Artigo
Recepção: 30 Maio 2018
Aprovação: 12 Agosto 2018
DOI: https://doi.org/10.23925/2178-0080.2017v20i3.37565
Resumo: A obesidade tem aumentado no mundo todo e as empresas de vestuário começaram a ampliar seus investimentos para melhor atender a esse público, criando lojas especializadas para vestuários plus size. Apesar disso, pouco ainda se sabe sobre como os consumidores avaliam essas lojas. Assim, este artigo objetiva analisar a experiência de consumo de indivíduos obesos em lojas especializadas de vestuário plus size. Para isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com consumidores desse segmento, analisadas a partir do conteúdo temático. Os resultados apontaram que, apesar de importantes para a inclusão, as lojas especializadas em moda plus size ainda promovem experiências negativas de consumo, pois os preços estão acima da média do mercado tradicional e não há variedade de roupas.
Palavras-chave: Experiência de Consumo, Consumidores Gordos, Moda Plus Size.
Abstract: Obesity has increased worldwide and clothing companies have begun to expand their investments to better serve this public by creating specialized stores for plus size clothing. Despite this, little is known about how consumers evaluate these stores. Thus, this article aims to analyze the consumption experience of obese individuals in specialized stores of plus size clothing. For this purpose, semi-structured interviews were conducted with consumers of this segment, analyzed from the thematic content analysis. The results pointed out that, although important for inclusion, stores specializing in plus size fashion still promote negative consumption experiences because prices are above the average of the traditional market and there is no variety of clothing.
Keywords: Consumer Experience, Fat Consumers, Fashion Plus Size.
Introdução
Apesar das pressões sociais, nas últimas décadas, por ideais de beleza que cultuam corpos magros e musculosos, o cenário social é de muitas pessoas com sobrepeso e obesidade (Sousa, & Melo, 2018). De acordo o Ministério da Saúde (Brasil, 2017), mais da metade da população adulta do Brasil (56,6%) apresenta excesso de peso. Esse dado corrobora com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2015), que afirma que entre os anos de 2002 a 2013 houve um aumento contínuo no número de homens e mulheres com excesso de peso e obesidade no Brasil. Quando tratada especificamente a questão da obesidade, o IBGE (2015) constatou que 16,8% da população masculina está diagnosticada com essa patologia, enquanto que 24,4% da população feminina é afetada.
Diante desse cenário, os corpos gordos começaram a ter maior visibilidade nos meios de comunicação, no cinema, na cultura pop em geral e na internet. E, consequentemente, os consumidores gordos começaram a exigir das empresas maior inclusão (Colls, 2006; Peters, 2014). O mercado de moda foi um dos mais atingidos com essas pressões, pois a sociedade moderna, que hipervaloriza o consumo, atribui às roupas a importância de representar os indivíduos socialmente, construindo identidades singulares e plurais a eles com a finalidade de que seja incluído em um grupo social (Baker, 2006; Rodrigues, 2012; Marcelja, 2015).
Essa busca de maior representação identitária fez com que novos grupos fossem sendo formados e, assim, novos segmentos de mercado fossem surgindo - o plus size é um exemplo. O mercado de moda de vestuário é, na contemporaneidade, um dos mais concorridos e segmentados (Santos, Gosling, Andrade, & Meira, 2016), isso despertou em algumas empresas o desejo de investirem mais recursos para atender a esse público que sempre existiu, mas que estavam reprimidos, e isso fez com que surgissem as lojas específicas para os consumidores de tamanhos maiores, as lojas especializadas em plus size (Marcelja, 2015; Sousa, 2018).
Tendo em vista que pouco se tem discutido na literatura acadêmica sobre as lojas especializadas em público de tamanhos maiores, e com base no que foi apresentado, este estudo objetiva analisar a experiência de consumo de indivíduos gordos em lojas especializadas em moda plus size.
Experiência de Consumo
Na concepção do mundo pós-moderno, o consumo não está mais atrelado apenas à satisfação de necessidades ou ao ato de devorar ou usar objetos adquiridos, mas, também, a um ato de produção de experiências (Firat, & Schultz II, 1997). Os estudos de Hirschman e Holbrook (1982), tidos como autores seminais na perspectiva experiencial, abordaram “as facetas do comportamento do consumidor que se relacionam com os aspectos multissensoriais, fantasia e emotivos do uso do produto” (Hirschman, & Holbrook, 1982, p. 99) e, a partir disso, ofereceram uma nova visão do consumidor com base nas suas experiências e desejos.
Para Holbrook (2000), os consumidores sempre desejaram as mesmas coisas, mas agora eles, os pensadores de marketing, é que passaram a reconhecer que os consumidores buscam sentimentos, sensações e experiências. Os aspectos experienciais vistos de modo subjetivo foram inicialmente divididos em: fantasia, sentimentos e diversão, mais tarde passando para uma visão mais complexa, com os seguintes aspectos: experiência, entretenimento, exibicionismo e evangelização. Assim, os consumidores passaram a vivenciar essas novas sensações e se tornaram mais exigentes quanto ao consumo.
No âmbito do marketing experiencial, o cliente consome não apenas pela funcionalidade dos produtos ou serviços, mas também pelas características hedônicas no processo do consumo (Pine, & Gilmore, 1999; Schmitt, 2000). Para que isso ocorra, cada vez mais as empresas estão mudando o enfoque a partir da lógica de serviço dominante tendo como base as experiências do consumidor. Pine e Gilmore (1999) denotam a importância de criar uma experiência com maior valor para o cliente, proporcionando valor econômico para a empresa.
Assim, experiências de consumo são, conforme Hanefors e Mossberg (2003), impressões e percepções que os indivíduos formam a respeito da interação entre o evento e o indivíduo, incluindo todos os aspectos relativos ao uso do produto ou do serviço. Por isso que Schimitt (2004) enfatiza que as experiências são voltadas para o processo do consumo e não apenas para o seu resultado. Dessa forma, uma experiência não pode ser considerada como algo totalmente subjetivo, nem totalmente livre de subjetividade (Thompson, Locander, & Pollio, 1989).
Conforme Schimitt (1999; 2004), as experiências são acontecimentos induzidos, e elementos do ambiente, como produtos e serviços estimulam os aspectos sensoriais, afetivos, intelectuais e corporais do indivíduo, compondo e determinando a experiência que o consumidor vivenciará. Com base nesse pensamento, muitas empresas visam proporcionar experiências aos seus produtos como forma de fidelizá-los e estimulá-los a continuarem consumindo seus produtos e serviços, além de contribuírem com a propaganda da empresa, a partir indicações aos amigos e familiares através do marketing boca a boca (hoje realizado de forma mais massiva através das redes sociais).
Consumo Plus Size
Apesar da exagerada aparição e pressão midiática acerca do corpo magro e musculoso, a sociedade tem apresentado um crescente aumento de peso e isso começou a desencadear movimentos mundiais de inquietude e questionamentos quando aos padrões de beleza exigidos (Medeiros, & Cardoso, 2010). Meng (2007) afirma que até o início dos anos 2000 as pessoas gordas tinham menor sensibilidade e envolvimento no consumo de moda, mas, durante a primeira década do novo milênio, já era notório que o pensamento dos consumidores estava mudando e essa parcela significativa da população já começava a valorizar o consumo de vestuários e produtos de moda da mesma forma que os consumidores de outros segmentos.
Com o olhar da indústria têxtil voltado para essa nova demanda de consumidores, o mercado criou uma segmentação a qual intitularam de Plus Size (“tamanho grande” em inglês). Esse termo surgiu nos Estados Unidos com a justificativa de sofisticação e modernidade na substituição dos termos utilizados à época, tais como “tamanho maior”, “tamanhos especiais”, “GG”, “GGG”, “XG” (Betti, 2014). Porém, autores como Kulick e Meleney (2005) afirmam que a modificação dos termos se deu porque a palavra “gordo”, na América do Norte e na Europa, é estigmatizada socialmente, sendo pronunciada com tom de preocupação, vergonha, alarme ou condenação. Dessa forma, ser “gordo” remete a algo ruim e pejorativo, então a criação do termo “plus size” pareceu ser mais agradável e menos agressivo aos seus consumidores. No Brasil, trabalhos como o de Melo, Farias, Kovacs, & Damascena (2014) e Melo, Farias e Kovacs (2017) apresentam a questão do estigma social à palavra gordo no Brasil, cuja palavra é costumeiramente relacionada a indivíduos “fracos” e “estranhos”, por exemplo, segundo os autores.
Tendo em vista essa demanda, até então reprimida, e a alta concorrência no varejo de vestuário, o mercado plus size começou a se expandir entre diversas marcas e países (Meng, 2007) e, visando maior lucratividade, lojas específicas para esse público foram sendo criadas (Matis, 2006). Essas lojas especializadas no público plus size utilizam de elementos promocionais com modelos gordos e têm como princípio apresentarem maior diversidade de opções para seus clientes (Sousa, 2018). Acerca de como é a realidade e a experiência de compra desses consumidores nessas lojas que se deu a realização deste estudo, como pode ser observado nos próximos tópicos.
Procedimentos Metodológicos
A presente pesquisa apoia-se na postura epistemológica pós-positivista e abordagem qualitativa, cujo objetivo é “descobrir e compreender um fenômeno, um processo, ou as perspectivas e visão de mundo das pessoas nele envolvidas” (Merriam, 2002, p. 6), utilizando-se de entrevistas semiestruturadas como instrumento de coleta de dados abordando tópicos de aceitação do perfil corporal, importância atribuída às roupas e experiência de consumo nas lojas plus size. Posteriormente, as entrevistas foram analisadas sob a ótica da análise de conteúdo temática.
Para a realização das entrevistas, os participantes foram selecionados a partir da utilização da técnica snowballing (ou “bola de neve”), em que cada sujeito indica outro(s) para participar(em) e assim por diante. Visando quebrar a homogeneidade que essa técnica pode provocar, o autor considerou informantes de diferentes perfis. Todos os entrevistados indicaram sua altura e peso, a partir dessas informações foi calculado o índice de massa corporal (I.M.C.) de cada um para categorizar o grau de obesidade deles, levando em consideração que, de acordo com este índice, considera-se obeso o indivíduo que apresenta média igual ou superior a 30.
Para a definição da quantidade ideal de entrevistados, foi utilizado o critério de saturação teórica, apontado por Merriam (2002) como o mais recomendado para decidir o momento de interromper as entrevistas, uma vez que não surgem mais relatos inusitados e novas informações. Sendo assim, foram realizadas oito entrevistas com vários tipos de informantes, conforme apresentado na Tabela 1, abaixo.

As entrevistas foram realizadas presencialmente e por chamadas de vídeo. Elas tiveram tempo de duração variando entre 9 min 49 seg, entrevista de menor duração, e 21 min, entrevista de maior duração. O tempo total de duração das entrevistas foi de 1h46 min e 40 seg. Todas elas tiveram os áudios gravados e foram transcritas em sua totalidade, de forma literal.
Com relação ao gênero dos entrevistados, sete são do sexo feminino e um do sexo masculino. Já no que se refere à faixa etária, os participantes têm entre 25 e 49 anos de idade. Quanto ao nível de escolaridade dos pesquisados, seis têm superior completo, um superior incompleto, um com especialização concluída e um está cursando o mestrado. A maioria dos sujeitos reside no estado de Pernambuco (seis), tendo sido entrevistados também um do estado de São Paulo e um do Rio de Janeiro.
Em relação aos perfis corporais, todos os entrevistados são considerados obesos, a partir dos resultados obtidos com o Índice de Massa Corpórea (IMC), cujo cálculo é feito dividindo-se o peso do indivíduo por sua altura elevada ao quadrado. É importante ressaltar que o IMC não é o melhor parâmetro para se avaliar o peso ideal, pois não compreende atletas, pessoas muito musculosas, idosos e mulheres grávidas. Porém, a fim de não comprometer os resultados da pesquisa, nenhum dos entrevistados se encaixa no perfil dessas pessoas cujo IMC não apresenta exatidão no resultado. De acordo com os resultados do IMC obtidos, seis entrevistados possuem obesidade de grau I (IMC de 30 a 34,9 kg/m²) e dois são obesos de grau III (IMC > 40 kg/m²).
Para fins de assegurar a validade e a confiabilidade da presente pesquisa, foram utilizados os critérios de descrição clara, rica e detalhada, além da validação comunicativa dos participantes.
Análise e Discussão dos Resultados
Todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas integralmente, resultando em um documento de 35 páginas. Para a análise, todas as transcrições foram relidas, e utilizou-se a técnica de análise de conteúdo categorial. Essa técnica foi escolhida por ter significativa legitimidade nos estudos no campo das ciências humanas e ciências sociais aplicadas, principalmente nas pesquisas com abordagem qualitativa, por tratar-se de uma técnica de análise de dados rica, importante e com grande potencial para o desenvolvimento teórico (Mozzato, & Gryzbovski, 2011).
A partir da divisão do texto em unidades (frases ou parágrafos), foram identificadas as categorias de homogeneidade mais ampla, até emergirem as categorias finais, aglomeradas em temas ou códigos que possuem alguma relação com a pesquisa, conforme indicação de Bardin (1977) e Moraes (1999). Dessa forma, as categorias que emergiram neste estudo foram: discriminação, importância das roupas, tendência de moda, e, por fim, experiência de consumo em lojas especializadas. Todas essas categorias estão apresentadas respectivamente no decorrer do texto.
Num primeiro momento, ao analisar as falas dos respondentes, é possível constatar que ainda está muito presente a questão dos estigmas sociais e estereótipos que relacionam o ser gordo com adjetivos como “estranhos” e “fracos”, assim como apontados no estudo de Melo, Farias e Kovacs (2017). São pessoas que sofrem discriminação exclusivamente pelo perfil corporal que possuem, dentro e fora de casa, como pode ser percebido nos trechos transcritos a seguir.
Quando você é gordinho, você sempre é discriminado de alguma forma, né?, pela sociedade. Seja quando você tá dentro do ônibus e alguém lhe oferece o lugar porque acha sempre que você tá grávida (...). Ou então, às vezes, questão de trabalho (...) eles não consideram quem é mais cheinho. Então, assim, já teve casos de eu ir pra seleção e ser rejeitada, não pelo meu perfil ou pelo meu currículo, mas, depois, por ter uma pessoa dentro da empresa, ficar sabendo que tinha sido rejeitada por causa do peso, por não tá dentro daquele padrão esperado. (ENT8).
Eu chorava, sabe? Eram aqueles apelidos mega originais que todo mundo sabe, todo mundo conhece, nem vale a pena ficar dizendo. Fora o fato de que as pessoas sempre acham que você tem alguma doença. Eu passo por isso constantemente. Meu pai, por exemplo, sempre acha que eu tô com pressão alta ou que minha glicose tá alta, e é muito chato. Eu acho que a gente estar gordinho (...) não significa que você esteja doente. Tem muita gente magra aí que tem diabetes, que tem pressão alta, que é hipertensa e, enfim, sabe? E as pessoas sempre associam que pessoas gordas sempre tem alguma coisa e não é bem assim, não. (ENT6).
E tem as comparações, né?, com animais e com objetos (...) Rolha de poço, que é um elefante, que é uma porca, que isso ou aquilo. Então a discriminação existe, sim! (ENT8).
Apesar de todo o preconceito, quando questionados sobre a importância que atribuíam às peças de vestuário, todos os entrevistados expressaram concordância com atribuição de que elas auxiliam na construção da sua imagem e identidade social, como apresentado na literatura em estudos como os de Baker (2006), Rodrigues (2012) e Marcelja (2015).
O corpo é a nossa vitrine. Se a gente tá bem vestido, a gente mostra uma imagem boa. Se tá vestido de qualquer forma, mostra uma imagem desleixada. (ENT4).
Tem a ver com a roupa que eu escolho e com a personalidade. Como eu me aceito bem e eu me visto bem (...) me enxergam empoderada como mulher, mesmo. Não só por ser gorda, mas como mulher num todo (...). Eu me enxergo primeiro como mulher, depois as particularidades: mulher, gorda, nordestina, tal. (ENT7).
Eu acho que as minhas roupas dizem quem eu sou. Eu tenho um estilo (...). Eu não sei se ele transfere exatamente a minha imagem ou se eu queria passar uma imagem pra sociedade, embora eu ache que inconscientemente você tem essa concepção de querer se mostrar de alguma forma pros outros. (ENT8).
Apesar de atribuírem importância ao vestuário, conforme apresentado acima, e embora todos os respondentes tenham expressado consumir peças de roupas para consumo próprio no mínimo duas vezes ao ano, nenhum dos entrevistados afirmou seguir tendências de moda.
Odeio isso de tendências, sabe? Tem muito isso de que “ah, gordinha não pode usar isso” ou “gordinhas não podem usar aquilo”, enfim. Um exemplo que acontece muito é de meninas falando que pessoas gordas não ficam bem com listas horizontais porque elas engordam. Manas, parem! Gordas, nós já somos, entende? Não é uma listra que vai me deixar mais ou menos gorda. Eu não vou deixar de usar uma roupa que eu gosto por causa dessas regras aí que esse padrão de beleza dita pra gente. (ENT6).
Essa negativa talvez possa ser explicada pelo fato de que as pessoas gordas não conseguem se perceber dentro das tendências ditas pelo mercado, que é, em sua maioria, magro, ou por não haver peças consideradas “da moda” disponíveis em suas numerações, conforme afirmam alguns entrevistados.
A sociedade diz o que as pessoas gordas podem ou não podem usar e aí não fabricam produtos daquele tamanho ou com aqueles estilos diversos para aquele tamanho grande, porque é como se dissesse indiretamente que aquela pessoa não pode usar aquela roupa e, por outro lado, não é do interesse delas, que aquelas pessoas também se sintam bem, se sintam incluídas. Porque quando você quer muito uma coisa e acha esse produto do modelo que você quer, você se sente muito feliz, mas para a sociedade, ainda noto isso, pessoas gordas não são felizes. (ENT1).
Eu enxergava “quadrado com manga, é camisa, quadrado pra baixo, é calça!” (...) A moda do Bob Esponja, né? (...) Parecia que tinha sido feita, assim, por qualquer um, né? Não tinha nada (...) de detalhe ou mais legal, assim. Era um “quadradão” mesmo. Um cobertor costurado. (ENT4).
Dessa forma, independente da razão pela qual não seguem as tendências ditadas pelo mercado da moda, as pessoas gordas procuram fazer suas escolhas de roupas baseando-se no conforto e no que lhes vestem bem, como pode ser percebido a partir dos recortes das entrevistas abaixo.
A minha intenção é estar bonita e bem comigo mesmo. Me importo pouco com a opinião das outras pessoas, porque elas nem me conhecem e já me julgam mesmo assim. (ENT1).
Eu não ligo pra isso. Se eu provei e gostei, pra mim não me interessa o que o povo acha não. (ENT2).
Eu compro ou visto uma roupa pensando que eu fique mais bonito e apresentável. Essa, eu acredito que seja a minha maior intenção. (ENT4).
Eu compro roupa pra me sentir bem, me sentir bela, pra mim, inicialmente. Se a sociedade ou outro vai achar bonito, isso é outra coisa que eu também não tô preocupada com isso. (...) Eu escolho, eu visto, de acordo, realmente, com quem eu sou (...). Se a sociedade se aproveita disso ou não, é outra conversa. (ENT8).
Você sempre se veste pensando que os outros lhe vejam bem, mas, primeiramente, pra mim, eu preciso tá bem comigo mesma, entendeu? Eu preciso me olhar no espelho e me sentir O.K., mesmo que muita gente diga que não tá tão O.K. assim, entendeu? (ENT9).
Apesar disso, todos os respondentes já vivenciaram experiência de consumo em lojas especializadas plus size. Sobre essas lojas, a primeira grande crítica que eles apresentaram, de forma uníssona, foi a de que os preços praticados são muito acima da média do mercado de vestuário para tamanhos dentro dos padrões (P, M, G).
Geralmente as roupas plus size são muito caras. Por exemplo, uma roupa GG em uma loja que não se considera plus size, mesmo sendo rara de achar essa peça nas lojas atuais, ela sai mais barato do que comprar um produto GG ou G1, ou até mesmo G, numa loja que se diz plus size. (...) o preço que é colocado em um produto plus size, eu acho que é desproporcional ao que poderia ser o preço de mercado. Porque uma blusa chega a 200, 300 reais, dependendo da peça, falando do GG, que é o que você pode encontrar em outras lojas. E quando você acha em uma loja que não é plus size, do jeito que você quer, o preço é mais Existe uma diferença de valores gritante. Mas, acredito que essa diferença é por conta da oferta que é menor que a demanda. São poucas as lojas que tem roupas para gordinhos. Então, as poucas que tem cobram caro por esses produtos. (ENT4).
Não tem ninguém que vá numa loja plus size e diga que os preços de lá não são maiores. É tudo muito mais caro. Eu até entendo que eles façam isso porque tem pouca concorrência, mas algumas peças têm preço surreal. Coisa que você poderia comprar duas ou três peças de uma roupa da mesma, numa tamanho menor, em loja de marca, por exemplo. (ENT6).
O preço das roupas pras pessoas mais gordinhas, elas são mais caras. Isso é normal! Você pode pegar (...) uma mesma saia ou vestido, a mesma calça, vai ser igual e o preço, às vezes, ele é 10, 15 reais mais caro. Tem uma diferença. E se você for pra uma loja mesmo, especializada, pra achar uma coisa mais específica, aí o preço vai ficar muito mais alto. (ENT8).
Não o bastante, outra crítica apontada refere-se à falta de variedade das peças de roupas de tamanhos maiores, além do comprimento e modelo das roupas que, segundo alguns entrevistados, deixa a desejar.
A variedade de roupas ainda é diferente do que um manequim mais magro. Por exemplo, sai um modelo que está em alta naquela época (...) aí esse modelo só é feito em manequins menores com uma quantidade diversificada de cores, estilos e estampas, mas quando você procura um que seja de uma loja plus size (...) você não encontra ou, quando encontra, é uma cor apagada, um cinza. (ENT1).
[Muita dificuldade] Principalmente no comprimento da roupa. Por exemplo, se uma blusa tiver o tamanho que consideram “normal”, ela vai ficar curta para a minha barriga, e a largura das mangas também é outra dificuldade, porque as mangas de roupa GG, às vezes, são do mesmo tamanho de uma roupa P, aí não cabe. (ENT3).
Roupa que não tem um tamanho que cobre mais a barriga, calça que fica boa nas pernas, mas não sobe nas coxas, aí quando você compra tamanho maior, dá nas coxas, mas fica um pouco folgada na cintura. (...) Tem muitas dificuldades nas roupas pra gordinhas. A gente sofre muito pra achar algo que realmente pareça ter sido feita pra gente. (ENT6).
Nenhum dos respondentes desta pesquisa relatou ter vivenciado uma experiência agradável de consumo, ou mesmo ter tido satisfação ao comprar os produtos ofertados nas lojas especializadas de moda plus size que os fizessem diferenciar esse tipo de loja de outra loja qualquer. Segundo os relatos, eles imaginavam que na loja especializada conseguiriam encontrar roupas diversas, preços acessíveis e suprir suas necessidades de vestimentas de forma satisfatória, mas nenhuma dessas expectativas foi atendida no momento da compra, tanto que, o pós-compra apresentado por todos eles é de insatisfação. Por esse motivo, muitos deles estão preferindo realizar suas compras através das lojas on-line.
Hoje em dia eu compro as minhas roupas em lojas on-line, eu não saio pra comprar em loja física, não, porque eu acho muito trabalhoso. Parece que as lojas são feitas pra pessoas magras, porque você acaba encontrando roupas até o número 46 ou 48, e quando você acha uma roupa que é pro seu tamanho, às vezes não é bem aquilo que você quer ou o caimento não fica legal... Ou fica aquela coisa arroxada no corpo, aquela coisa muito triste. Você fica indo de loja em loja, você pega aquelas vendedoras que já te atendem com a maior má vontade do mundo. Você fica em uma cabine minúscula, no calor, a vendedora te enchendo o saco pra saber se a roupa deu em você. Então, hoje eu faço as compras pela internet mesmo, porque eu procuro evitar essa situação que acho que toda gordinha, como eu, identifica. (ENT5).
Assim como relatado pelo ENT5, a maioria dos entrevistados prefere fazer suas compras em lojas virtuais, pois, além de mais cômodo, apresentam preços mais acessíveis, mesmo quando incluído o valor do frete, e a diversidade de modelos, cores e tamanhos das peças tendem a serem maiores, pela facilidade em acessar diferentes lojas ao mesmo tempo.
Conclusão
O presente artigo objetivava analisar a experiência de consumo de indivíduos obesos em lojas especializadas de vestuário plus size. Dessa forma, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com consumidores desse segmento, as quais foram analisadas a partir da técnica de análise de conteúdo temática. Percebe-se que o varejo de moda plus size tem crescido e a oferta vem melhorando. No entanto, ainda se tem muito que avançar. Nesta pesquisa, verificou-se que as lojas especializadas em moda plus size promoveram experiências negativas de consumo, pois a variedade de oferta é limitada, geralmente com modelos não atraentes, e as ações mercadológicas não são envolventes para esses consumidores, além do fato de que os preços praticados são acima do mercado tradicional.
É inegável a importância das lojas especializadas em moda plus size para o cenário do varejo e o mercado de vestuário, uma vez que elas foram criadas com o objetivo de promover a inclusão do público gordo nos diversos grupos sociais ofertando peças de vestuário da moda em tamanhos maiores para auxiliar em seus processos de construção da identidade social. Porém, é necessário que os gestores dessas lojas atentem para as críticas levantadas pelos consumidores quanto à falta de variedade e o alto preço praticado, pois, de outra forma, o movimento de migração do consumo desse segmento de mercado para o ambiente virtual pode ser um caminho em massa e sem volta, levando as lojas físicas especializadas neste público à extinção.
Também se faz necessário que haja uma reflexão quanto ao marketing de experiência nesses ambientes, uma vez que, conforme foi observado nas falas dos respondentes, não há preocupação por parte da gestão deste tipo de lojas quanto aos aspectos do processo de consumo (desde a pré-compra até o pós-compra) dos seus clientes. Isso faz com que os consumidores não vivenciem experiências de consumo positivas, considerando-as mais uma dentre muitas outras lojas de varejo de vestuário disponíveis. Com isso, sugere-se que as empresas desse segmento revejam suas ações mercadológicas.
As limitações desta pesquisa são principalmente metodológicas, mas que não comprometem os resultados obtidos e a contribuição que o mesmo apresenta. Sugere-se, para pesquisas futuras, estudar a experiência de consumo de vestuário para os indivíduos plus size no ambiente virtual, nas lojas de e-commerce, além da utilização de outras fontes de coletas de dados e métodos.
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