Artigo

O caso da abordagem de Estudos de Casos: elementos, convergências e divergências entre Yin, Eisenhardt e Stake

The Case of the Case Study Approach: Elements, Convergences and Divergencies Between Yin, Eisenhardt and Stake

Simone Boruck Klein
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UniOeste, Brasil
Pamila Eduarda Balsan Colla
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UniOeste, Brasil
Silvana Anita Walter
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UniOeste, Brasil

O caso da abordagem de Estudos de Casos: elementos, convergências e divergências entre Yin, Eisenhardt e Stake

Revista Administração em Diálogo, vol. 23, núm. 1, pp. 122-135, 2021

Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração

Recepção: 17 Junho 2020

Aprovação: 20 Dezembro 2020

Resumo: A metodologia de estudo de caso é amplamente utilizada na área de ciências sociais aplicadas. Esta pesquisa teórica tem como objetivo trazer à discussão os elementos, as convergentes e as divergentes nas abordagens epistemológica de Yin, Eisenhardt e Stake no que concerne ao estudo de caso. Este estudo justifica-se devido a necessidade de um debate quanto à literatura concernente ao estudo de caso, e visa contribuir com uma melhor utilização e interpretação na escolha do paradigma em pesquisas com este método. Como resultados este estudo visa contribui com a literatura ao fornecer uma confrontação das nuances apresentadas por cada autor de destaque e evidenciar uma visão dos paradigmas epistemológicos que delineiam as abordagens para a formação de teorias futuras..

Palavras-chave: Estudo de Caso, Pesquisa Científica, Abordagens Epistemológicas.

Abstract: The case study methodology is widely used in the field of applied sciences. This theoretical research aims to discuss the elements, as converging and diverging in the epistemological approaches of Yin, Eisenhardt, and Stake in what concerns the case study. This study justifies the need for a debate on the literature concerning the case study and aims to contribute to better use and interpretation in choosing the paradigm in research using this method. As a result, this study aims to contribute to the literature by providing a confrontation of each prominent author's nuances and showing a vision of the epistemological paradigms that outline the approaches to the formation of future theories.

Keywords: Case Study, Scientific Research, Epistemological Approaches.

Introdução

O estudo de caso é uma metodologia aplicada amplamente nas ciências sociais, como na psicologia, sociologia, antropologia e economia, além de campos orientados para a prática como em ciências sociais aplicadas em estudos organizacionais, de negócios, ambientais e de trabalho social ( Johansson, 2007).

A pesquisa em ciências sociais aplicadas utiliza-se fortemente do estudo de caso como instrumento em suas investigações, isto porque o estudo de caso fornece oportunidades de maior aproximação com a realidade ( Eisenhardt & Graebner, 2007), e também pela característica deste método em expor um rótulo adaptável a diferentes projetos de pesquisa social ( Tight, 2009).

Os métodos baseados em casos apresentam-se por diferentes técnicas como ocorre na utilização de caso único, análise de cluster, raciocínio baseado em casos, etnografias, estudos de casos legais, MDSCO e MSDO que são casos distintos que resultam em resultados semelhantes e casos semelhantes que resultam em resultados distintos respectivamente, além de estudos de caso históricos. Porém, o objetivo destas diferentes configurações ainda permanece o mesmo, pesquisar um caso ou conjunto de casos e obter uma compreensão holística de um tópico específico ( Castellani, Johnson & Schimpf, 2019).

O estudo de caso difunde-se com uma literatura conflitante e paradoxal, visto que, fornece diferentes abordagens epistemológicas para sua constituição ( Appleton, 2002). O conceito de estudo de caso tem como ponto de intersecção alguns elementos em comum entre diferentes autores, são eles: a necessidade de o “caso” de objeto de estudo ser uma unidade funcional complexa, ser investigado em seu contexto natural e com uma infinidade de métodos, além de ser contemporâneo ( Yin, 1994, Merriam 1994, Stake 1995, Miles & Huberman 1994, Johansson, 2007).

O estudo de caso é utilizado como estratégia metodológica ou como método de pesquisa e representa parte relevante das publicações brasileiras em ciências sociais aplicadas ( Chizzotti, 2018). Esta modalidade nem sempre tem sido utilizada com a qualidade desejada e/ou com as abordagens epistemológicas que fundamentam a estratégia metodológica ( Mariz, Goulart, Régis, & Dourado, 2005; Alves-Mazzotti, 2006).

Mesmo após o avançar na utilização de estudos de casos, as bases epistemológicas dos autores seminais ainda necessitam ser mais bem esclarecidas e investigadas. Desta forma, este ensaio teórico tem como objetivo trazer a discussão os elementos, as convergentes e as divergentes nas abordagens epistemológica de Yin, Eisenhardt e Stake, no que concerne ao estudo de caso. Por conseguinte, este estudo justifica-se devido a necessidade de um debate a respeito da literatura quanto as diferentes abordagens do estudo de caso, o que pode vir a possibilitar a interpretação e a utilização mais adequada em futuras pesquisas, ao fornecer um embasamento mais consistente para escolha do paradigma a ser utilizado em futuros estudos.

Visa contribuir com a literatura ao denotar uma confrontação das nuances apresentadas por cada autor e trazer para evidência os paradigmas epistemológicos que delineiam a visão de cada abordagem. Busca contribuir com pesquisadores iniciantes na escolha do paradigma predominante para cada projeto de pesquisa ao utilizar-se do estudo de caso. A escolha dos autores ocorreu a partir da observação de pesquisas na área da ciência sociais aplicadas, em que os autores Yin, Eisenhardt e Stake aparecem com frequência na seção metodológica das pesquisas que utilizam o estudo de caso.

O estudo está dividido em quatro seções, a começar pela introdução apresentada, logo após apresenta-se a fundamentação teórica referente ao tema, na sequência a discussão dos dados é fornecida pelas características dos elementos que constituem o projeto, a seleção de casos, coleta de dados, triangulação, análise dos dados e validação dos dados de acordo com a visão de cada autor analisado. Encerra-se com as considerações finais e contribuições que esta pesquisa alcançou.

Fundamentação Teórica

Esta seção visa fornecer ao leitor conceituações quanto ao objeto estudo de caso e apresentar as diferentes perspectivas epistemológicas de cada autor sujeito de análise neste estudo, portanto inicia-se com elucidações quanto a natureza do estudo de caso.

Estudo de caso: elucidações quanto à sua natureza

O status do estudo de caso ainda permanece incerto, por não haver uma definição aceita pelos metodólogos quanto à sua classificação, “trata-se, portanto de um método, uma metodologia, uma estratégia, um design, uma abordagem ou o quê? ” ( Tight, 2009, p.329). Após avaliação crítica dos estudos de Stake e Yin o autor supracitado afirma tratar-se de um rótulo conveniente a ser utilizado em pesquisas sociais, especialmente quando nenhum outro apresenta-se possível para o enquadramento do estudo.

Destarte, percebe-se que o estudo de caso apresenta natureza ambígua e idiossincrático, que fornece uma adaptação a cada caso específico de utilização, caracteriza-se por analisar um fenômeno específico delimitado pelo tempo e espaço e fornecer observações únicas ou múltiplas ( Gerring, 2007).

As definições de estudo de caso para os autores que são objetos de análise deste ensaio também fornecem subsídios para o entendimento da natureza desta estratégia de pesquisa. Para Eisenhardt (1989) “o estudo de caso é uma estratégia de pesquisa que se concentra em entender a dinâmica presente em configurações únicas” ( Eisenhardt, 1989, p. 534). A ênfase principal de Eisenhardt (1989) é na indução de teoria a partir de estudos de caso, destinadas principalmente para novas áreas temáticas.

Eisenhardt (1989) apresenta um roteiro para construir teorias advindas de estudo de caso com a utilização de um projeto de pesquisa que parte de questões elaboradas a partir de variáveis resultantes de teorias já existentes, mas que não contemplam o fenômeno estudado. Este roteiro concentra os esforços em casos úteis para a construção teórica, utiliza triangulação de evidências por múltiplos métodos de coleta de dados em combinação quantitativa e qualitativa. Para a autora esse processo utilizado apresenta uma abordagem positivista de pesquisa, pois o processo é direcionado para o desenvolvimento de hipóteses e teorias testáveis generalizável quando nas mesmas configurações e utiliza-se também da lógica da replicação ( Eisenhardt, 1989).

Para Yin estudo de caso define-se como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo (o “caso”) em profundidade e em seu contexto de mundo real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto puderem não ser claramente evidentes” ( Yin, 2015, p. 17). A hegemonia deste autor em referência ao estudo de caso é indiscutível, isto porque sua obra inicial de 1984 apresentou um protocolo para utilização do estudo de caso, a partir de sua experiência pessoal como pesquisador, num contexto norte-americano, em que os orçamentos e estruturas para pesquisas diferem-se do contexto brasileiro de pesquisa ( Martins, 2008). A utilização do estudo de caso, a luz de Yin, é muitas vezes empregada fora de um contexto epistemológico próprio ( Walter, 2019).

Para Stake (1995) não é possível uma definição clara para o estudo de caso, porém o autor concorda com a definição de Louis Smith (1978) em que o caso é visto como “ um sistema delimitado, chamando a atenção para ele como um objeto e não como um processo” ( Stake, 1995, p.2). Stake é um especialista credenciado no meio universitário americano, e a publicação de seu artigo “O método de estudo de caso na investigação social” forneceu fortes contribuições para o ponto de vista teórico da construção do estudo de caso.

Stake (1995) apresenta uma abordagem epistemológica contraditória à de Yin e fornece forte alusão ao estudo de caso único, como estudo de caso intrínseco, que tem o propósito de entender especificamente “este único caso”. O estudo de caso instrumental apresentado por Stake fornece subentendimentos que maximizam a aprendizagem objetiva no estudo, visa realizar algo além de compreender um único caso, e, o estudo de caso coletivo, é voltado para a representação de um grupo, em que são estudados os casos individualmente e escolhida as características mais relevantes. Esta classificação visa fornecer métodos diferentes para interesses próprios de cada projeto de pesquisa ( Stake, 1995, p.536).

Abordagens epistemológicas em estudos de caso

A visão dos pesquisadores respeito da natureza e da produção do conhecimento formam os elementos epistemológicos subjacentes de um projeto de pesquisa. A inclinação epistemológica permeia todas as etapas do processo de investigação, desde o momento da escolha do fenômeno a ser estudado até a forma final do relatório de estudo ( Scotland, 2012). Estudos positivistas consideram que as relações entre os fenômenos são fixas e a realidade pode ser medida pelo investigador. Os estudos interpretativistas assumem que as pessoas são construtoras da realidade pois atribuem significados ao interagir com os objetos de pesquisa e os estudos críticos consideram o pesquisador um agente que deve interferir na realidade investigada com a intenção de dar consciência ao coletivo da sociedade a respeito dos mecanismos de manipulação do status quo ( Orlikowski & Baroudi, 1991).

Os metodólogos Yin, Eisenhardt e Stake apresentam seus próprios embasamentos epistemológicos ao explanar o estudo de caso, o que impacta não só as perspectivas a respeito da metodologia, mas também os passos recomendados por cada autor para a execução do estudo de caso ( Walter, 2019). Esse posicionamento epistemológico se manifesta explícita ou implicitamente ao longo dos textos que abordam o estudo de caso e também determina os pontos fundamentais para a concepção desta estratégia de estudo. Pesquisadores de diversas disciplinas têm contribuído com pesquisas de estudo de caso, e desta forma, fornecem diferentes perspectivas epistemológicas e filosóficas, resultando em uma variedade de abordagens. Isto dificulta o uso do estudo de caso para pesquisadores iniciantes, diante de uma variedade de perspectivas, que acaba sendo confusa para sua aplicação ( Yazan, 2015; Larrigana, 2017; Harrison, Birks, Franklin & Mills, 2017).

O estudo de caso explanado por Yin fornece uma orientação positivista, isto devido aos critérios de objetividade, validade e generalização expostos pelo autor. Outro fator que fornece vestígios deste posicionamento é a maneira como o pesquisador refere-se às descobertas do estudo de caso. Yin aborda os termos “fatos estabelecidos que possibilitam a investigação” o que significa que a abordagem apoiadora deste estudo é o positivismo (Crotty, 1998). O autor não apresenta explicitamente seu posicionamento epistemológico, entretanto, pela perspectiva do autor, o estudo de caso necessita maximizar a validade do construto, a validade interna, a validade externa e a confiabilidade ( Yin, 2015).

Quanto à abordagem epistemológica de Eisenhardt (1989), mesmo a autora trabalhando com o fundamento de construção de teoria, sua abordagem pode ser considerada positivista, visto que o resultado final de seu trabalho consiste em um roteiro a ser seguido. A autora evidencia em seu texto, ter incorporado as noções de projeto de estudo de caso, lógica de replicação e preocupação para a validade interna da obra de Yin de 1984. Outro ponto que reforça este posicionamento epistemológico concentra-se na replicação da teoria gerada a partir do estudo de caso, devido o roteiro determinado direcionar para a criação de hipótese e para teorias testáveis. Confirmando sua abordagem epistemológica, Eisenhardt (1989 p. 546) expõe que “o processo descrito adota uma visão positivista da pesquisa, ou seja, o processo é direcionado para o desenvolvimento de hipóteses e teorias testáveis que são generalizáveis entre as configurações”. Portanto, conclui-se que o processo de desenvolvimento de teoria a partir de estudo de caso desenvolvido pela autora aporta pesquisas de cunho positivista.

Stake (1995) atribui grande parte de um capítulo de seu texto para explanar a tradição epistemológica sugerida por ele para a realização do estudo de caso. Ele afirma que o investigador do estudo de caso deve cumprir com sua obrigação de fornecer ao leitor a sua leitura de conhecimento e realidade, o que coloca os escritos do autor num paradigma construtivista e existencialista (não-determinístico). O estudo de caso de abordagem qualitativa é priorizado pela abordagem de Stake (1995) visto que afirma que o conhecimento é construído ao invés de descoberto, os pesquisadores são colocados como intérpretes e coletores de interpretações dos dados reunidos pela pesquisa realizada ( Yazan, 2015). Stake (1995) também apresenta o estudo de caso único como uma compreensão mais exata das condições em que acontece o fenômeno, e com isto, torna-o um estudo mais rigoroso.

Discussão

Para operacionalização deste estudo, utilizou-se a estratégia de identificação dos elementos abordados para o estudo de caso em uma sequência lógica empregada comumente no desenvolvimento e operacionalização de uma pesquisa. Buscou-se evidenciar o posicionamento dos autores estudados para cada um dos elementos elencados, abordando as suas compreensões e apresentações do estudo de caso pela perspectiva de cada autor. Como complementação a esta análise aborda-se os aspectos referente a teoria quanto a sua utilização e/ou a geração de teoria. A Figura 1 apresenta o desenho operacional deste ensaio teórico.

Desenho da Pesquisa
Figura 1
Desenho da Pesquisa
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)

Para atingir ao objetivo deste estudo, desenvolveu-se a Tabela 1, a qual compreende, a partir da leitura das obras dos autores observados, a seleção de trechos dos textos que melhor representam a compreensão e interpretação dos autores quanto aos elementos pré-estabelecidos para o estudo de caso. Em sequência, a descrição destes elementos é realizada de maneira a evidenciar as convergências e divergências das percepções entre os autores.

Tabela 1
Elementos do Estudo de Caso
Elementos do Estudo de Caso
Fonte: Elaborado a partir de Yin (1984, 2015), Eisenhardt (1989) e Stake (1995).

As convergências existentes entre os autores referente ao elemento “projeto” consistem em elaboração prévia para direcionamento do estudo, no entanto, Yin (2015), apresenta uma estruturação prévia mais minuciosa das etapas a serem seguidas na elaboração do estudo de caso, fornecendo estágios a serem seguidos do início ao fim da pesquisa os quais devem ser elaborados pelo pesquisador na criação do projeto. São eles:

a) as questões do estudo de caso; b) as proposições se houver; c) a (s) unidade (s) de análise; d) a lógica que une os dados as proposições; e e) os critérios para interpretar as constatações.

Enquanto Eisenhardt (1989) utiliza-se de uma estruturação prévia com menor grau de rigorosidade, porém, o autor defende a necessidade do estabelecimento de algumas diretrizes a serem seguidas no decorrer do estudo que são a questão de pesquisa e as variáveis encontradas na literatura existente as quais servem para nortear o desenvolvimento da pesquisa.

Já Stake, é o autor que possui maior divergência na abordagem deste elemento, pois, ele defende que é necessário apenas uma pergunta norteadora do estudo de caso, e o desenvolvimento do estudo de caso deve ocorrer de forma livre e condizente com o surgimento dos dados, sem amarras pré-definidas por um projeto de pesquisa.

No elemento “seleção de casos” a convergência entre os autores ocorre com Yin (2015) e Eisenhardt (1989) refere-se à necessidade de escolha do estudo de caso que atenda as exigências de uma replicação, no entanto, Eisenhardt (1989) visa estender a teoria com o preenchimento de lacunas teóricas ou desenvolvimento de novas teorias, assim a escolha dos casos a serem estudados deriva de lacunas não abordadas pela teoria que são características de casos com fenômenos diferenciados ou polares. Já Yin (2015) atenta-se a replicação, não por lógica de amostragem, mas pela a necessidade de o caso atender alguma circunstância presente da pesquisa em desenvolvimento.

Outro ponto de convergência ocorre no número de caso a serem utilizados, os 3 autores comentam a existência da realização do estudo de caso apenas com um caso específico ou com casos múltiplos, estes que envolvem dois os mais casos.

Entretanto, Yin (2015) defende preferencialmente a utilização de múltiplos casos para reforçar a robustez da pesquisa, o que se justifica devido sua abordagem positivista que dá ênfase na generalização dos dados e na replicação de instrumentos de pesquisa. Para Stake (1995) o estudo de caso único apresenta maior significância devido proporcionar uma análise mais profunda e completa do caso abordado, o que demonstra seu pensamento epistemológico construtivista que parte da construção do conhecimento pelos dados encontrados na realidade, classificando os casos em três categorias: caso único, caso instrumental e caso coletivo.

O elemento “coleta de dados” apresenta-se em duas dimensões na Tabela X a primeira trata-se do momento da coleta e a necessidade de protocolos. Já na segunda dimensão é apresentado as fontes metodológicas utilizadas. Na primeira dimensão, nota-se a divergência entre os autores observados, em que, Yin (2015) defende o início da coleta em um momento determinado pelo protocolo já desenvolvido anteriormente. Stake (1995) apresenta uma flexibilidade para o início da coleta de dados, além da possibilidade de alterações no decorrer do processo de coleta de dados, quando o pesquisador identificar a necessidade. Para Eisenhardt (1989) a coleta de dados é um processo retroalimentado com a sobreposições de análise e coleta de dados, apresentando uma característica muito similar à de Stake, com flexibilidade advinda dos dados, entretanto, a abordagem epistemológica dos autores se difere, pois, Stake embasa-se no construtivismo na busca das evidências dos dados e Eisenhardt (1989) é embasado pelo positivismo que se utiliza de uma flexibilidade limitada a pesquisas fundamentadas em hipóteses.

Na segunda dimensão referente ao elemento “coleta de dados” ocorre uma convergência entre os autores ao mencionar diferentes fontes metodológicas para a coleta de dados. A divergência ocorre no número de fontes elencadas por cada autor, sendo que Yin (2015) cita maior quantidade de fontes metodológicas como pode ser observada na Tabela 1. Outra disparidade, refere-se a natureza dos dados, em que Yin (2015) e Eisenhardt (1989) mencionam a utilização de dados quantitativos e qualitativos, em sequências distintas, enquanto Stake (1995) defende apenas a utilização de dados qualitativos como foco principal do estudo de caso, em que é utilizado para o embasamento do conhecimento construído a partir do caso.

No elemento “triangulação” a convergência ocorre na apresentação da necessidade de utilizar a triangulação, no entanto, cada autor possui uma abordagem distinta quanto ao nível de triangulação a ser utilizado. Yin (2015) e Eisenhardt (1989) referem-se à utilização da triangulação de dados para validação dos constructos, porém, Eisenhardt (1989) enfatiza a utilização da triangulação de pesquisadores para aumento da riqueza dos dados e confiabilidade dos resultados encontrados. Na abordagem de Stake (1995) não há limitação da triangulação para o nível de dados, mas ela é expandida para os níveis de triangulação do pesquisador, de métodos e de teorias, buscando maior veracidade para os dados encontrados na pesquisa.

Para o elemento “análise dos dados” a Tabela 1 possui duas dimensões. A primeira consiste na definição do que é análise dos dados para cada autor, e a segunda apresenta os tipos de análises sugeridas por eles. No que concerne às definições, os autores reforçam o seu posicionamento epistemológico, pois Yin (2015) apresenta uma sequência estruturada para analisar os dados, resultante da característica da abordagem positivista. Stake (1995) ressalta a utilização da interpretação e da intuição do pesquisador para a análise dos dados, consequência de sua abordagem construtivista. Por fim, Eisenhardt (1989) mesmo com o posicionamento positivista, reforça uma análise de dados conjunta com a coleta, em que existe uma reiteração contínua entre as fases análise e coleta de dados.

Na segunda dimensão, referente as estratégias de análises a serem utilizadas os autores convergem na concepção de escolher entre estratégias gerais e em sequência a utilização de uma técnica específica de análise. Yin (2015) aborda de uma forma geral a utilização de proposições advindas da teoria, e também o tratamento de dados a partir do zero, possibilitando uma flexibilização na escolha do método de análise, já as estratégias de análise consistem em codificações por meio de padrões, séries temporais, modelos lógicos e sínteses cruzadas. Para Skate (1995) a análise dos dados consiste em categorias ou interpretação dos dados, com a utilização de estratégicas que buscam padrões, codificações de registro ou agregações de referências. Eisenhardt (1989) utiliza-se apenas de estratégias de análise baseadas em similaridades e diferenças observadas a partir de ângulos distintos, com foco na singularidade do caso e um olhar na busca da confirmação estatística. Portanto, nota-se uma similaridade entre as concepções dos autores, apesar de suas epistemologias distintas.

No elemento “validação” fica evidente a abordagem epistemológica de cada autor, em que Yin (2015) trata a necessidade da validação do constructo, validação interna e externa e a confiabilidade, posicionamento este positivista que trata a validação da pesquisa de uma forma ampla. Stake (1995) aborda a validação como uma necessidade para fortalecimento das evidências encontradas nos dados da pesquisa, posicionamento construtivista em que o conhecimento é construído paulatinamente. Para Eisenhardt (1989) a validade relaciona-se com as fontes de dados e evidências da pesquisa, como uma busca pela destinação entre os constructos desenvolvidos e pré-existentes.

Além das diferenças quanto aos elementos de constituição do estudo de caso, os autores trazem visões distintas referente à utilizado do estudo de caso na geração de teorias. Desta forma, a Tabela 2 apresenta as abordagens dos autores analisados para o desenvolvimento de teoria.

Tabela 2
Convergências e Divergências na Geração de Teoria
Convergências e Divergências na Geração de Teoria

Os estudos de caso partilham de diferentes objetivos, como apresentar “fatos”, para propósitos de ensino e com mais ênfase o estudo de caso objetiva testar e elaborar teoria, embora mais comumente tenham sido utilizados para a construção de teorias e geração de hipóteses ( Gerring, 2007).

Pela lente de Yin (2015) o estudo de caso visa explicar “como” e por quê” a teoria prévia desempenha um importante papel para o desenvolvimento das proposições, que ocorre antes da coleta de dados. O autor apresenta uma visão positivista que busca nos dados de campo uma relevância para o entendimento da teoria, além de utilizá-la para a análise dos dados coletados. As proposições teóricas que representam as questões centrais da literatura proporcionam orientação forte na determinação dos dados a serem coletados e nas estratégias para a análise dos dados ( Yin, 2015, p. 40). Em síntese, o autor utiliza a teoria para embasamento do estudo de caso, além de auxiliar na criação das categorias para a coleta e análise dos dados, sendo que seu foco não consiste na geração de teoria, mas sim para testá-la empiricamente.

Para Stake (1995) a teoria pode emergir por meio do estudo de caso, entretanto, não existe ênfase no desenvolvimento de uma teoria, pois o destaque do método está na singularidade e particularização do caso e a compreensão do mesmo. Por tratar-se de uma abordagem epistemológica construtivista, com característica de pesquisa qualitativa o autor distingue os estudos de caso com visão holística, pela inter-relação entre o fenômeno e os seus contextos, visão empírica, por que baseia-se em observações de campo, visão interpretativa, pois o pesquisador apresenta sua intuição e interação pesquisador-assunto e visão enfática, pois o pesquisador mostra suas experiências numa perspectiva êmica, ou seja, daquele que a vivenciou ( Yazan, 2015). Portanto, para o autor a teoria vem a complementar a interpretação dos resultados, não devendo limitar o pesquisador na observação plena da realidade do caso.

Para Eisenhadt (1989) a construção da teoria é plenamente viável a partir de estudo de caso. Nesta perspectiva de estudo de caso, o desenvolvimento de teoria ganha maior ênfase, o pesquisador utiliza-se de variáveis existentes e inter-relacionadas a diversas questões de pesquisa, e a repetição dos processos é que delinearão a teoria subjacente daquela realidade observada. A autora propõe um roteiro que tem como pressuposto a concentração de esforços em casos úteis para a construção teórica, faz triangulação de evidências por múltiplos métodos de coleta de dados em combinação quantitativa e qualitativa, na coleta de dados e análise apresenta a possível utilização de ajustes úteis para adaptação à melhor realidade estudada. O método força os investigadores a olhar além das impressões iniciais pelas múltiplas lentes utilizadas, e visa obter familiaridade com os dados para gerar teorias preliminares. O roteiro sequencial visa construir hipóteses, porém não por dados amostrais, mas pela lógica entre casos. Utiliza-se fortemente da literatura no momento da análise, com comparação da literatura conflitante e da literatura similar, razão pela qual constrói validade interna e eleva o nível teórico. Utiliza a saturação teórica como determinantes para o encerramento da pesquisa ( Eisenhardt, 1989).

Considerações Finais

O estudo de caso é comumente utilizado no meio de pesquisa social, possuindo defensores e praticantes, no entanto, não se encontra uma hegemonia quanto a sua prática ou status ( Tight, 2009). Desta forma, este ensaio teórico teve por objetivo trazer a discussão os elementos, as convergentes e as divergentes nas abordagens epistemológica de Yin, Eisenhardt e Stake no que concerne ao estudo de caso, buscando contribuir para a literatura existente sobre o tema, e consequentemente para aos pesquisadores iniciantes neste método.

A partir da leitura das obras dos autores observados, desenvolveu-se uma confrontação entre as abordagens, evidenciando os pontos de alinhamento de percepções e pontos de discordância entre as obras na construção do estudo de caso, embasado pelos posicionamentos epistemológicos específicos de cada autor.

Em consequência das abordagens distintas entre os autores, é necessário identificar uma abordagem epistemológica para o desenvolvimento da pesquisa de estudo de caso observando o alinhamento entre o objetivo proposto pelo estudo e a operacionalização correta do estudo de caso.

Para casos que visam testar hipóteses ou constructos de teorias já existentes, a abordagem de Yin (2015) traz uma estruturação consistente e útil para o desenvolvimento de uma pesquisa desta natureza. Cabe ressaltar que para pesquisadores iniciantes, a abordagem de Yin (2015) proporciona e ampara o desenvolvimento do estudo de caso, entretanto o posicionamento da pesquisa deve ser positivista, uma vez que não se apresenta condizente utilizar o protocolo positivista de Yin (2015) para uma pesquisa com características de interpretações amplas e intuitivas. Portanto, o autor apresenta o estudo de caso numa perspectiva de raciocínio dedutiva.

Eisenhardt (1989), tem seu foco na criação de teoria a partir de estudo de caso desenvolvidos com uma abordagem positivista, no entanto, em determinados momentos de seu posicionamento, a autora defende a flexibilidade na construção do estudo de caso, para que este atenda as características necessárias ao desenvolvimento de uma nova teoria. Esta abordagem pode ser utilizada em estudos que exijam um direcionamento prévio, mas que possuam a expectativa de produzir resultados capazes de gerar teorias que expliquem fenômenos ainda não contemplados pela literatura existentes. A autora também fornece uma linha de raciocínio dedutiva para a formulação do estudo de caso.

Já estudos que visam compreender fenômenos não interpretados ou atendidos por uma ou mais teorias, o posicionamento construtivista de Stake (1995) supre a necessidade do estudo, pois apresenta uma condução flexível ao desenvolvimento do estudo de caso, em que visa à compreensão do fenômeno a partir da interpretação e intuição do pesquisador. O autor delineia o estudo de caso sob uma linha de raciocínio indutiva, o que denota maior distinção nos estudos embasados neste autor.

Nota-se que o objetivo da pesquisa, e o conhecimento prévio da característica epistemológica da pesquisa são necessários para a escolha de qual abordagem de estudo de caso empregar, evitando assim, a utilização de uma estrutura inflexível em um estudo de caso que necessite de uma flexibilização, maior abertura para interpretação da coleta e análise de dados, ou ainda, a dispersão de foco e de tempo com dados irrelevantes em estudos de casos que necessitem de diretrizes bem estabelecidas para a execução da pesquisa.

Apesar do estudo de caso ser uma única ferramenta metodológica aplicada para a investigação de fenômenos, esta necessita de cuidados evidenciados no campo científico, pois possuir diferentes abordagens e métodos de aplicação. É necessário que o autor tome o cuidado para que o estudo de caso não se torne um caso de estudo, ou então seja enviesada, prejudica pela utilização de uma abordagem inadequada no momento de desenvolvimento da pesquisa.

Em decorrência do vasto campo de pesquisa organizacional nas ciências sociais aplicadas, conhecer e compreender os objetivos e as características epistemológicas da pesquisa a ser realização, otimiza o processo de elaboração do estudo, amplifica a qualidade da pesquisa desenvolvida, além de poder amenizar gastos com recursos financeiros e de tempo, uma vez que estes são escassos.

A limitação deste ensaio teórico concerne ao acesso dos materiais dos autores, uma vez que foram analisadas as obras de apenas três autores. Como sugestão para pesquisas futuras recomenda-se a utilização de outros autores para confrontação quanto aos elementos do estudo de caso ou ainda a utilização de casos práticos para cada uma das abordagens encontradas.

Referências

Alves-Mazzotti, A. J. (2006). Usos e abusos dos estudos de caso. Cadernos de pesquisa, 36(129), 637-651.

Appleton, J. V. (2002). Critiquing approaches to case study design for a constructivist inquiry. Qualitative Research Journal, 2(2), 80-97.

Byrne, D., & Ragin, C. C. (2009). The Sage handbook of case-based methods. Beverly Hills, CA: Sage Publications.

Castellani, B., Barbrook-Johnson, P., & Schimpf, C. (2019). Case-based methods and agent-based modelling: bridging the divide to leverage their combined strengths. International Journal of Social Research Methodology, 22(4), 403-416.

Chizzotti, A. (2018). Pesquisa em ciências humanas e sociais. Cortez editora.

Crotty, M. (1989). The foundations of social research. London: Sage.

Denzin, N. K. (2017). The research act: A theoretical introduction to sociological methods. Routledge.

Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. Academy of management Review, 14(4), 532-550.

Eisenhardt, K. M., & Graebner, M. E. (2007). Theory building from cases: Opportunities and challenges. Academy of Management Journal, 50(1), 25-32.

Gerring, J. (2007). Is there a (viable) crucial-case method? Comparative Political Studies, 40(3), 231-253.

Johansson, R. (2007). On case study methodology. Open House International, 32(3), 48.

Larrinaga, O. V. (2017). Is it desirable, necessary and possible to perform research using case studies? Cuadernos de Gestión, 17(1), 147-171.

Mariz, L. A., Goulart, S., Régis, H. P., & Dourado, D. (2005). O reinado dos estudos de caso na teoria das organizações: imprecisões e alternativas. Cadernos Ebape, 3(2), 01-14.

Martins, G. A. (2008). Estudo de caso: uma reflexão sobre a aplicabilidade em pesquisa no Brasil. Revista de Contabilidade e Organizações, 2(2), 9-18.

Miles, M. B., Huberman, A. M., Huberman, M. A., & Huberman, M. (1994). Qualitative data analysis: An expanded sourcebook. Beverly Hills, CA: Sage.

Mills, J., Harrison, H., Franklin, R., & Birks, M. (2017). Case study research: Foundations and methodological orientations. In Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research, 18(1), art. 19. https://doi.org/10.17169/fqs-18.1.2655

Orlikowski, W. J., & Baroudi, J. J. (1991). Studying information technology in organizations: Research approaches and assumptions. Information Systems Research, 2(1), 1-28.

Scotland, J. (2012). Exploring the philosophical underpinnings of research: Relating ontology and epistemology to the methodology and methods of the scientific, interpretive, and critical research paradigms. English Language Teaching, 5(9), 9-16.

Smith, L. M. (1978). 8: An Evolving Logic of Participant Observation, Educational Ethnography, and Other Case Studies. Review of Research in Education, 6(1), 316-377.

Stake, R. E. (1995). The art of case study research. Califórnia, USA: Sage.

Tight, M. (2009). The curious case of case study: a viewpoint. International Journal of Social Research Methodology, 13(4), 329-339.

Walter, S. A. (2019). Diferenças epistemológicas entre Yin, Stake e Eisenhardt [Palestras sobre Estudos de Caso]. Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Yazan, B. (2015). Three approaches to case study methods in education: Yin, Merriam, and Stake. The Qualitative Report, 20(2), 134-152.

Yin, R. K. (2015). Estudo de Caso: Planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.

Yin, R., (1994). Case study research: Design and methods (2nd ed.). Beverly Hills, CA: Sage Publishing.

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por