Artigo
Recepção: 06 Abril 2018
Aprovação: 18 Junho 2018
DOI: https://doi.org/10.23925/2178-0080.2017v20i3.36823
Resumo: Este trabalho busca verificar se o q de Tobin pode ser considerado uma variável explicativa para o investimento das empresas brasileiras de capital aberto, representado pela variável Capex, com a possibilidade de heterogeneidade nos valores dos coeficientes das variáveis. Os dados explorados neste estudo são indicadores disponíveis na BM&FBovespa, compreendidos no período de março de 2010 a dezembro de 2015, e são analisados por meio do software R. Os resultados apontam que o modelo com quatro regimes distintos é mais adequado do que o modelo linear, e os coeficientes do q de Tobin nos três primeiros regimes são significativos e positivos e, no quarto regime, o coeficiente não é significativo.
Palavras-chave: q de Tobin, Investimento, Capex.
Abstract: This research aims at analyzing if Tobin’s q can be considered as an explanatory variable for the investment of Brazilian publicly traded companies, represented by the variable CAPEX. The analysis considers the possibility of heterogeneity in the coefficient values of the variables. The data explored in this study are indicators available in the BM&FBOVESPA, comprised between March 2010 and December 2015 and analyzed using software R. The results indicate that the model with four distinct regimes is more adequate than the linear model and the coefficients of the Tobin’s q in the first three regimes are significant and positive and in the fourth regime the coefficient is not significant.
Keywords: Tobin’s q, Investment, Capex.
Introdução
Em finanças corporativas, a análise de investimentos é um dos assuntos mais complexos a serem abordados, devido a sua importância e consequência no meio econômico. Investimento é conhecido como um processo de aplicação de recursos com o objetivo de geração de lucro. Segundo Casagrande (2002), é uma das mais importantes deliberações econômicas, uma vez que define o desempenho da economia. Entretanto, esse mesmo autor aponta que os investimentos não são explicados adequadamente pelos modelos convencionais. Buscam-se então, melhores formas de auxiliar as decisões de investimentos, sendo uma sugestão a aproximação do investimento aos conceitos do q de Tobin e à liquidez seca.
O quociente conhecido como q de Tobin, inicialmente proposto por Brainard e Tobin (1968) e Tobin (1969), relaciona o valor de mercado de uma empresa e o custo de reposição de seus ativos fixos (Santos, Costa, Alberto, Golçalves, & Faria, 2011). Autores como Monteiro, Pereira, Rezende, Santos e Morais (2012) apontam que o q de Tobin vem sendo cada vez mais relacionando às decisões de investimentos na literatura. Entretanto, Hennesy, Levy e Whited (2007) apontam que seria um erro considerar unicamente o q de Tobin como um determinante para os investimentos. Assinalam os autores que o fluxo de caixa e a restrição de capital também devem ser inseridos nessa aproximação, pois essas variáveis, medidas pela liquidez seca, podem inviabilizar investimentos mesmo em casos em que o q>1, ou seja, sem disponibilidade de caixa, a empresa pode deixar de investir em projetos com valor presente líquido positivo.
A partir desse entendimento, este estudo tem como objetivo verificar se as variáveis q de Tobin e liquidez seca possuem relação explicativa com os investimentos em bens de capital nas empresas brasileiras. Para elucidar essa questão, será utilizado o método threshold data panel que possibilita a heterogeneidade nos coeficientes das variáveis e permite analisar os coeficientes de maneira mais detalhada. Assim sendo, este estudo justifica-se pelo fato de que a metodologia proposta para a análise dos dados permite interpretações mais detalhadas. Dessa forma, pretende-se contribuir com o tema apresentado, pois os resultados presentes na literatura demonstram ser inconclusivos.
Investimentos
Investimento é o processo de alocação de capital e compreende uma das três decisões financeiras: de investimentos, de financiamentos e de dividendos. A análise de investimentos, por sua complexidade e abrangência, pode ser considerada como uma importante deliberação em finanças corporativas (Galesne, Fensterseifer, & Lamb, 1999). Historicamente, os investimentos passaram a ter relevância a partir da Revolução Industrial (Hendriksen, & Van Breda, 1999). Em consequência dessa relevância, a decisão de investir em ativos permanentes também passou a ter grande significado para o ambiente empresarial.
Os investimentos em ativos de longo prazo, de modo geral, apresentam-se como uma parte do processo de tomada de decisões empresariais; portanto, essas decisões são estruturadoras dos ativos de uma organização, formando o conjunto de elementos gerador de benefícios futuros aos agentes envolvidos (Frezatti, Bido, Cruz, Barroso, & Machado, 2012).
De acordo com Mello (2006), os investimentos de longo prazo correspondem à aquisição de bens de capital, tais como máquinas e equipamentos, com o objetivo de gerar maior produção futura. Contudo, porque envolvem montantes expressivos e carregam maior incerteza quanto aos retornos futuros, os gastos com novos investimentos costumam ser voláteis. Em suma, bens de capital correspondem a um conjunto de bens fisicamente determinados e reprodutíveis que podem ser utilizados repetidamente e que determinam as possibilidades de produção (Marques, 2014).
Nos estudos a cerca desse tema, identifica-se a utilização do termo Capex (Capital Expenditure) como representativo da despesa de capital ou investimentos em bens de capital e que designa o montante de dinheiro despendido na aquisição ou na introdução de melhorias de bens de capital de uma determinada empresa. Pode ser visto, portanto, como o montante de investimentos realizados em equipamentos e informações de forma a manter a produção de um produto ou serviço ou a manter em funcionamento um negócio ou um determinado sistema (Bakke, & Whited, 2010).
A Tabela 1 apresenta alguns autores que utilizaram a variável Capex e como eles a relacionaram com as teorias.

O q de Tobin
O q de Tobin vem sendo abordado com frequência em trabalhos da área de finanças, como os de Famá e Barros (2000); Ghani, Martelanc e Kayo (2015); Machado, Prado, Vieira, Antonialli e Santos (2015), embora tenha sido proposto há décadas por Brainard e Tobin (1968) e Tobin (1969). Inicialmente, o q de Tobin foi definido como o quociente entre o valor de mercado de uma unidade adicional de capital da firma (seja este próprio ou de terceiros) e o custo de reposição de uma unidade adicional de capital da firma. No entanto, com o passar dos anos, foi sendo aprimorado por alguns autores com o objetivo de tornar possível a utilização de dados reais e acessíveis para calcular o quociente. Esses aperfeiçoamentos serão apresentados ao longo deste estudo.
A forma de calcular o q de Tobin não era aplicável em dados reais, e esse motivo dificultava os cálculos a serem realizados e consequentemente a aplicabilidade do conceito proposto. Na tentativa de resolver essa dificuldade, Lindemberg e Ross (1981) observaram que o maior obstáculo residia no cálculo do valor de reposição dos ativos e, então, propuseram uma nova forma de calcular o custo de reposição, conforme equação (1).
Em (1), RC é o valor de reposição dos ativos; TA, o ativo total das empresas; RNP, o valor de reposição das instalações e dos equipamentos; HNP, o valor histórico das instalações e dos equipamentos; RINV, o valor de reposição do estoque; e HINV, o valor histórico do estoque da empresa considerada.
O cálculo proposto por Lindemberg e Ross (1981) possuía como interpretação que, para q>1, as empresas possuem incentivo para investir, pois o valor do capital investido excede o seu custo, e, q<1, não há incentivo para investimento, visto que este não extrapola o custo.
Com a nova relação apresentada por Lindemberg e Ross (1981), Andrade (1987) realizou um estudo com empresas brasileiras, utilizando o q para avaliar o comportamento do investimento agregado, durante o período de 1971 até 1985. Nesse estudo, foi considerada a soma do valor de mercado de todas as empresas para o numerador, e, como custo de reposição, foi observada a soma do valor do patrimônio líquido, considerado uma possível aproximação do custo de reposição do estoque de capital da amostra.
O estudo indicou que o q afeta, significativamente, o investimento agregado, mas de forma inversa do esperado. Andrade (1987) sugere como uma possível explicação, para os sinais negativos encontrados, a ingenuidade do modelo de equilíbrio para representar estados de desequilíbrio, situação que tornaria o sinal novamente positivo. Porém, com a utilização de dados anuais, os valores considerados podem não ser os mais adequados para representar o real valor de mercado das empresas.
Assim como Andrade (1987), outros autores seguiram na tentativa de aprimorar o q de Tobin até então apresentado. Após os estudos de Lindemberg e Ross (1981), os autores que se destacaram nessa tentativa foram Chung e Pruitt (1994) e, alguns anos depois, Lee e Tompkins (1999).
A definição alternativa proposta por Chung e Pruitt (1994) para o q de Tobin é expressa conforme a equação (2), em que VMA é o valor de mercado das ações; PS, o valor das ações preferenciais emitidas pela empresa; VMD, o valor do passivo circulante menos o ativo circulante mais o valor contábil das dívidas de longo prazo; e AT, o valor contábil dos ativos totais da empresa. Entretanto, ressalta-se que os autores utilizaram apenas valores contábeis das empresas.
Chung e Pruitt (1994) compararam os resultados encontrados em seu estudo com os de Lindenberg e Ross (1981), e a análise foi realizada utilizando-se dez amostras diferentes com empresas norte-americanas no período de 1978 a 1987. A menor amostra continha 1.201 empresas e a maior 1.617. Nas dez regressões feitas, nenhum resultado teve o coeficiente de explicação aproximado menor que 0,966; ou seja, a definição proposta por Chung e Pruitt (1994) de um q aproximado explica 96,6% do q proposto por Lindenberg e Ross (1981), o que permitiu a utilização de procedimentos mais simples para o cálculo do q.
Lee e Tompkins (1999) buscaram uma versão alternativa para o q encontrado por Chung e Pruitt (1994) e o definiram de q de Tobin teórico, conforme apresentado na equação (3). Famá e Barros (2000) enfatizam que o procedimento proposto por Lee e Tompkins se mostra mais vantajoso, pois permite a composição de amostras maiores.
Na equação (3), VM é o valor de mercado das ações das empresas; PS, o valor de mercado dos títulos preferencias; ELP, o valor contábil do exigível em longo prazo; EST, o valor contábil dos estoques da empresa; PC, o valor contábil do passivo circulante; AC, o valor contábil do ativo circulante; e AT, o valor contábil dos ativos totais da empresa.
Retomando a metodologia apresentada por Chung e Pruitt (1994), Szewczyk, Tsetsekos e Zantout (1996) analisaram o impacto de anúncios de dispêndios de capital das empresas com a análise do fluxo de caixa livre e o q de Tobin. Os resultados encontrados indicaram que, quando o q foi testado individualmente, as empresas com índice maior que 1 obtinham retornos anormais positivos; já as empresas com q de Tobin menor que 1 apresentavam retornos anormais negativos.
Considerando a relação trazida por Lee e Tompkings (1999), Kammler e Alves (2009), com o objetivo de testar a capacidade explicativa do q de Tobin teórico, analisaram os investimentos das empresas brasileiras de capital aberto, considerando os anos de 2001 a 2003. Como resultado, encontraram que o q só pode ser considerado significante para empresas com índice de investimentos positivo, em que, se o valor de mercado da empresa for maior que o custo de reposição (q >1), haverá retorno ao investir. E, se o custo de reposição for maior que o valor de mercado da empresa (q <1), não haverá retorno ao investir. Por fim, os autores não puderam apresentar conclusões para empresas que apresentam investimento negativo e justificam isso pela não consideração desses valores na teoria.
Santos, Ribeiro e Olindo (2006), com o objetivo de analisar a relação entre a estrutura de capital e a evolução do valor das ações ordinárias das duas principais empresas do setor aéreo brasileiro, no período de junho de 2004 a junho de 2006, buscaram verificar, além disto, se o q de Tobin calculado era afetado pelo coeficiente de dívidas e pelo índice P/L (preço/lucro). Nesse trabalho, as variáveis independentes (coeficiente de dívidas e o índice P/L) mostraram coeficientes significativos.
Recentemente, os estudos de Ghani, Martelanc e Kayo (2015) e Machado et al. (2015) também abordam os conceitos do q de Tobin. Para esses autores, seria interessante utilizar o q proposto por Tobin em seus cálculos, porém não o utilizam por não ser possível calcular o q de Tobin com os dados de empresas de capital fechado. A fim de superar esse problema, os autores recorrem ao modelo acelerador de vendas, no qual incrementos da receita sinalizariam maiores oportunidades de investimentos, devido à necessidade de crescimento da empresa, ou seja, a variável receita substitui o q de Tobin como variável sinalizadora de oportunidade de investimento.
Machado et al. (2015) tem como objetivo verificar a efetiva interferência da estrutura de capital no desempenho das firmas brasileiras listadas na BM&FBovespa. Para isso, utilizaram como variáveis de desempenho das empresas o valor de mercado, o retorno sobre os ativos, o retorno sobre o patrimônio, a margem líquida, a liquidez geral e corrente e o q de Tobin. Nessa pesquisa, concluíram que apenas a liquidez geral e o q de Tobin são significativamente explicativos ao demonstrar uma correlação negativa entre endividamento e desempenho.
Com a evolução na forma de calcular o q de Tobin, a quantidade de trabalhos com esse tema foi aumentando, conforme visto, o que demonstra a importância do processo de construção desse conceito. Diante dessa importância, é apresenta, na Tabela 2, uma síntese dos estudos a respeito dessa temática e como o q de Tobin foi definido ao longo do tempo.

Liquidez Seca
Segundo Silva (2010), compreender a capacidade de pagamento de uma empresa é uma das preocupações principais dos analistas, pois as operações da empresa devem gerar caixa suficiente para pagar os seus custos e para amortizar os financiamentos de longo prazo. Os índices de liquidez têm como objetivo fornecer um indicador da capacidade da empresa de liquidar suas dívidas, a partir da comparação entre os direitos realizáveis e as exigibilidades.
Nesse sentido, verifica-se que as definições de liquidez estão alicerçadas na ideia de capacidade de pagamento. Neto (2012) afirma que os indicadores de liquidez evidenciam a situação financeira de uma empresa diante de seus diversos compromissos financeiros, e Santos e Santos (2008) afirmam que as medidas (indicadores) dessa capacidade de pagamento são obtidas pela comparação entre os ativos circulantes (direitos realizáveis) e os passivos circulantes (exigibilidades).
Santos e Santos (2008) apresentam o modelo tradicional de análise de liquidez a partir dos índices de liquidez geral - que expressa quanto a empresa possui em dinheiro, bens e direitos realizáveis a curto e longo prazos em relação às suas dívidas totais; liquidez corrente - que revela quanto a empresa possui em dinheiro, bens e em direitos realizáveis no curto prazo em relação às dívidas a serem pagas no mesmo período; e, por fim, a liquidez seca - que demonstra o quanto a empresa possui em dinheiro e direitos de realização a curtíssimo prazo para fazer frente aos seus compromissos de curto prazo.
A principal diferença observada entre o conceito de liquidez corrente e liquidez seca é a exclusão dos estoques do ativo circulante, uma vez que estes são considerados de menor liquidez quando comparados com os demais. Na concepção de Silva (2006), a liquidez seca refere-se a quanto a empresa analisada tem em disponibilidades, aplicações financeiras a curto prazo e duplicatas a receber (ou seja, ativo circulante subtraindo os estoques), para contrapor a seu passivo circulante.
Com a retirada dos estoques, a liquidez da empresa passa a não depender dos elementos não monetários, suprindo, assim, a necessidade do esforço de venda para quitação das obrigações de curto prazo. Há casos em que nem sempre os estoques que a empresa possui podem ser convertidos em dinheiro - por exemplo, aqueles produtos perecíveis que estragam -, mas não são devidamente informados à contabilidade, que, por sua vez, não realiza a baixa no estoque. Dessa forma, tem-se uma falsa imagem de que se tem um produto conversível monetariamente, ou seja, uma falsa ideia de liquidez (Silva, 2015).
Para Marion (2002), existem algumas medidas preventivas que devem ser tomadas para a correta análise desse índice. Deve-se analisá-lo no conjunto com outros índices, uma vez que esse índice é considerado bastante conservador, já que elimina uma fonte de incertezas quanto à baixa liquidez dos insumos existentes (estoque) para apreciação da situação financeira da empresa. Na concepção de Junior e Begalli (2009), o índice da liquidez seca é dissidente do índice de liquidez corrente e demonstra a capacidade que a empresa tem de honrar suas dívidas a curto prazo.
Na acepção de Reis (2009), calcula-se o quociente de liquidez seca quando a empresa não tem artifícios para calcular o giro dos seus estoques e quando fica difícil a construção de valores para conversão em moeda. Esse fato ocorre , por exemplo, com empresa que apresenta vendas significativas em determinados meses do ano (sazonalidade), ou seja, ela possui problemas com o mercado econômico, que ocasionam queda nas vendas e, como consequência, as rotações dos estoques se tornam lentas. De acordo com Matarazzo (2010), esse índice visa a medir o grau de excelência da situação financeira da empresa, ou seja, ele não apresenta conclusões precisas e, por isso, não é utilizado como principal.
A inclusão da liquidez seca como variável explicativa dos investimentos vai de encontro às suposições de Hennessy, Amnon e Whited (2007) e Chang et al. (2009) que viram que a restrição de capital era significante para explicar o investimento. Hennessy, Amnon e Whited (2007) realizaram um estudo no qual constataram que, além do q de Tobin, também havia efeitos internos que determinavam o nível de investimentos. Em seus resultados, concluíram que considerar unicamente o q seria um erro, pois elementos como fluxo de caixa e restrição de capital também seriam significantes para explicar o investimento. Por isso, optou-se por acrescentar a liquidez seca no modelo, visto que a restrição de capital pode inviabilizar investimentos mesmo em casos em que o q >1. Sem disponibilidade de caixa, a empresa pode deixar de investir em projetos com valor presente líquido positivo.
Método de Pesquisa
A amostra desta pesquisa é composta por 128 empresas registradas como sociedades anônimas de capital aberto, com ações negociadas na BM&FBovespa, no período de março de 2010 a dezembro de 2015, sendo excluídas empresas com dados insuficientes para o período analisado. Os dados foram coletados trimestralmente na base de dados Economática. Os procedimentos estatísticos foram efetuados através do software R.
O tratamento dos dados seguirá a metodologia proposta por Hansen (1999). Esse autor desenvolveu um método para estimação para dados em painel que permite analisar subamostras a partir de uma variável observada. Nesse sentido, um dos aspectos que diferencia este estudo dos demais é o método a ser empregado na análise dos dados, pois os demais trabalhos encontrados utilizam dados em painel com uma única equação de regressão para todo o período considerado, ou seja, coeficientes fixos para todo o intervalo. Propõe-se, então, uma forma distinta de realizar a análise, verificando se, ao longo do tempo, a equação de regressão permanece a mesma.
O método que permite essa verificação é chamado de threshold data panel (Hansen, 1999) e esta será a abordagem utilizada neste estudo. Para compreender o método, primeiramente, define-se a equação de regressão em sua forma mais simples (4), considerando o mesmo número de variáveis necessárias na utilização do método neste estudo.
Em (4), tem-se Y a variável dependente; X e Z, as variáveis independentes; α,β_1 e β_2, os coeficientes da equação de regressão e ε o erro. O índice i representa cada unidade de corte transversal, e t o período considerado. Observe que, em (4), é deduzido que o coeficiente β_1 é constante para todos os valores do painel.
Conforme sugerem Blose e Shieh (1997) e Chung, Wright e Charoenwong (1998), o q de Tobin acima de 1 representa que um aumento nos investimentos trará efeitos positivos e que a redução nos investimentos trará efeitos negativos, além disso, quando o q de Tobin apresenta valor negativo, aumento nos investimentos resultará efeitos negativos e redução de investimentos, efeitos positivos. Isto leva ao questionamento se o coeficiente β_1 é realmente constante, já que os valores do q, na teoria, representam situações distintas.
O modelo threshold investiga se há e quantos regimes existem no intervalo considerado, no qual o coeficiente pode variar. Para ilustrar o modelo, assumindo que existam dois regimes distintos (um efeito threshold), a equação será expressa conforme (5), onde δ_k=1 quando X_it≤ λ e δ_k=0 quando X_it> λ, sendo λ o parâmetro threshold, β_1,β_1^',β_2 os coeficientes do modelo de regressão.
A estimação dos parâmetros λ do threshold segue a metodologia proposta por Hansen (1999) a qual opera com sucessivas aplicações do método dos Mínimos Quadrados Ordinários, e a seleção dos parâmetros se dá pelo menor somatório do quadrado dos resíduos. O teste para a existência de efeito threshold, ou seja, β_1≠β_1^', utiliza a estatística de teste de multiplicador de Lagrange (LR), que é robusta à heterocedasticidade e tem seus valores críticos determinados por um procedimento de bootstrap. Quando o efeito threshold for estatisticamente relevante na equação (5), entende-se que existem dois regimes, nos quais as relações entre a variável dependente e as independentes são distintas. Caso contrário, o modelo mais adequado é dado pela equação (4).
Para o caso de haver três ou quatro regimes, a estrutura do modelo é semelhante a (5), porém com λ_1 e λ_2 ou λ_1,λ_2 e λ_3 sendo os parâmetros threshold. Nesse caso, o LR test deve ser aplicado para determinar qual modelo é o mais apropriado.
Definido o modelo a ser aplicado, definem-se quais as variáveis a serem aplicadas neste estudo. Conforme a equação (4), Y é a variável Capex, X é a variável q de Tobin e Z a liquidez seca. Seguindo a metodologia utilizada por Kammler e Alves (2009), o q de Tobin será calculado conforme a equação (6).
Em (6), VMA é o valor de mercado das ações da empresa; VD, o valor das dívidas da empresa, sendo esta calculada somando o passivo circulante com o valor contábil das dívidas de longo prazo, subtraindo o ativo circulante; e o AT é o ativo total da empresa.
Análise e Discussão dos Resultados
Para explicar a relação do q de Tobin com os investimentos das empresas brasileiras, foi utilizado o modelo threshold. Inicialmente, testa-se a hipótese nula de um modelo linear contra a hipótese alternativa de um modelo com um parâmetro threshold. Esse teste foi realizado de forma sequencial para zero, um, dois ou três parâmetros, de acordo com o procedimento desenvolvido por Hansen (1999), e a variável threshold é o q de Tobin.
Observa-se, na Tabela 3, que o único teste para parâmetros threshold significativo foi para três parâmetros threshold (p-valor = 0,04). Para um e dois parâmetros, o p-valor encontrado foi 0,09 e 0,16 respectivamente, portanto, não são considerados significativos. Observando a soma do quadrado dos erros (SSE), verifica-se que o modelo com três parâmetros é o que minimiza o erro.
Com base nos resultados do p-valor e do LR test, é possível identificar que o modelo com triplo threshold é mais apropriado do que o modelo linear. e então, o modelo a ser considerado apresenta quatro regimes. O primeiro regime é para valores de q menores ou iguais a 1,39. O segundo regime contempla valores de q maiores que 1,39 e menores ou iguais a 1,51. O terceiro regime é composto de valores maiores que 1,51 e menores ou iguais a 3,11. E, por fim, o quarto regime comtempla valores de q maiores que 3,11.
Ainda, observa-se na Tabela 3 o resultado do Pseudo R2 que indica a porcentagem que o modelo é capaz de explicar. Portanto, o modelo considerado mais adequado é o com três parâmetros threshold e que explica 22,4% do Capex, enquanto o modelo linear explica 19,8%.

A Tabela 4 apresenta os coeficientes do modelo em painel de dados com três threshold, ou seja, com quatro regimes distintos. Observa-se que, para a variável liquidez seca, os coeficientes são negativos em todos os regimes, indicando que um aumento no índice de liquidez seca ocasiona uma significativa redução no Capex. Verifica-se, ainda, que, para os três primeiros regimes, o coeficiente do q de Tobin é positivo, e o maior impacto é verificado no segundo regime. Evidencia-se, também, que, no quarto regime, o coeficiente não apresenta significância estatística, ou seja, apenas no intervalo q >3,11 o q de Tobin não pode ser considerado uma variável explicativa para o investimento nas empresas brasileiras. No intervalo em que o q é significativo, um aumento no valor do q de Tobin representa também um aumento na variável Capex, ao contrário do que acontece com a variável liquidez seca.
Esse resultado evidencia a argumentação proposta por Koch e Shenoy (1999), pois empresas com altos valores de q estão expostas a problemas de “subinvestimento”, o que significa que as que apresentam q > 1 estariam deixando de aproveitar oportunidades lucrativas, dado que poderiam investir mais com maiores valores de q. Verifica-se, ainda, que esse resultado corrobora com o estudo de Andrade (1987), que indicou que o q afeta significativamente o investimento nas empresas. Porém o resultado encontrado neste estudo apresenta maior complexidade ao tratar o q em diferentes regimes de análise, o que permitiu evidenciar empiricamente o impacto de forma pormenorizada.

Enfim, os resultados desta pesquisa se sobressaem aos demais, pois as pesquisas anteriores utilizaram modelos de regressão em painel, sem considerar a possibilidade de fracionar a amostra, a partir de uma variável observada, neste caso, o q de Tobin. Portanto, a partir da abordagem proposta, foi possível identificar diferentes impactos do q de Tobin nos investimentos, medido pela proxy Capital Expediture (Capex).
Considerações Finais
O presente artigo analisou o investimento em empresas brasileiras por meio do q de Tobin, considerando o período entre março de 2010 e dezembro de 2015. Para isso, utilizou-se a análise de dados em painel com threshold, e é nesse ponto que o presente estudo se destaca dos demais, pois propõe-se a analisar o investimento, verificando se o coeficiente do q de Tobin se altera a partir dos diferentes regimes.
O q de Tobin foi considerado como variável threshold, e as análises foram feitas considerando nenhum, um, dois ou três parâmetros threshold. A hipótese nula considera a inexistência do parâmetro threshold, e o teste de multiplicador de Lagrange é aplicado para as regressões encontradas para definir qual modelo é o mais significativo. Após, feitas as análises, o modelo que apresentou maior significância foi com quatro regimes diferentes. Portanto, para as empresas brasileiras, o modelo que explica os investimentos em bens de capital, com quatro regimes diferentes, é mais eficiente do que o modelo linear.
Os resultados demonstraram que o impacto do q de Tobin no investimento de empresas brasileiras é significativo no primeiro, segundo e terceiro regimes. Contudo, não é possível verificar significância estatística no quarto regime. Observou-se, também, que o comportamento do q de Tobin em relação ao Capex é positivo em todos os regimes, indicando que um aumento no q de Tobin, enquanto proxy para novos investimentos, ocasiona um aumento no Capex, assim como uma redução do q de Tobin resulta em uma redução no Capex, ou seja, estão diretamente relacionados. Diante dessa relação encontrada, pode-se concluir que empresas com q>3,11 apresentam comportamento díspar em relação ao restante da amostra.
Por fim, percebe-se que existem oportunidades para trabalhos futuros acerca do tema, realizando estudos mais aprofundados com relação a aspectos teóricos que envolvem essas e outras relações, bem como possíveis aplicações de diferentes índices de investimento em empresas de outros países.
Referências
Andrade, P. C. (1987). O comportamento do investimento agregado no Brasil - 1960-1985. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Assaf Neto, A. (1992). Os métodos quantitativos de análise de investimentos. Caderno de Estudos, (6), 1-16.
Bakke, T. E., & Whited, T. M. (2010). Which firms follow the market? An analysis of corporate investment decisions. The Review of Financial Studies, 23(5), 1941-1980.
Blose, L. E., & Shieh, J. C. P. (1997) Tobin’s q-Ratio and market reaction to capital investment announcements. The Financial Review, 32(3), pp. 449-457.
Casagrande, E. E. (2002). Modelos de investimento: metodologia e resultados. Revista de Economia Política, 22(1), 98 - 108.
Chan, S. H., Gau, G. W., & Wang, K. (1995) Stock market reaction to capital investment decisions: evidence from business relocations. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 30(1), 81-100.
Chang, X., Faff, R., Kwok, W. C., & Wong, G. (2009) Financial constraints, mispricing and corporate investment. Working Paper Series, 12.
Chung, K. H. & Pruitt, S. W. (1994). A simple approximation of Tobin’s q. Financial Management, 23(3), 70-74.
Chung, K. H., Wright, P., & Charoenwong, C. (1998). Investment opportunities and market reaction to capital expenditure decisions. Journal of Banking & Finance, 22(1), 41-60.
Famá, R., & Barros, L. A. (2000). Q de Tobin e seu uso em finanças: aspectos metodológicos e conceituais. Caderno de Pesquisas em Administração, 07(1), 27 - 43.
Galesne, A., Fensterseifer, J. F., & Lamb, R. (1999). Decisões de Investimentos da Empresa. São Paulo: Atlas.
Ghani, A. N. A., Martelanc, R., & Kayo, E. K. (2015). Há diferença de restrição de crédito para empresas de capital aberto e fechado no Brasil? Evidência empírica pela abordagem do cash flow sensitivity. Revista Contabilidade & Finanças, 26(67), 85-92.
Guzella, M. S, & Rodrigues, A. (2015). Avaliação do Poder Preditivo do Desempenho Operacional a Partir da Situação Econômico-Financeira das Distribuidoras Brasileiras de Energia Elétrica. Anais do Congresso Nacional de Administração e Contabilidade. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Hansen, B. E. (1999). Threshold Effects in Non-Dynamic Panels: Estimation, Testing, and Inference. Journal of Econometrics. 93(2), 345-368.
Hendriksen, E. S., & Van Breda, M. F. (1999). Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas .
Hennessy, C. A., Levy, A., & Whited, T. M. (2007) Testing Q theory with financing frictions. Journal of Financial Economics, 83(3), 691-717.
Junior, J. H. P., & Begalli, G. (2009). Elaboração e Análise das Demonstrações Contábeis. São Paulo: Atlas .
Kammler, E. L., & Alves, T. W. (2009). Análise da capacidade explicativa do investimento pelo q de Tobin em empresas brasileiras de capital aberto. RAE-eletrônica, 8(2).
Koch, P. D., & Shenoy, C. (1999). The information content of dividends and capital structure policies. Financial Management, 28(4), 16-35.
Lee, D. E., & Tompkins, J. G. (1999) A modified version of the Lewellen and Badrinath of Tobin’s. Financial Management, 28(1), 20-31.
Lindenberg, E. B; Ross, S. A. (1981). Tobin’s q ratio and industrial organization. The Journal of Business, 54(1), 1-32.
Machado, L. K. C., Prado, J. W., Vieira, K. C., Antonialli, L. M. & Santos, A. C. (2015). A relevância da estrutura de capital no desempenho das firmas: uma análise multivariada das empresas de capital aberto. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 9(4), 397-414.
Marion, J. C. (2002). Análise das Demonstrações Contábeis: Contabilidade Empresarial. 2ª ed. São Paulo: Atlas .
Marques, A. (2014) Concessão e Análise de Projetos de Investimento. Lisboa : Sílabo.
Matarazzo, D. C. (2010). Análise Financeira de Balanços: Abordagem Básica e Gerencial. 7ª ed. São Paulo: Atlas .
Mello, M. C. B. de. (2006). Investimentos em Ativos Permanentes e o Produto Agregado: Estudo Global e Setorial de Empresas Brasileiras no Período 1999-2003. Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília, DF, Brasil.
Monteiro, J. A. M., Pereira, D. M. V. G., Rezende, I. C. C., Santos, F. J. L., & Morais, J. J. S. (2012). Um estudo sobre o q de Tobin e o nível de investimento das companhias do setor de materiais básicos com ações na BM&FBOVESPA. Anais do Congresso Virtual Brasileiro de Administração.
Moreira, R. A., Locatelli, R. L., & Afonso, T. (2015) Avaliação e gestão econômico financeira de projetos: um estudo aplicado ao setor metalúrgico. Revista Gestão e Projetos, 6(3), 28-43.
Neto, A. A. (2012). Estrutura e Análise de Balanços: Um Enfoque Econômico Financeiro. São Paulo: Atlas .
Nogueira, I. V., Lamounier, W. N., & Colauto, R. D. (2010) O q de Tobin e o setor siderúrgico: um estudo em companhias abertas brasileiras e norte-americanas. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 12(35), 156-170.
Reis, A. (2009). Demonstrações Contábeis: Estrutura e Análise. São Paulo: Saraiva.
Santos, M. D., & Santos, J. O. (2008). Avaliação da liquidez da empresa por métodos alternativos: diminuindo a exposição ao risco de crédito. Revista Informação Contábil, 2(2), 43-60.
Santos, J. O., Ribeiro, N., & Olindo, R. (2006). Análise da relação entre a alavancagem, o índice P/L e a geração de valor aos acionistas: um estudo de caso de empresas do setor de transporte aéreo nacional. Anais do Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia.
Santos, L. M., Costa, D. F., Alberto, J. G. C., Gonçalves, M. A., & Faria, E. R. (2011). Análise do q de Tobin como determinante do investimento das empresas brasileiras. Revista de Administração Faces Journal, 10(3), 65-82.
Severo, R., Zani, J., & Diehl, C. A. (2015). Estrutura de capital e estratégia em mercados competitivos: uma análise empírica da relação. Revista de Administração da UFSM, 8(2), 298-316.
Silva, E. C. (2010). Como Administrar o Fluxo de Caixa de Empresas. São Paulo: Editora Atlas.
Silva, J. P. (2015). Emprego dos índices de liquidez como ferramenta de apoio para a tomada de decisão gerencial: um estudo de caso da empresa Pena Branca Agroshoppoing. Revista Formadores, 08(2), 37-51.
Silva, J. P. (2006). Análise Financeiras das Empresas. São Paulo: Atlas .
Szewczyk, S. H., Tsetsekos, G. P., & Zantout, Z. (1996). The valuation of corporate R&D expenditures: evidence form investment opportunities and free cash flow. Financial Management, 25(1), 105-110.
Tobin, J. (1969). A general equilibrium approach to monetary theory. Journal of Money, Credit and Banking, 1(1), 15-29.
Brainard, W. C., & Tobin, J. (1968). Pitfalls in financial model building. The American Economic Review, 58(2), 99-122.