Resumo: A comunicação triádica em pediatria tem sido foco de pesquisa nos últimos 20 anos, considerando a relevância de compreender este processo para melhorar a assistência em saúde a crianças e adolescentes. Esta revisão sistemática de literatura teve como objetivo analisar 118 trabalhos sobre este tema, publicados entre 2000 e 2012. Os resultados mostram distribuição regular dos estudos ao longo do período, com prevalência de pesquisas em caráter descritivo e com metodologia quantitativa. A literatura enfatiza que a comunicação promove melhores níveis de adesão aos cuidados, melhoria de sintomas e respostas clínicas, comportamentos colaborativos e adaptação ao tratamento, contudo a focalização de habilidades comunicativas triádicas durante a graduação profissional é insuficiente. Destaca-se que a criança é excluída da interação e as demandas individuais por informação devem ser prioridade. São necessários mais estudos sobre intervenções psicossociais e em caráter longitudinal, que possam contribuir para a compreensão do processo de comunicação em pediatria.
Palavras-chave: Revisão de literaturaRevisão de literatura,comunicação pediátricacomunicação pediátrica,relação terapêuticarelação terapêutica.
Abstract: Triadic communication in pediatrics has been focused in the last 20 years, considering the relevance of understanding this process in order to improve health assistance to children and adolescents. The main purpose of this systematic literature review was to analyze 118 papers related to this theme, published between 2000 and 2012. Results show a regular distribution of studies along this period, with prevalence of descriptive researches that included quantitative methodology. Literature emphasizes that communication promotes better adherence to healthcare, improvement in symptoms and clinical responses, collaborative behaviors and adaptation to treatment, however the focus on triadic communicative skills during graduation is not sufficient. The child is excluded from the interaction and tailored demands for information must be a priority. More studies are needed, concerning psychosocial interventions in longitudinal design, which may contribute to understand communicative processes in pediatric settings.
Keywords: Literature review, pediatric communication.
Resumen: La comunicación triádica en pediatría ha sido un tema relevante de investigación en los últimos 20 años, considerándose la importancia de comprender ese proceso para mejorar los cuidados de la salud para niños y adolescentes. Esta revisión sistemática ha tenido como objetivo analizar 118 artículos sobre el tema publicados entre 2000 y 2012. Los resultados de los estudios presentan una distribución regular a lo largo del período, con una prevalencia de encuestas de carácter descriptivo y metodología cuantitativa. La literatura enfatiza que la comunicación promueve mejores niveles de adherencia a los cuidados de la salud, la mejora de los síntomas y de las respuestas clínicas, comportamientos colaborativos y la adaptación al tratamiento. Sin embargo, el foco en las habilidades de comunicación triádicas durante la formación académica de pregrado es insuficiente. Cabe señalar que el niño es excluido de la interacción y las demandas individuales de información deben ser una prioridad. Se necesitan más estudios sobre las intervenciones psicosociales y de carácter longitudinal que pueden contribuir a la comprensión del proceso de comunicación en pediatría.
Palabras clave: Revisión de la literatura, comunicación en pediatría, relación terapéutica.
Artigos
Comunicação triádica em pediatria: revisão de literatura
Triadic communication in pediatrics: literature review
Comunicación tríadica en pediatría: revisión de la literatura
Recepção: 04 Novembro 2014
Aprovação: 01 Junho 2015
A comunicação em saúde pode ser caracterizada como um processo relacional, embasado em fatores culturais e sócio-históricos, em que informações e sua compreensão são compartilhadas entre, pelo menos, duas pessoas, considerando que na assistência pediátrica este processo é caracterizado por uma interação em tríades médico-acompanhante-paciente (Aburn & Gott, 2011; Gabe, Olumide, & Bury, 2004; Howells, Davies, & Silverman, 2006; Howells & Lopez, 2008; McGraw et al., 2012; Nobile & Drotar, 2003; Sobo, 2004; Tates & Meeuwesen, 2001).
A comunicação entre médicos e pacientes deve promover comportamentos preventivos e adaptação ao tratamento e, por esta razão, vem se constituindo em um importante foco de pesquisas nas duas últimas décadas (Conboy et al., 2010; Coyne, 2008; Kreps, Bonaguro, & Query, 1998; Ong, Haes, Hoos, & Lammes, 1995). A interação médico-paciente influencia a compreensão do diagnóstico e vivência do tratamento, com consequências diretas sobre a satisfação com o atendimento, adesão aos cuidados, recordação e compreensão sobre recomendações, melhoria de respostas fisiológicas e sintomas, manejo de eventos estressores, melhor satisfação com suporte social e adaptação ao planejamento terapêutico (Caprara & Rodrigues, 2004; Conboy et al., 2010; Coyne & Harder, 2011; DiMatteo, 2003, 2004; Patistea & Babatsikou, 2003; Varni, Quiggins, & Ayala, 2000; S. Young & Oppenheimer, 2009; Zolnierek & DiMatteo, 2009). Deste modo, a compreensão mais sistemática da comunicação em contextos de assistência pediátrica, a partir da análise de trabalhos publicados recentemente pode apontar como lidar com sistemas mais eficientes de interação, otimizando a informação e sua utilização ao longo do tratamento e dos cuidados com a saúde em geral.
Estudos revelam que crianças por volta dos quatro anos já possuem potencial para compreenderem informações sobre autocuidados, identificam sintomas e órgãos afetados por doenças, têm dúvidas, mencionam comportamentos promotores de saúde e descrevem implicações emocionais vivenciadas durante um tratamento, aspectos que guardam relação com idade, história de contato com doenças, contexto socioeconômico e informações recebidas, porém, pode haver culpabilização pelo adoecimento (Buckley & Savage, 2010; Gabarra & Crepaldi, 2011; Gordon et al., 2010; Knighting, Rowa-Dewar, Malcolm, Kearney, & Gibson, 2010; Koopman, Baars, Chaplin, & Zwinderman, 2004; Märtenson & Fägerskiöld, 2007; Märtenson, Fägerskiöld, & Berteró, 2007; Nova, Vegni, & Moja, 2005; Outsubo & Becker, 2005; Perosa & Gabarra, 2004; Vatne, Slaughter, & Ruland, 2010). Estes dados enfatizam a necessidade de comunicação com a criança subsidiada por uma exploração desta interação triádica durante a formação de graduação médica, com adaptações por parte dos pediatras expostos a contextos específicos de cuidados pediátricos.
Estudos conduzidos por Barbara Korsch e colaboradores, na década de 1960, foram pioneiros na avaliação sobre a comunicação no contexto pediátrico (Nobile & Drotar, 2003). Em um destes trabalhos, Korsch, Gozzi e Francis (1968) já destacavam a necessidade de ampliar a compreensão sobre comunicação em pediatria para além de bases intuitivas, incluindo a investigação objetiva e sistemática dos fatores envolvidos. Constituiu objetivo deste estudo analisar sistematicamente a literatura sobre comunicação triádica em contextos de assistência pediátrica, incluindo trabalhos publicados entre 2000 e 2012.
Para esta revisão sistemática de literatura, foram incluídos materiais disponibilizados nas bases de dados OVID, PsycInfo, EBSCOhost, SAGE, SpringerLink, Elsevier ScienceDirect, além de busca complementar em 98 revistas disponibilizadas no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). As palavras-chave utilizadas incluíram communication, consultation, information, interaction e suas variações, combinadas, quando relevante, aos termos child, pediatric, parent, physician, doctor e suas variações. Os termos correspondentes na língua portuguesa foram empregados para levantamento em revistas disponíveis na Scientific Electronic Library Online (SciELO).
Critérios para seleção de estudos incluíram a comunicação envolvendo o médico e/ou médico residente em contexto de atendimento a cuidadores de crianças e/ou crianças diretamente. Estudos relacionados à comunicação de diagnóstico ou cuidados paliativos não foram incluídos por constituírem contextos peculiares que demandam habilidades muito específicas. De forma análoga, não foram incluídos trabalhos relacionados a condições que exigem um padrão de interação diferenciado: (a) crianças com atrasos de desenvolvimento, deficiência cognitiva ou portadoras de dificuldades comunicativas; (b1) estudos sobre consentimento para participação em ensaios clínicos; (c) comunicação sobre medicina complementar alternativa; (d) comunicação online ou mediada pela rede mundial de computadores (Internet); (e) trabalhos focalizados na adaptação a outros idiomas proferidos por médicos e usuários. Foram selecionados ao todo 118 trabalhos, sendo dez estudos nacionais, que corresponderam aos critérios estabelecidos. Detalhes metodológicos destes estudos estão disponíveis no anexo.
Observou-se uma distribuição regular dos trabalhos entre 2012 e 2000, com média de nove estudos por ano, constituídos por 92 artigos publicados em periódicos científicos e quatro dissertações nacionais de mestrado. A maioria dos estudos correspondeu a delineamentos descritivos (n=74), porém, houve pesquisas em caráter experimental ou semi-experimental (n=12) e construção ou validação de questionários padronizados sobre comunicação (n=10). Houve predominância de métodos quantitativos (n=55) e qualitativos (n=21) em detrimento de análises mistas (n=20). As técnicas de coleta de dados incluíram gravações em áudio e vídeo, entrevistas, questionários, workshops, role play, observação presencial de consultas e grupos focais. Entre os trabalhos, somente 26 incluíram também pacientes adolescentes (acima de 12 anos de idade) e apenas o artigo de Oliveira e Gomes (2004) focalizou exclusivamente adolescentes em sua amostra. Desta forma, as análises apresentadas no presente estudo são concentradas na comunicação triádica com crianças. Os principais resultados destacados na literatura analisada são descritos a seguir.
O tempo de atendimento, em consulta, aumentou nos últimos 20 anos e permaneceu circunscrito entre sete e 29 minutos (Blumberg & O'Connor, 2004; Clark et al., 2000; Pinto, 2010; Silva, 2000; Sleath et al., 2011; Tates & Meeuwesen, 2000; Tates, Meeuwesen, Bensing, & Elbers, 2002; Vatne, Finset, Ornes, & Ruland, 2010). Contudo, a duração da consulta não deve ser exclusivamente apontada como preditora de comunicação eficiente nem de satisfação com a interação (Goore, Mangione-Smith, Elliott, McDonald, & Kravitz, 2001).
As informações referidas pelo médico influenciam a satisfação dos usuários com o serviço e qualidade geral da saúde (Darby, 2002; Fiks, Localio, Alessandrini, Asch, & Guevara, 2010; Fisher & Broome, 2011; Galil et al., 2006; Liu, Harris, Keyton, & Frankel, 2007; Sleath et al., 2012; Swedlund, Schumacher, Young, & Cox, 2012). De modo geral, os serviços de saúde têm sido bem avaliados pelos cuidadores (Hart, Kelleher, Drotar, & Scholle, 2007; McGraw et al., 2012; B2. Young, Ward, Forsey, Gravenhorst, & Salmon, 2011a). Há necessidade de uma atuação individualizada, que considere demandas, interesses e nível de compreensão dos usuários, pois, a despeito da satisfação com a comunicação, as informações fornecidas não garantem uma compreensão efetiva e podem ser ineficientes à manutenção de cuidados (Clarke & Fletcher, 2003; Drotar, 2009; Goore et al., 2001; Mendonça, 2007; Patistea & Babatsikou, 2003; Pinto, 2010).
Além da satisfação de usuários, a comunicação influencia níveis de adesão, sintomas e respostas clínicas, compreensão sobre diagnóstico e tratamento, melhor manejo de fatores psicossociais, melhor recordação das explicações e menos retornos ambulatoriais (Ammentorp, Kofoed, & Laulund, 2011; Clark et al., 2000; Cohen & Wambolt, 2000; Coyne & Gallagher, 2011; Croom et al., 2011; Crossley & Davies, 2005; DiMatteo, 2004; Drotar, 2009; Nobile & Drotar, 2003; Scrimin et al., 2005; Sleath et al., 2012). Alguns estudos enfatizam que a qualidade da interação também propicia melhor qualidade de vida, melhor manejo de ansiedade e mais comportamentos colaborativos ao tratamento (Gordon et al., 2010; Sharma, Prematta, & Fausnight, 2012; Wissow et al., 2012).
Cabe destacar que a satisfação de cuidadores e pacientes com a comunicação implica melhorias para os pediatras, ao promover: (a) confiança dos usuários no médico; (b3) provisão de mais informações aos pediatras; (c) alívio das sobrecargas psicossociais; (d) melhor compreensão e recordação das orientações; (e) diminuição da sobrecarga de trabalho (Howells & Lopez, 2008; Nobile & Drotar, 2003). A literatura também enfatiza que dificuldades de comunicação em contexto pediátrico muitas vezes são promovidas pela organização do atendimento, como condições no ambiente de espera pela consulta, excessivo número de pacientes, tempo reduzido para atendimento e longo tempo de espera (Cruz-Hernández, 2004; Gabe et al., 2004; Pinto, 2010; Ringnér, Jansson, & Graneheim, 2010; Wissow & Kimel, 2002).
Alguns comportamentos dos médicos têm sido destacados como desejáveis à interação: (a) habilidades clínicas de diagnóstico e aptidões técnicas; (b4) capacidade de interação psicossocial; (c) qualidade das explicações, informações detalhadas e uso de linguagem acessível; (d) promoção de suporte social e acolhimento a demandas emocionais; (e) centralização no paciente e cuidador (Fisher & Broome, 2011; Périco, Grosseman, Robles, & Stoll, 2006). Outros elementos relevantes incluem a disponibilidade de tempo para perguntas, identificação de pais e pacientes pelo nome próprio e estabelecimento de vínculo colaborativo (Crossley, Eiser, & Davies, 2005; Hammond & McLean, 2009; Hart et al., 2007; Scrimin et al., 2005).
Dados sociodemográficos dos cuidadores e história profissional dos médicos têm sido associados à quantidade e qualidade das informações providas: quanto mais anos de prática médica e quanto maior a renda e escolaridade dos cuidadores, maior a provisão de informações pelos médicos (Brinkman et al., 2011; Miller, Drotar, Burant, & Kodish, 2005; Moseley, Clark, Gebremariam, Sternthal, & Kemper, 2006; Taylor, Haase-Casanovas, Weaver, Kidd, & Garralda, 2010; Washington et al., 2012; Zwaanswijk et al., 2007).
A literatura sinaliza que a interação em contexto pediátrico exclui a criança da comunicação. Embora a participação do paciente nas consultas venha aumentando ao longo dos últimos 20 anos, de modo geral, é estabelecido um contexto em que a criança participa apenas como provedora de informações básicas ou com interações distrativas durante o exame físico, pois orientações são direcionadas aos pais (Armelin, Wallau, Sarti, & Pereira, 2005; Cahill & Papageorgiou, 2007a; Gabarra & Crepaldi, 2011; Mangione-Smith et al., 2001; Nobile & Drotar, 2003; Oliveira & Gomes, 2004; Rotenberg et al., 2008; Scrimin et al., 2005; Tates & Meeuwesen, 2000, 2001; Tates, Elbers, Meeuwesen, & Bensing, 2002; Tates, Meeuwesen, Elbers, & Bensing, 2002; Vaknin, & Zisk-Rony, 2010; van Dulmen, 2004; van Dulmen & Holl, 2000).
Nas últimas décadas, houve aumento da participação dos pacientes na interação, porém, o médico ainda conduz a consulta e direciona as interações, sendo responsável, em grande parte, pelo padrão interativo estabelecido no atendimento. A participação do paciente corresponde a proporções entre 2% e 14% da interação (Nova et al., 2005; Tates & Meeuwesen, 2000, 2001; Tates, Meeuwesen, Bensing, et al., 2002; Wassmer et al., 2004). Pais e médicos podem excluir o paciente da interação em decorrência de uma intenção protecionista à criança e os cuidadores podem mediar a interação com o médico ao responder perguntas inicialmente dirigidas ao paciente (Coyne & Gallagher, 2011; Hallström, 2004; Ranzani, 2009; Tates, Elbers, et al., 2002; B5. Young et al., 2010, 2011b). A gravidade da doença, a idade e escolaridade do paciente podem ser determinantes da interação: médicos e cuidadores tendem a se dirigir a crianças com mais idade, mais escolaridade e melhor prognóstico (Drotar, 2009; Gabarra & Crepaldi, 2011; Kain et al., 2009; Perosa & Ranzani, 2008; Stivers, 2001, 2012; Stivers & Majid, 2007; Tates, Elbers, et al., 2002; Tates, Meeuwesen, Bensing, et al., 2002; Tates, Meeuwesen, Elbers, et al., 2002; Taylor et al., 2010).
A comunicação provida pelos pediatras se caracteriza por interações de cunho biofisiológico, em detrimento a interações que estabeleçam vínculo, fundamentadas na empatia e acolhimento e que possam abordar temas psicossociais e/ou afetivo-emocionais (Wassmer et al., 2004). Contudo, a inclusão de temas psicossociais pode promover maiores índices de satisfação dos usuários, estabelecendo uma aliança terapêutica promotora de cuidados em saúde a partir de uma interação afetiva que promova perguntas de pais e pacientes (Blumberg & O'Connor, 2004; Brown & Wissow, 2008; Cohen & Wamboldt, 2000; El Malla et al., 2013; Galil et al., 2006; Schuster, Duan, Regalado, & Klein, 2000; Swedlund et al., 2012; Wassmer et al., 2004; Wissow, Brown, & Krupnick, 2010).
O modelo biopsicossocial de atenção em saúde enfatiza o papel de profissionais como importante rede de suporte social e, assim, é possível destacar a relevância do estabelecimento de padrões psicossociais de comunicação no acompanhamento pediátrico como moderadores de adaptação ao tratamento (El Malla et al., 2013; Heneghan, Mercer, & DeLeone, 2004; Kästel, Enskär, & Björk, 2011; Kiguli, Mafigiri, Nakigudde, Dalen, & Vleuten, 2011; Wissow et al., 2008). As preocupações dos cuidadores ultrapassam cuidados biofisiológicos em saúde: apreensões sobre a dinâmica familiar, dificuldades emocionais e psicossociais podem ser geradas em função da terapêutica e potencializar exigências deste contexto. Estes aspectos são moderadores da adaptação ao tratamento e sucesso terapêutico e, portanto, correspondem a elementos que devem ser abordados na interação comunicativa (Blumberg & O'Connor, 2004; Schuster et al., 2000; van Dulmen, 2004).
Destaca-se o papel preventivo e promotor de saúde do pediatra, pois o médico pode identificar precocemente fatores psicossociais moderadores do processo de saúde-doença, promovendo suporte social, indicando orientações básicas e/ou providenciando encaminhamentos (Coleman, 2002; Gabarra & Crepaldi, 2011; Heneghan et al., 2004; Silva, 2000; Wissow et al., 2008). Especialmente em condições crônicas, o pediatra assiste pacientes e familiares por um período longo de tempo, acompanhando mudanças relevantes e se constituindo muitas vezes figura de referência aos cuidadores para aspectos além do escopo biomédico (Engelen et al., 2010; Wissow, Larson, Anderson, & Hadjiisky, 2005).
A empatia, a atenção e acolhimento, o vínculo, a qualidade da relação emocional, a inserção de temas sobre condição familiar, contexto sociocultural, atividade lúdica, social e escolar da criança e dinâmica familiar constituem elementos fundamentais à comunicação triádica pediátrica (Cohen & Wamboldt, 2000; Drotar, 2009; Mack, Wolfe, Grier, Cleary, & Weeks, 2006; Silva, 2000). Médicos e cuidadores podem evitar incluir assuntos psicossociais pela crença de que são demasiadamente intrusivos, por não haver tempo ou por não terem preparo para lidar com tais temas (Brinkman et al., 2011; Brown & Wissow, 2008; Hayutin, Reed-Knight, Blount, Lewis, & McCormick, 2009; Schuster et al., 2000; Tates & Meeuwesen, 2001; Wassmer et al., 2004; Wildman, Stancin, Golden, & Yerkey, 2004; Wissow et al., 2005).
Outro aspecto destacado se refere às preferências individuais sobre quantidade e tipo de informação, relacionada a pressupostos da humanização (Deslandes, 2004; Gabarra & Crepaldi, 2011; Goore et al., 2001; Howells & Lopez, 2008; Mack et al., 2006). Os estudos apresentam a focalização de demandas individuais como elemento que facilita adaptação ao tratamento e satisfação dos usuários (Coyne & Gallagher, 2011; Lambert, Glacken, & McCarron, 2011; Nestel, Taylor, & Spender, 2004; Ranzani, 2009; Ringnér et al., 2010; Zwaanswijk et al., 2011). Especificamente no caso de doenças crônicas pediátricas, momentos distintos do tratamento podem requerer informações específicas, corroborando a relevância da comunicação sob medida (Kästel et al., 2011).
A formação durante a graduação não tem incluído aprofundamento satisfatório sobre a dinâmica das consultas pediátricas. Médicos enfatizam a importância de estudar habilidades comunicativas específicas em pediatria, porém, a abordagem deste conteúdo ao longo da graduação tem sido referida como insuficiente (Dubé, LaMonica, Boyle, Fuller, & Burkholder, 2003; Nestel et al., 2004; Perosa & Ranzani, 2008; Rider, Volkan, & Hafler, 2008; Viegas, 2003). Intervenções breves, após o início da prática profissional, têm se mostrado promissoras ao ampliar o repertório de comportamentos interativos em contextos pediátricos (Ammentorp et al., 2011; Farrell, Ryan, & Langrick, 2001; Felt & O'Connor, 2003; Gough, Frydenberg, Donath, & Marks, 2009; Hart, Drotar, Gori, & Lewin, 2006; Kemper, Foy, Wissow, & Shore, 2008; Nikendei et al., 2011; van Dulmen & Holl, 2000).
Os procedimentos descritos nos estudos incluíram workshops breves, gravações em vídeo e role play (Farrell et al., 2001; van Dulmen & Holl, 2000), além de palestras e grupos focais multidisciplinares (Ammentorp et al., 2011; Nikendei et al., 2011). Estas intervenções conduziram à ampliação do repertório comunicativo de médicos e cuidadores, incluindo melhor manejo de dificuldades psicossociais, percepção de auto-eficácia pelos médicos e satisfação dos pediatras com a comunicação (Farrell et al., 2001; Gough et al., 2009; Hart et al., 2006; Jirasevijinda & Brown, 2010; Kemper et al., 2008; Nikendei et al., 2011; van Dulmen & Holl, 2000). Alguns estudos destacam que intervenções com a equipe médica promoveram mais diálogo interdisciplinar, resultando em melhores condições de atendimento, além de promover maior satisfação de cuidadores e crianças (Ammentorp et al., 2011; Farrell et al., 2001; Gough et al., 2009; Harrington, Norling, Witte, Taylor, & Andrews, 2007; Hart et al., 2006).
O estudo da comunicação na assistência pediátrica pode promover subsídios para intervenções psicossociais que promovam melhor adaptação ao tratamento. Destaca-se a relevância desta reflexão para formulação de mudanças curriculares nos cursos técnicos e de graduação que possam oferecer habilidades mais eficientes aos médicos.
Sendo a comunicação um processo dinâmico, são imprescindíveis estudos de acompanhamento que analisem as mudanças de interação ao longo do tempo, especialmente em contextos de tratamento pediátrico crônico (Cahill & Papageorgiou, 2007b6; Nobile & Drotar, 2003; Tates, Elbers, et al., 2002). Este trabalho mostrou primazia de estudos descritivos e, portanto, aponta-se também a necessidade de estudos que investiguem intervenções sobre a comunicação, além de pesquisas sobre satisfação com a interação, incluindo elementos afetivo-emocionais e psicossociais na rotina de atendimento e a modificação na forma de abordar elementos biomédicos para além da linguagem técnica (Buckley & Savage, 2010; Christakis, Johnston, & Connell, 2001; Nobile & Drotar, 2003; O'Keefe, 2001; Wildman et al., 2004).
Outro destaque se refere ao uso de instrumentos validados para codificar a interação comunicativa, entre os quais se destacam Roter Interaction Analysis System (Brown & Krupnik, 2010; Cousino et al., 2011; Wissow et al., 2005), Verona Coding Definitions of Emotional Sequences (Vatne, Finset, et al., 2010), Five Minute Speech Sample (Cohen & Wamboldt, 2000) e Paediatric Consultation Assessment Tool (Howells, Davies, Silverman, Archer, & Mellon, 2010). Estes instrumentos permitem a observação direta da interação a partir de codificações com altos índices de confiabilidade, entretanto, podem descontextualizar a comunicação, pois avaliam a interação em elementos isolados e não sistêmicos, não incluem a análise de relações funcionais entre os comportamentos da tríade nem moderadores relacionados à organização do serviço de saúde.
Os estudos analisados sinalizam variáveis potencialmente favoráveis ao contexto de atendimento pediátrico, enfatizando temas fundamentais ao tratamento e assuntos para além da terapêutica que possam promover a atuação ativa de crianças e cuidadores. É possível sintetizar alguns destes aspectos, que são descritos a seguir.
Inicialmente, destaca-se que a comunicação em pediatria se caracteriza por uma interação triádica entre indivíduos em processo de desenvolvimento e, portanto, deve enfatizar o papel ativo de crianças, cuidadores e médicos na construção compartilhada da atenção à saúde, baseando-se nos pressupostos de humanização, direito do usuário à informação e participação social (Deslandes, 2004; Garrafa & Albuquerque, 2001). Entretanto, os pediatras salientam a escassez de aprofundamento para atuação neste contexto comunicativo ao longo de sua graduação, aspecto que cria demandas para educação continuada em saúde ao longo da atuação profissional (Dubé et al., 2003; Nestel et al., 2004; Perosa & Ranzani, 2008; Rider et al., 2008; Viegas, 2003).
Elementos relacionados à organização e funcionamento do serviço, bem como sistemas culturais e sociohistóricos, devem ser focalizados como moderadores importantes da comunicação, considerando que cada equipe de saúde possui características próprias que influenciam seus processos particulares de humanização (Deslandes, 2004; Silva, 2000). Ressalta-se a relevância da inclusão de aspectos psicossociais vivenciados no tratamento e de elementos relacionados à promoção de saúde (Wassmer et al., 2004). Este argumento destaca o papel desempenhado pelo pediatra como promotor de saúde global, prevenção de doenças e compreensão multifatorial do processo saúde-doença (Silva, 2000).
Concluindo, os estudos analisados propõem que a comunicação na assistência pediátrica: (a) enfatize a satisfação, sob medida, de necessidades individuais de cada participante; (b7) promova a participação ativa de seus interlocutores; (c) englobe elementos biopsicossociais; (d) promova suporte social, vínculo colaborativo e aliança terapêutica; (e) facilite a compreensão coerente de cuidadores e crianças sobre recomendações de cuidados, planejamento terapêutico, fundamentos etiológicos em saúde-doença e demais temas associados ao tratamento. Tais medidas podem diminuir custos comportamentais da tríade associados aos cuidados, enfatizar a promoção de saúde e facilitar a adaptação ao tratamento. Destaca-se, portanto, que são necessárias revisões e ajustes nos currículos de graduação e formação em saúde que possam focalizar um modelo triádico de atuação que contemple estes objetivos, tendo em vista a complexidade e especificidades deste contexto comunicativo pediátrico.







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