Artigo

A Fase Embrionária do Campo de Públicas: o Processo de Expansão e Diversificação do Ensino de Graduação de Administração Pública no Brasil Entre 1995 e 20061

The Embryonic Phase of the Public Field: the Process of Expansion and Diversification of Public Administration Undergraduate Education in Brazil Between 1995 and 2006

Fernando de Souza Coelho
Universidade de São Paulo, Brazil

A Fase Embrionária do Campo de Públicas: o Processo de Expansão e Diversificação do Ensino de Graduação de Administração Pública no Brasil Entre 1995 e 20061

Revista Administração em Diálogo, vol. 21, núm. 2, pp. 240-267, 2019

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Recepção: 15 Janeiro 2019

Aprovação: 25 Fevereiro 2019

Resumo: Este artigo é per se uma radiografia do ensino de graduação de Administração Pública no Brasil que evidencia um macroambiente favorável para o ressurgimento dessa formação acadêmica e contextualiza sua oferta no País entre 1995 e 2006. Resultado de uma investigação de natureza exploratória que se utilizou da compilação de dados secundários do Inep/MEC e do levantamento de informações primárias de alguns cursos, o trabalho descreve e analisa a expansão e a diversificação de tal ensino em território nacional, sugerindo a existência de um ciclo ou fase embrionária que antecedeu a institucionalização do chamado campo de públicas.

Palavras-chave: Administração Pública, Ensino, História, Cursos de Graduação.

Abstract: This article is a descriptive analysis on the provision of public administration undergraduate education in Brazil that shows a favorable context for the resurgence of this degree of academic training and tipyfies its features between 1995 and 2006. As a result of an exploratory research that used the compilation of secundary data from Inep/MEC and a collection of primary information from some undergraduate courses, the paper describes and analyzes the expansion and diversification of such academic degree in the Brazilian territory. The work suggests the existence of a cycle or embryonic phase that preceded the institutionalization of the so-called campo de públicas this country.

Keywords: Public Administration, Teaching, History, Undergraduate Courses.

Preâmbulo

O termo “campo de públicas” surgiu no ato de uma audiência pública no Conselho Nacional de Educação (CNE) em abril de 2010 para se discutir, pela primeira vez, a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação de Administração Pública e conexos - tais como os bacharelados em gestão pública, políticas públicas, gestão de políticas públicas e gestão social. Na ocasião, os 14 representantes (coordenadores e docentes) de cursos presentes aprovaram tal expressão, sugerida pelo professor Valdemir Pires (FCL-Unesp), como uma identidade para integrá-los e mobilizar os professores, alunos e egressos em torno da aprovação das DCNs. (Pires et al., 2014).

Diante dessa iniciativa, o CNE, após diversas contendas entre o movimento campo de públicas e o Sistema CFA (e a Angrad) entre 2010 e 2013, publicou em 2014 as DCNs para os cursos de graduação em Administração Pública e correlatos no País, reconhecendo a identidade desse campo do saber no que se refere à formação acadêmica. Pela resolução nº. 1 (art. 1º.), de 13 de janeiro de 2014 do CNE, foram instituídas as DCNs do curso de graduação de AP “(...) que compreendem o campo multidisciplinar de investigação e atuação profissional voltado ao Estado, ao Governo, à Administração Pública e Políticas Públicas, à Gestão Pública, à Gestão Social e à Gestão de Políticas Públicas”.

Decorridos cinco anos da publicação das DCNs de Administração Pública, esse artigo objetiva resgatar os antecedentes do campo de públicas no Brasil - em institucionalização desde 2007 -, descrevendo e analisando o processo de expansão e diversificação do ensino de graduação de Administração Pública no País entre 1995 e 2006. O texto, a seguir, é uma versão modificada do trabalho Uma Radiografia do Ensino de Graduação em Administração Pública no Brasil (1995-2006), apresentado no EnANPAD 2008 e ganhador, no evento, do prêmio de melhor artigo da Divisão Acadêmica de Ensino e Pesquisa em Administração (EPQ). O trabalho, desde então, não foi publicado em periódico e, agora, uma vez adaptado, é per se um documento que joga luz na fase embrionária do campo de públicas - demarcando um ciclo do ensino superior de Administração Pública brasileiro no limiar do século XXI.

Introdução

O ensino de administração pública no Brasil não é produto do acaso, mas - historicamente - um produto das conjunturas do Estado nacional. (Fischer, 1984)

Os projetos [e movimentos] de reforma administrativa, cíclicos [1938, 1967 e 1995] no país, impulsionaram os ideais/processos de formação de administradores públicos. (Mezzomo Keinert, 1996)

Os anos noventa têm sido os da reforma do Estado no Brasil, particularmente da reforma da administração pública. (Bresser Pereira, & Spink, 1998)

As informações do PNAGE [Programa Nacional de Apoio à Modernização da Gestão dos Estados e do Distrito Federal] revelam a falta de um quadro capacitado o suficiente para suas funções, ausência de pessoal em diversas áreas (...). Tal situação é um empecilho para a implementação das políticas públicas e até mesmo para a realização de reformas administrativas, pois o elemento humano é essencial para transformar a gestão pública. (Abrucio, 2005)

Essas citações, excertos de constatações/conclusões de trabalhos acadêmicos, se inter-relacionadas, fundamentam - dedutivamente - a ideia de que o ensino de graduação em Administração Pública nacional se (re)valoriza no decorrer da década de 1990; ora, se tal ensino resulta da conjuntura do Estado e estimula-se com os projetos de reforma administrativa, era verossímil, diante da reforma do aparelho do Estado brasileiro, além do crescimento do setor público não-estatal, que a formação acadêmica em administração pública fosse, gradativamente, se (re)idealizando nas instituições de educação superior (IES) entre 1995 e meados dos anos 2000.

Essa revalorização - ou, no mínimo, (re)animação - do ensino de graduação em Administração Pública no Brasil, entre o final dos anos 1990 e a primeira década de 2000, inaugurou um quarto ciclo para tal formação acadêmica no País - segundo Coelho (2006)3 -, perfazendo uma fase embrionária do campo de públicas no período entre 1995 e 2006. Neste artigo, em três seções, examinaremos as circunstâncias em que esse ensino se expandiu e contextualizaremos sua oferta nesse período de virada do século XX para o século XXI.

No tocante à organização do texto, a primeira e segunda seções, sequencialmente, apresentam o ambiente no qual a reforma do Estado brasileiro, sobretudo da administração pública, conformou um pró-ciclo para o ensino de graduação em Administração Pública (AP) no Brasil em tal período. Na sequência, a terceira seção elucida a oferta desse ensino no País entre 1995 e 2006, interpretando-a. Por último, a quarta seção tece as considerações finais. No que se refere à metodologia de pesquisa, o trabalho se utiliza: (i) da compilação/análise de dados secundários coletados no banco de dados do Inep e em sites (e projetos pedagógicos) dos cursos de graduação em AP; e (ii) do levantamento de informações primárias de alguns desses cursos, obtidas pela realização de entrevistas semiestruturadas ou pela aplicação de questionários com coordenadores de curso e docentes.

O Macroambiente Favorável ao Ensino de Graduação de AP na Virada do Século XX

Desde o limiar dos anos 1980, com a crise da dívida (e da intervenção estatal) e o processo de redemocratização no País, passando pela Constituição de 1988, e, principalmente, a partir dos anos 1990 com a agenda de reforma do Estado, a administração pública brasileira encetou transformações. Na dimensão econômico-financeira, o ajuste/equilíbrio fiscal, a desregulamentação, a privatização e as parcerias público-privadas ampliaram o papel do Estado de provedor para o trinômio provedor-regulador-catalisador.

Na dimensão institucional-administrativa, as inovações gerenciais, a descentralização de políticas/recursos, o foco no cidadão-usuário e a profissionalização da burocracia tornaram-se intenções e/ou ações que, gradativamente, impactaram a gestão pública, desfocalizando-a dos processos e orientando-a para resultados. E na dimensão sociopolítica, a transparência, a accountability, a intersetorialidade e a participação são os mecanismos que entraram na agenda governamental para rearranjar as relações entre Estado e sociedade, ampliando a governança pública (e o controle social) em detrimento da centralização (e do insulamento burocrático) governamental de outrora4.

Nesse contexto em que o papel do Estado, o modelo de gestão pública e a relação Estado-sociedade se redefiniam no Brasil - nos três níveis de governo -, a democratização e o gerencialismo foram, respectivamente, os vetores político e técnico que se imbricaram na reforma da administração pública no País, como se constata na literatura:

No modelo em construção [no Brasil] pode-se perceber duas vertentes de onde emerge esta nova forma de organizar o setor público: uma vertente gerencial - identificada com as modernas técnicas de gestão, centrada no aumento da eficiência e da eficácia, e outra [política], focada na participação cidadã e no controle social - voltada para a realização de experiências inovadoras e pela busca, principalmente, da efetividade. Estas duas vertentes além de serem não-excludentes aparecem conjuntamente nas experiências que procuram se contrapor ao modelo burocrático, embora, normalmente, uma delas é enfatizada. Iniciativas provenientes das comunidades normalmente têm conteúdo político mais explícito e, por razões óbvias, aquelas que partem do Estado acentuam o caráter técnico. Alguns traços comuns garantem seu entrelaçamento - a descentralização, a defesa da res pública, a responsabilização social (...). (Mezzomo Keinert, 1998, p. 111)

O processo de mudança pelo qual passa a gestão pública brasileira a partir da década de 1980 é influenciada por um conjunto de fatores de pressão, que podem ser divididos em duas agendas - a democrática e a neoliberal [gerencial] - exigindo dos governos, ao mesmo tempo, mais democracia e mais eficiência. Por um lado, a agenda democrática reivindica novos direitos sociais e políticos, equidade nos resultados das políticas públicas e democratização dos processos decisórios, pela divisão de poder do governo federal com estados e municípios e por meio da construção de canais de participação da sociedade civil. A agenda neoliberal [gerencial], por outro lado, ganhou força em função da crise financeira (...). Pregava a redução do tamanho do Estado e cobra mais eficiência, eficácia e qualidade na prestação dos serviços públicos. (Schommer, 2003, p. 105)

Nas últimas duas décadas, os brasileiros estiveram engajados no processo de redemocratização do país, buscando reformar o Estado e construir um modelo de gestão pública capaz de torná-lo mais aberto às necessidades dos cidadãos brasileiros, mais voltado para o interesse público e mais eficiente na coordenação da economia e dos serviços públicos. Ao analisar esse contexto histórico, identificamos dois projetos políticos em disputa: um de vertente gerencial e outro de vertente societal. (...). A vertente gerencial, que está relacionada com o projeto político do ajuste estrutural e do gerencialismo, baseia-se nas recomendações dessas correntes para reorganizar o aparelho do Estado e reestruturar a sua gestão, focalizando as questões administrativas. A vertente societal, por sua vez, enfatiza a participação social e procura estruturar um projeto político que repense o modelo de desenvolvimento local e reforce a democracia substantiva. (Paes de Paula, 2005, p. 37 e 41)

Ainda que essas transformações ocorressem desde os anos 1980, é no pós-1995 que a gestão econômica-fiscal, a modernização institucional-administrativa e a governança sociopolítica entram, definitivamente, na agenda do setor público-estatal no País, intensificando suas adoções/práticas na União, nos estados e nos municípios.

Na União, concomitante à estabilização monetária e ao (re)ordenamento fiscal no esteio do Plano Real, o marco foi o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), em 1995, o qual avolumou os debates em torno da reforma do Estado no País e norteou os projetos de reforma administrativa nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). As principais discussões/ações, a partir deste documento, orientaram-se para a revisão do arcabouço legal (Emenda Constitucional nº. 19), para a proposição de uma nova arquitetura organizacional (agências executivas, agências reguladoras e organizações sociais), para a adoção de instrumentos gerenciais (contratos de gestão, programas de inovação e governo eletrônico) e para a revitalização da política de recursos humanos (retomada dos concursos públicos, fortalecimento de carreiras estratégicas, revisão da política de remuneração e intensificação das iniciativas de capacitação de funcionários). E essa agenda se manteve no primeiro mandato do governo Lula (2003-2006), acompanhada, adicionalmente, do incremento das funções distributivas da União em políticas públicas como o programa Bolsa Família.

Em linhas gerais, essa agenda de reforma da administração pública no ente federal, sob a égide do paradigma da New Public Management, introduziu as ideias/valores da administração pública gerencial no País, a qual, gradualmente, permeou a prestação de alguns serviços públicos (e a provisão de algumas políticas públicas), inclusive nos governos subnacionais. Para Abrucio (2005),

(...) a descentralização e a redemocratização no país, iniciadas na década de 1980, aumentaram a importância dos governos subnacionais [estados e municípios]. (...). Com esta profunda modificação, que ganhou contorno mais preciso com a Constituição de 1988, a modernização administrativa dos governos subnacionais tornou-se - ou deveria ter se tornado - agenda prioritária no país. (p. 405)

Nos estados, o desequilíbrio das contas públicas dos anos 1980-90 motivou, além do ajuste estrutural, alterações na gestão pública visando à economia de recursos e um upgrade de eficiência, desde a área de compras públicas (com o uso pregão eletrônico), até a área de apoio/suporte administrativo - com a gestão por processos e desburocratização. Também, imbuídas pela dimensão gerencial e pela perspectiva democrática, as administrações públicas estaduais foram, incrementalmente, aprimorando a infraestrutura e as tecnologias de gerenciamento interpenetrando poder público e organizações da sociedade civil na provisão de serviços públicos. Assim, ao sentido de eficiência econômica (e da função de estabilização) das reformas de primeira geração agregaram-se as orientações de eficácia administrativa (e do Estado rede) - melhoria da qualidade dos serviços públicos e pluralismo institucional que caracterizaram as reformas de segunda geração. (Vilhena, Martins, & Marini, 2006).

No âmbito municipal, por seu turno, o incremento do leque de competências deste nível de governo se fazia acompanhar também pela emergência de inovações no nível das instituições e das práticas governamentais. Para Farah (2005), as mudanças na esfera local não se originaram de uma única fonte:

(...) ora nascem no próprio município, diante dos novos desafios [novos papéis, novas funções, novos processos políticos e novos ditames administrativos]; ora chegam ao município por iniciativa de níveis mais abrangentes de governo, sob forma de programas federais [e estaduais] ou de regras para acesso a financiamento em determinadas áreas; ora são introduzidas pelas agendas de partidos políticos, movimentos sociais (...) e, por vezes, resultam da ação conjunta de diversos atores governamentais e não-governamentais. (Farah, 2005, p. 73)

Ainda que o estímulo maior e mais duradouro no sentido de modernizar a administração pública brasileira sempre coube, historicamente, ao governo central, a inflexão da Constituição de 1988, em direção a um federalismo mais descentralizado, num ambiente de restrição orçamentária (intensificada pelos constrangimentos da Lei de Responsabilidade Fiscal), competição político-eleitoral e agenda democrática, colocou aos governos subnacionais o imperativo de construção de uma nova gestão pública. Grosso modo, um esforço equivalente ao ocorrido a partir da década de 1930 na União para a edificação de um Estado administrativo (e, posteriormente, desenvolvimentista) entrou em marcha nos entes estadual e municipal desde meados dos anos 1990.

Afora esse prelúdio de mudanças - ou, pelo menos, macrotendências - no setor público-estatal brasileiro, a administração pública nacional se transfigurou, também, com o crescimento do setor público não-estatal nas políticas públicas e o aumento da interface entre a iniciativa privada e a gestão pública, ampliando seu locus, antes circunscrito ao aparelho estatal, para um continuum entre Estado, terceiro setor e mercado, interconectado pelo ideário de redes intersetoriais.

O terceiro setor (atualmente, organizações da sociedade civil) caracterizava-se, na ocasião, por instituições (ONGs, OSs, Oscips, fundações, etc.) que se mobilizavam em torno da defesa, produção e/ou distribuição de serviços públicos e direitos sociais. Em crescimento no País desde 1990 e acumulando expertises em nossas questões públicas, essas organizações passavam a empreender múltiplos projetos sociais e atuariam como interlocutoras e/ou parceiras das políticas governamentais. Igualmente, o mercado, cada vez mais, se aproximava de espaços públicos que, tradicionalmente, competiam ao Estado:

Comparativamente, assim como o Estado brasileiro pós-1950 requeria - nas palavras de Benedicto Silva (1952) - “a formação sistemática de certos tipos de competências administrativas para o serviço público” para o binômio racionalização-desenvolvimentismo, essas transformações na administração pública nacional, iniciadas na década de 1980 e intensificadas no pós-1995, requeriam tal formação para uma gestão pública plural e heterogênea marcada tanto pela afluência da reforma do aparelho do Estado (e pela ascensão do paradigma da new public management) nos três níveis de governo quanto pelo crescimento do setor público não-estatal.

Em suma, é esse pró-ciclo público no Brasil - estatal e não-estatal - que moldaria um macroambiente favorável para o ensino de administração pública, seja no nível de formação acadêmica, seja no nível de capacitação. Os ditames da Constituição Federal de 1988 e o início da configuração de uma nova gestão pública no País requeria um perfil novo de administrador público5, desde as posições estratégicas da alta burocracia até os cargos técnicos da baixa gerência.

A Expansão dos Cursos de Graduação em Administração Pública no Brasil no Pós-1995

Em 1995 o cadastro do Ministério da Educação (MEC) registrava 13 cursos de graduação em Administração Pública no Brasil. Legalmente, de acordo com a Resolução nº. 2/1993 do Conselho Federal de Educação, esses bacharelados eram cursos de graduação em Administração com habilitação em AP, com destaque para os da Eaesp/FGV, FCLAr/Unesp e EG/FJP-MG.

Após um decênio estas três IES mantiveram-se como a tríade desse ensino, mas perante 52 bacharelados e 26 graduações tecnológicas - somando 78 cursos de graduação. Ainda, se adicionarmos os 15 cursos sequenciais desse campo do saber, totalizam-se 93 cursos superiores de administração pública em 2006, conforme o banco de dados do Instituto Nacional de Estudos Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Decerto, essa expansão dos cursos de graduação em Administração Pública no País no pós-1995 foi propiciada pelo macroambiente favorável à gestão pública, a qual se revigorou como práxis (campo de prática profissional) e como objeto de estudo (campo de especulação teórica) no bojo das transformações do Estado brasileiro6. Após a crise do Estado e a transição do paradigma da administração pública enfraquecerem esse ensino superior nos anos 1980, a agenda de reforma do Estado e o ideário da New Public Management, entre meados dos anos 1990 e 2000, (re)incentivam tal formação acadêmica.

Analisando os projetos pedagógicos de alguns desses 80 cursos superiores de AP que surgiram no período 1995-2006, verifica-se que foram as categorias da reforma do setor público-estatal e os elementos de estruturação do setor público não-estatal que balizaram suas implantações nas instituições de educação superior:

[USP] A Gestão de Políticas Públicas está diretamente ligada à formação de profissionais capazes de tomar decisões com visão estratégica no setor público. Os valores que vêm se universalizando no início do século XXI exigem dos profissionais da área uma clara percepção da relevância social da eficiência e da eficácia no funcionamento das instituições públicas. (trecho do projeto pedagógico do curso em 2005)

[Unijuí] Os administradores públicos são profissionais cada vez mais requisitados em razão da crescente necessidade de qualificação da gestão pública, frente às transformações da sociedade e à demanda de uso efetivo dos recursos públicos, bem como às exigências legais. O curso justifica-se por uma nova cultura marcada pela competência político-administrativa na construção de espaços democráticos para a formação da agenda das políticas públicas e o desenvolvimento da cidadania. (passagem no folder do curso em 2005)

[Udesc] O curso tem a missão de promover a formação de administradores éticos e conscientes de seu papel social como agentes de mudança, comprometidos com a melhoria da gestão pública. O objetivo é habilitar pessoas para a coprodução de serviços públicos e para a gestão de seus sistemas, sejam eles órgãos públicos, organizações do terceiro setor e empresas com ações de responsabilidade socioambiental. (trecho do projeto pedagógico do curso em 2004)

[UNI-BH] Ao se considerar a proximidade com que a administração pública figura na vida dos cidadãos, é flagrante a carência de profissionais que reúnam os conhecimentos jurídicos, administrativos e de comunicação indispensáveis à compreensão e à operação das organizações governamentais. O Brasil começou tarde seu esforço de profissionalização do serviço público. E esse movimento, ainda não logrou a continuidade e a universalidade necessária para superar as demandas do serviço público. (panfleto do curso em 2005)

Observe que os termos “relevância social da eficiência e eficácia”, “competência político-administrativa”, “construção de espaços democráticos”, “organizações do terceiro setor”, “responsabilidade socioambiental” e “profissionalização do serviço público”, presentes no rol de discursos e no escopo de realizações da nova gestão pública, eram as noções que, em tese, justificavam o ensino de graduação em Administração Pública no Brasil no início dos anos 2000.

Concretamente, em se tratando de ensino de graduação e considerando que essa modalidade de educação superior no País associava-se a uma profissão, ainda que na administração pública as carreiras de Estado (e as ocupações administrativas), comumente, independam do diploma de administração - vide os editais dos concursos públicos para os cargos e carreiras largas -, é de se supor que a financeira ação do mercado de trabalho de gestão pública, referente à profissionalização no setor público-estatal e ao crescimento do setor público não-estatal, foi a mola-mestra que impulsionou as IES a conceberem novos cursos superiores de AP e correlatos naquela ocasião.

No setor público-estatal, o mercado de trabalho para o administrador público, além de se aguçar com as carreiras estratégicas de gestão governamental e de políticas públicas na União e em alguns estados desde meados dos anos 1990, iniciou seu movimento de profissionalização no nível subnacional diante do aprofundamento do processo de descentralização que exigia dos governos uma maior/melhor gestão pública vis-à-vis os condicionantes econômicos (como a escassez de recursos financeiros), políticos (como a responsabilidade e a competição democrática) e sociais (como o controle social). Nesse processo, a nomeação de técnicos para as funções de direção/assessoramento crescia nos estados/municípios e a flexibilização das relações de trabalho dava os primeiros passos para a contratação de especialistas para trabalharem por projetos.

No setor público não-estatal, o boom institucional e a diversificação de objetivos - movimentos sociais, entidades associativistas, filantropia empresarial e novos arranjos administrativos como as Oss - faziam com que novas organizações da sociedade civil despontassem enquanto as já existentes modificavam seu padrão de atuação, com a improvisação cedendo lugar a uma estrutura mais organizada de trabalho; capacidade de articulação, sustentabilidade financeira, qualidade de serviços e accountability eram as palavras de ordem que suscitavam o profissionalismo no terceiro setor. O número significativo dessas entidades no País, realizando inúmeras atividades de interesse público, formava um novo mercado de trabalho na gestão pública - no entendimento do termo “público” para além da ambiência estatal.

Outrossim, o setor privado tornava-se, progressivamente, um locus profissional para o administrador público. Ademais das ações sociais conduzidas diretamente pelas empresas - ou indiretamente através de suas fundações e institutos no âmbito do terceiro setor -, cresciam as áreas/departamentos de relações governamentais nas grandes empresas que atuavam em atividades reguladas pelo Estado (energia, telecomunicações, bancos etc.) e que se dedicavam à prestação de serviços públicos (concessão, terceirização e consultorias etc.). Finalmente, a internacionalização da administração pública com a formação de espaços supranacionais (como os blocos econômicos) e o aumento da governança mundial (pelos organismos multilaterais), no cerne do processo de globalização, constituiria oportunidades de trabalho na área de international public affairs.

Logo, é evidente que havia um crescente mercado de trabalho para administradores públicos - na acepção de formação acadêmica - no Brasil. Analogamente, assim como nos anos 1950 o ensino de graduação em Administração Pública surgiu com o processo de ampliação da gerência na esfera estatal no País, a partir de meados dos anos 1990, ele ressurgia com o processo de complexificação da gestão na esfera pública nacional - no Estado, no terceiro setor e no mercado - e no espaço de governança transnacional.

Sintetizando: com a expansão dos cursos de graduação em Administração Pública no País no pós-1995, afigurava-se um pró-ciclo neste ensino superior, o qual sucede a letargia dos anos 1980 e dinamiza o realento do limiar dos anos 1990 que caracterizaram tal habilitação no período da década perdida. Concretamente, era um estágio em construção (fase embrionária do campo de públicas), no qual as transformações da administração pública brasileira em geral - e a demanda potencial nesse mercado de trabalho em particular - (re)oportunizaram a oferta do ensino de graduação em Administração Pública.

Radiografia dos Cursos de Graduação de Administração Pública no Brasil (1995-2006)

Em face da expansão dos cursos de graduação de Administração Pública no País no pós-1995, indaga-se: Quais eram os tipos de cursos e para qual público-alvo se destinavam? O que explica o surgimento desses cursos em IES privadas e em IES públicas naquela época? Geograficamente, como esses cursos estavam distribuídos entre os estados? Nesta seção, a partir de estatísticas descritivas e informações qualitativas, buscar-se-á responder a essas e outras questões com o objetivo de desvelar a oferta de tal ensino entre 1995 e 2006, interpretando-a.

No início da seção anterior, há a citação que, em 2006, de acordo com o Inep, havia 78 cursos de graduação de Administração Pública na educação superior nacional, abrangendo os cursos de bacharelado em Administração com habilitação em AP e os cursos de tecnologia em Gestão Pública. Acrescentando-se a esses dois tipos de cursos de graduação os cursos sequenciais em Administração Pública - 15 cursos no Brasil, na ocasião -, eram três os tipos de cursos superiores, destinados aos que concluíram o ensino médio, que diplomavam nesse campo do saber.

O bacharelado em administração com habilitação em AP é o curso de graduação que, tradicionalmente, oferecia a formação acadêmica em administração com a intensificação de estudos correspondentes à administração pública na grade curricular e a realização do estágio supervisionado em órgãos públicos. Na maioria das IES, esse tipo de curso compartilhava um núcleo comum, que variava de um a três anos, com as demais habilitações de administração ofertadas (como exemplo, UNB e UFBA) e na minoria, seja pela inexistência de outras habilitações (como exemplo, Unesp e FJP), seja por opção pedagógica (como exemplo, Eaesp e Udesc), era ministrado de forma autônoma nos quatros anos de duração. Atinente à lei, conferia o diploma de administrador e habilitava para o exercício desta profissão, regulada pelo sistema formando pelo Conselho Federal de Administração e seus Conselhos Regionais.

Porém, com a extinção das habilitações do curso de graduação em Administração prevista pela resolução nº. 4/2005 do Conselho Nacional de Educação, os bacharelados em administração com habilitação em AP, a partir de 2007, tornar-se-iam, obrigatoriamente, ou um bacharelado em administração pública, ou uma linha de formação específica do bacharelado em administração7; no primeiro caso, adotar-se-ia a denominação de “curso de administração pública” e, no segundo caso, a linha de formação específica em administração pública, constante no projeto pedagógico do curso, não poderia ser uma extensão (ou apêndice) de sua nomenclatura, mantendo-se - exclusivamente - o nome de “curso de Administração”.

Ainda em 2006 diversas IES se ajustaram à referida Resolução, por exemplo: o curso da FJP converteu-se em bacharelado em administração pública, ao passo que alguns outros optaram por transformar a habilitação em AP numa linha de formação específica do bacharelado em administração - como o da Faculdade Pública Municipal de Paulínia.

Os cursos de tecnologia, por sua vez, situavam-se no contexto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, que propôs a Reforma da Educação Profissional e, dessa forma, passou a organizá-la como modalidade capaz de perpassar o nível superior da educação nacional. Assim como o bacharelado, o tecnológico era um curso de graduação oficializado pelo Ministério da Educação e com Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação, porém voltado para uma formação profissional mais direcionada e específica em sintonia com as demandas dos setores produtivos8. Especializado em segmentos de uma ou mais áreas profissionais com predominância de uma delas, a denominação desses cursos tanto podia (e ainda pode) ser Curso Superior de Tecnologia como Graduação Tecnológica, ambas acrescidas da área profissional e da modalidade proposta9.

Na área profissional de “gestão”, na qual se enquadra a modalidade de “gestão pública”, os cursos - com carga-horária mínima de 1.600 horas - “(...) devem focar a gestão de produção de bens e serviços e a capacidade empreendedora”, o que no setor público se traduz na concepção/operacionalização de processos relacionados à gerência de órgãos públicos, à prestação de serviços públicos e à provisão de políticas públicas. Geralmente, essas eram as orientações dos cursos de tecnologia em gestão pública que surgiram no País, notadas, facilmente, em suas nomenclaturas, tais como:

Já os cursos sequenciais, nos termos da LDB, eram cursos superiores, embora não fossem cursos de graduação, o que se buscava ao definir esta modalidade de ensino superior era uma formação específica em um dado “campo do saber” e não em uma “área de conhecimento”. Por exemplo, na área de administração pública, era factível ter um curso sequencial de Gerência de Cidades, onde o escopo é específico e poderia ser tratado em um prazo mais curto.

De uma maneira geral, destinavam-se à obtenção ou atualização de qualificações técnicas, profissionais ou acadêmicas. Recomendado sobremodo para o ensino de adultos com experiência laboral prévia e que ainda não tinham acesso à educação superior, esses cursos procuravam oferecer uma formação acadêmica dirigida que pudesse melhorar a qualidade da prática profissional. Do mesmo modo que os cursos de tecnologia da área profissional de gestão, a legislação exigia que os cursos sequenciais tivessem carga-horária mínima de 1.600 horas. Não obstante, não havia regulamentação curricular e aos egressos era (e ainda é) permitida apenas a admissão em cursos de pós-graduação lato sensu, diferente dos diplomados em nível de graduação - bacharelado e tecnológico - que poderiam (e ainda podem) ingressar também em cursos de pós-graduação stricto sensu.

No que tange ao campo do saber em administração pública, os cursos sequenciais pelo País englobavam desde a formação específica em Gestão de Órgãos Públicos (ex. Unama) até a formação específica em Desenvolvimento Local (ex. Ufam), passando pela formação específica em Gerência Municipal (ex. Unicentro). Vale salientar que, de acordo com a Portaria do MEC nº 514, de 22 de março de 2001, os nomes dos cursos sequenciais deveriam ser diferentes dos nomes dos cursos de bacharelado e de suas profissões.

Portanto, a oferta do ensino de graduação em Administração Pública no País no pós-1995 tanto se ampliou com a abertura de novos cursos de bacharelado em Administração com habilitação em AP como se diversificou com a implantação de cursos de tecnologia em gestão pública - previstos pela LDB de 1996. Em adição, os cursos sequenciais, ainda que não fossem cursos de graduação, constituíam uma opção de oferta que as IES podiam adotar para o ensino superior nesse campo do saber.

Na sequência, as Figuras 1 e 2 apresentam, respectivamente, o número desses três tipos de curso superior em administração pública no Brasil em 2006 e a quantidade de cursos/ano que surgiram no País no intervalo de tempo entre 1995 e 2006.

Número de cursos de Administração Pública, por tipo de curso, no Brasil (2006).
Figura 1 -
Número de cursos de Administração Pública, por tipo de curso, no Brasil (2006).
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Inep (2006).

Pela Figura 1, nota-se a prevalência do número de cursos de bacharelado em Administração Pública em relação aos outros dois tipos de curso superior, algo natural se considerar receptividade da graduação tecnológica e dos cursos sequenciais no sistema de educação superior nacional nos anos 2000. No entanto, se descontar desses 52 cursos de bacharelado aqueles 13 que foram criados até 1995, e se somar os 26 cursos de tecnologia com os 15 cursos sequenciais pela similaridade, observa-se que o número de cursos superiores de AP criados no pós-1995 se equivale: 39 bacharelados e 41 tecnológicos e sequenciais.

Quantidade de cursos de Administração Pública que surgiram no Brasil pós-1995.
Figura 2 -
Quantidade de cursos de Administração Pública que surgiram no Brasil pós-1995.
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Inep (2006).

Da Figura 2, percebe-se que esses oitenta cursos superiores de AP criados no pós-1995 surgiram, mormente, a partir de 2001. Tal fato se explica, presumivelmente, por dois motivos:

Por conseguinte, conquanto o surgimento de cursos superiores de AP a começar de 1999 se acelerou do ano de 2001 adiante, é provável que eles já estivessem sendo projetados havia alguns anos pelas IES. Isso reforça o argumento de que foi no decorrer da segunda metade dos anos 1990, na esteira das transformações da administração pública brasileira, que o ensino de graduação nesse campo do saber voltou a ser cogitado no País. Nesse processo, defronte às modalidades de curso de bacharelado em administração com habilitação em AP e de curso de tecnologia em gestão pública, além do curso sequencial, as instituições de ensino puderam, então, optar pelo tipo de curso superior que se amoldava ao seu propósito de formação acadêmica, em geral, e ao público-alvo que visava atender, em particular.

Com efeito, na presença de diferentes tipos de curso ofertados por todas as formas de organização administrativa (ou tipo de IES), vide a Figura 3, em 2006 o ensino de graduação em AP no País abarcava desde cursos voltados para uma formação acadêmica condizente com a preparação de uma “média e alta burocracia” até cursos destinados à educação para o trabalho e customizados para a burocracia operacional e a street level bureaucracy.

Por um lado, havia IES tradicionais, de abrangência estadual ou mesmo nacional que ofereciam o curso de bacharelado em administração com habilitação em AP (ou correlatos), com quatro anos de duração, normalmente em período matutino ou integral e calcado no modelo de ensino-pesquisa-extensão. Com essas características somadas à concorrência do processo seletivo (vestibular), esses cursos acabavam recrutando um público jovem, recém-egresso do ensino médio e, predominantemente, oriundo da rede de ensino particular; por exemplo: Eaesp, Unesp, FJP e USP.

Por outro lado, havia IES novas, de vocação local ou regional, que ofertavam o curso de tecnologia em gestão pública (ou curso sequencial nesse campo do saber), com dois anos de duração, quase sempre em período noturno e dirigido ao “saber técnico”. Nesse caso, o público-alvo era composto, majoritariamente, por pessoas já atuantes na administração pública e áreas afins, a maioria sem formação de nível superior, que desejavam uma qualificação profissional mais rápida e de cunho aplicado: por exemplo: ETFTO, Unimontes, Unoesc e UEA.

Número de cursos de Administração Pública, por tipo de IES, no Brasil (2006).
Figura 3 -
Número de cursos de Administração Pública, por tipo de IES, no Brasil (2006).
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Inep (2006).

Ilustrativamente, entre os cursos superiores de AP que surgiram no País no pós-1995, a Figura 4 resume o caso do curso de bacharelado de uma IES tradicional e o box 2 sintetiza o caso do curso sequencial de uma IES criada nos anos 1990.

O curso de bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da USP.
Figura 4 -
O curso de bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da USP.
Fonte: Elaboração do autor, baseada em entrevista e no projeto pedagógico do curso. * Trecho de entrevista realizada pelo autor.

O curso sequencial de Gestão Pública da UEG.
Figura 5 -
O curso sequencial de Gestão Pública da UEG.
Fonte: Elaboração do autor, baseada em entrevista e no projeto pedagógico do curso. * Trecho de entrevista realizada pelo autor.

Os casos do bacharelado em Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo e do sequencial de Gestão Pública da Universidade Estadual de Goiás são exemplos de cursos superiores de AP com objetivos educacionais diametralmente opostos que, didaticamente, revelam a variedade do público-alvo desse ensino no País em meados dos anos 2000. Em um extremo, o curso da USP buscava atrair jovens em busca de uma sólida formação acadêmica com perspectivas futuras de inserção em carreiras estratégicas no setor público. No outro extremo, o curso da UEG focalizava a qualificação profissional de funcionários públicos de nível operacional que aspiravam aos cargos de chefia (funções gratificadas de baixa gerência).

Em que pese essa heterogeneidade de tipos de curso e perfis de alunos, importante em um país em que a realidade da administração pública já se mostrava tão diversa e diante de uma situação de déficit de gestão nos seus diferentes setores e níveis hierárquicos, a oferta do ensino superior de AP no País era, preponderantemente, noturna. A Figura 6 mostra que, em 2006, das 8.720 vagas dos cursos de bacharelado, tecnologia e sequenciais nesse campo do saber, 71% eram ofertados em período noturno, favorecendo o aluno-trabalhador - tal como ocorria (em ainda ocorre) no ensino de administração de empresas, ciências contábeis e direito.

Quantidade de vagas/turno dos cursos de Administração Pública no Brasil (2006).
Figura 6 -
Quantidade de vagas/turno dos cursos de Administração Pública no Brasil (2006).
Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em Inep (2006).

Ademais, não se pode contestar que uma das explicações para essa alta incidência de vagas no noturno decorria do predomínio de IES privadas na oferta do ensino de graduação em Administração Pública no País na ocasião. No que se refere às categorias administrativas (ou formas de natureza jurídica) das instituições de ensino que ofertavam cursos superiores de administração pública no Brasil, a Figura 7 demonstra que 76% dos cursos, em 2006, eram oferecidos por IES mantidas/administradas por pessoas jurídicas de direito privado e que as IES públicas - federais, estaduais e municipais - eram responsáveis pelos 24% restantes.

Nas instituições de ensino privadas, o (re)nascente apelo mercadológico da administração pública como universo de atuação profissional e área de T&D de pessoal, era, certamente, uma das razões - senão a principal - para o surgimento de cursos de graduação em AP (e correlatos) nesta categoria administrativa de IES. A título de ilustração, as passagens abaixo mostram que a preparação para concursos públicos, a capacitação de funcionários da máquina estatal e a formação de novos gestores para atuarem em governos subnacionais e no terceiro setor eram alguns dos nichos de mercado que as faculdades/universidades particulares buscavam explorar com o ensino superior nesse campo do saber.

[Univag] “O curso superior de tecnologia em Gestão de Serviços Públicos é voltado para o desenvolvimento de pessoas que trabalham em qualquer esfera do serviço público (executivo, legislativo e judiciário), bem como é preparatório para concursos públicos de cargos de natureza administrativa. Com a crescente profissionalização deste setor no estado do Mato Grosso, aquele que tem competência logo se destaca na carreira de servidor público, passando a usufruir dos benefícios que ela oferece.” (passagem no site do curso em 2006).

[Unoesc] “O objetivo geral do curso da UNOESC é favorecer a capacitação continuada de agentes públicos - dirigentes, gerentes e demais servidores públicos -, dotando-os com visão sistêmica e empreendedora (...) para planejar, gerir e avaliar projetos públicos.” (passagem no site do curso em 2006).

[Unicampo] “Além da gestão de órgãos públicos, a habilitação em administração pública visa desenvolver aptidões para a gestão de organizações não-governamentais (o chamado 3° setor) e de empresas que intermedeiam serviços junto ao setor público.” (passagem no site do curso em 2006).

Número de cursos de AP, por categoria administrativa de IES, no Brasil (2006).
Figura 7 -
Número de cursos de AP, por categoria administrativa de IES, no Brasil (2006).

Cabe salientar que uma prática corriqueira dos cursos de bacharelado, tecnologia e sequencial em AP ofertados por IES privadas naquela época, explicitamente posicionados para o atendimento de demandas regionais e/ou locais de qualificação profissional de funcionários públicos em período noturno, era a realização de acordos/parcerias com o poder público, seja para a concessão de bolsas de estudo e/ou desconto com o fito de elevar - ou, pelo menos, manter - o fluxo de alunos, seja para coorganizara e/ou cofinanciar o curso, viabilizando sua oferta. Este era o caso, por exemplo, do curso superior de formação específica em Gestão Pública do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), “(...) concebido em convênio com a prefeitura de Santos em 2003, objetivando a (re)qualificação profissional de servidores públicos do município.” (passagem no site do curso em 2006).

Nas instituições de ensino públicas, por sua vez, a abertura de cursos de graduação em Administração Pública e correlatos no pós-1995 se explica em alguma medida pela indução de governos subnacionais que sugeriram ou solicitaram às IES de seu estado ou município a implantação desta formação acadêmica; neste caso se enquadram os cursos de bacharelado da UEA e da Udesc (veja-se o box 3), bem como o curso sequencial da Ufam. Outra razão para tal foi a iniciativa de departamentos (ou grupos de professores) das próprias IES públicas, que em atenção ao ressurgimento do tema da gestão pública na arena governamental e na agenda acadêmica propuseram a criação de cursos superiores que enfocassem esse campo do saber; desta situação nasceram o curso de bacharelado da USP e os cursos de tecnologia do Cefet-AL e da ETF-TO.

Ao contrário do final dos anos 1950 e início dos 1960, quando o ensino de graduação em Administração Pública se irradiava pelo País por meio das universidades federais - sob os auspícios do MEC e da assistência técnica norte-americana (USAID) -, no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, em relação às IES públicas, tal ensino se revivificou por intermédio de instituições de ensino estaduais - em alguns casos, a partir da aspiração do governo do estado. Dos 13 cursos superiores de AP que surgiram em IES mantidas/administradas pelo poder público entre 1995 e 2006, sete eram ofertados por universidades estaduais.

Casos de IES públicas que criaram cursos superiores de AP por indução de governos.
Figura 8 -
Casos de IES públicas que criaram cursos superiores de AP por indução de governos.
Fonte: Elaboração do autor, baseada em documentos e depoimentos. * Trechos de depoimentos coletados pelo autor.

No que diz respeito à distribuição geográfica desse ensino superior pelo território nacional, a Figura 9 confirma sua presença, em 2006, em 21 estados e no Distrito Federal, sendo que a maior parte dos cursos está concentrada naturalmente na região centro-sul.

Quantidade de cursos de AP, por unidade da federação, no Brasil (2006).
Figura 9 -
Quantidade de cursos de AP, por unidade da federação, no Brasil (2006).
Fonte: Elaboração do autor, baseado em Inep (2006).

A quantidade significativa de cursos em estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e no Distrito Federal é, razoavelmente, fácil de compreender. A importância política, a amplitude do aparato estatal e a existência de escolas tradicionais (EAESP-FGV e FCL-UNESP em São Paulo, EG-FJP11 em Minas Gerais e UNB no Distrito Federal) são alguns fatores convergentes que ajudam a explicar a centralidade dessas unidades da federação na oferta do ensino de graduação em Administração Pública no País neste ciclo (1995-2006).

Chama atenção, porém, a quantidade de cursos superiores de Administração Pública ofertados, na ocasião, nos estados de Goiás e do Mato Grosso (oito e seis, respectivamente). Nestas unidades da federação, uma das possíveis interpretações para tal oferta foi a institucionalização da carreira de gestor público no âmbito de seus governos estaduais na virada do século, seguindo os moldes da carreira de especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG) no governo federal12.

Independente da unidade da federação, pelos dados do Inep (2006) se visualiza, adicionalmente, que os cursos de AP criados no pós-1995 localizam-se tanto em capitais de estado (e em cidades circunvizinhas) como em municípios de médio e pequeno porte, longínquos do aparelho político-administrativo estadual. Neste último caso, a ênfase na realidade municipal e nos “saberes locais” é clarividente, conforme os sites de alguns cursos anunciavam:

[Facider - Colider/MT] “O curso (...), modalidade sequencial, objetiva formar profissionais para a gestão pública municipal, enraizados em sua região e com profundo conhecimento do local, capazes de articular as políticas públicas, os agentes e os recursos da região em função do desenvolvimento pretendido.” (passagem no site do curso em 2006).

[Ufam - Presidente Figueiredo/AM] “O Curso Superior de Formação Específica em Desenvolvimento Local justifica-se pela necessidade de preparar profissionais especializados para gerir as políticas de desenvolvimento municipal em consonância com a política mais ampla de desenvolvimento regional e nacional (...).”(passagem no site do curso em 2006).

[Fimes - Mineiros/GO] “O curso de graduação tecnológica em gestão pública tem por objetivo: formar profissionais qualificados, com conhecimentos teóricos e práticos suficientes para permitir uma compreensão clara dos processos de mudança no campo da gestão de cidades.” (passagem no site do curso em 2006).

Em outras palavras, mediante a crescente necessidade de formação profissional para a gestão local no Brasil, o ensino de graduação em Administração Pública dava também os primeiros passos para um processo de interiorização.

Considerações Finais

Neste artigo, uma radiografia do ensino de graduação de Administração Pública no Brasil entre 1995 e 2006, examinou-se as circunstâncias em que esse ensino se expandiu no País em decorrência de um macroambiente favorável, assinalado pelo impacto do paradigma da nova gestão pública sobre os projetos (e movimentos) de reforma do Estado nos três níveis de governo e pela redefinição do significado do mercado de trabalho na esfera pública em termos mais amplos.

Nesse período, assistiu-se a quadruplicação do número de cursos de bacharelado em Administração com habilitação em AP e a criação de mais de quarenta cursos superiores em gestão pública - nas modalidades de graduação tecnológica e curso sequencial de formação específica - em todo o território nacional.

Mesmo ciente de que em algumas IES privadas esses cursos ficaram inertes por falta de alunos (e em muitos casos foram rapidamente descontinuados), o ressurgimento do ensino de graduação em Administração Pública no País foi expressivo na virada do século. Todavia, para além da expansão quantitativa, sob um prisma qualitativo, obviamente, o ensino de graduação de AP mantinha-se dependente da matriz curricular de Administração de Empresas e se defrontava com alguns entraves como: identidade difusa, dicotomia política-administração, mimetismo de gestão empresarial, escassez de material didático (adequado às especificidades da administração pública) e carência de corpo docente com formação acadêmica em gestão pública13.

Talvez, a abertura de um curso de graduação em AP na mais importante universidade brasileira (USP) e a criação de novos cursos de AP em algumas instituições de ensino públicas estaduais (como, por exemplo, a UEA, a UEG e a Udesc) foram ocorrências tão ou mais emblemáticas que, simplesmente, a quantidade expressiva de cursos que surgiram no pós-1995.

Esse processo de criação de novos cursos de graduação em AP em algumas IES públicas naquele momento, de alguma maneira, era o prenúncio da gestação do campo de públicas no País na transição da primeira para a segunda década do século XXI. Este, por sua vez, seria impulsionado, desde 2007, pelo surgimento de dezenas de cursos de bacharelado e graduação tecnológica em AP nas universidades federais, aproveitando-se da janela de oportunidade do programa de reestruturação e expansão dessas IES - o Reuni - conduzido pelo MEC no segundo mandato do governo Lula e primeiro mandato do governo Dilma.

Consequentemente, a busca por um espaço institucional para essa formação acadêmica, tal como a aprovação de Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Administração Pública (apartadas das DCNs de Administração na acepção de gestão empresarial), entraria na pauta do Conselho Nacional de Educação a partir de 2010 - como descrito no preâmbulo deste artigo. Retornando ao ano de 2007, quando é fundada a Federação Nacional dos Estudantes de Administração Pública (Feneap) e é realizado o I Fórum de Coordenadores de Cursos de Graduação em Administração/Gestão Pública no Brasil, pode-se circunscrever o início de um novo ou renovado ciclo do ensino de graduação de Administração Pública no Brasil, baseado na institucionalização do campo de públicas no País desde então.

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Notas

1 O autor agradece à Capes pelo bolsa de professor visitante júnior no exterior neste ano de 2019, período no qual este manuscrito foi revisitado e ajustado para publicação como artigo científico.

Notas

3 Coelho (2006), em sua tese de doutorado, propõe que a história do ensino de graduação de Administração Pública no Brasil divide-se em três ciclos no século XX, a saber: o primeiro ciclo refere-se à irradiação de tal formação superior entre 1952 e 1965; o segundo ciclo abrange o auge e o declínio do bacharelado em Administração Pública no período entre 1966 e 1982; e o terceiro ciclo compreende um (re)alento dos cursos superiores de administração pública entre 1983 a 1994. Assim, o período entre 1995 e 2006, com a expansão e diversificação de cursos de bacharelado e graduação tecnológica de administração/gestão pública, conforma um quatro ciclo.
4 Axiomaticamente, essas transformações na administração pública brasileira eram - e são - heterogêneas, adquirindo diferentes tons/intensidades de acordo com a história institucional, a tradição política e a coalizão de forças em cada realidade. Diferiram entre e intra os três níveis de governo, os três poderes e a administração direta e indireta. Suas ideias-força são orientações/princípios da gestão pública contemporânea.
5 Na literatura, esse novo administrador/gestor público foi caracterizado a partir de várias denominações e idealizações. Longo (2000), no que diz respeito ao modelo pós-burocrático no aparelho do Estado, propõe a nomenclatura e o perfil de um dirigente público - nem político, nem burocrata. Ferraz (2000), estudando a administração para o desenvolvimento - em nível subnacional - no Brasil, constrói um tipo-ideal de agente de desenvolvimento. Brasiliense Carneiro (2002) sugere a expressão e a modelagem de um cidadão-gestor para os municípios, o qual congregaria o espírito cívico e os valores democráticos com as competências técnico-administrativas. Cavalcanti (2005), investigando a estrutura e ação em organizações públicas do País, aventa o conceito de gerente equalizador, baseado nas realizações de executivos públicos ante os reveses situacionais e os dilemas burocráticos.
6 Além do ensino de graduação, observa-se que o ensino de pós-graduação - stricto sensu e lato sensu - e o T&D em administração pública também se expandiram no País na mesma época. No plano da pós-graduação stricto sensu o aumento da produção científica foi significativo. Enquanto no EnANPAD realizado no ano 2000, 127 trabalhos foram submetidos na área de administração pública, sendo 40 selecionados para apresentação, no EnANPAD ocorrido em 2005, 475 trabalhos foram submetidos à área de administração pública [e gestão social], sendo 125 aprovados. Ademais, a Anpad criou em 2004 o Encontro Nacional de Administração Pública e Governança (EnAPG), bienal, incentivando a pesquisa nesse campo do saber. No que se refere à pós-graduação lato sensu, foi notável o aumento do número de cursos de especialização em administração pública e MBAs em gestão pública oferecidos pelas IES; comumente, esses cursos surgiram em convênio com órgãos públicos e funcionavam na modalide in company. No que concerne o T&D, os governos avolumaram a implantação de escolas de governo - nos moldes de universidades corporativas - para responder as demandas de (re)qualificação profissional e aquisição de novas competências, incentivado pela Emenda Constitucional (EC) 19 de 1998. Assim, a administração pública no Brasil, tal como um campo de educação formal e executiva, crescia nas IES como opção de formação acadêmica e na própria estrutura do setor público por meio de programas de capacitação.
7 A RESOLUÇÃO CNE Nº. 4, DE 13 DE JULHO DE 2005, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso de graduação de Administração, bacharelado, e deu outras providências, revogou a resolução CFE nº. 2, de 4 de outubro de 1993, substituindo o currículo mínimo pelas DCNs e extinguindo as habilitações. Concernente ao “fim das habilitações”, o CNE, apoiado pela Angrad e pelo CFA, alegou que a criação indiscriminada de quase 250 habilitações para o bacharelado em Administração - entre as quais administração de bares e restaurantes, gestão de talentos humanos e gerência esportiva - descaracterizou tal curso. Assim, ficou definido que as IES que possuíam bacharelado em administração com uma ou mais habilitações, deveriam elaborar novo projeto pedagógico único, podendo contemplar o conteúdo curricular que vinha sendo oferecido nas extintas habilitações, em linhas de formação específicas. Essas linhas de formação, quando existissem, não poderiam ser extensões do nome do curso, cuja denominação passaria a ser, restritamente, de curso de administração. Todavia, foi permitida a exceção para o curso de administração pública, fundamentada na própria origem dos cursos de administração no Brasil, e, ainda, com base no parecer CFE nº 307, de 8 de julho de 1966. Considerando que as IES tinham o prazo de dois anos, contados a partir da data de publicação da citada Resolução - 19 de julho de 2005 -, para adaptarem os projetos pedagógicos dos seus bacharelados em administração, até meados de julho de 2007 todos os cursos já deveriam estar adequados às novas DCNs.
8 A criação de cursos de tecnologia já constava na lei federal nº 5.540/68, que previa a implantação de cursos superiores de curta duração como um modelo de ensino superior alternativo. Nas três últimas décadas do século XX foram realizadas diversas experiências de oferta desses cursos pelo País - como nos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) -, seguidos de sua extinção ou de sua conversão para cursos de duração plena. A reforma levada a cabo a partir da LDB de 1996, na medida em que propõe mais uma experiência com cursos dessa natureza, expressava, de certo modo, a continuidade da política de constituição de um modelo de ensino superior alternativo ao modelo universitário tradicional. A ideia era incentivar a oferta de cursos superiores profissionalizantes, de menor duração, centrado no ensino aplicado e em conformidade com as demandas do mundo do trabalho. Ver Coelho (2002).
9 Pelo Parecer CNE nº. 406, de 5 de abril de 2001, os cursos de tecnologia foram classificados em vinte áreas profissionais, a saber: agropecuária, artes, comércio, comunicação, construção civil, design, geométrica, gestão, imagem pessoal, indústria, informática, lazer e desenvolvimento social, meio ambiente, mineração, química, recursos pesqueiros, saúde, telecomunicações, turismo e transportes.
10 O processo de autorização é necessário para as instituições não-universitárias, ou seja, faculdades integradas, faculdades isoladas, faculdades tecnológicas, centros tecnológicos e escolas superiores. Estas IES devem submeter suas propostas de criação de cursos de graduação - bacharelado e tecnológico - e cursos sequenciais a instâncias superiores (MEC) quando forem instituições públicas federais ou privadas. Já as instituições públicas estaduais e municipais deverão submeter seus pedidos de abertura desses cursos aos respectivos Conselhos Estaduais de Educação. As universidades e os centros universitários são os dois únicos tipos de instituição com autonomia para criar esses cursos superiores sem autorização prévia de instâncias superiores.
11 Por exemplo, citam-se os cursos superiores de AP da Famig e da UNI-BH, ambos em Belo Horizonte, que foram concebidos/implantados por egressos do bacharelado da Fundação João Pinheiro (FJP).
12 O bacharelado em administração com habilitação em AP da Faculdade Alves Faria (ALFA) em Goiânia, é um exemplo de curso cuja elaboração/instalação no biênio 2001-2002 foi estimulada pelo apelo da, então, recém-criada carreira de gestor público no governo do estado de Goiás no início dos anos 2000.
13 Esses são alguns óbices abordados por este autor, em 2008, no artigo A problemática atual do ensino de graduação em Administração Pública no Brasil, publicado no periódico Cadernos Ebape. O texto, baseado no estudo de caso múltiplo dos bacharelados de Administração Pública da Eaesp-FGV, FLC-Unesp e EG-FJP, expõe e discute diversas lacunas/limites referentes à formação acadêmica nos cursos de graduação em AP do País. Ver Coelho (2008).
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