriamente dita, o autor esclarece: “[...]. É no social que se definem as posições-sujeito, não fixas, marcadas por mutabilidade, e a análise de discursos deve fazer aparecer esses elementos e explicitar suas formações e transformações históricas, e também suas implicações e/ou determinações na produção da subjetividade (Fernandes, 2011, p. 5).
Importante ressaltar que, a partir do embasamento teórico, não há determinismo na produção de subjetividade. As posições do sujeito não são fixas, mas mutáveis, e tais aspectos devem aparecer ao longo da análise. Dessa forma, a análise do discurso é histórica e demarca espaços sociais, suas mudanças e determinações. Para Foucault (2013).
Em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade (Foucault, 2013, p. 8-9).
Assim, nos interessa o discurso que esteja controlado, selecionado e organizado para serem conectados ao interesse de executivos, diretores de empresas no País, em especial, os discursos voltados para a área de recursos humanos, com os modelos de profissionais. Tais discursos, necessariamente, estão inseridos em um determinado momento histórico que os possibilitam. Em relação a tais questões, Gregolin (2007) esclarece que:
Silenciamento e exposição são duas estratégias que controlam os sentidos e as verdades. Essas condições de possibilidade estão inscritas no discurso - elas delineiam a inscrição dos discursos em formações discursivas que sustentam os saberes em circulação numa determinada época. Por meio dessa análise, Foucault estabelece explicitamente as relações entre os dizeres e os fazeres, isto é, as práticas discursivas materializam as ações dos sujeitos na história (Gregolin, 2007, p. 15).
Entende-se a mídia como um dispositivo no qual o poder se exerce através do discurso, produzindo efeito de verdade, a partir do lugar privilegiado de quem fala. Foucault (2013, p. 9) esclarece “[...] que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”. A ocupação desse lugar se constitui na interdição, que é um dos procedimentos de exclusão.
Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso...não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo... (Foucault, 2013, p. 9-10).
O controle do que pode ser dito, em que momento e por quem, relaciona-se diretamente com o desejo e poder, pelo local de dominação desta prática social (Ferreira & Traversini, 2013). As práticas discursivas, conforme apresentado por Veiga-Neto (2014, p. 93), “é todo um conjunto de enunciados que [...] moldam nossa maneira de ver o mundo, de compreendê-lo e de falar sobre ele”. Conforme o próprio autor, elas se conectam a outros enunciados e produz subjetividade.
Para Foucault, um enunciado não é qualquer coisa dita (ou mostrada...); ele não é cotidiano. O enunciado é um tipo muito especial de um ato discursivo: ele se separa dos contextos locais e dos mais ou menos autônomo e raro de sentidos que devem, em seguida, ser aceitos e sancionados numa rede discursiva, segundo uma ordem - seja em função do seu conteúdo de verdade, seja em função daquele que praticou a enunciação, seja em função de uma instituição que o acolhe (Veiga-Neto, 2014, p. 94).
Assim, os enunciados se articulam pela formação de verdades. Foucault (2008) elenca alguns pontos sobre os quais um enunciado deve ser compreendido. O primeiro deles está relacionado a fixar o vocabulário de forma determinada como um grupo de signos, que juntos formam uma frase ou proposição, as quais se consolidam em um enunciado. Nesse sentido, o discurso é um “conjunto de performances verbais” (p. 122). Sequencialmente, elucida o conceito como um conjunto de frases ou proposições; ou ainda, um conjunto de sequência de signos como enunciados que caracteriza uma formação discursiva. Pode-se, segundo o autor, conceituar, enfim, o discurso como “um conjunto de enunciados que se apoia em um mesmo sistema de formação” (p. 122).
Como um segundo ponto, Foucault discorre a respeito da descrição do enunciado:
Ela não tenta contornar as performances verbais para descobrir, atrás delas, ou sob sua superfície aparente, um elemento oculto, um sentido secreto que nelas se esconde, ou que através delas aparece sem dizê-lo; e, entretanto, o enunciado não é imediatamente visível; não se apresenta de forma tão manifesta quanto uma estrutura gramatical ou lógica (mesmo se esta não estiver inteiramente clara, mesmo se for muito difícil de elucidar). O enunciado é, ao mesmo tempo, não visível e não oculto (2008, p. 123-124).
A análise de enunciado, portanto, é uma análise histórica, mas não interpretativa. O dito e o não-dito estão presentes no enunciado e na evidência da linguagem efetiva, não havendo, nesse sentido, um enunciado latente. Pensar a descrição do enunciado como algo que se deve isolar e significar isoladamente faz com que ele pareça um simples traço, um resultado de uma ação individual, como uma totalidade orgânica fechada em si. O enunciado, conforme o autor pontua, está relacionado com o domínio de objetos, um jogo de posições possíveis para um sujeito, um elemento no campo da coexistência, enfim, como uma materialidade repetível.
Sabemos - e, talvez, desde que os homens falam - que as coisas, muitas vezes, são ditas umas pelas outras; que uma mesma frase pode ter, simultaneamente, duas significações diferentes; que um sentido manifesto, aceito sem dificuldade por todos, pode encobrir um segundo, esotérico ou profético, que uma decifração mais sutil ou apenas a erosão do tempo acabarão por descobrir; que sob uma formulação visível pode reinar uma outra que a comande, desordene, perturbe, lhe imponha uma articulação que só a ela pertence; enfim, que, de um modo ou de outro, as coisas ditas dizem bem mais que elas mesmas. (Foucault, 2008, p. 124).
O autor ainda lembra, como um terceiro ponto a ser pensado, que, embora o enunciado não seja oculto nem visível, ele não se oferece transparentemente à percepção: “[...] É necessária uma certa conversão do olhar e da atitude para poder reconhecê-lo e considerá-lo em si mesmo” (Foucault, 2008, p. 126). Porém, esse olhar não está em buscar o significado da linguagem e sim o que ela representa.
Considerar os enunciados em si mesmos não será buscar, além de todas essas análises e em um nível mais profundo, um certo segredo ou uma certa raiz da linguagem que elas teriam omitido. É tentar tornar visível e analisável essa transparência tão próxima que constitui o elemento de sua possibilidade. (Foucault, 2008, p. 127).
Há duas razões para isso. Primeira, o enunciado não está à parte das frases e proposições, mas encontra-se dentro delas. A segunda é que a linguagem deve ser vista e analisada não na direção que ela nos remete, mas na direção de onde ela é produzida. É preciso, segundo Ferreira e Travesini (2013), que as sínteses discursivas, aceitas como naturais, fiquem em suspenso, sejam trazidas para o centro da discussão e que se evidenciem as tramas complexas que as produzem, lhes permitindo aparecer em sua forma e em determinado momento. Conforme aponta Veiga-neto (2014, p. 99), “[...] para Foucault, mais do que subjetivo, o discurso subjetiva” e marcam o pensamento de cada época, do lugar, nessa constituição de subjetividade.
Compreende-se que o comportamento esperado no mundo do trabalho mudou e continua a mudar, com ele as exigências para o trabalhador. Esse deve corresponder às regras, engajando-se no ideal criado por meio do discurso e outros dispositivos capazes de produzir uma subjetividade capitalística, caracterizando a massa dos profissionais de carreira do País, bem como operando a forma e as ferramentas de atuação dos gestores de recursos humanos.
Resultados e Discussões
De Onde se Fala? E Para Quem?
Ao conceber a revista HSM Management como um dispositivo privilegiado, no qual os discursos produzem efeitos de verdade construindo modelos de subjetividade, realizou-se uma análise das formações discursivas acerca do perfil de profissional de alto desempenho, que nos dias atuais ocupam um lugar de valorização na forma de ser e operar o trabalho em atendimento à globalização.
Antes mesmo dos enunciados trazidos, faz-se importante uma análise das condições de discurso no tempo histórico pesquisado. A revista HSM Management tem, desde sua primeira edição em 1997, os altos executivos como público alvo. Esse seleto nicho possui o potencial de multiplicar discursos considerados verdades nas organizações, ocupando assim um local privilegiado de quem fala e incorporando novos elementos e dispositivos. Tal escolha, atende à estratégia do grupo editor da revista, que, fundado em 1987, surge com o propósito de aproximar os gestores nacionais das tendências mundiais de gestão corporativa, com a missão de antecipar tais tendências (www.hsm.com.br/institucional).
Nas edições amostradas para pesquisa, todas as matérias foram embasadas em entrevistas e realidades estadunidenses, o que evidencia a origem dos enunciados contidos na revista e a formação discursiva divergente da realidade nacional. Tais vozes nos remetem a forças do novo sistema econômico, globalizado, do Capitalismo Mundial Integrado.
Para Guattari e Rolnik (1996) a subjetividade é algo produzido, maquínico. Segundo os autores, “a produção da subjetividade constitui matéria-prima para toda e qualquer produção” (1996, p. 28). Assim esclarecem que antes de uma investida do capital para expansão do modelo econômico, há um investimento na produção de subjetividade.
Quando uma potência como os EUA quer implantar suas possibilidades de expansão econômica num país do Terceiro Mundo, ela começa, antes de mais nada, a trabalhar os processos de subjetivação. Sem um trabalho de formação prévia das forças produtivas e das forças de consumo, sem um trabalho de todos os meios de semiotização econômica, comercial, industrial, as realidades sociais locais não poderão ser controladas. (Guattari e Rolnik, 1996, p. 28).
Assim, percebe-se uma consonância entre o nascimento da revista, suas origens e seu propósito, com o que nos traz os autores na citação acima. No momento em que se expande a globalização em uma abertura neoliberal, uma revista voltada aos altos executivos os direcionam olhar para as tendências de mercado e atuar por ele, produzindo assim, novas formas de gerir e atuar no mercado de trabalho.
Os Profissionais de Alto Desempenho
A partir desses elementos elencados, buscou-se indicativos que mostrasse o caminho da produção da subjetividade capitalística no que se refere ao perfil estereotipado do profissional de alto desempenho produzido pelo objeto deste estudo. Os enunciados evidenciam uma formação discursiva que direciona os profissionais a se prepararem para atuar estrategicamente com as mudanças que exigem o gerenciamento da própria carreira, o aumento da empregabilidade e assim estarem prontos para enfrentar um mercado de trabalho com possibilidades de constante mudança de emprego ou mesmo das funções exercidas.
Um tema recorrente tratado pelos autores das matérias analisadas foi a horizontalização da estrutura organizacional e as habilidades exigidas do trabalhador, extrapolando um saber e fazer técnico e incorporando competências provindas da experiência e atitudes relacionais. Sobre as mudanças das funções exercidas, o profissional de alto desempenho, ao invés de almejar crescimento vertical, acumula experiência com um plano de carreira que contempla mudanças horizontais. Sugere-se, também, que cada funcionário é o seu próprio empregador e por isso necessita de estratégia de saída caso as coisas “fiquem duras”, ou seja, são responsáveis pela escassez de uma vaga e seus encaminhamentos em um caso de demissão.
Nesse sentido, percebe-se em que medida se tornou importante não haver cargos com descrição tão precisa, pois para atendimento a valorização da experiência horizontal e em nome da flexibilização os conhecidos cargos genéricos de analistas, assistentes, auxiliares atendem bem melhor a demanda imprecisa de um profissional contemporâneo. Esse é um fator também presente na formação discursiva analisada. Conforme traz outro artigo “definições de cargo muito rígidas também vão contra a nova realidade de mudanças constantes nas empresas e contra a necessidade de mais flexibilidade e menos hierarquia” (Kochanski, 1998, p. 26).
Assim, relacionando a flexibilização do trabalho com alto desempenho, a formação discursiva associa os profissionais mais requisitados àqueles que não querem fazer uma carreira de longo prazo dentro de uma organização, nem almeja chegar ao topo de uma empresa. Esse profissional, que é o modelo de que o mercado precisa, é um acumulador de experiências verticais dentro de uma organização ou de várias, sendo difícil a permanência em uma “zona de conforto”, ou seja, em uma organização ou determinada função.
Dimensões de Competência
No campo das análises de competência, uma das abordagens apresentadas divide as habilidades exigidas do trabalhador em quatro categorias, a saber: capacidades técnicas, capacidade de supervisão, capacidade interpessoal e capacidade geral de administração. O conjunto dessas classificações forma, segundo o enunciado, “o perfil modelo de capacidades”. É uma espécie de benchmarking, ou seja, onde o profissional pode comparar suas competências para avaliar a necessidade de desenvolvê-las. Tal estratégia espelha ao trabalhador “em que medida suas aptidões atendem tais necessidades” (Riehl, 1998, p.108), construindo a partir daí seu plano de desenvolvimento.
Através da ferramenta proposta, a matéria enuncia: “Os relatórios sobre as lacunas de capacidade e planos de desenvolvimento voltados para o funcionário mostram às pessoas em que elas precisam melhorar e o que devem fazer” (Riehl, 1998, p. 108). Conforme trazido pela revista, cabe ao trabalhador tanto o preenchimento “sincero” do seu perfil como também, conforme enunciado acima, melhorar no que é necessário para atender às necessidades da organização e seus resultados.
Assim, a matéria “Gestão baseada nas capacidades”, como o título já apresenta, evidencia a importância que se dá às capacidades de cada funcionário, para a partir desses realizar uma gestão do pessoal. Não se trata de ter um funcionário que necessite de algum requisito específico para realizar uma tarefa necessária do processo utilizando-se da força física ou de um conhecimento da tarefa, e sim das competências relacionadas ao subjetivo, característico do trabalho imaterial. A matéria trata de um método para o gerenciamento de pessoal, exigindo múltiplas capacidades dos funcionários, uma forma prática de realizar a avaliação das competências, elencadas como capacidade técnica, de supervisão, interpessoal e geral de administração.
Embora o trabalhador taylorista-fordista esteja longe de ser eliminado, percebe-se a materialização do trabalho imaterial na formação discursiva que, conforme exposto por Lazzarato e Negri (2013), é a “alma do operário”, sua subjetividade que desce à fábrica. Mesmo o chão de fábrica precisa se engajar nas “equipes” de trabalho, na qual deve se relacionar, perceber, liderar, solucionar, inovar. De acordo com os novos modelos de gestão, atuar em comitês de qualidade, acompanhando os indicadores de resultado e realizando a “melhoria contínua”.
Laços Fracos e Engajamento
Outro enunciado da revista aponta que “Há urgência em preparar os executivos para a nova realidade do mundo do trabalho. O salto do ‘mundo de emprego para a vida toda’, em uma ou duas empresas, para o conceito de ‘empregabilidade’ ainda não é plenamente compreendido” (Bates & Bloch, 1997, p. 52).
Analisando as afirmações de que funcionários precisam estar aptos para assumir várias funções, com múltiplas capacidades e atentos para o mundo da empregabilidade, percebe-se uma ruptura de exigências em relação ao período puramente taylorista-fordista e a aproximação com o novo modelo de gestão, o toyotismo, que tem como parte de seus elementos reduzir custos de produção e se utilizar da experiência do trabalhador na busca de resultados. Para operar o novo modelo, que se apresenta instável e flexível, faz-se necessário um novo perfil de altos executivos e também do profissional, que já não é responsável apenas por sua tarefa, mas também é, necessariamente, responsável pela resposta da equipe que trabalha e pelos resultados da organização. A revista assume, assim, o papel desta formação.
A matéria “Management com um toque de pessoal” pontua que gerentes obtêm ganhos ao considerar a dimensão subjetiva. Referindo-se a um executivo master, o enunciado diz: “Achava que escutar alguém por dois minutos era tempo demais. Convenceu-se que ao ouvir por, digamos, cinco minutos, ele poderia ajudar seus funcionários a resolver sozinhos os problemas e assim ganhar mais tempo” (Swinburne, 1997, p. 143).
Em “Estratégia versus funcionários”, de Edward Lawler III, fala-se sobre a importância do recurso humano para criar vantagem competitiva. Ela elenca alguns enunciados que descrevem os modos de ser do trabalhador. Inicia trazendo três pontos: “[...] toda força de trabalho deve participar do negócio [...] todos os funcionários devem agregar valor às operações realizadas pela empresa. [...] a liderança deve ser compartilhada em todos os níveis da empresa” (Lawler III, 2008, p. 13).
Como é possível perceber, juntamente com alguns outros enunciados que aqui se apresentam, todos que estão elencados acima são imperativos, apresentando com o verbo dever uma ordem a ser seguida, que evidenciam claramente sua direção às engrenagens que fortalecem a subjetivação do trabalho imaterial. Tanto o trabalhador operário como o executivo têm sido exigidos para além de uma função técnica especificamente e é a subjetividade que serve à lógica produtiva, uma vez que o modelo de gestão exige do trabalhador a execução de múltiplas funções e suas ideias para otimização da produção e para atingir melhores resultados.
Outro aspecto que compõe o perfil de profissional de alto desempenho é demonstrado pelo enunciado: “Os melhores funcionários querem trabalhar onde haja um sistema institucionalizado de avaliação de competência. Querem trabalhar em equipes de projeto escolhidas pelo mérito, e não por favor pessoal” (Riehl, 1998, p. 108). É possível analisar que a revista privilegia um perfil de trabalhador que valoriza a meritocracia e desenvolve a competência e, através dela, proporciona um alto desempenho para organização, indo além dos resultados esperados.
Nota-se a formação de sentidos relacionando a subjetividade ao profissional de alto desempenho. Nessa formação discursiva, todos os trabalhadores devem ser engajados. A exemplo podemos citar a matéria de Jim Kochanski, que trata de “como ‘contaminar’ os funcionários de desempenho regular com as características dos funcionários excelentes” (2008, p. 24).
Segundo esse autor, o gerenciamento dessas competências “formam a base para seleção, o aprendizado e as recompensas dos funcionários [...] também dá força para outras questões imperativas para a empresa, como velocidade de comercialização de produto no mercado, a satisfação dos clientes, a flexibilidade e o controle dos funcionários sobre sua carreira e vida pessoal” (2008, p. 24).
A matéria apresenta como realizar esse gerenciamento de competências na organização. Afirma que “[...] representa uma mudança cultural em direção a um maior senso de responsabilidade e autogestão dos funcionários. Além disso, é uma maneira simples de melhorar o desempenho, sob o controle dos funcionários” (Kochanski, 2008, p. 25). As informações, portanto, direcionam para a exigência de funcionários que melhoram seu próprio desempenho, bem como se responsabilizam e se alto gerenciarem.
A matéria com o tema “O candidato Perfeito”, de Pierre Mornell, descreve que um bom candidato deve conhecer a organização que quer trabalhar, tendo percepções analisadas de diferentes pontos dessa estrutura, sendo capaz de opinar sobre os recursos utilizados por ela. Tais aspectos extrapolam o fazer técnico e evidenciam em que medida o trabalhador contemporâneo deve estar preocupado com e vivendo pela organização, extrapolando seus muros e se infiltrando na vida privada.
O trabalhador deve procurar as melhores oportunidades e estará com vantagem se trabalhar em uma empresa que dá ferramentas para expandir sua capacidade pessoal. Ele deve utilizar o marketing pessoal; conhecer o mercado de empregos, saber das oportunidades, de suas habilidades e quais são as exigidas pelos empregadores. Investir nas habilidades que estão escassas e se aprofundar nas aptidões que já possui é apresentado como diferencial. A capacidade principal é “aprender mais continuamente e poder prever o que será necessário em seguida” (Cajaraville & Mercedes, 1998, p. 14). O plano de desenvolvimento e outras ferramentas apontadas devem somar com os objetivos da organização.
A competência, conforme abordado na edição número 11, compreende as habilidades/capacidades, conhecimentos e características pessoais que destacam o profissional de alto desempenho. A identificação de competências determinantes para ser um profissional “eficaz” se dá, conforme abordado na mesma matéria, por intermédio de “mais e melhores competências”, “[...] focalizando as competências essenciais da complexa teia de funções, responsabilidades, metas, habilidades e conhecimentos dos funcionários [...]” (Kochanski, 2008, p. 24).
Responsabilidade e Desenvolvimento Pessoal
O conjunto de enunciados descritos reforça a responsabilização do profissional por seu sucesso e as exigências da subjetividade do trabalhador, bem como sua disposição em adquirir novas experiências e lidar com um cenário de mudanças e empoderamento. Assim, observa-se que os discursos que versam sobre a flexibilidade estão intimamente relacionados ao perfil de alto desempenho. Como exemplo, tem-se enunciado que afirma que “No passado, mudar de emprego criava uma imagem de instabilidade. Hoje não mudar de emprego limita as escolhas futuras” (Kidder & Bobbie, 1998, p. 145). Isto implica em uma formação discursiva que valoriza os profissionais que mudam de emprego ao longo da vida e que possuem disposição para lidar com o novo.
Ainda com relação a esse ponto, a matéria traz que “Se as melhores oportunidades em sua empresa estiverem em um país distante, peça para ser mandado para lá. Se a empresa não pagar a viagem, pague você mesmo” (Kidder & Bobbie, 1998, p. 145), ou seja, se necessário deve subsidiar pela empresa as suas mudanças. Tal aspecto já apareceu anteriormente, no que se refere aos enunciados relacionados ao desenvolvimento de competências.
A afirmação de que o trabalhador é tomado como único responsável por seus resultados bem como pelo seu desenvolvimento é tida como uma verdade naturalmente dada. Os enunciados evidenciam a produção de uma subjetividade necessária a essa modalidade do capitalismo, cada vez mais líquido e flexível. Em tal discurso, é o profissional repleto de iniciativa que deve “apostar” em seu futuro, enfrentando desafios em espaços e contextos diferenciados, buscando as mais diversificadas experiências para assim gerar um desenvolvimento mais adequado às exigências do mundo do trabalho.
O perfil que caracteriza o profissional de alto desempenho se apresenta como uma subjetividade de natureza maquínica, capitalística, que ocorre em escala internacional através de dispositivos de produção de subjetividade e que possibilitam, através da territorialização dos trabalhadores a partir de dispositivos que naturalizam tais práticas, as condições necessárias para manutenção do atual sistema econômico.
Competitividade, Flexibilidade e Sobrevivência
A partir das matérias analisada, é possível observar que as mudanças exigidas pelo mercado criam um paradoxo, no qual o sujeito está imerso: o profissional de alto desempenho é flexível e coleciona experiências profissionais, empreende, se responsabiliza pelo desenvolvimento de suas competências e carreira, fica pouco tempo em uma empresa para buscar novas experiências. Por outro lado, esse é o profissional que deve ser retido. Para tanto tem-se também a formação do saber que atribui significado de alto desempenho àqueles que aceitam ampliar experiências horizontais.
Tal modelo de subjetividade, produzido pela formação discursiva, remete a trabalhadores competitivos que, através da iniciativa e do engajamento, garante o seu espaço no mercado de trabalho. Isso implica não na garantia do emprego e na segurança a longo prazo, mas na empregabilidade que permite a sobrevivência em meio à flexibilização e precarização do trabalho, como se observa, nos dias de hoje.
Um termo trabalhado em dois dos artigos trata da figura do sobrevivente. Tal profissional é aquele que consegue manter seu emprego, mas para tal, conforme enunciados, dependeu do seu desempenho para poder sobreviver na empresa (Thornhill & Gibbons, 1997, p. 49) ou ainda “[...] adaptar seu comportamento àquilo que deles se exige agora” (Thornhill & Gibbons, 1997, p. 49). Ao longo dos enunciados, as características relacionadas ao profissional de alto desempenho também se fizeram presentes para o sobrevivente, produzindo uma relação de assujeitamento dos profissionais aos novos sistemas de gestão.
Assim, se o caso for manter o emprego ou “sobreviver”, esse profissional precisa delegar e assumir responsabilidades, atingir metas por desempenho, avaliar suas competências, buscar o desenvolvimento das competências que aparecem como deficitárias e ainda atuar em equipes.
Em relação aos gerentes e executivos, cabe a eles liderarem essas mudanças na organização. Para tanto, precisam se desenvolver, através de treinamentos para líderes e gerenciamento de mudanças. É papel desses executivos implantar os programas para atingir metas da organização, tais como o downsizing - corte de pessoal, avaliação de competências, desenvolvimento de pessoas, empowerment - empoderamento dos profissionais, formação de equipes, bem como aprender a lidar com a insegurança que se instala após um programa de corte de pessoal, com o sentimento cotidiano e as ideias de seus “subordinados”.
Como exemplo tem-se o enunciado no qual, segundo Swinburne (1997, p. 142), enquanto “[...] os funcionários se tornaram mais responsáveis por seu desempenho, os gerentes ficaram mais responsáveis por desenvolvê-los e dar-lhes apoio, em um cenário de mudança contínua”. A afirmação aponta que a partir do momento em que a organização implanta os métodos de desenvolvimento de competências, atribui-se a “[...] gerentes e supervisores maior responsabilidade pelos conjuntos de capacidades agregadas de seus subordinados” (Riehl, 1998, p. 104).
Os programas também devem ser pensados a fim de maximizar o aproveitamento do desempenho do trabalhador. Assim, flexibilizar o horário de trabalho, bem como incluir equipamentos tecnológicos portáteis, que permitem estender horas de trabalho para a casa, foram repassados como estratégias a serem utilizadas por esses profissionais. Segundo Ettore (1998, p. 22), um fator diferencial da organização é a “facilidade para os gerentes terem computadores laptop e linhas telefônicas preferenciais em casa para trabalhar depois do expediente”.
Assim, para o profissional, cabe responder a esse perfil sendo aquele que atende à organização em qualquer horário do seu dia e em qualquer lugar. Tal aspecto tem grande impacto nos dias atuais e relaciona-se diretamente com a precarização do trabalho. Krein (2007, p. 48) aponta que as novas tecnologias propiciam uma mudança no controle do tempo, permitindo uma invasão do tempo de reprodução econômica no tempo social. Segundo o autor, “[...] o capitalismo não inventou uma maneira de estender o dia, mas de ocupar o máximo possível do tempo em que o trabalhador fica à sua disposição, buscando, incessantemente, estender a jornada”.
Considerações Finais
Conforme foi possível observar nos enunciados apresentados, vê-se consolidar com a produção de subjetividade do perfil esperado de profissional três elementos importantes que passaram a fazer parte dos discursos organizativos: primeiro, a meritocracia através da avaliação de competência; segundo, o trabalho imaterial com as exigências subjetivas que a partir da experiência, e, por fim, a empregabilidade com a responsabilização do profissional em gerir a própria carreira e investir em seu desenvolvimento.
Tais aspectos observados evidenciam uma investida produtiva relacionada com a criação de uma massa de profissionais (indivíduos), que naturalizam as relações de curto prazo e atuam de forma a se desenvolver para o mercado, assumindo a responsabilidade por seu espaço profissional, trabalhando horas excedentes por resultados e garantindo assim as metas de desempenho.
Embora tenha sido utilizada apenas uma dentre seis das revistas de circulação nacional com abordagem sobre o tema, a verificação pelo aumento progressivo de editoras publicando revistas com conteúdo relacionado às pessoas no mercado de trabalho ocorrido na mesma década, demonstra a formação de um dispositivo produtor de subjetividade que se ampliou em termos de potência.
Assim, entende-se que os enunciados presentes nesse tipo de publicação edificam um “modelo” de profissional para atuação no mercado de trabalho do capitalismo mundial integrado, e a formação discursiva analisada aponta para pontos relacionados ao ritmo intenso de dedicação ao trabalho que vemos nos dias atuais. Dessa forma, a entrega por resultados, em detrimento de outras áreas da vida do sujeito que se testemunha hoje, foi sendo forjada, pelo menos, desde o início da abertura neoliberal do País.
Retomando a concepção de subjetividade capitalística, a pesquisa realizada nos mostra indicativos de uma formação discursiva direcionada à produção de subjetividade que traz, em sua formação, um profissional consciente de um mercado de trabalho instável, responsável por seu sucesso ou fracasso, através do desenvolvimento das competências e desempenho nos resultados que ele deve forjar por si mesmo. Tal profissional precisa saber lidar com indicadores e operar equipamentos tecnológicos, o que lhe permite, por exemplo, trabalhar fora do horário e do local de trabalho.
Esses elementos apontam para a formação de uma subjetividade flexível, que, além da desvinculação aos horários de trabalho e à diversificação de funções, incorpora a questão da responsabilização do trabalhador, que aparece em todas as matérias analisadas. Ambos os temas se relacionam diretamente ao perfil desejado para um profissional de alto desempenho.
A análise da revista nos mostrou que os aspectos coletados pela pesquisa em publicações do final da década de 1990, ainda que se esteja em um contexto pautado pela velocidade e pelo imperativo de mudanças, ainda se refletem no mercado de trabalho nos dias atuais, o que nos leva a perguntar: o que os diversos dispositivos estão transmitindo hoje para captura e formação do trabalhador de amanhã? Esta questão se faz importante, pois identificar as contingências do estereótipo do perfil ideal nos dias de hoje possibilita buscar formas de romper com o que se é, se faz e pensa (Veiga-Netto, 2014).
Desse modo, construir formas de investigação dos dispositivos midiáticos atuais pode fornecer condições para mapear os atravessamentos presentes aos quais os trabalhadores encontram-se submetidos. Espera-se que ao disseminar a pesquisa realizada, ao mostrar o que aparentemente se impõe como norma no contexto empresarial do século XXI, tenha sido possível indicar que se trata de um processo de construção e, portanto, uma produção.
Tais análises, por sua vez, possibilitam a ampliação do olhar para as formas de controle do trabalho, que tendem não mais configurarem-se como um controle de corpos preparados para determinadas tarefas, mas, principalmente, a configuração de formas de pensar, sentir e ser. Assim, chega-se ao entendimento de que, ao trazer a estranheza a partir do que é cotidiano, é possível estabelecer um olhar crítico que pode propiciar a destituição de um lugar estabelecido como verdade, o que, em nesse campo de análise, abre possibilidade para concepção de outros modos de ser trabalhador para além do que se encontra instituído.
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