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Afetividade e generosidade: nossa gratidão a Luciano Antonio Prates Junqueira
Affection and generosity: our gratitude to Luciano Antonio Prates Junqueira
Revista Administração em Diálogo, vol. 23, núm. 3, pp. 1-8, 2021
Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração

Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia. Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes. Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente. Lembrar que estão longe e ter saudades deles… Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho. Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza. Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve. Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu. Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe. Lembrar dos amigos que estão próximos e dasconversas com eles. Saber que a gente tem amigos de fato! Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto… Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas. Gostar de estar alicaminhando. Gostar de estar assim esquecido. Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.(Manoel de Barros, 2010, p. 59)

Estamos há quase dois anos vivendo uma pandemia sem precedentes na história recente. No Brasil, atingimos 600 mil mortes e ainda não temos uma perspectiva real de quando tudo isso irá acabar. É um momento complexo, no qual a ciência, mais do que nunca, tem uma contribuição a oferecer para a sua superação. Diante desse contexto de tantas perdas, fomos convidados a escrever um editorial em homenagem ao professor Luciano Antonio Prates Junqueira, que fez parte do corpo docente da PUC-SP a partir de 1984 e com destacada atuação no Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração, como docente, pesquisador e coordenador. E, ainda mais, Luciano foi o idealizador desta revista e seu primeiro editor, fazendo com que esta seja uma necessária homenagem por parte da Revista Administração em Diálogo - RAD para alguém que tanto contribuiu não apenas para ela, como para toda esta instituição.




Mesmo compreendendo a finitude da vida, escrever sobre Luciano, um mês após a sua morte, traz uma dor difícil de ser descrita, ao mesmo tempo que nos desperta a alegria de termos sido eleitos para construir um texto que celebre a sua vida, a sua obra e a sua trajetória na universidade e nas próprias vidas de todos aqueles que tiveram a oportunidade de tê-lo como professor, colega, orientador e amigo.

Dois anos atrás publicamos o livro intitulado “Intersetorialidade e redes: a trajetória do intelectual Luciano Antonio Prates Junqueira” ( Corá & Motta, 2019); naquele momento, o objetivo era celebrar os 80 anos de vida de Luciano. A publicação foi lançada na Livraria da Vila e contou com a participação de muitos amigos e colegas interessados em suas obras. Organizamos esse livro de forma a trazer uma releitura de pesquisadores importantes sobre os principais artigos publicados por Luciano e, para isso, contamos com a participação de Ladislau Dowbor e Aldaiza Sposati, ambos colegas da PUC-SP, assim como de Edson Sadao (FEI), Rosana Boullosa (UFBA) e Edgilson Tavares (UFBA), parceiros da Rede de Pesquisadores em Gestão Social (RGS). Convidamos todos para lerem sobre Luciano e a sua obra, pois é notável a atualidade de seus debates e a importância das suas reflexões no campo da gestão pública e da gestão social.

Mas, para este editorial, optamos por trazer uma perspectiva diferente do que a de Luciano como intelectual, olhando para ele a partir daquilo que fazia quase espontaneamente: ensinar, compartilhar seus saberes, instigar a busca de novos conhecimentos. Assim, procuramos escrever este editorial voltado à prática da docência para Luciano.

Para tanto, convidamos alguns ex-orientandos (Áureo Magno Gaspar Pinto, Cintia Bincoleto Fazion e Kallita Ester Magalhães) e ex-colegas de trabalho (Eduardo Pozzi Lucchesi e Márcio Shoiti Kuniyoshi) de Luciano para que escrevessem um depoimento no qual sintetizassem suas trajetórias com ele. Neste sentido, destacaram-se duas características tão marcantes de Luciano: a afetividade e a generosidade. Ambas, tão presentes e intensas nos depoimentos, assim como na própria experiência destes autores, resultaram em um genuíno e intenso sentimento de gratidão pela forma como Luciano conduziu sua trajetória acadêmica e como construiu suas redes de relacionamento, em especial com seus alunos. Um pesquisador de excelência, um professor de reconhecido talento e, ainda, alguém que não restringiu suas relações com seus alunos à sala de aula, mas, sim, que se doou com capacidade, intensidade e paixão em todos os espaços que se fizeram necessários para a formação daqueles que tiveram a oportunidade de aprender com ele.

“Educador, pesquisador, empreendedor, visionário, articulador, ousado, generoso, crítico otimista e corajoso, mas diria que a sua principal marca foi ser um ‘líder inspirador’, com seu espírito jovial e coração enorme! Militante das causas sociais, Luciano foi um puquiano que fez a diferença!”

(Márcio Shoiti Kuniyoshi, doutor em Administração, ex-colega de Luciano e chefe de departamento de Administração da PUC-SP).

Afetividade

Dentre as diversas características de Luciano, a afetividade foi eleita por nós por representar a relação que o professor construía com seus alunos e seus colegas de trabalho e de pesquisa. Afinal, a afetividade é um dos fatores que mais favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo, pois faz com que o indivíduo aprenda por meio dos sentimentos, das emoções e das experiências que são trocadas na interação com o outro ( Davis & Oliveira, 1994).

Mesmo sabendo que a afetividade é muito importante para a produção de conhecimento, cada vez mais a racionalidade e a produtividade do rendimento acadêmico ocupam o espaço que deveria ser marcado por uma troca de saberes despretensiosa e construída de forma compartilhada. Luciano foi único nesse sentido: a partir da sua genuína afetividade para com seus alunos e orientandos, ele conseguia motivar aqueles com quem convivia a produzirem, produção essa inspirada por afetos.

“Sua presença foi marcante em minha vida. O início deu-se na graduação. Com a sua orientação e o seu estímulo, segui os passos para o mestrado, e na sequência cursei o doutorado; neste, em especial, as dificuldades foram marcantes, mas, com a sua alegria e com nossos laços fraternos fortalecidos, me senti acolhida e forte para seguir. Com a sua orientação, o caminhar do conhecimento e as dificuldades se tornavam leves e divertidos.

Nada teria sido possível se não fosse pelo Luciano. Professor sábio, de um carisma incrível! Tudo o que me ensinou será transmitido com amor, carinho e gratidão, e sua sabedoria sempre será lembrada! O ser humano incrível está eternizado no meu aprendizado e na minha vida pessoal. Porque ele era assim: proporcionava um passo no aprendizado e um passo na transformação pessoal de como devemos agir perante o meio e as pessoas com que convivemos. O coração transborda de saudade e alegria por ter tido a oportunidade de conviver com a sua generosidade e a sua energia. Para sempre será recordado com carinho, respeito e admiração.”

(Cintia Bincoleto Fazion, doutora em Administração, ex-orientanda de Luciano e professora visitante da PUC-SP.)

Luciano sempre privilegiou essas trocas e abria espaço para a escuta, para uma conversa dialogada, para o aprendizado além da sala de aula. Não se limitava ao ambiente universitário e sempre estava aberto a investir em novos lócus de saberes, acompanhando orientandos nos campos de pesquisa e se dispondo a conhecer novas experiências.

Dessa forma, Luciano garantia a seus orientandos o fortalecimento da autoestima, mesmo a daqueles que ainda eram novos na prática da pesquisa, e permitia que a construção dos trabalhos acadêmicos fosse feita de forma estimulante e colaborativa. Na relação professor-aluno, a autoestima é muito importante, porque é ela que dá capacidade de sentir a vida, que dá confiança ao seu modo de pensar e de enfrentar os problemas e ao direito de ser feliz, desfrutando os resultados de seu próprio esforço ( Tiba, 2002). Luciano investia seu tempo e sua energia na construção dessas relações.

“O professor Luciano Junqueira foi uma das grandes referências quetive na vida tanto como professor/pesquisador quanto como ser humano. Eu o conheci quando ingressei no curso de mestrado em Administração na PUC-SP com uma bolsa da CAPES. Ele coordenava o programa de mestrado e reunia periodicamente os bolsistas para discutirem os projetos de pesquisa. Curiosamente, apesar de atuarmos em linhas distintas – ele, em Gestão Social e Organizações do Terceiro Setor; eu, em Finanças –, ao longo do tempo, estreitamos nossos laços e passamos a cultivar uma forte relação de amizade. Certamente foi um enorme privilégio ter convivido com ele nesses últimos vinte anos. Saudades eternas do Mestre.”

(Eduardo Pozzi Lucchesi, doutor em Administração, ex-colega de Luciano e professor do Insper.)

Na constituição de afetividades, todos aqueles que conviveram com Luciano constroem suas memórias e identificam as experiências de aprendizagem. Há uma horizontalidade motivada nessas relações, permitindo que haja trocas legítimas e engajadas. Com Luciano aprendemos que o conhecimento não é isento de afetos.

Generosidade

Outra característica que elegemos para representar Luciano foi a generosidade, o que consiste em dar a outrem o que lhe falta, sendo uma virtude presente na ética do cuidado ( La Taille, 2006). Essa característica tão destacada em Luciano permitia, como comentado, que ele almoçasse e tomasse café com colegas e orientandos, visitasse locais onde as pesquisas de seus alunos eram desenvolvidas e buscasse sempre realizar sua melhor contribuição para a formação do outro.

A combinação referente à oportunidade de os alunos terem ao seu lado uma potência do pensamento acadêmico da PUC-SP aliada com o acesso às originais contribuições intelectuais de Luciano o tornou único e muito estimado por todos eles.

“Conheci o professor Luciano Junqueira quando me candidatei ao mestrado na PUC-SP. Ele coordenava a pós-graduação em Administração e me entrevistou. Na entrevista, ele questionou bastante e, para minha surpresa, se dispôs a ser meu orientador! Meu tema original era a modelagem financeira de Organizações do Terceiro Setor, mas, em dado momento, Luciano comentou sobre as redes humanas. Mais que isso, apresentou-me muito material, textos, artigos… Redirecionei minha dissertação (e minha vida!). Aprendi muito, pesquisei e usei os principais softwares de análise de redes disponíveis na época. Compartilhamos muito em pesquisa, projetos e artigos em conjunto. Sua dedicação aos orientandos e alunos era notória. Lembro um dia, em jogo da seleção do Brasil, em que o Luciano me recebeu para orientação. Fiquei grato e surpreso, mas ele, na hora, disse algo como ‘A melhor contribuição que podia dar ao Brasil era estar disponível para meus alunos.’ Aquilo me emocionou e trago como exemplo até hoje.

Eu participei por anos do NEATS, núcleo de pesquisas coordenado por Luciano, e, pelo próprio NEATS, dei aulas por muitos anos sobre redes de cooperação para gestores de organizações sociais. As avaliações dos alunos, sempre positivas, se devem às excelentes orientações que recebi. Ele, sempre parceiro, solícito, apoiador, era uma fonte de inspiração e aprendizado.

Luciano também me apresentou à Rose Inojosa, quando eu senti que deveria contribuir mais com o meio ambiente, e Rose me sugeriu que fizesse o curso Carta da Terra. Minha monografia foi, naturalmente, sobre a rede de gestores de parques municipais em São Paulo.

Acabei me desenvolvendo na área de análise de redes. Fiz (e ainda faço) projetos em análises de redes humanas para grandes empresas, para o governo e para organizações sociais, e ministrei cursos em muitas iniciativas sobre o tema. Luciano contribuiu para redirecionar minha vida profissional, e muito devo e agradeço a ele.”

(Áureo Magno Gaspar Pinto, mestre em Administração, ex-orientando de Luciano e professor visitante da PUC-SP.)

Ser generoso, muitas vezes, é uma contradição em um espaço acadêmico, o qual é marcado por disputas intelectuais e pelo poder de influência teórica por meio da propagação de seguidores. Isso não acontecia com Luciano… Ele de fato aplicava o objeto de suas pesquisas – a formação de redes.

Este era seu princípio de vida: quanto mais pessoas ele conectasse, mais o capital social era construído. Nessa prática, ele se satisfazia generosamente por compreender que o conhecimento só tem sentido quando construído coletivamente, reverberando por todos que participaram daquela construção.

Gratidão

Se a afetividade e a generosidade foram características marcantes de Luciano, e de tal modo que impactaram tantos alunos, colegas e amigos, a gratidão é o resultado de tê-lo ao nosso lado em nossa trajetória.

A gratidão é um sentimento intenso e vivido por muitos daqueles que puderam não apenas prestigiar suas aulas, participar de suas pesquisas, compartilhar defesas de dissertações de mestrado e teses de doutorado, tomar café para prosear nos intervalos ou, mais recentemente, presenciar o lançamento do livro que reconheceu sua trajetória intelectual, como também acompanhá-lo na comemoração dos 21 anos do NEATS (Núcleo de Estudos Avançados do Terceiro Setor) ou na homenagem feita a ele durante o XI ENAPEGS (Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social) em 2021, quando foi criado o Prêmio de Melhor Trabalho Acadêmico Luciano Junqueira.

Assim, para aqueles que acompanharam a trajetória de Luciano, fosse em momentos esporádicos, fosse em outros mais rotineiros, de todas as formas, as boas lembranças e a gratidão ficaram marcadas.

“O professor Luciano foi um grande acadêmico com linha de pensamento ímpar. Sua contribuição é inestimável para o campo do conhecimento. Mas, antes disso, ele foi um grande ser humano, um professor de coração aberto. Impactou centenas de alunos em sua trajetória. Sempre serei grata pelo seu apoio e pela sua sabedoria. Sua presença foi um grande presente para todos que conviveram com ele e, sem dúvida, sempre sentiremos muitas saudades. Obrigada por tudo professor.”

(Kallita Ester Magalhães, mestre em Administração, ex-orientanda de Luciano e coordenadora acadêmica da Saint Paul Escola de Negócios.)

A gratidão é um sentimento nobre, e, sem dúvida, Luciano tinha essa capacidade de execução de nobres sentimentos como a afetividade e a generosidade. Tamanha era sua contribuição alicerçada nesses pensamentos que, naturalmente e sem vaidade, ele conseguia despertar a gratidão naqueles com quem convivia e que eram inspirados, motivados e acompanhados por esse amado professor.

Obrigado, professor Luciano Junqueira, por nos permitir compartilhar sua vida e aprender com ela.

A criação da RAD

Como destacado anteriormente, a RAD nasceu sob a batuta do Luciano, seu primeiro editor, com Onésimo de Oliveira Cardoso que era o coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP. A revista foi idealizada como meio de divulgar a produção de conhecimento nascida no âmbito do Programa e como meio de se estabelecer um diálogo (origem do seu nome) com o mundo acadêmico da área da administração. Quando a RAD foi criada, o Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração (hoje Programa de Pós-Graduação em Administração) da PUC-SP estava no seu 21º ano de existência, plenamente consolidado e com considerável base de conhecimento produzida pelos seus quadros docente e discente.

O Luciano comandou a revista por sete anos, de 1999 (ano de lançamento) até o ano de 2005, quando assumiu pela primeira vez a coordenação do Programa, passando a editoria da revista para o Onésimo no ano de 2006. Ao longo dos sete anos que a RAD esteve sob a editoria do Luciano, foram publicados sete números (era uma edição por ano e a revista era disponibilizada apenas no formato impresso), tendo sido publicados 78 artigos e cinco resenhas de livros.

Com a missão de divulgar o conhecimento produzido pelo Programa da PUC-SP, a RAD durante a gestão do Luciano cumpriu bem esse papel, e 65% dos artigos publicados eram oriundos do corpo docente e discente da própria PUC-SP, conforme ilustra a figura 1, acima. No entanto, o diálogo já se fazia presente com a comunidade acadêmica e, durante esse período 117 autores assinaram os 78 artigos publicados. Destes, 75 (65%) eram vinculados ao Programa da PUC-SP, 10 (8%) eram da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, 8 (7%) da FEA-USP e 5 (4%) da FGV-SP. Desses autores externos, alguns dividiram a autoria com docentes e/ou discentes do Programa da PUC-SP. Destacam-se ainda, nesse período duas contribuições internacionais: uma da Universidade Complutense de Madri (Espanha), e outra da Friedrich-Alexander Universität (Alemanha).


Figura 2
Distribuição das publicações por IES

Assim, a RAD deu seus primeiros passos e assumiu a maturidade sendo conduzida com singular competência e dedicação do Luciano, e tem representado um papel fundamental para o escoamento da produção intelectual da academia brasileira e vem, aos poucos, se inserindo no cenário internacional, desempenhando papel fundamental para o Programa de Pós-Graduação da PUC-SP em estabelecer o diálogo com a comunidade científica nacional e internacional.

Mais um grande legado do Luciano!

Referências

Barros, M. (2010). Poesia completa. São Paulo: Leya.

Corá, M. A. J., & Motta, R. G. (2019). Intersetorialidade e redes: a trajetória do intelectual Luciano Antonio Prates Junqueira. São Paulo: Labrador.

Davis, C., & Oliveira, Z. de M. R. de. (1994). Psicologia na educação. (2a ed. rev.). São Paulo: Cortez.

La Taille, Y. (2006). Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: Artmed.

Tiba, I. (2002). Auxílio de terceiros. In I. Tiba. Quem ama educa! (96a ed., pp. 107-120). São Paulo: Gente.



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