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Gestão de carreiras criativas, identidade e cultura comunitária: Amadeu Alves e a cultura musical de Itapuã
Creative Careers Management, Identity and Community Culture: Amadeu Alves and Itapuã’s Musical Culture
Revista Administração em Diálogo, vol. 22, núm. 2, pp. 91-114, 2020
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Artigo


Recepção: 19 Junho 2019

Aprovação: 01 Abril 2020

DOI: https://doi.org/10.23925/2178-0080.2020v22i2.43623

Resumo: A identidade é um campo de conhecimento estratégico que agrega valor à carreira criativa de uma pessoa. A gestão da dinâmica identitária pode auxiliar na compreensão sobre o indivíduo e possibilitar o atingimento dos propósitos almejados. Este artigo tem o objetivo de fundamentar, descrever e discutir conhecimentos sobre a importância da identidade na gestão de carreiras criativas. Propõe-se que a dinâmica identitária na gestão de uma carreira envolve o relacionamento entre as dimensões da imagem, cultura e visão. A pesquisa empírica é de caráter qualitativo, de acordo com o método biográfico. Enfocou-se o setor criativo da música e a carreira de Amadeu Alves, considerando o impacto da cultura comunitária na sua carreira. Os resultados obtidos permitem conceber melhor o valor da identidade na gestão de carreiras criativas, considerando como a cultura comunitária influencia nas decisões de carreira. Os resultados contribuem para o entendimento das dinâmicas da economia criativa sob o ponto de vista das carreiras e dinâmicas de identidade.

Palavras-chave: Carreiras criativas, Carreiras artísticas, Identidade organizacional, Cultura, Cultura comunitária.

Abstract: Identity is a strategic field of knowledge that adds value to a person’s creative career. The management of identity dynamics can help in understanding the individual and enable the desired purposes of achievement. This article aims to base, describe, and discuss knowledge about the importance of identity to creative career management. We propose that the dynamics of identity in career management involves the relationship between the dimensions of image, culture, and vision. Empirical research is qualitative and follows the biographic method. We focus on the creative sector of music and the career of Amadeu Alves, considering the impact of community culture in his career. The results obtained allow us better to conceptualize the value of identity in creative careers management, considering how community culture influences on career decisions. The results contribute to understanding the dynamics of the creative economy from the careers and dynamics of identity.

Keywords: Creative Careers, Artistic Careers. Organizational Identity. Culture. Community Culture.

Introdução

Diversos aspectos determinam o desenvolvimento da vida profissional de um indivíduo e sua gestão. Entre eles, a identidade é um dos primordiais, pois relaciona-se a tudo que compõe a personalidade da pessoa. Compreender e administrar a identidade é imprescindível para o indivíduo, durante sua carreira, pois o mundo requer mudanças constantes, que impactam na forma de se apresentar das pessoas. Então, identidade é considerada como uma construção social e cultural, constituída de sistemas simbólicos e representações (Silva & Sant’Anna, 2015).

Nas carreiras criativas, como muitos indivíduos são reconhecidos como pessoas públicas, a necessidade de administrar a identidade se amplia, pois os profissionais tendem a se transformar em marcas, que se comunicam com o público, com a imprensa e com os pares do setor. Isso torna a gestão da identidade um processo mais sensível e estratégico para a gestão da carreira. Deve haver clareza e alinhamento entre a forma que o indivíduo quer ser visto pelo seu público e os objetivos almejados. Os criativos - em grande parte artistas ou profissionais das indústrias criativas - estão associados a organizações, a processos de organizar (organizing) (Czarniwaska, 2008; Duarte & Alcadipani, 2016), ou são o centro de uma organização. Com isso, pode se perceber que a identidade de carreira se relaciona diretamente com a identidade organizacional.

Este artigo tem por objetivo fundamentar, descrever e discutir conhecimentos sobre a função da identidade na gestão de carreiras criativas. Foi utilizado como teoria o modelo de dinâmica da identidade organizacional de Hatch e Schultz (2008), que se apoia no alinhamento entre as dimensões da imagem, cultura organizacional, e visão estratégica.

O método de pesquisa é qualitativo com enfoque na abordagem biográfica. Dentro dos setores criativos, elegeu-se o mundo criativo da música e a carreira do músico e gestor cultural baiano Amadeu Alves. Esse método possibilita a captura de informações sequenciais e longitudinais, compreendendo as sutilezas da identidade e da carreira como processos dinâmicos. As informações foram colhidas a partir de entrevistas semiestruturadas com o artista e pessoas relacionadas a ele, além de documentos (por exemplo, reportagens, entrevistas para mídia, estudos acadêmicos). Esses documentos foram classificados e analisados de acordo com a análise de narrativas (Kim, 2016; Maitlis, 2012).

A cultura comunitária emergiu durante a análise como chave conceitual para compreender a dinâmica da identidade que mobiliza a gestão da carreira criativa de Amadeu Alves. Assim, neste artigo, privilegiamos a relação entre cultura comunitária e a gestão de carreiras criativas a partir da identidade organizacional.

Gestão de Carreiras Criativas: Identidade e Cultura Comunitária

Gestão de Carreiras: Uma Visão Axiológica

A partir da análise quantitativa de publicações sobre carreiras, pode-se perceber a evolução ocorrida nos estudos deste campo, principalmente na última década. Esse crescimento no volume de pesquisas ocasionou no desenvolvimento de diversas abordagens diferentes. Uma análise mais profunda dessas temáticas, entretanto, permitiu a identificação de dois eixos de pesquisa. O primeiro é o descritivo, focado principalmente nas teorias, nos conceitos, nos elementos e nas características de carreira (Adamson, Doherty & Viney, 1998; Bendassoli & Wood Jr, 2010; Collin, 2007; Ibarra & Deshpande, 2007; Inkson, 2004; 2007). O segundo é o eixo axiológico, no qual os processos e as possibilidades da gestão de carreiras são verificados e expostos, com o objetivo de construir conhecimentos que auxiliem no planejamento e na ação em carreiras (Dias & Oswaldo, 2012; Freire, Santos, Santos, Castro & Soares, 2014).

Observou-se, no campo das carreiras, uma tendência à realização pesquisas, majoritariamente descritivas. Assim, identifica-se uma quantidade maior de estudos teóricos ou que analisam a aplicação das teorias, em contrapartida dos que sugerem caminhos às carreiras (Barley, 1989; Maudonet & Jr., 2015; Goldschmidt, 1990; Kidd, 1998). Por esse motivo, o caminho buscado neste artigo foi o axiológico, contribuindo com um estudo da identidade como parte imprescindível no processo de gestão de carreiras.

Identidade Organizacional como Identidade de Carreira

São variadas as abordagens nos estudos sobre identidade, discutidas tanto no contexto organizacional quanto fora dele, elaboradas por diversos autores (Hall, Zhu & Yan, 2002; Barley, 1989). Eles vão desde trabalhos sobre a compreensão do “eu” (Goldschmidt, 1990), passando pelo papel da identidade na construção e no desenvolvimento de uma carreira (Svejenova, 2005; Meijers, 1998) e das redes de relacionamento na construção da identidade (Ibarra & Deshpande, 2007). No contexto organizacional, o conceito de identidade organizacional indica o que uma organização é, diz e faz (Hatch & Schultz, 2008).

O objetivo deste artigo foi adaptar o modelo de identidade organizacional de Hatch e Schultz (2008) ao campo das carreiras. Uma organização se posiciona no mercado a partir de sua marca corporativa, através da qual ela se diferencia dos seus concorrentes e estabelece relacionamentos com seus clientes. Na dinâmica da carreira de uma pessoa, isso caracteriza-se pela maneira como ela se coloca, durante sua vida profissional, no mercado de trabalho. Durante sua carreira, um indivíduo sempre está inserido em processos organizacionais, por isso, ainda que pareçam individuais, as carreiras são organizacionais.

Três dimensões compõem a identidade organizacional: a imagem organizacional, a cultura organizacional e a visão estratégica (Hatch & Schultz, 2008; ver Figura 1). A imagem organizacional caracteriza-se pela forma do público externo de perceber a organização. A cultura organizacional representa a maneira com a qual o público interno enxerga a organização. Já a visão estratégica diz respeito a como a organização deseja que o mercado a perceba. O alinhamento entre essas três dimensões permite compreender como uma organização faz a gestão da sua marca organizacional ao longo do tempo.


Figura 1
Modelo de Identidade Organizacional
Fonte: Hatch e Schultz (2008, p.11)

As dimensões do modelo exposto podem ser compreendidas nos processos de gestão de carreiras, pelo entendimento da pessoa como parte de processos organizacionais múltiplos e contínuos. Seguindo esse raciocínio, a imagem representa a maneira que o profissional é percebido pelos outros indivíduos e organizações. A cultura representa a forma que esse indivíduo se enxerga, segundo seus valores e aspectos da sua personalidade. Já a visão, diz respeito aos objetivos de carreira desse profissional e à forma que ela almeja que os outros a vejam. A identidade organizacional é formada pela relação entre essas três dimensões durante a carreira.

É importante que haja um constante alinhamento e atualização entre as dimensões da identidade de carreira. Para que isso ocorra, é fundamental saber avaliar, antecipar e lidar com os desencontros entre elas. A primeira etapa é compreender quem é o indivíduo e como ele é percebido por aqueles com quem se relaciona. A compreensão dos seus desejos e habilidades possibilita o estabelecimento de objetivos e o planejamento dos caminhos a seguir. Deve-se ter a percepção da dinâmica da identidade, que resulta de negociações constantes com outros indivíduos e sujeita a diversas interferências externas.

Carreira, Identidade e Cultura Comunitária

A identidade cultural está relacionada à identificação e ao pertencimento a culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, regionais e/ou nacionais (Hall, 1999). Isso significa dizer que o conjunto de aspectos que caracterizam um grupo de pessoas específico é responsável por formar essa identidade cultural. Assim, uma comunidade de uma localidade específica que tenha, em função desse convívio territorial, hábitos e tradições próprias, estabelece-se com uma cultura comunitária identificada com esse espaço. Essa cultura, contudo, não é estanque, mas dinâmica, mutável ao longo do tempo e das gerações, podendo ser transformada por novos elementos que a ela se agregam ou se associam (Silva & Sant’Anna, 2015).

A cultura comunitária pode sofrer grandes alterações com o passar do tempo e das gerações, porém, mesmo com essas mutações, há um componente que é responsável por criar um fator de diferenciação entre uma comunidade e as demais: a memória (Silva & Sant’Anna, 2015). Isso ocorre pois há uma grande concentração de tradições e elementos históricos, pessoais ou coletivos, que não se perdem mesmo com a ação do elemento temporal. Essas identidades nacionais são consequência, ou parte, da construção de um sentimento de pertencimento em torno da comunidade (Hall, 2000). Uma identidade cultural bem definida está relacionada à distinção de princípios, valores e traços que a marcam, referente a si própria e a outros povos (Santos, 2004).

A cultura do ambiente de convívio social de um indivíduo tem influência direta na formação da sua identidade. É através dessa identidade que a pessoa compreende tanto a si mesmo quanto o seu papel na sociedade, sentindo-se parte de um grupo maior que compartilha as mesmas referências (Hall, 1999). A identidade envolve um conjunto de características próprias de uma pessoa que lhe dará uma sensação de pertencimento a uma determinada comunidade. Entretanto, ela não é um conceito fechado, mas um objetivo a ser constantemente desenvolvido pelo indivíduo dentro de uma sociedade (Bauman, 2005).

Esses valores, princípios e características individuais, formados a partir do convívio com a cultura comunitária, podem ser importantes, e até fundamentais na construção e direcionamento de carreira de uma pessoa. Eles podem indicar uma tendência, a partir da formação pessoal, à dedicação de um determinado tempo, ou todo ele, ao desenvolvimento da própria comunidade, ou da manutenção de tradições importantes para a memória daquele grupo de pessoas. Além disso, valores sociais muito identificados com a comunidade podem formar pessoas socialmente responsáveis no seu desenvolvimento de carreira, com valores considerados muito importantes por organizações.

Metodologia da Pesquisa

Carreiras, Cultura Comunitária e Gestão no Setor Criativo da Música

A pesquisa empírica foi ancorada no setor musical - setor significativo das indústrias criativas - seguindo a abordagem biográfica de pesquisa qualitativa. Num universo repleto de possibilidades de estudos em carreiras, escolhemos o setor criativo da música pela sua relevância socioeconômica (setor que move a economia criativo no Brasil) e acadêmica (pouco se estuda no campo da Administração e a gestão de carreiras torna-se um requisito indiscutível para os profissionais desse setor). Com efeito, as carreiras no meio musical mudaram significativamente nas últimas três décadas. Durante anos, a indústria fonográfica foi responsável por moldar culturas criativas, estabelecendo total domínio sobre a tecnologia utilizada e sobre os conteúdos produzidos e veiculados (Silva, Dib & Carvalho, 2016). Nesse contexto, os artistas eram, até certo ponto, reféns dos anseios lucrativos das grandes gravadoras, e possuíam pouco controle sobre a sua carreira. Isso se modificou radicalmente a partir do final da década de 1990, quando a difusão da Internet, a proliferação da música digital e dos serviços peer-to-peer forçaram o mercado musical a se adaptar e deram maior independência aos artistas na gestão das suas carreiras.

O declínio das vendas de discos, que ocorreu como consequência do desenvolvimento das plataformas de streaming, de venda de música digital e, também, da pirataria, causou uma crise sem precedentes nas grandes gravadoras, que dominavam o mercado musical (Witt, 2015). Somado a isso, o desenvolvimento de novos softwares de produção musical tornou financeiramente acessível a artistas independentes o processo de gravação e divulgação dos seus trabalhos e, em seguida, o planejamento e a autogestão das suas carreiras. Adaptados a essa nova lógica, esses criativos têm buscado ferramentas para otimizar o acesso e o relacionamento com o público, seus pares, imprensa, além de tentar atingir uma longevidade com esses trabalhos.

Durante toda a história da indústria fonográfica e musical, alguns artistas se mantiveram alheios aos grandes lucros financeiros e às movimentações desse mercado, privilegiando o desenvolvimento das comunidades em que se criaram e, muitas vezes, ainda vivem. Muitas vezes, ao invés de perseguir um sucesso econômico e em termos de mídia, se dedicam a evitar, por exemplo, que jovens sejam atraídos pelo mundo das drogas, ou que os costumes e valores dessa comunidade se percam com o passar do tempo. Assim, o reconhecimento que se obtém não é o da grande mídia ou dos grandes públicos, mas o de pessoas, muitas vezes humildes, que moram naquele local e que se beneficiam do trabalho realizado por aquele indivíduo.

É a partir desse entendimento que esse artigo busca compreender de que maneira a cultura comunitária contribui nas escolhas e na formação da identidade de um profissional do mercado musical, impactando no desenvolvimento da sua carreira criativa.

Abordagem Biográfica de Pesquisa

A abordagem biográfica de pesquisa qualitativa foi adotada, aplicando-se o método história de vida, que permite a captura de uma série de acontecimentos da vida do pesquisado (Colomby, Peres, Lopes & Costa, 2016; Merril & West, 2009; Rouleau, 2015). A história de vida visa a reconstrução, por meio de diálogo, da vida do indivíduo estudado (Colomby et al., 2016). Assim, ela é importante para os estudos sobre identidades e carreiras, pois seu desenvolvimento, muitas vezes, está relacionado com as vivências e aprendizados do pesquisado numa lógica de processo.

No desenho metodológico, aplicou-se o modelo de identidade organizacional estudado (Hatch & Schultz, 2008) no desenvolvimento de carreira de Amadeu Alves, analisando as dimensões da imagem, cultura e visão do músico. Em seguida, foi dado um enfoque à compreensão de como o contexto da cultura comunitária afeta a dimensão da cultura do artista.

A carreira de Amadeu Alves, embora bastante rica em experiências e informações, não possui muitas informações disponíveis na Internet. Por esse motivo, a fonte de dados primordial para essa pesquisa foi a realização de entrevistas semiestruturadas com o músico (duas entrevistas de 1,5 horas) e com pessoas que com ele se relaciona (duas entrevistas de 1 horas com lideranças do bairro). Além disso, foram fornecidos por ele os mais variados documentos sobre o seu trabalho, como entrevistas a veículos de imprensa, reportagens, releases e cartazes de eventos realizados por ele ou com a sua participação, entre outros. Classificou-se os documentos segundo o tipo de narrativa em reflexivos e auto reflexivos (ver Quadro 1). Os documentos de narrativa reflexiva representam informações e análises sobre Amadeu Alves partindo de outras pessoas. Neles, se enquadram entrevistas realizadas com outras pessoas e reportagens em veículos de imprensa focadas no artista. Nos documentos de narrativa auto reflexivas o próprio artista é o fornecedor da informação obtida, através de entrevistas com o pesquisador e com veículos de imprensa, por exemplo.

Quadro 1 -
Documentos Coletados e Analisados

Fonte: Elaboração própria

Dividiu-se a análise dos documentos e das entrevistas em quatro blocos, segundo as dimensões da identidade e o foco de principal da pesquisa. Dessa maneira, nos três primeiros blocos foram estudados os aspectos relacionados à imagem, cultura e visão do músico, durante sua carreira. O último bloco verificou como a cultura do artista foi impactada pela cultura comunitária em sua carreira. Para essa fase, um roteiro de análise formado por perguntas norteadoras para os blocos de cada uma das dimensões foi elaborado.

A Carreira Criativa de Amadeu Alves

Amadeu Alves, músico, produtor e gestor cultural baiano, caçula de quatro filhos, iniciou sua carreira ainda na adolescência se apresentando em eventos e casas de shows no bairro de Itapuã, na cidade de Salvador. Ainda na década de 1970, a sua relação com a música começa a ser formada, com a vivência nas rodas de samba e cantoria, pelo bairro, assistindo, começando a se interessar pela percussão. Nesse contexto, cria, juntamente com sua irmã e uma prima o grupo Espassom que, inicialmente, realizava dublagens dos Secos & Molhados. No início da década de 1980, se interessa pelo bandolim, que abriu as portas das rodas de samba para ele.

No início da década de 1980, funda o grupo Suporte, nome recebido por ser o nome da sua primeira composição, que iniciou as suas atividades com a realização de shows ainda na casa da família de Amadeu Alves. Com esse grupo, participou de concursos e fez apresentações em bares localizados no bairro de Itapuã. Foram anos de atividade nas festas de largo com eventos que o grupo se apresentou pela região, até o ano de 1987. Neste ano, Amadeu resolve fazer uma viagem para a Amazônia com o objetivo de encontrar uma tribo indígena para realizar trabalho de preservação da sua identidade cultural.

Após a viagem para a Amazônia e o nascimento dos seus dois filhos, no final da década de 1980, Amadeu Alves dá uma pausa na sua carreira musical para trabalhar no comércio de produtos orgânicos (frutas e verduras). Poucos anos depois, volta a trabalhar com música, fazendo apresentações pela cidade, conciliando com a rotina do comércio. Esse excesso de atividades, numa rotina extremamente cansativa, lhe rendeu uma tuberculose.

Em 1994, é lançada oficialmente a carreira musical de Amadeu Alves, como artista solo, tocando música instrumental. Nesse período, além de voltar a tocar com frequência em bares e praças da cidade de Salvador, começou a trabalhar com trilhas sonoras para espetáculos teatrais e para o circo Picolino. Nessa atividade, foi responsável pelas trilhas de espetáculos de sucesso no estado da Bahia, como O Corvo Avarento e O Voo da Asa Branca, tendo vencido o prêmio Isnar Azevedo de melhor trilha sonora. Além disso, iniciou um trabalho com a banda de forró Pé de Serra (nome alterado posteriormente para Pé de Serra Beira Mar), visando se inserir no mercado do São João.

O ano de 1997 marca o início do seu protagonismo no bairro de Itapuã, com a participação no Grita (Grupo de Revitalização de Itapuã). Nesse momento, Amadeu Alves passa de ser um morador do bairro, cuja cultura permeou toda a sua vida, a ser um ativista da cultura local nos âmbitos social, ambiental e cultural. A partir do trabalho realizado no Grita, em 2004, ajuda a fundar o grupo Ganhadeiras de Itapuã, um coral formado por mulheres do bairro que foi vencedor do Prêmio da Música Brasileira de 2015, nas categorias Melhor Álbum e Melhor Grupo. Esse trabalho foi permeado por uma pesquisa com os pescadores e lavadeiras de Itapuã, pessoas que tem relação com a tradição da comunidade.

Desde 2007, é gestor geral da Casa da Música, espaço cultural gerido pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. O espaço tem o objetivo de fomentar a produção cultural da comunidade e contribuir para a democratização do acesso à cultura. Além da gestão da Casa da Música e do trabalho com as Ganhadeiras de Itapuã, mantém, desde 2009, o projeto Rede Sonora, projeto com o qual faz apresentações em Praia do Forte, Mata de São João, Bahia, e em bares da cidade de Salvador.

Gestão de Carreiras Criativas e Dinâmica Identitária: A Experiência de Amadeu Alves

A Carreira Criativa de Amadeu Alves

A imagem organizacional representa a forma pela qual as pessoas de interesse (stakeholders) enxergam uma organização (Hatch & Schultz, 2008). Na carreira de um artista, a imagem está ligada à maneira com a qual o público e os veículos de comunicação percebem esse artista. Essa visão vem da forma de se posicionar do profissional, sua postura e sua maneira de falar. Assim, é importante sempre estar atento aos aspectos que influenciam essa compreensão, visando efetuar os devidos ajustes.

A percepção que a maior parte das pessoas que convivem com Amadeu Alves, como moradores do bairro de Itapuã, pessoas que trabalham com ele e outras que acompanham o seu trabalho, é a de que ele é uma pessoa bastante representativa para a comunidade. Com a excelência do seu trabalho musical, por diversas vezes vencedor de prêmios nacionais, ele tem se mostrado como um grande líder e ativista para a cultura local do bairro.

Excelência Musical. O apuro técnico e a qualidade dos trabalhos musicais desenvolvidos por Amadeu Alves são um dos traços marcantes percebidos por aqueles que o acompanham. Seja nos seus trabalhos como artista solo, de música instrumental, ou na direção musical de trabalhos como as Ganhadeiras de Itapuã, o reconhecimento do seu trabalho é facilmente percebido ao conversar com aquelas pessoas que trabalham com ele ou que o assistem. Confirmam essa percepção os prêmios recebidos por alguns desses trabalhos, como o Prêmio da Música Brasileira vencido pelas Ganhadeiras de Itapuã.

Líder. A liderança que Amadeu Alves exerce na cultura do bairro de Itapuã é outro dos aspectos que caracterizam a percepção que se tem sobre a carreira do artista. Gestor da Casa da Música de Itapuã desde o ano de 2007, ele tem liderado diversas ações para a manutenção da cultura de Itapuã e o desenvolvimento de novos artistas do bairro. Dentre elas, pode-se destacar a realização de saraus periódicos no espaço da Casa da Música, bem como a revitalização de eventos culturais intrínsecos ao bairro, como a festa de Reis, luaus na Lagoa do Abaeté.

Ativista. Muito ligado à questão da preservação cultural, social e ambiental, Amadeu Alves, tem liderado e participado, desde a segunda metade da década de 1990, de ações em prol desses temas. Desde trabalhos como o grupo Grita (Grupo de Revitalização de Itapuã), passando pelo Agenda 21 e chegando às Ganhadeiras de Itapuã, são muitos os trabalhos que buscam a preservação das memórias do bairro e das áreas ambientais locais. Assim, são levados adiante trabalhos para a revitalização do bairro, valorização das tradições locais, além de atividades de preservação ambiental de espaços como a Lagoa do Abaeté.

A Cultura do Artista

A cultura organizacional diz respeito à maneira de ser da organização (Hatch & Schultz, 2008). Para a realidade das carreiras artísticas, ela está relacionada com quem é o artista, e a sua forma de agir em relação aos diversos contextos da sociedade em que está inserido. Isso significa que a cultura de um profissional criativo tem muito a ver com a sua personalidade, a sua formação cultural e os valores que ele sustenta.

A carreira de Amadeu Alves foi influenciada por diversos acontecimentos ocorridos durante a sua vida. Desde muito jovem, a sua formação cultural sofreu impactos e reviravoltas que compuseram a personalidade e a maneira de enfrentar os desafios. Nesse contexto, a sua trajetória é permeada por uma herança cultural muito relacionada com a ancestralidade e com a influência do meio onde nasceu, cresceu e viveu, seja no aspecto da cultura popular ou da religiosidade.

Órfão. Caçula de quatro filhos, Amadeu Alves perdeu o pai aos seis anos e a mãe aos treze. Essa condição apresentou um grande desafio na vida do artista que, ainda muito jovem, necessitou superar duas grandes perdas. Para prosseguir e passar pelas tristezas a que esteve sujeito, ele encontrou na música um elemento fundamental de superação. Esses dois momentos foram responsáveis por dar início à sua experiência com os instrumentos musicais, e o estimularam a formar os primeiros grupos com os quais se apresentava na adolescência, inicialmente na sala de casa e, posteriormente, nos principais palcos do bairro de Itapuã e da cidade de Salvador.

Cavaleiro Solitário. Muito influenciado pelas rupturas sofridas na sua vida, como as perdas de pai e mãe, Amadeu Alves se descreve como um cavaleiro solitário, apesar de sempre andar com mais de um. Na sua vida social, ele criou alguns mecanismos de defesa como o isolamento em determinados aspectos em relação à sociedade. Por outro lado, se preocupou em não se acomodar, buscando criar alguns vínculos afetivos e produtivos de uma forma espontânea, tornando-se parte de cada ambiente e situação com a força de quem quer extrair o máximo para o seu desenvolvimento.

Religioso. No ano de 1987, durante sua incursão à Amazônia, Amadeu Alves se encontrou com a sua religiosidade através da União do Vegetal, religião de fundamentação cristã e reencarnacionista que tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento espiritual e o aprimoramento de suas qualidades intelectuais e virtudes morais. A experiência vivida nos rituais, mudaram a sua percepção e relação com a música, pois passou a ouvi-la num estado de concentração muito especial e de grande sensibilidade. Essa crença, segundo o artista, refletiu de maneira muito forte no que ele passou a produzir desde então. Além disso, ela o auxiliou a entender a vida, dando base para o relacionamento com o outro, com o ambiente externo, rompendo com aquilo que o fez criar máscaras e mecanismos de defesa.

Socialmente Responsável. A responsabilidade social na cultura de Amadeu Alves começa a ficar explícita a partir do momento em que demonstra a vontade e vai em busca de trabalhar pela preservação da identidade cultural de uma tribo indígena. Essa característica se consolida no momento em que começa a trabalhar efetivamente na revitalização do bairro em que viveu por toda a sua vida e pela preservação da cultura da comunidade. Esse ativismo fica explícito através da participação no Grita (Grupo de Revitalização de Itapuã), da gestão da Agenda 21 de Itapuã, bem como com a fundação do grupo musical das Ganhadeiras de Itapuã e do trabalho como gestor da Casa da Música.

A Visão do Artista

A visão estratégica refere-se à maneira que a organização deseja ser vista pelo seu público (Hatch & Schultz, 2008). Esse entendimento se mantém no contexto artístico, pois o artista é organização, encontra-se em processo de organização. Muito influenciado pelos aspectos formadores da sua dimensão da cultura, Amadeu Alves desenvolve a sua visão de carreira diretamente ligada aos aspectos sociais e culturais da comunidade. Dessa maneira, a sua busca profissional se conecta com a possibilidade de agregar à sua caminhada outras pessoas que compartilhem dos mesmos valores e ideais que ele ostenta, bem como do desenvolvimento cultural e artístico local, expandindo-o para outros territórios.

Agregador. Amadeu Alves demonstra uma intenção de ser um indivíduo agregador de pessoas ao seu redor, na construção de uma carreira sólida e responsável com a comunidade do bairro de Itapuã. O seu trabalho na gestão da Casa da Música, fornece espaço para diversas atividades culturais, como aulas de música, apresentações de artistas em pequenos shows ou em saraus. Além disso, ele mantém contato com pessoas tradicionais da comunidade local, visando manter tradições culturais do bairro, bem como receber novas ideias de atividades que podem ser realizadas com as pessoas.

Conectado com a Origem. Amadeu Alves busca se reconectar com a sua origem, em prol do desenvolvimento da sua carreira. Dessa maneira, ele procura restaurar tudo o que conseguiu resgatar de algum prestígio ou experiência acumulada ao longo da sua vida, e administrar de uma forma que possa encontrar essa conexão. A partir daí, ele estabeleceu como objetivo conectar essa origem aos seus novos anseios profissionais na carreira musical, adequando a sua atividade como gestor cultural local da comunidade à prática musical que exerce.

Diversificado. Movido por uma formação musical bastante eclética, desenvolvida ao longo de mais de trinta anos de carreira, e por estudos recentes sobre a história da música brasileira, Amadeu Alves pretende desenvolver um trabalho que fale dessa rica história. Com isso, será possível resgatar o passado da cultura musical do país, adaptando-a ao contexto atual e do entretenimento, demonstrando toda a diversidade do criador, do compositor e do intérprete do Brasil.

A Identidade Comunitária e seus Impactos na Cultura do Artista

A carreira musical de Amadeu Alves começou muito cedo, em meio às rodas de samba e cantoria quando, ainda criança, assistia e arriscava os primeiros passos tocando percussão. Após a sua identificação e aprendizado ao bandolim, essa vivência tornou-se mais efetiva e a vontade de fazer parte desse contexto se desenhou de maneira mais clara. O resultado imediato disso foi a profissionalização no meio musical de Salvador, e a apresentação em diversos bares e espaços da cidade, especialmente os do bairro de Itapuã, além das suas tradicionais festas de rua.

Após muitos anos de atuação no meio artístico baiano, incluindo espetáculos teatrais e de circo, Amadeu Alves volta o seu trabalho para o bairro de Itapuã, onde nasceu e viveu por toda a sua vida. Esse trabalho tem início com a sua participação no Grita (Grupo de Revitalização de Itapuã), que, no ano de 1997, buscava realizar atividades que valorizassem a memória cultural do bairro, além da preservação do seu meio ambiente. Nesse trabalho, muitos idosos e idosas da comunidade foram entrevistados e filmados, ao contar as suas histórias de vida, visando o registro para a posteridade. Foram realizadas mesas redondas onde os moradores locais poderiam dar sugestões e sinalizar caminhos que poderiam ser seguidos pelo grupo na preservação dos valores culturais, sociais e ambientais da comunidade.

A liderança desse movimento de valorização da memória de Itapuã fez de Amadeu Alves um ativista da cultura local, nos âmbitos social, ambiental e cultural. A partir das pesquisas realizadas por ele e pelo grupo junto a pescadores e lavadeiras do bairro, foi idealizado um projeto que valorizasse a tradição da comunidade através da música. Foram reunidas mulheres do bairro, especialmente as mais idosas, para integrar um coral de lavadeiras cantadoras de samba de roda, num grupo que foi batizado como As Ganhadeiras de Itapuã. Nesse grupo, Amadeu Alves exerce a função de idealizador e diretor musical, além de tocar violão.

As Ganhadeiras de Itapuã são uma das maiores provas e, ao mesmo tempo, resultado do papel da cultura de Itapuã na carreira de Amadeu Alves, pois, a partir desse trabalho, o seu reconhecimento profissional alcançou um local nunca antes atingido por ele. O grupo ganhou apoios e parcerias de outros grandes artistas baianos, como as cantoras Mariene de Castro, Margareth Menezes, e ganhou diversos prêmios, como o Prêmio da Música Brasileira de 2015, nas categorias de Melhor Álbum e Melhor Grupo. O ápice desse trabalho ocorreu no ano de 2016, quando as Ganhadeiras de Itapuã participaram com destaque da abertura dos Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro, com transmissão para todo o mundo e assistido por milhões de pessoas.

Em 2007, Amadeu Alves dá mais um passo na sua carreira, tornando-se gestor geral da Casa da Música, espaço cultural que é gerido pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Esse espaço, que tem o objetivo de fomentar a produção cultural da comunidade de Itapuã, e contribuir para a democratização do acesso à cultura, realiza diversas atividades com as pessoas do bairro, como apresentações, saraus e revitalizando eventos outrora tradicionais no bairro, como a festa de Reis.

Gestão da Carreira e Dinâmica da Identidade Organizacional

Muitos aspectos se relacionam com o processo de gestão da carreira. Deles, a identidade é primordial, pois o autoconhecimento é a energia vital da carreira. A identidade representa a noção que uma pessoa tem sobre ela mesma, seus valores e como quer ser percebida por aqueles com quem ela se relaciona. Esse entendimento está conectado com a formação pessoal, com o entendimento da organização que se representa e o relacionamento do indivíduo com a sociedade. Na gestão de uma carreira, o autoconhecimento auxilia na definição dos objetivos que se deseja alcançar.

A dinâmica da identidade organizacional trata de três dimensões distintas mas complementares a serem alinhadas em busca de um resultado comum: a imagem organizacional, a visão organizacional e a visão estratégica (Hatch & Schultz, 2008). Na gestão de carreiras, elas se adaptam à lógica de um indivíduo. Nessa lógica, a imagem representa a forma que as outras pessoas veem esse indivíduo. A cultura representa os valores pessoais e sociais do profissional, como ele se percebe. A visão, determina os rumos de carreira, como ela quer ser vista. A figura 1 apresenta a gestão de carreiras entendida como gestão da identidade organizacional.


Figura 2
Modelo de Identidade de Carreira
Fonte: Adaptado de Hatch, e Schultz (2008, p.11)

A definição de uma identidade nítida depende do efetivo alinhamento entre as suas três dimensões. Esse alinhamento possibilita que as informações sobre um indivíduo sejam comunicadas e compreendidas com facilidade, resultando no alcance dos objetivos estabelecidos pelo criativo. Entretanto, deve-se avaliar com frequência esse alinhamento, pois fatores externos podem atrapalhar seu ajuste, impactando negativamente na identidade. Além disso, a gestão da carreira deve considerar os fatores tempo e mudanças sócio-tecnológicas, tornando permanente a gestão da dinâmica entre as dimensões da cultura, visão e imagem.

Artistas podem ser percebidos como organizações ou como produtos pelo público. Isso implica em mais cuidado para que uma incorreta comunicação da imagem não comprometa a identidade percebida. Assim, pode-se visualizar a gestão da identidade como um ciclo que se inicia na cultura do artista, seus valores e princípios, seguindo para a definição da sua visão, que representa como ele quer ser visto pelo público e as estratégias para a comunicação desse posicionamento. Como consequência dessas estratégias, a imagem é percebida pelas pessoas de interesse, concluindo o ciclo da identidade de carreira.

Cultura. Compreender os aspectos formadores da cultura do profissional da área criativa é imprescindível para a adequada gestão da identidade. Os valores individuais, sociais e artísticos são o ponto inicial para a identificação daquilo que forma uma pessoa, como ela se percebe e se posta diante do seu mercado de atuação e da sociedade. Assim dá-se início à formação da identidade, pois situa o indivíduo diante do público e facilita a definição das estratégias de conquista desse público.

Visão. A partir do entendimento sobre a cultura, é possível definir como o indivíduo quer ser visto e, assim, como comunicar a sua imagem. Essa é uma dimensão muito importante, pois suas informações auxiliam na definição de estratégias para gestão da identidade focadas na imagem do profissional. A conexão com as dimensões da cultura e da imagem é um fator sensível para que a gestão da visão alcance resultados positivos.

Imagem. Um profissional das indústrias criativas deve trabalhar a sua imagem com muita cautela. Atualmente, qualquer equívoco de compreensão da identidade do artista por parte do público pode ser responsável por grandes problemas na sua reputação. Por esse motivo, alinhar corretamente os valores pessoais e sociais, com a maneira que deseja ser percebido é imprescindível para o estabelecimento de uma estratégia de comunicação que informe corretamente a imagem do profissional que deve ser formada pelas pessoas que se relacionam com ele.

A utilização de conceitos relacionados com a carreira de um indivíduo, para descrever as dimensões da identidade - sempre interligadas entre si, ajudam na compreensão e estabelecimento das estratégias de sua gestão na carreira. A partir daí, podem ser definidos os caminhos de comunicação dessa identidade, planejando a sua gestão visando alcançar os objetivos delimitados. Por fim, a identidade de carreira deve ser gerida constantemente, com o objetivo de manter o alinhamento entre as dimensões, pois suas características podem se alterar com o tempo.

Discussão

Pensar e atuar sobre uma identidade organizacional coerente é um dos fatores mais preponderantes para o sucesso organizacional. Ela auxilia na compreensão das pessoas sobre o que uma organização representa. Uma identidade estabelecida facilita o desenvolvimento de diversos aspectos da gestão organizacional, uma vez que seus integrantes compreendem como ela é e como quer ser vista pelos seus clientes. Dessa maneira, os comportamentos esperados e objetivos definidos poderão ser comunicados e geridos adequadamente.

Pode-se adaptar e utilizar o modelo de identidade organizacional, também, na gestão de carreiras e, por consequência, na gestão de carreiras criativas e artísticas. Através desse entendimento, a identidade da organização é adaptada e compreendida como a identidade profissional do indivíduo. Dessa maneira, as dimensões elaboradas pelo modelo são aplicadas à gestão da sua carreira. A imagem se relaciona com a forma de enxergar o profissional, segundo os seus pares e as organizações. A cultura representa a sua formação social, a sua personalidade. A visão é a maneira como o indivíduo que ser visto por aqueles com quem se relaciona na carreira.

Todas as dimensões são importantes na formação da identidade que, após definida, pode servir como base para todo o processo de gestão da carreira artística. Pensar sua identidade auxilia no estabelecimento de objetivos e dos passos para alcançá-lo, cultivar sua rede de relacionamento e comunicar corretamente a sua personalidade para o seu público e pares.

A dimensão da cultura possui uma importância primordial na compreensão da identidade de uma carreira criativa. Ela está relacionada a tudo o que forma o profissional, como indivíduo e suas relações com a sociedade, sendo o guia inicial de todo o processo de gestão dessa identidade. O indivíduo leva na sua bagagem cultural muitas informações que lhe foram passadas ao longo da sua vida, e essas informações, se combinam às suas características inatas, formando aquela pessoa que tem princípios, valores, e uma personalidade específica que vão ditar a maneira como ele se apresenta e se relaciona com outras pessoas do setor, o seu público e outras organizações. Nesse processo de formação do indivíduo, muitos traços da sua personalidade estão vinculados ao espaço geográfico, à comunidade, onde ele foi criado. Seja uma rua, um bairro, uma cidade ou um país, cada lugar tem as suas características e tradições que, invariavelmente, influenciam nos valores que são formados e cada indivíduo leva consigo para a sua vida.

No setor da música, a cultura comunitária pode influenciar de duas maneiras as carreiras. Em alguns casos, a verdadeira preocupação que influencia o profissional está no desenvolvimento da sua comunidade. Nesses casos, a preservação da cultura, das tradições e dos costumes desse território torna-se a prioridade do criativo, que pode atuar tanto como músico quanto como gestor. Em outras situações, o indivíduo utiliza as questões comunitárias para conferir valor artístico ao seu trabalho criativo. Assim, conteúdos musicais tradicionais da música local são utilizados na composição ou nas influências sonoras desses trabalhos. Uma combinação dessas duas formas de atuação também é viável e, inclusive, comum.

Compreender o papel da dimensão da cultura na formação da identidade de carreira de um criativo pode ser de grande importância no processo de gestão da respectiva carreira como um todo. A função estratégica dessa dimensão no modelo e da identidade como um todo contribui efetivamente para a identificação do público-alvo e a definição de diretrizes estratégicas para a trajetória profissional do indivíduo. Contudo, essa dimensão não deve ser tratada isoladamente, pois se trata de parte de um modelo maior, que inclui as dimensões da imagem e da visão.

Conclusão

O objetivo deste artigo foi fundamentar, descrever e discutir conhecimentos sobre a importância da identidade na gestão de carreiras criativas, a partir da adaptação do modelo de identidade organizacional de Hatch e Schultz (2008). Partindo da análise e discussão das dimensões desse modelo (imagem, cultura e visão), foi escolhido o estudo do impacto da cultura comunitária na dimensão da cultura do profissional criativo. Inicialmente, identificou-se as principais lacunas dos estudos sobre carreiras, a partir da divisão das pesquisas existentes de acordo com as perspectivas descritiva (de descrição da carreira) e axiológica (de gestão da carreira). Essa divisão verificou uma lacuna de estudos com enfoque axiológicos. Assim, estabeleceu-se como objetivo do trabalho a adaptação de um modelo de identidade organizacional para a gestão da identidade de carreiras criativas, relacionando-o com o campo da cultura comunitária.

A abordagem biográfica foi utilizada para a análise da gestão de carreiras criativas no setor musical. Foi selecionada a carreira de Amadeu Alves, músico e gestor cultural baiano, criado e com trabalho muito conectado com a cultura do bairro de Itapuã, em Salvador. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o artista e pessoas a ele relacionadas, além da análise de documentos como entrevistas e reportagens sobre ele e que tratassem do tema e objetivos estabelecidos.

A carreira de Amadeu Alves foi estudada segundo o modelo de identidade organizacional de Hatch e Schultz (2008), no qual foram analisadas as suas três dimensões, com ênfase na da cultura e sua relação com a cultura comunitária do bairro de Itapuã, durante sua carreira. A análise da imagem foi feita de acordo com a forma com que as pessoas percebem Amadeu Alves e, para isso, foram definidos conceitos que o descrevem: excelência musical, líder, ativista. O mesmo foi feito para a dimensão da cultura, descrevendo a maneira como ele se apresenta: órfão, cavaleiro solitário, religioso e socialmente responsável. Em seguida, analisou-se a sua visão: agregador, conectado com a origem, diversificado. Por fim, analisou-se a sua cultura de carreira relacionada com a cultura comunitária do bairro de Itapuã.

A identidade organizacional pode ser um aspecto importante na gestão da carreira de uma pessoa. A adaptação desse modelo pode permitir uma melhor compreensão da relação entre sua personalidade, sua formação e a forma que outros a percebem. Entender isso pode facilitar a compreensão da forma como um indivíduo deseja ser visto, ajustando sua conduta quando necessário, para que a sua cultura continue sendo representada e para que uma visão correta seja estabelecida.

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