Resumo: Neste trabalho, serão analisadas a Carta de Jamaica de Simón Bolívar; Nuestra América de José Martí; O problema das raças na América Latina, a unidade da América indo-hispânica, Ponto de vista antimperialista, Existe um pensamento hispano-americano? de José Carlos Mariátegui; A raça cósmica de José Vasconcelos; Casa grande e Senzela de Gilberto Freyre; Contrapunteo cubano do tabaco e do açúcar de Fernando Ortiz; As Américas e a Civilização de Darcy Ribeiro; Nuestra América e o Ocidente de Roberto Fernández Retamar; e As Veias Abertas da América Latina de Eduardo Galeano, com a intenção de identificar os encontros e desencontros nas abordagens desses autores latino-americanistas.
Palavras-chave: latino-americanismo, pensamento crítico, identidade cultural.
Resumen: En este trabajo se analizarán la Carta de Jamaica de Simón Bolívar; Nuestra América de José Martí; El problema de las razas en América Latina, la unidad de la América indoespañola, Punto de vista antimperialista, ¿Existe un pensamiento hispanoamericano? de José Carlos Mariátegui; La raza cósmica de José Vasconcelos; Casa grande y Senzela de Gilberto Freyre; Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar de Fernando Ortiz; Las Américas y la Civilización de Darcy Ribeiro; Nuestra América y el Occidente de Roberto Fernández Retamar; y Las Venas Abiertas de América Latina de Eduardo Galeano, con la intención de identificar los encuentros y desencuentros en los planteamientos de estos autores latinoamericanistas.
Palabras clave: latinoamericanismo, pensamiento crítico, identidad cultural.
Abstract: In this work, the Jamaica Letter by Simón Bolívar; Our America by José Martí; The issue of races in Latin America, the unity of the Indo-Spanish America, Antimperialist perspective, Is there a Hispano-American thought? by José Carlos Mariátegui; The Cosmic Race by José Vasconcelos; The Masters and the Slaves by Gilberto Freyre; Cuban Counterpoint of Tobacco and Sugar by Fernando Ortiz; The Americas and Civilization by Darcy Ribeiro; Our America and the West by Roberto Fernández Retamar; and Open Veins of Latin America by Eduardo Galeano will be analyzed with the intention of identifying the convergences and divergences in the approaches of these Latin Americanist authors.
Keywords: Latin Americanism, critical thinking, cultural identity.
Artículos libres
Encontros e desencontros em nove ensaístas latino-americanos
Encuentros y desencuentros en nueve ensayistas latinoamericanos
Encounters and Disconnections in Nine Latin American Essayists

Recepción: 07 Octubre 2023
Aprobación: 20 Diciembre 2023
Publicación: 31 Diciembre 2023
Para começar, é importante destacar que esses autores têm como ponto de encontro o conhecimento e o reconhecimento do próprio, estudando-o e transformando-o. Trata-se de um latino-americanismo que busca sua identidade a partir da abordagem reflexiva da problemática em torno de sua própria existência, com o objetivo de dar sentido ao mundo material, visando transformá-lo (Ramos 1989), para que todos os nascidos na América Latina desfrutem “da abundância que a natureza proporcionou a todos no povo que fertilizam com seu trabalho e defendem com suas vidas” (Martí 2002).
É necessário observar que os nove autores podem ser divididos em dois grupos. De um lado, estão Bolívar e Martí, que por meio da Carta de Jamaica e Nuestra América, respectivamente, estabeleceram programas políticos revolucionários. E, por outro lado, José Carlos Mariátegui, José Vasconcelos, Gilberto Freyre, Fernando Ortiz, Darcy Ribeiro, Roberto Fernández Retamar e Eduardo Galeano, que diagnosticam a situação latino-americana para compreender as condições históricas, políticas, culturais e/ou sociais que a região enfrentou, fornecendo conhecimento para a conscientização que leva à transformação da realidade.
A partir da Carta de Jamaica, Bolívar organizou seu programa político e estratégico libertário, considerando aspectos fundamentais das repúblicas latino-americanas em formação. Enquanto respondia às perguntas de Henry Cullen, Bolívar destacou a importância de estabelecer relações recíprocas entre a Europa e a região conhecida hoje como América Latina. Da mesma forma, expressou a necessidade de aprimorar os governos das repúblicas, seja por meio de um governo federal ou centralista, de acordo com as características individuais e costumes de cada república. Bolívar aspirava que a América se tornasse a maior nação do mundo, não apenas por sua extensão e riquezas, mas por sua liberdade e glória.
Por outro lado, em Nuestra América, José Martí chamou a atenção dos governantes dos países latino-americanos para o desconhecimento dos elementos que compunham suas nações. Uma tarefa fundamental do governante era conhecer as particularidades de seu povo para governá-lo e orientá-lo de acordo com métodos e instituições próprias, não com base em parâmetros e ideologias estrangeiros. Da mesma forma, era de suma importância o conhecimento e o reconhecimento entre os países latino-americanos.
José Martí escreveu Nuestra América ao término da primeira Conferência Pan-Americana em Washington, em 1890, depois de compreender como o governo dos Estados Unidos buscava avançar sobre a América Latina para absorvê-la em benefício próprio. Ele considerava que a América Latina deveria ser livre, o que o levou a assumir a liderança pela independência cubana em 1895. Assim, Martí iniciou uma guerra em que atuou como ideólogo contra a elite cubana e como defensor rigoroso de reformas que beneficiassem a população, expressando a necessidade de Cuba obter independência absoluta.
Embora José Vasconcelos, Gilberto Freyre, Fernando Ortiz, José Carlos Mariátegui, Darcy Ribeiro, Roberto Fernández Retamar e Eduardo Galeano tenham sido agrupados em um segundo grupo, de acordo com as características de seus ensaios, que se destacam por realizar diagnósticos regionais ou nacionais, há uma subdivisão. De um lado, Vasconcelos, Freyre e Ortiz, em seu interesse em entender as dinâmicas raciais e a miscigenação na construção da república e dos Estados-Nacionais em formação, enaltecem a miscigenação ocorrida desde a colonização. Por outro lado, Mariátegui, Ribeyro, Fernández Retamar e Galeano se interessam em entender as dinâmicas coloniais e sua prolongação neocolonial.
Assim, enquanto Gilberto Freyre, em sua obra Casa-Grande e Senzala, realiza uma crítica ativa às visões do determinismo ambiental e usa seus argumentos para forjar a nacionalidade brasileira por meio da grandeza que envolve a miscigenação cultural e fisiológica ocorrida durante a colonização; para José Vasconcelos, em Raça cósmica, o que naquele momento parecia a maior dificuldade da América Latina para se destacar era o elemento esperançoso para que se tornasse o território escolhido para o futuro berço da humanidade: a miscigenação entre brancos, índios e negros.
Por sua vez, Fernando Ortiz, ao personificar o tabaco - homem moreno - e o açúcar - mulher branca -, mostrando suas contradições econômicas e sociais, propôs o conceito de transculturação para entender a relação entre raça, nação e comércio em Cuba. Este termo, como expresso pelo próprio autor em Contraponto cubano do tabaco e do açúcar, buscava substituir o termo aculturação, usado pelos americanos e adotado por sociólogos em geral para explicar “o processo de transição de uma cultura para outra e suas repercussões sociais de todo tipo” (Ortiz 2002, 254). A partir deste termo, Ortiz expôs como em Cuba se originaram fenômenos variados devido às complexas transmutações culturais para entender a evolução do povo cubano em toda a sua dimensão.
O termo transculturação expressa melhor as diferentes fases do processo transitivo de uma cultura para outra porque este não consiste apenas em adquirir uma cultura distinta, que é o que rigorosamente indica a voz anglo-americana “acculturation”, mas o processo implica também necessariamente a perda ou desarraigo de uma cultura precedente, o que poderia ser chamado de uma desculturação parcial e, além disso, significa a consequente criação de novos fenômenos culturais que poderiam ser denominados de neoculturação. (Ortiz 2002, 260)
Por outro lado, tanto Mariátegui quanto Darcy Ribeiro, Roberto Fernández Retamar e Eduardo Galeano se interessam pelas relações coloniais que se mantiveram na região. Distanciado aproximadamente trinta anos dos outros três, e fundamentado no marxismo e na concepção indigenista em que se desenvolveu, Mariátegui propôs uma análise da economia capitalista na América Latina, expressando que as burguesias crioulas e a pequena burguesia não eram solidárias com o povo comum, o que permitia que a política imperialista mantivesse os sentimentos e formalidades nos quais esses estados haviam se mantido: exportadores de matérias-primas e servidores para seu benefício.
Em seu interesse em compreender a realidade indígena peruana, Mariátegui apontou como centro do problema enfrentado pela população indígena a miséria, o atraso e a ignorância. Para ele, essas eram as consequências da servidão a que haviam sido submetidos desde a conquista, mantida pelos latifundiários, ao despojá-los de suas terras e absorvê-los para explorá-los em suas propriedades. Para ele, esse era o motivo pelo qual as burguesias nacionais da América Latina utilizavam diferentes disfarces para argumentar a suposta inferioridade e primitivismo dos povos indígenas. Nesse sentido, segundo o autor, o fator reivindicativo indígena deveria ser a demanda pela terra (Mariátegui 2008).
Por sua vez, Darcy Ribeiro assinalou que o Desenvolvimento e o Subdesenvolvimento derivam dos mesmos processos históricos, na medida em que fazem parte das mesmas etapas evolutivas e formas complementares (Ribeiro 1973). Para ele, o subdesenvolvimento experimentado pela América Latina foi o resultado de processos históricos de dominação externa e opressão por parte das classes dominantes de cada país, pois esses eram os dois elementos que deformaram o processo de renovação e transformaram a experiência em um trauma paralisador (Ribeiro 1985).
Eduardo Galeano estudou como as dinâmicas históricas que causaram as condições do saque à América Latina favoreceram significativamente o progresso alheio, pois as regiões com maior pobreza são aquelas que mantiveram vínculos mais estreitos com a metrópole, abandonadas ao término do boom econômico.
No que se refere a Roberto Fernández Retamar, ele analisou autores que se interessaram em encontrar um mecanismo que permitisse escapar das correntes com as quais a Europa e os Estados Unidos mantiveram a América a seu serviço desde a descoberta.
O ponto de partida ou ponto zero desses autores é a conquista ou invasão do que hoje é conhecido como América Latina, pelos espanhóis ou pelos portugueses. Pode-se dizer que, em uma linha do tempo baseada em uma concepção matemática, os pensadores situaram um tempo zero correspondente à conquista, de onde o passado (período pré-hispânico) é colocado à esquerda, e o futuro (o período republicano) à direita.
No entanto, o tempo zero não foi utilizado da mesma forma por todos os autores. Por um lado, há aqueles que consideraram que a conquista significou o início do grande processo de miscigenação que tornou a América Latina uma região com um bastião sem igual. E, o segundo grupo, que considera que a conquista significou o início do ultraje e pilhagem regional.
José Martí considerou que o orgulho das repúblicas latino-americanas se devia ao forjamento “entre as massas mudas de índios, ao ruído de luta do livro com o círio, sobre os abraços sangrentos de uma centena de apóstolos. De fatores tão decompostos, nunca, em menos tempo histórico, foram criadas nações tão avançadas e compactas” (Martí 2002, 16).
Vasconcelos, Freyre e Ortiz consideraram que a miscigenação foi a grande característica da América Latina. No entanto, cada um fez suas considerações de ângulos diferentes. Para Vasconcelos, os espanhóis que conquistaram o Novo Mundo (Cortés, Pizarro, Albarazo e Belalcázar) eram grandes capitães que, ao ímpeto destrutivo, acrescentavam o gênio criador, ao alcançar a vitória, estabeleciam novas cidades e redigiam estatutos para sua fundação. No entanto, durante a colônia, seus descendentes continuaram com atitudes degeneradas, humilhantes e opressoras contra o nativo, mas submissos ao poder real.
Freyre considerou que os portugueses realizaram um fenomenal processo de colonização no Brasil, ao fundamentar sua economia na agricultura latifundiária e no trabalho escravista de africanos, assim como ao instalar a família patriarcal e aristocrata como modelo institucional, no qual o papel da mulher como doadora de vida e cuidadora foi fundamental no processo de colonização da população à sombra das grandes plantações de cana em casas-grandes de adobe ou cal e pedra.
Embora Ortiz se interesse por compreender como a miscigenação e elementos econômicos — mercadorias como a cana-de-açúcar e o tabaco — marcaram as características nacionais cubanas, ele se distancia dos três autores mencionados anteriormente, na medida em que não sobrepõe uma raça ou elemento cultural ao outro. Ortiz não considerou que o português ou o espanhol fosse superior ao indígena ou ao negro e que se deveria buscar a miscigenação para apagar elementos atrasados, vergonhosos ou de pouca inteligência por meio das tradições brancas. Para ele, as três culturas tinham elementos significativos e dignos de atenção, e ele propôs o termo transculturação. Não se trata de melhoria de raças, mas de combinações culturais e políticas de acordo com as características próprias de cada período histórico.
Aquela personificação que se encontra em Contraponto cubano do tabaco e do açúcar sobre o tabaco — homem moreno — e o açúcar — mulher branca — apontou para o estudo histórico sobre os contrastes que esses produtos econômicos apresentavam, centrando-se em suas características biológicas, suas origens, modo de produção e força de trabalho, sua utilização, o afeto e o efeito que tiveram em diferentes grupos sociais. Enquanto o tabaco era um produto autóctone, a cana-de-açúcar foi importada pelos europeus para a América. A partir dessas duas plantas, Ortiz se interessa por analisar a história nacional e a identidade cubana.
Por outro lado, para os demais autores, o curso da América Latina se transformou desde a conquista, ao ficar à mercê das metrópoles europeias. Para Bolívar, a situação dos americanos durante a colônia havia sido passiva, ao terem sido colocados um grau abaixo da servidão e ao terem sido privados dos direitos que lhes correspondiam; ele comparava essa situação a uma espécie de infância permanente, em relação às transações públicas, pois os americanos não gerenciavam seus assuntos domésticos, dedicando-se apenas a satisfazer os desejos da Espanha, a quem chama de nação avarenta, por terem obedecido às suas ordens de criar gado, caçar bestas ferozes, cavar ouro e cultivar anil, cochonilha, café, cana-de-açúcar, cacau e algodão para eles.
Esses argumentos seriam mantidos por Mariátegui, Ribeiro, Fernández Retamar e Galeano. No entanto, esses se inscreveriam, é claro, nas discussões de sua época, as quais levariam à discussão se a América Latina era uma região dependente ou, pelo contrário, tratava-se de uma região que impulsionou e nutriu o desenvolvimento capitalista e o desenvolvimento dos países autoproclamados como AVANÇADOS.
Para esse grupo de pensadores, os povos que fizeram parte da América espanhola e portuguesa se movem na mesma direção e são irmãos devido à história que compartilharam desde a conquista espanhola. Cada um centra seu interesse em demonstrar como a conquista, termo igualmente discutível para eles, destruiu culturas e agrupamentos autóctones e uniformizou a fisionomia étnica, política e moral da América Hispânica, impondo sua religiosidade e sua feudalidade (Mariátegui 2008).
Para eles, foi um período de aniquilamento da população indígena latino-americana, justificado na Europa sob o pretexto de manter as populações escravizadas (Mariátegui 2008). Isso deu origem a três configurações histórico-culturais, como expresso por Darcy Ribeiro. A primeira foram os “Povos Novos”, ou seja, aqueles “povos americanos moldados nos últimos séculos como um subproduto da expansão europeia, pela fusão e aculturação de matrizes indígenas, negras e europeias” (Ribeiro 1985, 80). Esses se configuraram por características raciais, culturais e linguísticas diversas, como resultado dos projetos coloniais europeus, especialmente em locais como plantações tropicais e minas, onde negros, brancos e índios se reuniram.
A segunda configuração foi a dos “Povos transplantados”, correspondendo às nações modernas criadas pela migração de populações europeias para espaços onde procuraram reconstruir formas idênticas ao seu local de origem, mantendo uma homogeneidade cultural. “Cada uma dessas populações foi estruturada de acordo com os modelos econômicos e sociais fornecidos pela nação de origem e levou a cabo, nas terras adotivas, processos de renovação já existentes no âmbito europeu” (Ribeiro 1985, 86). Esses incluem europeus dissidentes em questões religiosas e inadaptados que as metrópoles condenaram ao exílio. Os países que apresentam essas características, de acordo com o autor, são Estados Unidos, Canadá, Uruguai e Argentina.
Por último, há os “Povos testemunhos”, caracterizados por serem sobreviventes de altas civilizações autônomas que sofreram o impacto da expansão europeia. Eles são o resultado da expansão traumatizante e de seus esforços para se reconstruírem etnicamente: México, América Central, Bolívia, Peru e Equador.
Segundo Eduardo Galeano, a conquista rompeu com as bases dos povos aborígenes, não apenas pelo fogo e sangue derramados, mas pela implantação da economia mineradora baseada na mita e na encomenda, exigindo que a população se deslocasse, desarticulando as unidades agrícolas comunitárias. Galeano enfatiza que os espanhóis e crioulo[2] que forçaram a população a ir para a mina não faziam distinção entre os diferentes indígenas, pois dentro de suas sociedades havia engenheiros, arquitetos, escultores, sacerdotes e astrônomos obrigados a trabalhar lá.
À economia mineradora somaram-se as bactérias e os vírus trazidos pelos conquistadores: varíola e tétano, doenças pulmonares, intestinais e venéreas; cárie, tifo, lepra, tracoma, que contribuíram significativamente para o aniquilamento da população indígena. A América apareceu diante dos olhos dos europeus como uma invenção comparável à imprensa, papel, bússola ou pólvora. Para o autor, a disparidade de desenvolvimento entre os dois mundos explica a facilidade com que espanhóis, ingleses e portugueses dominaram o continente, já que nenhuma das culturas ameríndias conhecia pólvora, vidro, ferro, arado ou roda, somando-se às disputas dentro dos impérios.
Para Fernández Retamar, é nesse sentido que a discussão sobre as origens do termo “Ocidente” ou “mundo ocidental” ganha grande importância. Seguindo José Luis Romero, o autor aponta que desconhecemos quando os termos “cultura ocidental”, “civilização ocidental” e “Ocidente” começaram a ser cunhados, embora esteja claro que “Ocidente” é um termo que remete indiscutivelmente à Europa, “com base em alusões geográficas óbvias, a impérios políticos e cumes religiosos, mas o conteúdo moderno do termo é outro” (Fernández Retamar 1982, 10).
Fernández explica que Leopoldo Zea ofereceu uma definição dos conceitos de mundo ocidental para agrupar os povos da Europa e dos Estados Unidos que materializaram os ideais culturais da Modernidade, que surgiram a partir do século XVI. Imediatamente, o autor destaca que Marx, no primeiro volume de “O Capital” (1867), já havia escrito que “embora os primeiros indícios de produção capitalista se apresentem esporadicamente em algumas cidades do Mediterrâneo nos séculos XIV e XV, a era capitalista só data, na realidade, do século XVI” (Fernández Retamar 1982, 11), voltando à ideia apresentada por Zea, em 1957, de que o capitalismo é o mundo ocidental, e expressa que precisamente aqueles países europeus onde o capitalismo se desenvolveu é o que se entende por “mundo ocidental”, ou seja, Holanda, Inglaterra, França e Alemanha, principalmente.
Com esse ponto de partida, Fernández Retamar (1982) destaca que, entre outros fatores fundamentais da acumulação primitiva do capital, está “a descoberta dos depósitos de ouro e prata da América, a cruzada de extermínio, escravização e sepultamento nas minas da população aborígene, o início da conquista e saque das Índias Orientais, a conversão do continente africano em caçador de escravos negros” (Fernández Retamar 1982, 11). Todos esses aspectos permitiram o crescimento vertiginoso da Europa às custas do resto do planeta, já que sem a exploração dos diferentes povos da África, Ásia e América, o desenvolvimento econômico da Europa não teria sido possível. Paradoxalmente, Espanha e Portugal, as metrópoles que mais se enriqueceram nos séculos XVI, XVII e XVIII por meio da exploração das populações e ecossistemas no território americano, não conheceriam o mesmo desenvolvimento de seus vizinhos europeus, permanecendo ambos os países na periferia do Ocidente.
Embora a América Latina tenha compartilhado o mesmo destino de suas metrópoles - fazendo parte da periferia ocidental -, seria o primeiro território a ser ocidentalizado metodicamente, como indicou José Luis Romero. Isso não apenas pelos múltiplos elementos culturais da Europa que se fundiriam com outros elementos americanos e africanos em território americano, mas também porque a América está irremediavelmente ligada ao mundo ocidental desde os primórdios do capitalismo. Isso ocorreu porque contribuiu decisivamente para o desenvolvimento europeu por meio da exploração voraz e múltipla (primeiro colonial e depois neocolonial), da qual os países, em sua grande maioria, não deixaram de sofrer.
Isso leva Fernández Retamar a afirmar que, embora a América Latina esteja excluída do Ocidente, isso não significa que esteja desvinculada da história comum do capitalismo. Esses laços têm sido dialeticamente essenciais e permanentes desde o século XVI, com a relação metrópole-colônia presente em cada etapa do desenvolvimento da formação socioeconômica dos países latino-americanos. Isso permanece como uma constante em sua história, embora não seja sua história per se, pois diferentes fatores internos de cada uma das colônias imprimiram seu curso histórico particular.
Para Eduardo Galeano, trata-se de uma relação na qual, desde então, a América Latina tem se dedicado a perder, trabalhando para o império ou região dominante do momento, de acordo com suas necessidades. Embora o ouro tenha sido o motor central da conquista, isso não impediu o benefício obtido com outros produtos. Cada país se integrou ao mercado mundial com um produto dinâmico, na maioria dos casos fugaz para as economias nacionais, pois, quando esse se esgotava, seja pela aparição de outras áreas com melhores condições ou pelo esgotamento da terra, buscava-se outro para substituí-lo. Com Colombo, veio a cana-de-açúcar, o produto agrícola mais cobiçado da época pelos europeus, que gerou a mesma prosperidade mortal que a prata e o ouro.
Seguindo o historiador colombiano Germán Colmenares, neste ensaio foi proposto o conceito de Tempo Axial, uma categoria cronológica que organizou os eventos históricos a partir do período independentista, para trás e para frente, como uma categoria de análise para os textos que têm sido trabalhados. “A escolha da independência como momento axial deveria afetar as vidas das gerações futuras, colocando-as em uma sucessão temporal marcada por um novo começo” (Colmenares 1987, 97). Assim, para os autores analisados, a independência deveria ter construído melhores condições de acordo com as dinâmicas internas de cada república.
Bolívar, ao refletir sobre o significado da independência da América e sua reconquista pela Espanha, expressou que a independência fixou irrevogavelmente o destino da América ao cortar o vínculo que a unia à Espanha. Ele indicou que, embora o ódio tenha inspirado a separação, não seria difícil unir os dois continentes para reconciliar seus espíritos. No entanto, para Bolívar, era de suma importância que as relações estabelecidas com a Europa não significassem retornar às correntes que escravizaram o continente.
Dessa forma, ele brevemente descreveu a situação das províncias do Rio da Prata, do Reino do Chile, do Vice-Reinado do Peru, da Nova Granada, da Venezuela, da Nova Espanha, de Guatemala, do México, das ilhas de Porto Rico e Cuba; questionando fortemente a Europa civilizada, comercial e amante da liberdade, que desejava manter seus interesses, ignorando os clamores e a justiça desses povos. Considerou absurdo que a Espanha pretendesse reconquistar a América sem marinha, tesouros ou soldados suficientes.
Bolívar buscou convocar as nações cultas a auxiliar a América com a intenção de estabelecer relações recíprocas entre ambos os hemisférios; indicando que esse desejo, até o momento em que ele ditava a carta, havia sido frustrado não apenas pelos europeus, mas também pelos irmãos da América do Norte, a quem Bolívar considerava espectadores inertes diante desse conflito.
Por sua vez, Martí, embora não tenha se concentrado na independência dos vice-reinados da América, referiu-se a ela com a intenção de alertar que, embora o pensamento libertador da primeira independência tenha sido produto da leitura dos pensadores liberais franceses, ele deveria ser apropriado para o benefício da América. Não se tratava de desacreditar o pensamento libertário francês; era necessário apropriar seus elementos, de acordo com a necessidade de cada república, para preservar sua soberania.
Vasconcelos referiu-se ao período independentista como um ponto culminante na história regional, considerando que a América Latina perdeu a maior batalha quando formou repúblicas independentes, e cada uma quis se separar das outras, ao realizar tratados e receber falsos benefícios, sem considerar os interesses comuns da raça. Um aspecto que, segundo o autor, apenas Simón Bolívar conseguiu vislumbrar.
Embora Vasconcelos não ignorasse as dificuldades que a região enfrentava devido à geografia que dificultava sua união política, ele afirmava que cada independentista se preocupava apenas com o destino imediato de seu próprio povo.
Mariátegui também destacaria esse aspecto, ao considerar que a geração libertadora organizou um movimento de populações crioulas seguindo os ideais da Revolução Francesa para se opor à Espanha e instaurar um ideal americanista. No entanto, esse posicionamento dos libertadores crioulos não foi continuado da mesma forma. Pelo contrário, ao se emancipar da Espanha, as antigas colônias ficaram sob a pressão das necessidades de uma formação nacional e o ideal americanista foi abandonado devido a disputas e guerras que dilaceraram a busca pela unidade da América indo-hispânica.
Sem um sistema ou conglomerado internacional que permitisse estabelecer laços econômicos ou de cooperação significativos, a Hispanoamérica se fragmentou, embora a maioria fosse produtora de matérias-primas e produtos alimentícios para distribuição nos mercados europeus e americanos, recebendo em troca máquinas ou manufaturas. Pelo contrário, o que se apresentou e continuou foi a frequente competição de país para país.
Roberto Fernández Retamar expressou que durante a colônia surgiu uma burguesia latino-americana que se alimentou de seu autorreconhecimento como crioula e que, a partir dessa condição, marcou sua distinção com a demais população latino-americana, endurecendo-se no final do século XVIII e início do século XIX, preocupada em marcar sua diferenciação também das metrópoles europeias - Espanha e Portugal. Esta primeira ruptura, juntamente com a adoção ideológico-prática da Revolução Francesa e da revolução das treze colônias que se organizariam sob os Estados Unidos, permitiu enfrentar as guerras de independência latino-americanas.
Quanto a Darcy Ribeiro e Eduardo Galeano, a independência dos quatro vice-reinados da América Latina, transformados em múltiplos países, de forma alguma significou uma melhoria na qualidade de vida da maioria da população hispano-americana. Pelo contrário, com a independência e a formação das repúblicas, o fardo do monocultivo e da dependência continuaram recompensando os grandes comerciantes e proprietários de terra, que se aproveitaram do trabalho dos despossuídos para seu benefício.
Esses laços rompidos com as metrópoles colonizadoras seriam modificados e transformados sob o discurso do livre comércio, primeiro empregado pela Inglaterra e depois pelos Estados Unidos. A América Latina continuou a ser a região que atendia às necessidades distantes, negligenciando as necessidades das grandes maiorias. O tão aclamado livre comércio, na época, serviu para que uma minoria pudesse viver à moda, enquanto os governos contraíam dívidas que geravam dívidas sucessivas, hipotecando e alienando antecipadamente o futuro econômico e a soberania política nacional.
Em 1815, Bolívar expressou seus sentimentos em relação aos Estados Unidos. Para ele, a atitude da nascente república do norte diante da reconquista espanhola de seus irmãos do sul era condenável; ele desaprovou essa postura, considerando que agiam como espectadores inertes diante desse conflito, e achava repreensível tal comportamento de uma república que havia se desvinculado da Inglaterra para trabalhar pelo desenvolvimento de seu país.
No final do século XIX, para Martí ficou claro como os Estados Unidos queriam antepor seu ideal político para seu próprio benefício, às custas das emergentes repúblicas latino-americanas. Ele julgou profundamente os governantes dos países latino-americanos por não terem o caráter necessário para construir suas repúblicas de acordo com suas necessidades; por terem voltado os olhos para modelos estrangeiros, ignorando as características de seus países e não se orgulhando de terem se levantado “entre as massas mudas de indígenas, ao som da briga do livro com o crioulo, sobre os abraços sangrentos de uma centena de apóstolos. A partir de fatores tão descompostos, jamais, em menos tempo histórico, foram criadas nações tão avançadas e compactas” (Martí 2002, 16).
Para Martí, a incapacidade dessas repúblicas não estava no país nascido “que pede formas que se lhe acomodem e grandeza útil” (Martí 2002, 16), mas sim nos governantes carentes de espírito e capacidade inovadora. Usando a metáfora do tigre que usa garras de veludo silenciosamente para se apoderar da presa adormecida, Martí referiu-se às novas relações que estavam se estabelecendo entre as repúblicas latino-americanas e os Estados Unidos. Relações que ele categorizou como herdeiras dos laços mantidos com as metrópoles na época colonial, concluindo que “quando a presa acorda, tem o tigre em cima” (Martí 2002, 19). Por isso, segundo Martí, “sobre algumas repúblicas está dormindo o polvo” (Martí 2002, 21). Isso se devia, dizia Martí, à importação excessiva de ideias e fórmulas estrangeiras e ao desprezo dos governantes.
Na década de 1920, Vasconcelos refletia sobre a necessidade de superar as discussões sobre a latinidade contra o saxonismo e focar em como sair do desalento para não perder mais soberania geográfica nem poder moral. Para ele, um dos grandes erros apresentados era buscar a distinção entre Espanha e América Latina, já que, assim como os ingleses, estabeleceram alianças com os Estados Unidos e a Austrália para manter sua cultura, a América Latina poderia fazer o mesmo.
Nesse sentido, ao contrário da América Latina, Nova Inglaterra e Virgínia se separaram da Inglaterra com o objetivo de melhorar e fortalecer-se. No entanto, dizia o autor, embora a Inglaterra, ao contrário da Espanha, tenha destruído as raças nativas da América do Norte, sua independência política não significou uma ruptura étnica entre eles, como aconteceu com a América Latina, que, desde sua emancipação, começou a renegar suas tradições e queria romper com seu passado, desejando que a Inglaterra os tivesse conquistado. Portanto, para Vasconcelos, o triunfo da civilização latino-americana deveria levar em conta a preparação secular e a depuração de elementos que transitavam e se combinavam ao longo de sua história.
Essas duas correntes de pensamento representadas por Martí e Vasconcelos seriam de certa forma reunidas por Mariátegui, Ribeyro, Fernández Retamar e Galeano em seu interesse em compreender as dinâmicas históricas da América Latina e como o imperialismo funcionava na Hispanoamérica.
Na década de 1920, Mariátegui se interessou por investigar a existência de um pensamento hispano-americano, apontando que a produção intelectual do continente carecia de características próprias, pois todos os seus pensadores foram formados em escolas europeias e não se preocuparam em expressar o espírito de sua raça em suas obras. Para ele, o espírito hispano-americano estava em elaboração, por meio de duas posturas antagônicas: o ideal ibero-americano e o ideal pan-americano.
Para Mariátegui, embora o ibero-americanismo se apresentasse como um debate intelectual entre os pensadores da raça, suas discussões se concentravam em quais elementos permaneciam da Espanha e quais da América indo-americana. Nessa corrente intelectual, a identidade indígena estava completamente alheia ao processo de formação do sentimento nacionalista, pois os valores enaltecidos eram os evangelhos imperialistas da Europa.
Pelo contrário, Mariátegui apontava que, embora o pan-americanismo não encontrasse eco entre os intelectuais latino-americanos, este era “um ideal natural do império yankee” (Mariátegui 2008, 110), influenciando fortemente a América Indo-íbera por meio de “sua propaganda sobre uma sólida malha de interesses”, invadindo a América Latina com o comércio e sua expansão. Portanto, essa ideologia buscava estabelecer o modelo yankee na América Latina.
Por outro lado, Eduardo Galeano, seguidor das proposições e argumentos de Darcy Ribeyro, comparou as colônias espanholas e portuguesas com as inglesas, concluindo que os dois sistemas de colonização eram opostos. Enquanto os ingleses desembarcavam no Novo Mundo para se estabelecerem com suas famílias, reproduzir o sistema de vida e trabalho praticado na Europa e trabalhar para seu próprio desenvolvimento, os espanhóis e portugueses buscavam apenas tesouros, mesmo contando com uma mão de obra servil abundante — desde indígenas até negros africanos —.
Fernández Retamar considerou que os Estados Unidos haviam iniciado uma guerra anticolonialista e revolucionária no século XVIII, dando origem à união de treze estados. Um marco histórico que teve grande repercussão ao longo do continente, entre as camadas mais avançadas da nossa América. No entanto, essas não seriam capazes de estabelecer Estados soberanos, mas, pelo contrário, estagnariam em relações semifeudais e escravistas, como ocorreu no sul dos Estados Unidos. Isso permitiria, décadas depois, serem combatidos e vencidos pelo vizinho do norte, enquanto, ao mesmo tempo, os Estados Unidos se incorporavam ao mundo ocidental, ao absorverem metade do território mexicano e se consolidarem como uma nação capitalista monopolista, abrindo caminho para as primeiras aventuras imperialistas para influenciar diretamente e poderosamente nos países latino-americanos.
Para Ribeyro e Galeano, enquanto o império britânico contribuía para dividir os países latino-americanos durante o século XIX, os Estados Unidos já contavam com a segunda frota mercante do mundo, fábricas têxteis e siderúrgicas e, adicionalmente, não precisavam comprar seus bens de capital no exterior. Já no final do século XIX, sendo a primeira potência industrial; a partir da Segunda Guerra Mundial, exportavam a doutrina do livre comércio, comércio livre e livre competição para seu benefício. Com a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, buscava-se negar o direito dos países subdesenvolvidos de protegerem suas indústrias e desencorajar a ação do Estado, atribuindo propriedades curativas à iniciativa privada. “A partir da Segunda Guerra Mundial, consolida-se na América Latina o recuo dos interesses europeus, em benefício do avanço avassalador dos investimentos norte-americanos, e assiste-se, desde então, a uma mudança significativa no destino dos investimentos” (Galeano 1979, 338), em troca de investimentos irrisórios, as filiais das grandes corporações pulavam pelas alfândegas latino-americanas, apoderando-se dos processos internos de industrialização, encurralando e devorando as fábricas nacionais existentes.
Em 1815, Bolívar expressou sua preocupação sobre o caminho que as recém-formadas repúblicas tomariam, pois considerava que a América não estava preparada para se desprender da Metrópole, uma vez que os americanos não possuíam conhecimentos prévios em assuntos públicos para representar suas repúblicas na cena mundial. Questionando-se: “Seremos capazes de manter em verdadeiro equilíbrio o difícil fardo de uma República? Pode-se conceber que um povo recentemente libertado se lance à esfera da liberdade, sem que, como Ícaro, suas asas se desfaçam e ele recaia no aviso?” (Bolívar 2015, 24). Para ele, era crucial que as relações estabelecidas com a Europa não significassem voltar às correntes que escravizaram o continente.
Desde então, essa é a sensação dos autores analisados. Sua preocupação se baseará em como tornar as repúblicas hispano-americanas lugares soberanos. Martí enfatizou a importância do conhecimento das características próprias, criticando os governantes da América Latina que consideravam que poderiam governar suas repúblicas como os franceses ou os alemães faziam com as suas. Ele expressou a necessidade de os governantes dos países latino-americanos conhecerem os elementos dos quais seus países eram feitos para governá-los e, assim, orientá-los com métodos e instituições próprias que permitissem a todos nascidos lá desfrutar. Da mesma forma, ele manifestou a necessidade de que esses povos irmãos se conhecessem entre si.
Martí, ao considerar o governante como um criador, criticava fortemente os homens que não tinham fé em sua terra, que se envergonhavam dela, que eram incapazes de trabalhar por ela, de emancipá-la dos gamonales famosos e importar ideias que se esperava superadas com a independência —as quais haviam sido vencidas pelo homem natural—. Ele os denominava setemesinhos e os considerava soberbos. Era uma batalha entre a falsa erudição e a natureza, na medida em que percebia o homem natural como bom ao acatar e recompensar a inteligência superior sem submissão alguma. “Os políticos nacionais devem substituir os políticos exóticos. Injete-se em nossas repúblicas o mundo; mas o tronco deve ser o de nossas repúblicas” (Martí 2002, 17).
Assim, Martí considerava que as repúblicas latino-americanas eram compostas por elementos cultos e incultos e que, se os cultos não aprendessem a arte do bom governo, os incultos governariam “a massa inculta é preguiçosa e tímida nas coisas da inteligência, e quer que a governem bem; mas se o governo a machuca, ela o sacode e governa ela mesma” (Martí 2002, 17). Para isso, Martí chamava a criação de universidades onde se ensinasse a arte do governo de acordo com os elementos peculiares dos povos da América, a fim de livrar as repúblicas da tirania.
Por sua vez, Vasconcelos, em sua intenção de depurar ideias e ordenar o espírito para corrigir os conceitos e servir ao propósito da raça latino-americana, considerava necessário levar em conta as diferenças dentro das raças que compunham a região para encontrar o caminho, sem imitar nem perder, para se descobrir, criar e obter o triunfo.
Com esta dissertação, Vasconcelos propunha que os dias dos brancos puros estavam contados pelo período de fusão e mistura de todos os povos. Um processo histórico em que contribuíram como opressores, mas do qual não sairiam vitoriosos. Para ele, seria ilógico exterminar os indígenas para renovar o continente com brancos puros, pois, além de cair na repetição dos processos colonizadores realizados pelos ingleses em Nova Inglaterra, também não resolveria o problema humano. A predestinação da América obedecia ao desígnio de construir o berço da quinta raça, na qual se fundiriam todos os povos e que substituiria as quatro que isoladamente construíram a história. “No solo da América encontrará término a dispersão, ali se consumará a unidade pelo triunfo do amor fecundo, e a separação de todas as estirpes” (Vasconcelos 1948, 27). E por isso era necessário trabalhar: a peculiaridade ibero-americana.
Nesta quinta raça, os brancos não seriam excluídos nem outro povo, pois precisamente a exploração das capacidades de todas as raças lhe conferiria seu poder. Ele acrescentaria que se aceitariam os ideais superiores do branco, mas não a sua arrogância, pois a quarta raça buscaria a liberdade.
Nesse sentido, a quinta raça precisava depurar e superar os apetites baixos, a ilusão e alcançar as aspirações mais elevadas e edificar as leis da emoção, da beleza e da alegria como ponto de partida para escolher um parceiro. A nova raça deveria ser bela. Gradualmente, a feiura desapareceria da estirpe humana, na medida em que a pobreza, a educação defeituosa, a escassez de tipos belos e a miséria que torna as pessoas feias desapareceriam do futuro da humanidade. Assim, prevaleceriam a boa educação e o bem-estar, que permitiriam a mudança física e de temperamento, levando à predominância de instituições superiores para que perdurem os elementos da beleza distribuídos nos diferentes povos.
Embora Mariátegui não mencione Vasconcelos em seu ensaio “Existe um pensamento hispano-americano?”, pode-se deduzir que ele está em contraposição às suas proposições, ao considerar que as propostas daqueles latino-americanos que delineavam como solução a criação de uma nova cultura americana a partir das forças raciais autóctones eram ingênuas e caíam em um absurdo misticismo. Para ele, era uma argumentação insensata e perigosa ao superestimar o indígena “com fé messiânica em sua missão como raça no renascimento americano” (Mariátegui 2008, 63).
Da mesma forma, Mariátegui criticou fortemente aqueles que argumentavam com a intenção de demonstrar a suposta inferioridade da raça indígena. Ele admitia que o problema das raças não era comum nem apresentava os mesmos caracteres em todos os países da América Latina: “em alguns países latino-americanos, tem uma localização regional e não influencia apreciavelmente no processo social e econômico. Mas em países como Peru e Bolívia, e um pouco menos o Equador, onde a maior parte da população é indígena, a reivindicação do índio é a reivindicação popular e social dominante” (Mariátegui 2008, 65).
Mariátegui propôs como solução para o problema enfrentado pelo indígena — atraso e miséria — transformar as condições econômico-sociais que ele enfrentava. Ao considerar que o atraso não estava determinado pela raça, mas sim pela economia e política, ele expressava que a raça por si só não é um fator emancipador, mas, pelo contrário, o dinamismo econômico e cultural são os elementos que contribuem para gerar o socialismo.
Da mesma forma, para ele, era de extrema urgência enraizar a doutrina socialista nas massas indígenas, pois considerava que sua organização social lhes permitia assimilar rapidamente. Expressando que o que tinha faltado era a preparação sistemática dos propagandistas. Segundo ele, o índio alfabetizado era corrompido pela cidade e colaborava regularmente com os exploradores da raça. No entanto, o índio no ambiente operário revolucionário assimilava e se apropriava da ideia revolucionária como instrumento de emancipação de sua raça, “oprimida pela mesma classe que explora na fábrica o trabalhador” (Mariátegui 2008, 65), descobrindo seu irmão de classe.
Mariátegui também destacou a importância de que “a nova geração hispano-americana deve definir de maneira clara e precisa o sentido de sua oposição aos Estados Unidos” (Mariátegui 2008, 111), e que o ibero-americanismo deveria trabalhar pelos novos ideais da América indo-ibérica, inserindo-se na realidade histórica de seus povos. Expressando que, se o pan-americanismo apoiava os interesses da ordem burguesa, o ibero-americanismo “deve se apoiar nas multidões que trabalham para criar uma nova ordem” (Mariátegui 2008, 113).
Assim, Ribeyro, Galeano e Fernández Retamar retomaram os argumentos de Martí e Mariátegui na urgência de estabelecer um pensamento latino-americano próprio que conduzisse à soberania nacional. Por exemplo, para Galeano, um dos fenômenos que mais contribuíam para o atraso da América Latina era a inexistência de um conhecimento próprio, a falta de investimento na pesquisa científica e tecnológica, pois vivia à sombra do avanço científico dos Estados Unidos ou da Europa. Observando que uma cultura autêntica e autônoma exigia e promovia mudanças profundas em todas as estruturas vigentes. Pelo contrário, estava-se copiando os avanços da tecnologia moderna que as corporações difundiam.
Para Ribeyro e Galeano, as classes dominantes não tinham estabelecido uma rota para o crescimento nacional, preocupavam-se em satisfazer os desejos e necessidades alheias, intensificando a lacuna social e econômica entre ricos e pobres. Portanto, era necessária uma revolução nas mãos e em nome dos oprimidos.
Antropóloga e historiadora pela Universidade dos Andes (Colômbia) com mestrado em Comunicação e Direitos Humanos pela Universidade Nacional de La Plata (Argentina). Trabalha em projetos de pesquisa no campo das ciências sociais, assim como em processos pedagógicos sob a perspectiva da educação popular. Possui ampla experiência trabalhando com comunidades afro-colombianas, indígenas e camponesas na Colômbia; no desenvolvimento de oficinas de direitos humanos, caracterizações e acompanhamento de projetos de desenvolvimento. Estes últimos também se estenderam a diferentes continentes, sendo o mais recente em Siem Reap, Camboja, onde também focou na equidade de gênero usando a exploração corporal por meio da salsa para o empoderamento das mulheres.
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[2] Refere-se ao significado da palavra no contexto espanhol, onde "criollo" é o filho de espanhol peninsular nascido na América e que, devido ao seu nascimento, não podia acessar cargos no governo. Isso difere do sentido em que é usado no contexto brasileiro.