EDITORIAL

Produção e reprodução acadêmica: o produtivismo e a lógica gerencialista na Pós-Graduação em Administração

Academic production and reproduction: productivism and managerial logic in the Post-Graduation in Management

Aimãn Ibrahim Mourad
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil

Produção e reprodução acadêmica: o produtivismo e a lógica gerencialista na Pós-Graduação em Administração

Revista Administração em Diálogo, vol. 23, núm. 2, pp. 01-06, 2021

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Não são novas as discussões em torno do produtivismo acadêmico instalado entre os pesquisadores e as instituições de ensino como consequência dos modelos de avaliação adotados pelos principais órgãos do sistema de educação nacional. Sabemos que o produtivismo não é exclusivo da área da administração, mas não deixa de ser irônico que dentro da academia nós continuemos reproduzindo uma lógica gerencialista (que tanto ensinamos em sala de aula) para a produção de conhecimento como um produto comercializado de maneira competitiva e sem nenhuma visão crítica desta situação. Apesar da “McDonaldização do Ensino” (Alcadipani & Bresler, 1999) ser discutida há mais de duas décadas, os acadêmicos da Administração tiveram pouca reflexão crítica sobre essa questão (Alcadipani, 2011) e essa limitação continua até os dias atuais.

A pressão gerada pela lógica produtivista da academia impacta de maneira direta os principais atores envolvidos no processo de produção de conhecimento, que serão discutidos isoladamente em breve. Destaco aqui dois pontos importantes deste editorial: em primeiro lugar, apesar de ser publicado pela Revista Administração em Diálogo - RAD, periódico vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração [PEPGA] da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo [PUC-SP], esta reflexão representa exclusivamente a visão do autor e não é uma posição institucional, sendo resultado da liberdade de cátedra garantida por este periódico e por esta Universidade; o segundo ponto de destaque é que meu objetivo é discutir o produtivismo acadêmico na Pós-Graduação em Administração, área 27 (Administração Pública e de Empresas, Ciências Contáveis e Turismo) das Ciências Sociais Aplicadas, alocada dentro do Colégio de Humanidades da CAPES, uma vez que tanto o escopo do periódico quanto a formação do autor se limitam às divisões da área da Administração.

O produtivismo é entendido como o reconhecimento exacerbado na produção de algo, mas com pouca substância, evidenciando o valor da quantidade e não da qualidade do que é produzido. Como produtivismo acadêmico, podemos entender a emissão de diplomas e certificados, a oferta de cursos de graduação e pós-graduação lato e stricto sensu, a captação de alunos, a publicação de artigos, a quantidade de congressos, simpósios, seminários, periódicos e editoras, entre outros. Todos esses pontos não podem ser apontados como negativos da academia, porém, quando não há rigor em cada produção citada, tornam-se ferramentas quantitativas que incentivam o produtivismo na esfera acadêmica, resultando em baixa qualidade em suas produções.

No âmbito da graduação, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep, em 2019 havia 8.603.824 estudantes matriculados em Instituições de Ensino Superior no país, 40.427 cursos de graduação e 2.608 IES, sendo 88,4% instituições privadas, onde 27,2% ofereciam no máximo 2 cursos de graduação. Para efeito de comparação, em 2017 o Brasil possuía 6.529.681 alunos matriculados em cursos de graduação, 4.649.897 eram alunos da rede privada segundo o Inep e destes, aproximadamente 2.622.900 das matrículas estavam concentradas nos 10 maiores grupos educacionais (Cunha, 2018), ou seja, dez grupos eram responsáveis pela formação de mais de 56% dos estudantes universitários. Agravamento da mercantilização do ensino.

Na Pós-Graduação, métricas quantitativas sobre a produção científica são utilizadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelas Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados (FAPESP, FAPERJ, FAPEMIG etc.) seja na classificação dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu, seja na “categorização” do pesquisador para a concessão de bolsas de incentivo à pesquisa no país ou no exterior, ou na estratificação dos periódicos e eventos nacionais e internacionais. Em outro editorial abordaremos a avaliação e a classificação dos Programas de Pós-Graduação, então aqui vou me limitar a discutir sobre outros pontos importantes.

Do Estudo à Pesquisa: A Lógica do “Publish or Perish”

De modo geral, o primeiro contato com a pesquisa acontece quando o pesquisador ingressa no Mestrado. Apesar de alguns estudantes serem oriundos de uma graduação já voltada para a academia (com projetos de iniciação científica) e todos passarem pelo Trabalho de Conclusão de Curso, a responsabilidade de criar um projeto com rigor metodológico e científico se dá no Mestrado. O estudante precisa cumprir uma determinada quantidade de créditos que são definidos pelo Programa de Pós-Graduação ao qual está vinculado para, então, ir estar apto a ir para a defesa pública de sua Dissertação. É comum que parte destes créditos sejam publicações em eventos e periódicos, assim, antes mesmo de absorver qualquer conhecimento teórico ou metodológico, os estudantes são obrigados a transformar suas curiosidades em artigos com o objetivo de aumentar a publicação do Programa de Pós-Graduação. No Doutorado, a única diferença é que o estudante já está mais acostumado com essa lógica e com o método de produção científica, tornando o processo menos traumático.

Um evento científico é o local de debate e discussão com outros pesquisadores e especialistas da área que trocam suas experiências e visões sobre determinados saberes, visando contribuir com pesquisas em andamento ou concluídas, porém, é comum que alunos recebam pareceres de eventos rejeitando o trabalho por não estarem finalizados. O resultado dessa exigência é a criação de eventos espalhados pelo país onde muitas vezes o público-alvo são apenas os próprios estudantes da IES com o objetivo de escoar a produção local. Não é necessariamente um problema as discussões se resumires à própria comunidade acadêmica local, o problema é quando o objetivo da participação se torna apenas alimentar o Currículo Lattes com participações em eventos como exigência de créditos para a defesa. Avaliações quantitativas sem critérios qualitativos.

Professores vinculados aos programas de pós-graduação exigem incentivam seus estudantes a submeterem artigos como critério avaliativo de suas disciplinas, independente da aderência entre a disciplina e a área de interesse/conhecimento/ formação do estudante, assim, estudantes de marketing são obrigados a cursar disciplinas de outras áreas para cumprirem créditos e o resultado disso é o mesmo: artigos. Claro, o professor é também um dos autores do trabalho que pode ser publicado ou apresentado. Novamente, não há nada de errado em incluir como autor de um trabalho um professor que corrigiu e fez contribuições para o desenvolvimento e melhoria do mesmo, a crítica aqui está na obrigatoriedade da submissão de um trabalho que não irá contribuir na formação do pesquisador em sua área. É importante destacar que os professores passaram pela mesma lógica em suas formações.

Após a conclusão do Mestrado e Doutorado, o pesquisador precisa continuar produzindo. Não é incomum vermos pesquisas fracionadas (o chamado “salame science”), onde no lugar de uma pesquisa robusta, vemos pesquisas fatiadas e transformadas em mais de um artigo, visando aumentar o número de publicações (já que duas publicações em periódicos A2 valem mais do que uma publicação em um periódico A1). Aprendemos a fracionar a pesquisa já na publicação da nossa Dissertação e/ou Tese. Ainda como resultado da pressão para a publicação, autores submetem o mesmo artigo em periódicos diferentes, ou publicam o mesmo artigo em outras línguas, indo contra o código de ética de qualquer periódico nacional e internacional.

A lógica do “publish or perish” está presente desde a formação do pesquisador. Na nossa área, os artigos há algum tempo passaram a apresentar como exigência para submissão suas contribuições gerenciais, uma vez que somos uma Ciência Social Aplicada, porém, não há avaliação crítica dos impactos práticos e/ou sociais das pesquisas, fazendo com que os autores se preocupem quase que exclusivamente com a quantidade de artigos publicados e não com a possível contribuição da pesquisa para a sociedade.

Periódicos e Editoras Predatórias: Fábricas de Divulgação de Pesquisas

Respeitando a Lei da Oferta e da Procura, surgiram vários periódicos que visam aproveitar tanto a oferta de artigos a serem publicados, quanto a necessidade de publicação exigida pela lógica produtivista instalada em nossa academia.

Alguns periódicos passaram a cobrar pela publicação do artigo. Aqui, tenho uma avaliação cautelosa: a manutenção de periódico exige investimento financeiro e de trabalho não remunerado. Se o periódico segue o processo de avaliação com rigor e após a aprovação do trabalho solicita algum pagamento para custear a versão do artigo em outra língua, a inclusão do DOI, a revisão das normas ou qualquer outra melhoria ou exigência para a publicação, apesar de não ser uma prática comum, não há o que criticar, uma vez que o autor, quando submete o trabalho, está ciente sobre arcar com alguns custos caso o trabalho seja aprovado, desde que este processo esteja descrito de maneira clara no momento de submissão (espera-se que os autores leiam as diretrizes de cada periódico). A crítica feita aqui está no surgimento dos periódicos predatórios, onde a publicação é cobrada e garantida pelo periódico, independente da qualidade ou relevância do trabalho.

Outro fenômeno resultante do produtivismo foi o surgimento das editoras predatórias, que aliciam principalmente os recém pesquisadores a publicarem suas Dissertações ou Teses como livros que não terão impacto algum na academia, mas que entrarão para o Currículo Lattes como publicação. Estas editoras também cobram pela publicação e a crítica também se limita à falta de critério editorial para a publicação do livro e não pela cobrança de qualquer valor monetário para o autor.

Como uma tentativa de identificar quais periódicos e editoras atuam como fábrica de publicação sem garantir qualquer rigor editorial, surgiram sites com listas que identificam quais são os potenciais periódicos e editoras predatórias. Possivelmente a lista mais conhecida é a Beall’s List, criada pelo cientista e bibliotecário americano Jeffrey Beall, com o objetivo de identificar publicações abertas potencialmente predatórias e que pode ser acessada por qualquer pesquisador que não queira sua pesquisa vinculada a essas publicações (www.beallslist.net).

Tanto editoras como periódicos são as principais fontes de acesso à pesquisa científica e é indiscutível o papel de relevância que elas possuem para a divulgação de anos de trabalho e dedicação por parte dos pesquisadores sérios e comprometidos com a pesquisa, é preciso, porém, uma quebra na lógica produtivista para que se mantenham como plataforma de acesso ao conhecimento apenas editoras e periódicos comprometidos com o avanço do conhecimento em suas áreas de atuação e com os impactos positivos para o desenvolvimento da sociedade como um todo.

Os Impactos do Produtivismo

Não são raros os trabalhos que discutem quais os impactos do produtivismo na academia, mesmo quando estas pesquisas não identificam de maneira direta o produtivismo como causa principal desses achados.

As publicações fracionadas, a autocitação em excesso, as publicações repetidas e publicadas em canais diferentes, o aumento significativo do número de plágio, autoplágio e coautoria, a proliferação de editoras e periódicos predatórios e a má qualidade das publicações são alguns resultados apontados como consequência da pressão gerada pelo produtivismo acadêmico.

Precisamos, também, levar em consideração a saúde mental dos nossos pesquisadores, que por vezes apresentam problemas mentais e psicológicos como possíveis resultados que tal pressão pode acarretar. A academia é feita por nós, editores, revisores, autores, pesquisadores, professores e estudantes. Não há crítica a terceiros, apenas autocrítica. É preciso, então, um olhar cauteloso e crítico para combater a lógica produtivista e gerencialista instalada na academia e em especial na área da Administração, visando garantir a qualidade das pesquisas e o bem-estar nosso e de nossos pesquisadores.

Referências

Alcadipani, R & Bresler, R. (1999, 10 de maio) A McDonaldização do Ensino. Carta Capital, São Paulo.

Alcadipani, R. (2011). Resistir ao produtivismo: uma ode à perturbação Acadêmica. Cadernos EBAPE, 9(3), 1174-1178.

Cunha, J. (2018, 17 de junho). Conglomerados do ensino superior avançam sobre a educação básica. Folha de São Paulo, São Paulo.

BRASIL. (2019) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior: Notas Estatísticas 2019. Inep, Brasília.

BRASIL. (2017) Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Censo da Educação Superior: Resumo Técnico do Censo da Educação Superior 2017. Inep, Brasília.

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