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Território, arranjos institucionais e os desafios para a governança territorial: apontamentos do Território Sudoeste Paulista (SP)
Territory, institutional arrangements, and challenges for territorial governance: notes from São Paulo’s Southwestern Territory
Territorio, arreglos institucionales y desafíos para la gobernanza territorial: notas del Territorio Sudoeste Paulista
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. 3, pp. 940-961, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul


Recepción: 31 Mayo 2020

Aprobación: 27 Julio 2020

DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v25i3.15251

Resumo: A descentralização da gestão pública ocorrida no Brasil contribuiu substancialmente para a conformação de arranjos institucionais locais, sobretudo para os de caráter intermunicipal e territorial. A formação desses arranjos se expressa em diferentes formatos, como os consórcios, as associações, fóruns e comitês. Em um território podem coexistir e atuar diferentes arranjos institucionais, cada qual com suas agendas para o desenvolvimento. Estreitar, portanto, as relações entre agentes públicos, privados e atores sociais – distribuídos em arranjos específicos – torna-se uma demanda e um elemento basilar da governança territorial. Nosso objetivo, portanto, é analisar, através do território Sudoeste Paulista, a atuação dos seus arranjos institucionais, bem como as relações e articulações entre eles numa suposta dinâmica de governança territorial. Este estudo utilizou dois instrumentos para coletar os dados, que foram as pesquisas bibliográficas e as entrevistas semiestruturadas. Nossas análises consideraram duas dimensões nos arranjos: a dimensão política e a administrativa. Os resultados e as discussões nos levam ao entendimento de que a dinâmica de governança territorial - no Sudoeste Paulista e referente às articulações entre arranjos -, embora incipiente, já apresenta relativos resultados de cooperação, sobretudo em pautas coincidentes entre os arranjos. Neste estudo, o arranjo que melhor contribuiu para a governança territorial foi o CDR, que é fortemente ligado às Instituições de Ensino Superior (IES) e de Ciência e Tecnologia (ICTs), que adota processos participativos, que detém agentes capacitados em promover a coordenação e que, ao ser comparado com os outros arranjos, construiu projetos inovadores.

Palavras-chave: Território, esenvolvimento Territorial, Governança Territorial, Conflitos, Arranjos Institucionais.

Abstract: The decentralization of public management occurred in Brazil contributed substantially to the formation of local institutional arrangements, especially those of an intermunicipal and territorial character. The formation of these arrangements is expressed in different formats, such as consortia, associations, forums and committees. In a territory, different institutional arrangements can coexist and operate, each with its own development agendas. Therefore, strengthening the relationship between public, private and social actors - distributed in specific arrangements - becomes a demand and a basic element of territorial governance. Our objective is to analyze, through the Sudoeste Paulista territory, the performance of its institutional arrangements, as well as the relations and articulations between them in a supposed dynamic of territorial governance. This study used two instruments to collect the data, which were bibliographic searches and semi-structured interviews. Our analyzes considered two dimensions in the arrangements: the political and the administrative dimension. The results and discussions lead us to the understanding that the dynamics of territorial governance - in the Sudoeste Paulista territory and referring to the articulations between arrangements -, although incipient, already present relative results of cooperation, especially in coinciding agendas between the arrangements. In this study, the arrangement that best contributed to territorial governance was the CDR, which is strongly linked to Higher Education Institutions (IES) and Science and Technology (ICTs), which adopts participatory processes, which have agents trained to promote coordination and that, when compared with the other arrangements, he built innovative projects.

Keywords: Territory, Territorial Development, Territorial Governance, Conflicts, Institutional Arrangements.

Resumen: La descentralización de la gestión pública que tuvo lugar en Brasil contribuyó sustancialmente a la formación de arreglos institucionales locales, especialmente los de carácter intermunicipal y territorial. La formación de estos arreglos se expresa en diferentes formatos, como consorcios, asociaciones, foros y comités. En un territorio pueden coexistir y operar diferentes arreglos institucionales, cada uno con sus propias agendas de desarrollo. Por lo tanto, fortalecer la relación entre actores públicos, privados y sociales, distribuidos en arreglos específicos, se convierte en una demanda y un elemento básico de la gobernanza territorial. Nuestro objetivo, por tanto, es analizar, a través del territorio Sudoeste Paulista, el desempeño de sus arreglos institucionales, así como las relaciones y articulaciones entre ellos en una supuesta dinámica de gobernanza territorial. Este estudio utilizó dos instrumentos para la recolección de datos, que fueron búsquedas bibliográficas y entrevistas semiestructuradas. Nuestros análisis consideraron dos dimensiones en los arreglos: la dimensión política y la administrativa. Los resultados y las discusiones nos llevan a entender que la dinámica de la gobernanza territorial - en el suroeste de São Paulo y referida a las articulaciones entre arreglos -, aunque incipiente, ya presenta resultados relativos de cooperación, especialmente en agendas coincidentes entre los arreglos. En este estudio, el ordenamiento que mejor contribuyó a la gobernanza territorial fue el CDR, el cual está fuertemente vinculado a las Instituciones de Educación Superior (IES) y Ciencia y Tecnología (TIC), que adoptan procesos participativos, que cuentan con agentes capacitados para promover la coordinación. y que, en comparación con los demás arreglos, construyó proyectos innovadores.

Palabras clave: Territorio, Desarrollo territorial, Gobernanza territorial, Conflictos, Arreglos institucionales.

1 Introdução

A descentralização da gestão pública ocorrida no Brasil, promovida pela Constituição Federal de 1988, contribuiu substancialmente para a conformação de arranjos institucionais, de caráter intermunicipal/territorial, por todo o país (DALLABRIDA; ZIMERMANN, 2009; NASCIMENTO; NUNES, 2018). Embora a descentralização tenha conferido, aos estados e municípios, uma maior autonomia na gestão de seus recursos e em suas deliberações, cabe destacar que este processo escancarou as desigualdades regionais e os desequilíbrios entre os municípios, o que, entre outros fatores, estimulou o surgimento de novas institucionalidades com fins de debater o desenvolvimento e suprimir carências regionais de forma conjunta, articulando diferentes atores e instituições (MAZZALI; NIERO, 2015).

A emergência de arranjos institucionais está associada ao fortalecimento de uma democracia na medida em que, através desses canais, se amplie e se diversifique a participação social nos rumos a serem tomados pela sociedade (PEREIRA, 2014). A conformação desses arranjos se expressa em diferentes formatos – como os consórcios, as associações, fóruns e comitês – e podem se originar tanto pelo estímulo de programas de políticas públicas quanto pela livre iniciativa de agentes locais. São exemplos, respectivamente, os casos dos colegiados territoriais, formulados no bojo dos programas federais de desenvolvimento territorial (MOURA; MOREIRA; GOMES, 2017), e os consórcios públicos entre prefeituras (GUSMÃO; BARBOSA, 2015).

Feita essa consideração é possível apontar para casos que, sob um mesmo território, diferentes arranjos institucionais coexistem e atuam em agendas próprias para o desenvolvimento territorial. Estreitar, portanto, as relações entre agentes públicos, privados e atores sociais – distribuídos em arranjos específicos – torna-se uma demanda e se configura como um elemento basilar da governança territorial (FIGUEIREDO FILHO, 2019; MARINI; CORRÊA NETO, 2018). Nesse percurso, onde a superação de projetos hegemônicos e a inclusão de “classes subalternas” (RANDOLPH, 2017, p. 233) se fazem necessárias, as contradições, as relações de poder e os conflitos territoriais – como discutem Fernandes (2009) e Saquet (2007) – se elucidam como obstáculos importantes.

Destarte, surgem desse cenário os seguintes questionamentos: diante dos conflitos de interesses e das relações de poder, intrínsecos aos territórios, qual é a governança territorial possível? Quais são os principais desafios para a governança territorial? Isto é, quais são os fatores que fragmentam as relações entre arranjos institucionais e que fatores podem auxiliar na reversão desse quadro? No anseio de responder essas questões e de identificar possíveis fatores que favorecem a governança nos territórios, o território Sudoeste Paulista se evidência como um interessante caso a ser analisado, uma vez que, ao longo de sua historicidade, diversos arranjos passaram a atuar no território. Nosso objetivo, portanto, é analisar as atuações dos arranjos institucionais do território Sudoeste Paulista, bem como as relações e articulações entre eles, numa suposta dinâmica de governança territorial.

Para além deste tópico introdutório, o artigo está estruturado da seguinte maneira: uma seção específica para o referencial teórico, em que abordamos os conceitos-chave da nossa discussão (território; desenvolvimento territorial; arranjos institucionais; e governança territorial); a seção de metodologia, em que apresentamos o território estudado, os métodos de levantamento de dados e as categorias analíticas adotadas; a seção dos resultados e discussão, subdividida nos tópicos a) Breve caracterização histórica do território Sudoeste Paulista, b) Arranjos institucionais e suas atuações c) Desafios para a governança territorial no Sudoeste Paulista; e por fim as considerações finais, nas quais buscamos sintetizar os principais achados deste trabalho.

2 Referencial Teórico

Território e Desenvolvimento Territorial

O conceito de território possui como campo de origem a geografia e tem, nesta área, seus principais aportes teóricos (RAFFESTIN, 1993). Com o avanço das estratégias de desenvolvimento endógeno e descentralizado, a ideia de território foi apropriada por outras áreas do conhecimento e adotada, como referencial, por programas de políticas públicas, movimentos sociais, instituições, etc. (BERDEGUÉ; FAVARETO, 2019; RAYNAUT, 2014). O território pode ser compreendido como um campo de forças, onde coexistem diferentes grupos sociais e que, a todo momento, se interagem através de relações de poder, conflitos e disputas (SAQUET, 2007). Para além da dimensão física, essas relações são travadas, também, no campo das ideias, conformando os chamados territórios imateriais (FERNANDES, 2009). No território são forjadas identidades a partir de patrimônios territoriais, que abarcam os espectros natural, institucional, humano e intelectual, produtivo, cultural e social (DALLABRIDA, 2020).

Tomando como base a ideia de que desenvolvimento é a ampliação das possibilidades humanas (FURTADO, 2019) e de que território é um campo multidimensional (econômico, social, ambiental, cultural, político, institucional), permeado por atores e relações, pode-se dizer que o desenvolvimento territorial se trata de um processo que potencializa todas as dimensões do território e que envolve a variedade de setores e atores que ali atuam. Ou então, um desenvolvimento descentralizado, voltado para a valorização dos recursos locais e dos pequenos centros urbanos integrados ao seu entorno rural (BEDOYA-RAMOS, 2018). O desenvolvimento territorial se materializa a partir de práticas endógenas, participativas, inovadoras e intersetoriais (SABOURIN; MASSARDIER; SOTOMAYOR, 2016).

Fomentar o desenvolvimento com enfoque territorial é uma tarefa complexa. Normalmente, é necessário que haja a integração de diferentes atores e instituições que, por vezes, ainda não estão adaptados e capacitados a esta dinâmica, ou então, possuem projetos distintos e conflitantes (BUMBALOVÁ et al., 2016; COELHO; FAVARETO, 2008). Promover projetos e ações inovadores, que derivem dos recursos locais e os utilizem como potencialidades socioeconômicas, demanda a construção de um inventário de patrimônios locais, o qual, por sua vez, provém da articulação entre pesquisadores, agentes do Estado, organizações da sociedade civil e empresas privadas (CARRIÈRE; CAZELLA, 2006; DALLABRIDA, 2020; FURMANKIEWICZ, 2012).

Arranjos Institucionais e Governança Territorial

Os processos de construção de agenda para o desenvolvimento territorial revelam – entre outros fatores – os conflitos de interesses, as assimetrias de forças e as limitações (técnicas e de atuações) que ocorrem entre os diferentes atores sociais, agentes políticos e suas instituições. Para aliviar as tensões, solucionar parte dos conflitos e para que haja a possibilidade de cooperações e de coordenações, a governança territorial se apresenta como uma das possíveis ferramentas a serem utilizadas (GUSTAFSSON, 2017). A governança territorial é, portanto, um processo de planejamento e de gestão das dinâmicas territoriais (CANÇADO; TAVARES; DALLABRIDA, 2013), sob uma ótica inovadora, partilhada, colaborativa e de relações horizontais, cujo objetivo é sintetizar uma visão para o desenvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2020). Um dos meios para que isso se viabilize é a conformação de arranjos institucionais (PIRES; GOMIDE, 2016).

Os arranjos institucionais são canais envoltos por um conjunto específico de regras, normas, processos e mecanismos, pelos quais as diferentes instituições se coordenam, se organizam, negociam e deliberam sob um plano de atuação (PIRES; GOMIDE, 2016). Nesta ordem, Lotta e Favareto (2016) compreendem os arranjos institucionais como regras específicas que coordenam as transações econômicas e as relações entre agentes políticos e atores sociais, em um determinado contexto e para um objetivo específico. De modo geral, nos arranjos são envolvidos representantes do poder público dos diferentes poderes (executivo, legislativo e judiciário) e dos diferentes níveis (municipal, estadual e federal), assim como as organizações da sociedade civil, sejam elas da classe trabalhadora (sindicato de trabalhadores, movimentos sociais, etc.) sejam as que emanam dos interesses empresariais (GOMIDE; PIRES, 2014).

É factível – mediante a literatura revisada (FIGUEIREDO FILHO, 2019; FUINI; CASTRO, 2019; MOURA; MOREIRA; GOMES, 2017) – atribuir aos arranjos institucionais duas grandes dimensões: i) uma dimensão política, na qual são travadas as relações, interações e tensões entre os agentes políticos, atores sociais e suas instituições; ii) e uma dimensão administrativa, que é a responsável por reger as relações e o funcionamento do arranjo. Na dimensão política estão inseridos, por exemplo, os participantes, a dinâmica de construção das agendas e as possíveis interações com outros arranjos institucionais. Já a dimensão administrativa abarca questões como o financiamento do próprio arranjo (manutenção da sede, do escritório, de funcionários, etc.), formas de funcionamento e o modo como os projetos são financiados.

À luz de uma abordagem sob essas duas dimensões, é possível apontar, através de levantamentos feitos na literatura, os principais elementos que fragmentam e que favorecem as atuações dos arranjos institucionais, os quais sintetizamos no Quadro 1. Esses elementos, por sua vez, se relacionam com as dinâmicas de governança territorial e influenciam o seu desempenho.

Quadro 1
Elementos que fragmentam e que tendem a favorecer as atuações dos arranjos institucionais e da governança territorial

Fonte: Organizado pelos autores a partir de dados secundários.

3 Metodologia

Território de estudo

Diante do objetivo proposto por este trabalho, optamos por um estudo de caso. Para isso, o território Sudoeste Paulista se configura como um interessante propulsor de elementos de análise. Para além do Sudoeste Paulista atender a nossa demanda de informações, isto é, por ter, em seu desenho territorial, diferentes arranjos que atuam na proposição de estratégias para o desenvolvimento, este território vivenciou, entre os anos de 2003 e 2016, programas federais de desenvolvimento territorial, o que lhe confere uma trajetória de experiências com arranjos institucionais (ANTUNES JUNIOR, 2020).

Embora seja difícil estabelecer fronteiras para os territórios, uma vez que as suas definições se estabelecem através de interações e relações sociais de caráter multidimensional (ambiental, cultural, político, social, institucional e econômico), para este trabalho foi definido um desenho territorial de referência. Para fins metodológicos, o território Sudoeste Paulista foi compreendido pela 16ª Região Administrativa do Estado de São Paulo (ver Mapa 1).


Mapa 1
Localização do Território Sudoeste Paulista (16ª Região Administrativa do Estado de São Paulo)
Fonte: os autores (2020).

Levantamento e análise dos dados

Este estudo utilizou dois instrumentos para coletar os dados, que foram as pesquisas bibliográficas e as entrevistas semiestruturadas. Cada método cumpriu uma etapa específica. A partir das pesquisas bibliográficas, que se deram através de artigos científicos, livros, dissertações e teses relacionados à trajetória histórica do território Sudoeste Paulista, foi possível fazer um resgate da sua historicidade, compreender seus atores e agentes e, por conseguinte, identificar os arranjos institucionais atuantes no território.

Uma vez resgatada essa trajetória histórica e enunciado os principais arranjos do Sudoeste Paulista, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os seus representantes. As entrevistas tiveram o intuito de aprofundar o entendimento acerca das suas atuações, bem como da ocorrência (ou não) de interações e articulações entre si, a fim de analisar a dinâmica de governança territorial. Para isso, o roteiro de entrevista almejou obter: um breve histórico do arranjo institucional; os participantes e o recorte territorial de atuação; as principais pautas e a sua agenda para o desenvolvimento territorial; a dinâmica de discussão/participação dos atores; como é o funcionamento do arranjo; e como se dão, caso ocorram, as relações e articulações com os outros arranjos do território.

A seleção dos entrevistados foi orientada pelo princípio da heterogeneidade, seguindo uma amostragem não-probabilística por tipicidade, na qual, a partir de um conhecimento prévio do conjunto de atores envolvidos nos arranjos institucionais, selecionamos uma amostragem que consideramos representativa. Foram entrevistadas as principais lideranças dos três arranjos institucionais, seus assessores técnicos bem como demais representantes do poder público e da sociedade civil. Ao todo foram nove entrevistas que se dividiram em dois blocos. O primeiro bloco, que integra seis dessas entrevistas, ocorreu de maneira presencial (distribuídas em seis municípios do território Sudoeste Paulista) entre os meses de abril e julho de 2019. Já o segundo bloco, composto por três entrevistas, foi realizado através de videoconferências nos meses de abril e maio de 2020.

À luz do referencial teórico construído para este estudo, os dados sobre as atuações dos arranjos institucionais foram analisados a partir de duas categorias analíticas: a) um olhar pela dimensão política; b) e outro pela dimensão administrativa. Já as análises da governança territorial se basearam em uma única e grande categoria, a qual aponta para fatores que podem ou fragmentar ou favorecer a governança territorial, a depender do seu teor. No Quadro 2, abaixo, organizamos e apresentamos as categorias analíticas, bem como as suas respectivas variáveis.

Quadro 2
Categorias de análise e suas variáveis

Fonte: os autores (2020)

4 Resultados e Discussões

Breve caracterização histórica do território Sudoeste Paulista

O surgimento das primeiras vilas (e depois cidades) do território está associada ao tropeirismo, ainda no século XVIII, quando tropas de muares e de gado vacum, oriundas do sul do país, atravessavam o território em direção à Feira de Sorocaba (PETRONE, 1973). No entanto, foi a partir de meados do século XIX, com a Lei de Terras, que, de fato, as terras do Sudoeste Paulista foram ocupadas. Deste período em diante, fazendeiros, latifundiários e comerciantes influentes passaram a se apropriar (via grilagem) de imensas extensões fundiárias. Paralelamente, as matas do território (que não despertavam interesses nos agentes capitalizados) foram ocupadas por famílias de agricultores pobres oriundos de outras localidades, como Minas Gerais e Vale do Paraíba/SP (CORRÊA, 2013). Esse processo desordenado de ocupação trouxe consequências à atualidade, explícitas na alta concentração fundiária e na ausência de regularização fundiária das pequenas propriedades, sobretudo das pertencentes aos agricultores familiares (PORTO, 2014).

O século XX é marcado por um avanço gradual de agentes capitalizados, que passaram a explorar os recursos naturais e fundiários. Nos anos de 1950 ocorreram instalações das primeiras indústrias de extração mineral e, a partir de 1970, a silvicultura se expandiu em grandes proporções, como são notáveis tanto na área ocupada pelas plantações florestais (de pinus e de eucalipto) quanto na instalação de indústrias associadas ao setor (CASTRO, 2019). Atualmente, tem se tornado comum a integração dos agricultores familiares às práticas de silvicultura, em que estes passam a arrendar suas terras para corporações florestais, que as transformam em monoculturas (MATHEUS, 2018; PORTO, 2014). Outros setores do agronegócio (como os relacionados à monocultura de grãos) também têm angariado forças no território. Como foi discutido por Porto (2014), a expansão das monoculturas, sobretudo dos cultivos de soja, pinus e eucalipto, tem reorganizado a lógica rural e urbana do território, impactando diretamente nas estratégias de reprodução social da agricultura familiar.

Para além das monoculturas, a paisagem do território é composta por assentamentos rurais da reforma agrária, de assentamentos rurais via crédito fundiário, de acampamentos de trabalhadores rurais sem-terra, de bairros e vilarejos rurais e de comunidades quilombola e indígenas. Isso confere a este território uma das maiores concentrações de agricultura familiar no Estado de São Paulo (KASSAOKA, 2018). No que tange a produção agrícola, a agricultura familiar tem uma relação histórica com a cultura do milho, além da pecuária leiteira e a produção de hortaliças (BRASIL, 2007). São nas áreas rurais, vivenciadas sobretudo pelos agricultores familiares, que se evidenciam as contradições do território, como a pobreza, o distanciamento dos serviços de educação e saúde, as contaminações por agrotóxicos, as explorações trabalhistas e os conflitos por terras (ANTUNES JUNIOR, 2019; BIONDI, 2020; RIBEIRO, 2020).

Diante desse cenário, identificamos que a governança territorial, no Sudoeste Paulista, pode direcionar esforços nos seguintes campos de atuação: em questões estruturais, como a regularização fundiária, melhorias nos serviços de saúde e de educação no campo; e no fortalecimento de atividades econômicas que sejam adaptadas à lógica local dos agricultores familiares, calcadas, principalmente, nos patrimônios cultural (festas e eventos tradicionais, relacionados ao tropeirismo, à cultura caipira e à produção do milho) e produtivo (agroindustrialização de derivados do leite e de embutidos; incentivos à transição para uma agricultura de base agroecológica e orgânica). Ademais, a inclusão da agricultura familiar em estratégias de turismo rural, ecológico e de aventura aparenta ser promissor, uma vez que o território detém consideráveis patrimônios naturais.

Arranjos institucionais e suas atuações

Atualmente, no território Sudoeste Paulista, há três arranjos institucionais que atuam na proposição de estratégias para o desenvolvimento, são eles: o Consórcio de Desenvolvimento das Regiões Sul e Sudoeste do Estado de São Paulo – CONDERSUL; o Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local do Sudoeste Paulista – CONSAD; e o Centro de Desenvolvimento Regional do Sudoeste Paulista – CDR. São arranjos institucionais que emergiram em momentos diferentes, sob motivações diversas e que abarcam instituições e funcionamentos específicos (ver Quadro 3).

a) CONDERSUL

Em 1995, o CONDERSUL iniciou suas atividades no intuito de integrar as municipalidades do Sudoeste Paulista e do Alto Vale do Ribeira, que são regiões que concentram os piores índices socioeconômicos do Estado de São Paulo. Desde o princípio, o arranjo é composto apenas por representantes do poder público, sobretudo dos executivos municipais. A participação de legisladores se resume nos assentos do Conselho Fiscal.

A superação da pobreza e da fome foram apontadas como questões que motivaram a formação do arranjo e que ainda orientam as suas atuações. Na visão do CONDERSUL, a ação conjunta entre as prefeituras levaria ao desenvolvimento territorial e, por conseguinte, a supressão dessas questões. Entretanto, as agendas de trabalho do CONDERSUL levam ao entendimento de que isso se configura como uma retórica, afinal, os esforços do arranjo se concentram em interesses econômicos e empresariais de grupos específicos.

São duas as principais frentes de trabalho do CONDERSUL: a frente agrícola, ligada ao agronegócio e que prioriza esforços nas cadeias produtivas de grãos e de madeira, cujo objetivo é que as agroindústrias correlatas se instalem no território; e a frente da mineração, em que as articulações se dão entre governos municipais, estadual e empresários do setor. Há uma terceira agenda, considerada internamente de menor importância, que se trata do turismo ecológico e de aventura. O CONDERSUL é um dos responsáveis pela gestão da região turística “Verde Sudoeste Paulista”, de iniciativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE e apoiada pelo governo do estado de São Paulo. Nesse sentido, os parques de preservação ambiental (Intervales, PETAR, Nascentes do Paranapanema e Carlos Botelho), entre outros elementos ambientais, seriam os principais atrativos.

As frentes de trabalho, que também são chamadas de potencialidades, foram definidas apenas entre os membros do arranjo. Nesse processo foram usados dados secundários de publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sem a participação de organizações da sociedade civil, tampouco a realização de trabalhos de campo, de consultas, oficinas, etc.

O CONDERSUL se define como um arranjo de articulação política, que tem como principal referência o governo estadual. Não há diálogo significativo, nesse momento, com o governo federal. Este arranjo se articula com os outros arranjos do território apenas em situações e pautas específicas, como é o caso da implementação do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA1). O SUASA compõe os interesses do CONDERSUL, pois, além dos agricultores familiares, esse sistema também atende as demandas de médios e grandes pecuaristas. A possível ampliação das atividades agroindustriais, em resposta a implementação deste sistema, pode acarretar na geração de emprego e renda, que, por sua vez, é de suma importância para os executivos municipais.

A diretoria (presidência e vice-presidência) e os conselhos do arranjo são elencados a partir de eleições internas, com gestões de duração de dois anos. O financiamento operacional do arranjo (manutenção da sede, do escritório e dos funcionários) é através de contribuições das próprias prefeituras, que variam de acordo com o tamanho e estrutura do município. Nas entrevistas, a limitação orçamentária se evidenciou como um dos grandes entraves do consórcio, fato que levou ao arranjo um processo de reestruturação e a adoção, como campo de atuação, apenas as articulações políticas. O CONDERSUL, por si, não executa programas ou ações e sim os propõem. Como exemplo, uma das mais recentes mobilizações do arranjo foi a apresentação, ao secretário de desenvolvimento regional do Estado de São Paulo, de um conjunto de medidas que favoreceriam o desenvolvimento do território. De acordo com a apuração realizada, são medidas pautadas no agronegócio, na mineração e no turismo, que almejam tornar o território atrativo aos investidores externos, tais como incentivos fiscais, obras em infraestrutura e em logística.

b) CONSAD

O CONSAD, por mais que receba em sua denominação o significado de consórcio, é, na realidade, uma associação. Este arranjo reúne representantes do poder público (normalmente secretários municipais da agricultura, do meio ambiente e de desenvolvimento econômico) e da sociedade civil (associações e cooperativas da agricultura familiar e sindicatos de trabalhadores rurais) para, através de discussões e articulações políticas, atuar enquanto um mecanismo propositivo de estratégias para o desenvolvimento territorial. Foi formalizado em 2004 (através de um fórum territorial) e teve seu primeiro colegiado eleito em 2005. Desde então, foram sete eleições de colegiado. De 2005 a 2015 as composições duravam dois anos e, a partir de 2017, os mandatos passaram a ser de quatro anos.

O CONSAD Sudoeste Paulista passou por algumas mudanças estatutárias, sendo a última em 2017. Em 2004, ano de fundação, o CONSAD era formado por uma Assembleia Geral, por um Conselho Deliberativo, por uma Diretoria Executiva e por um Conselho Fiscal. Em 2006, a partir de uma mudança no estatuto, foi incluída nessa estrutura a presença de Câmaras Temáticas, presente até hoje.

Cada município participante do CONSAD tem direito a seis representantes, sendo dois do poder público e quatro da sociedade civil. Os representantes da sociedade civil são escolhidos em reuniões municipais, ou seja, as entidades associadas ao CONSAD se reúnem nos seus respectivos municípios e, sob uma dinâmica própria (que varia em cada município), definem seus quatro representantes. Já os do poder público são, normalmente, indicados pela própria prefeitura. Com os seis representantes de cada município constitui, então, a Assembleia Geral. Esta, por sua vez, é encarregada de eleger os Conselhos Deliberativo e Fiscal, assim como a Diretoria Executiva.

Este arranjo emergiu do Programa Fome Zero e perpassou outros dois grandes programas de políticas públicas federais, os quais, assim como o Fome Zero, também tinham uma perspectiva territorial, que foram o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT) e o Programa Territórios da Cidadania. Nesses três programas fez o papel de colegiado territorial e, entre as suas principais ações, se destacam: o fortalecimento da cadeia produtiva de leite (desempenhada pela agricultura familiar); projetos de habitação e de eletrificação no meio rural; eventos e seminários de regularização fundiária; e articulações políticas para a renegociação das dívidas dos agricultores familiares assentados pelo Banco da Terra.

Notoriamente, ao longo de sua trajetória, o CONSAD concentrou esforços para atender as demandas da agricultura familiar. Tais demandas foram (e são) levantadas pelos membros do arranjo, junto às suas bases, e direcionadas à assembleia geral onde são debatidas e elencadas as prioridades. Atualmente, o arranjo se dedica às pautas dos assentamentos de Banco da Terra situados no território, principalmente no que se refere à regularização financeira das associações responsáveis pelos assentamentos.

No período em que o CONSAD fazia o papel de colegiado territorial, o seu funcionamento bem como as suas ações eram financiados através de editais lançados pelo governo federal. Ao passo que os programas de desenvolvimento territorial foram desmantelados, o CONSAD passou a buscar novas estratégias de financiamento das suas atividades, tais como parcerias com sindicatos, associações e universidades e emendas parlamentares. Assim como no caso do CONDERSUL, o orçamento destinado à sua operacionalização também é uma limitação importante.

Em função de uma importante liderança regional que atua no CONSAD, este arranjo tem atingido consideráveis articulações com os outros arranjos do território. Através do CONDERSUL, o CONSAD tem procurado angariar os apoios políticos necessários para que medidas emergências de segurança alimentar e nutricional e de apoio à agricultura familiar sejam implementadas ao longo da pandemia do novo coronavírus, COVID-19 (BORSATTO et al., 2020). Ademais, o CONSAD tem participado e contribuído na construção da carteira de projetos a ser executado pelo CDR.

c) CDR

Seguindo o referencial teórico construído para este trabalho, o CDR pode ser classificado como um arranjo institucional uma vez que, ao entorno dele e sob um conjunto de mecanismos, se arranjam, através de suas instâncias, uma série de agentes políticos e atores sociais. Entretanto, o CDR se identifica como uma ferramenta, ou metodologia, de proposição de estratégias para o desenvolvimento territorial a ser utilizada por outras institucionalidades.

Iniciado em 2017, este arranjo é oriundo de uma iniciativa do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e de uma demanda da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação. O CDR busca integrar sociedade, governo, Instituições de Ensino Superior (IES) e de Ciência e Tecnologia (ICTs) na construção de uma agenda para o desenvolvimento territorial que tenha como alicerces a ciência, a tecnologia e a inovação.

Suas linhas de atuação emergiram de oficinas, nas quais participaram diversos setores do território (associações comercial, empresarial, de engenheiros e de desenvolvimento social; SEBRAE; sindicatos da agricultura familiar e de trabalhadores rurais). Para a realização dessas oficinas, o Conselho Gestor e a Entidade Gestora do CDR mapearam o território Sudoeste Paulista, elaboraram um inventário das suas instâncias formais (do poder público, da sociedade civil, das IES e ICTs) e convocaram os seus representantes legais. Mediante uma oficina-dinâmica entre esses representantes foram identificados os "Eixos Alavancadores" do desenvolvimento do território, a saber: a) Agroindústria, agronegócio e agricultura familiar; b) Capacitação e empreendedorismo; c) Preservação dos recursos naturais; d) Turismo.

Os participantes dessas oficinas, orientados por esses eixos, desenvolveram uma série de projetos, os quais compuseram a carteira de projetos do CDR. Os projetos, por sua vez, têm como proponentes as IES e as ICTs. Entre alguns exemplos de projetos, estão: Organização e União Civil para a Segurança Alimentar Plena nos Meios Urbano e Rural; Rede Agroecológica da Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema; Núcleo de Tecnologia e Inovação para o Turismo Regional Sustentável; Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA) do Território Sudoeste Paulista; Cultivo e Transformação do Bambu como Alternativa Sustentável para Geração de Renda na Agricultura Familiar; Centro Cerealista do Território Sudoeste Paulista; Mapeamento das Aglomerações Produtivas Locais ao Redor do Milho; entre outros.

Nota-se, entre os projetos, uma considerável capacidade de inovação e de intersetorialidade, que, possivelmente, advém dos participantes e da forma de funcionamento do arranjo. Além de envolver uma relativa diversidade de atores locais, o CDR abarca universidades e instituições de pesquisa. Ademais, o arranjo funciona e constrói suas atividades através de fóruns de desenvolvimento regional (sob dinâmicas participativas), os quais contam com a presença de agentes capacitados e específicos para promover a coordenação.

Em função da pandemia de COVID-19 e de constantes crises instauradas no Ministério da Educação (até então, via Secretaria de Educação Superior, o principal fomentador dos projetos), atualmente o CDR busca manter a articulação e a mobilização em torno dos seus projetos, angariar recursos para as suas execuções (através de parcerias com o setor empresarial, emendas parlamentares, etc.), bem como garantir que novos projetos sejam elaborados e apresentados ao comitê gestor.

Quadro 3
Atuações dos arranjos institucionais sob às dimensões política e administrativa

Fonte: os autores (2020)

Desafios para a governança territorial no Sudoeste Paulista

Na seção sobre a historicidade do território Sudoeste Paulista, foi discutida a coexistência entre a agricultura familiar (presente nos bairros rurais, nos assentamentos de reforma agrária e de crédito fundiário) e o agronegócio (materializado nas monoculturas de soja, pinus e eucalipto). Como visto, a relação entre esses dois grupos, embora com a ocorrência de algumas integrações, é bastante conflituosa. A partir disso, é possível traçar um paralelo com a relação entre o CONSAD e o CONDERSUL, defensores, respectivamente, dos interesses da agricultura familiar e do agronegócio. Esses dois arranjos já atuaram de forma conjunta, dialogando em algumas pautas, mas os conflitos de interesses e os setores representados os colocam em posições distintas.

Ao passo que o CODERSUL, formado exclusivamente por representantes do poder público, assume como frentes de trabalho o agronegócio e a mineração, sem qualquer menção a agricultura familiar, percebe-se o desequilíbrio de representação política entre esses setores, seja nos executivos municipais, seja no legislativo. Esse desequilíbrio, por sua vez, se reflete na relação entre os arranjos. Como levantado em campo, o CONDERSUL não está fechado para o diálogo com outros arranjos e com outras agendas, no entanto, isso não ocorrerá de maneira proativa, tendo como iniciativa o próprio CONDERSUL. Como afirmou um de seus membros, a articulação com o CONSAD pode ocorrer desde que este acione o CONDERSUL. Dado que o CONDERSUL já detém a hegemonia da política institucional (poderes executivo e legislativo) do território, não é do seu interesse buscar o diálogo e a integração com outros arranjos. Ou seja, é mais provável que o CONSAD busque uma articulação com o CONDERSUL do que o inverso.

Nesse sentido, partiu do CONSAD a aproximação com o CONDERSUL para que ocorressem avanços na instalação do SUASA, assim como para que medidas emergenciais de segurança alimentar e nutricional e de apoio à agricultura familiar fossem implementadas, ao longo da pandemia de COVID-19. As pautas da segurança alimentar e do SUASA são, inclusive, um dos principais fatores que integra os três arranjos institucionais do território. O CONSAD, que promove discussões sobre o SUASA desde os programas de desenvolvimento territorial do governo federal (2003-2016), já se articulava, sobre isso, com o CONDERSUL e encontrou, no CDR, o aporte necessário para desenvolver esse projeto. Atualmente, junto à Universidade Federal de São Carlos - campus Lagoa do Sino, que é a proponente deste projeto, o SUASA têm obtido avanços na sua implementação. No âmbito da segurança alimentar, o CDR, junto ao CONDERSUL, apoia o projeto Organização e União Civil para a Segurança Alimentar Plena nos Meios Urbano e Rural.

O CDR se evidencia como o arranjo que melhor consegue abrigar os diferentes setores do território, uma vez que participam representantes do agronegócio, da agricultura familiar, das associações comerciais e empresariais, do turismo, das universidades, etc. Entretanto, no que se referem às articulações com o CONSAD e com o CONDERSUL, há, ainda, um vasto campo a ser percorrido. Embora ocorram articulações, no sentido de cooperações entre arranjos, estas se tratam de movimentos incipientes. De acordo com as entrevistas realizadas, percebe-se, no território, uma tendência dos arranjos em não interagirem entre si como uma preocupação de perderem o protagonismo nas suas respectivas agendas.

Tanto o CDR quanto o CONDERSUL possuem, entre suas pautas, o interesse no desenvolvimento do turismo ecológico, ambiental e de aventura. Não há, no entanto, entre ambos uma articulação significativa nesse tema. O CONDERSUL retém, para si, a gestão da Região Turística “Verde Sudoeste Paulista”, o que, na perspectiva do CDR, se configura como um entrave à governança territorial.

Outros fatores indicados como obstáculos à governança territorial são as questões operacionais e orçamentárias dos arranjos institucionais, isto é, se o orçamento previsto para o funcionamento do arranjo, na condução de sua própria agenda, for rígido e limitado, isso o impedirá de aderir outras pautas, que não sejam aquelas priorizadas previamente. Além do mais, não há continuidade administrativa nos arranjos e os planos de ações são, frequentemente, interrompidos. Isso, inclusive, foi apontado nas entrevistas como um fator desmobilizador. Há uma sensação, entre atores e agentes do território, que as ações para o desenvolvimento territorial dificilmente avançam.

Entre os fatores apontados que favorecem a integração entre os arranjos institucionais, podemos citar: a atuação de lideranças engajadas e articuladas, que são capazes de fazer as mediações e negociações necessárias; bem como a necessidade dos arranjos em trocarem experiências e habilidades. Por exemplo, há, entre os arranjos, aqueles que melhor se relacionam com o governo estadual ou federal e, nesse sentido, podem contribuir para com outros arranjos.

Os pontos abordados até esse momento ilustram alguns dos elementos que configuram um território e as dinâmicas territoriais, que são as relações de poder, os conflitos, as disputas e também as cooperações. No que se refere à pauta do turismo ecológico e de aventura, o CONDERSUL (que detém a hegemonia da política institucional do território e que se articula com o governo estadual) trava uma relação de poder com o CDR e centraliza o controle da Região Turística “Verde Sudoeste Paulista”. Isso ocorre mesmo com a pauta do turismo, dentro do CONDERSUL, ser considerada de menor relevância. Os conflitos e as disputas se evidenciam nas atuações, de cada arranjo, ao defenderem os seus interesses. Quando o CONSAD atua na direção de fortalecer os agricultores familiares, para que estes permaneçam produzindo sob as suas lógicas e dinâmicas, isso rebate nos interesses do agronegócio (defendido pelo CONDERSUL), que, entre as suas maneiras de se expandir, almeja integrar a agricultura familiar à sua lógica produtiva. As cooperações, por sua vez, são visualizadas nas questões da segurança alimentar e do SUASA, em que todos os envolvidos se sentem beneficiados.

Embora as relações de poder, os conflitos e as cooperações - ilustrados pelos exemplos supracitados - não sejam uma particularidade do território Sudoeste Paulista, há algumas circunstâncias que auxiliam no (re)equilíbrio dessas relações e no abrandamento dos conflitos, que ficam claros na experiência do território em questão.

Atualmente, o CONDERSUL se apresenta como o principal arranjo em que o poder público local se articula e propõe estratégias para o desenvolvimento, e nele não há a participação da sociedade civil. No período em que os programas de desenvolvimento territorial - Fome Zero, Territórios Rurais e Territórios da Cidadania - estiveram em voga (2003-2016), o principal arranjo do território, isto é, aquele usado como referência para os executivos municipais e que articulava os principais projetos para o desenvolvimento territorial, era o CONSAD, o qual incluía a participação social. Nesse contexto havia, mesmo que sumariamente, a inclusão de atores sociais, historicamente relegados dos interesses públicos, nos rumos tomados pelo território, como é o caso da agricultura familiar. Ou seja, mesmo com contradições e limitações operacionais, os programas de políticas públicas (quando para isso forem direcionados) podem ser um mecanismo de (re)equilíbrio de forças dentro do território. Isso, quando feito de uma maneira continuada e aperfeiçoada, certamente pode contribuir para a governança territorial.

Para além dos programas federais de desenvolvimento territorial, outras experiências de participação social e de arranjos institucionais podem ser utilizadas para o (re)equilíbrio de forças e para a solução de conflitos territoriais. Os arranjos institucionais oferecem constantes aprendizados (MOURA; MOREIRA; GOMES, 2017). Desta maneira, as sucessivas experiências acumuladas pelos atores sociais, bem como pelas suas instituições, contribuem para o fortalecimento de suas organizações e para um maior poder de articulação e negociação, gerando rebatimentos na governança territorial. Nesse sentido, vemos o CDR, que é o arranjo mais recente (iniciado em 2017), como o arranjo mais diverso, tanto no perfil dos projetos quanto dos atores envolvidos, e que mais se aproxima de uma dinâmica de governança territorial.

Ao longo da construção deste artigo, sobretudo das análises dos arranjos institucionais, despontaram elementos que nos auxiliam a visualizar (numa dinâmica de governança territorial) quais são os fatores que fragmentam os arranjos institucionais e quais são os fatores que os favorecem. Compreender esses fatores e apropria-los para o fortalecimento da governança territorial, se configura como um dos grandes desafios (ver Quadro 4).

Quadro 4
Fatores que influenciam a governança territorial no território Sudoeste Paulista

Fonte: os autores (2020)

5 Considerações Finais

Com este trabalho, foi possível alcançar o nosso objetivo de analisar as atuações dos arranjos institucionais do território Sudoeste Paulista, bem como as relações e articulações entre eles numa suposta dinâmica de governança territorial. Nossas análises consideraram duas dimensões nos arranjos: a dimensão política e a administrativa. Neste percurso, primeiro fizemos um breve resgate da historicidade do território e apontamos seus principais grupos sociais, com destaque para a agricultura familiar e para os agentes ligados ao agronegócio. Na sequência, identificamos os arranjos institucionais que atuam para o desenvolvimento do território (CONDERSUL, CONSAD e CDR), as suas agendas, dinâmicas, formas de funcionamento e os desafios eminentes para a governança territorial.

Os resultados e as discussões deste artigo nos levam ao entendimento de que a dinâmica de governança territorial - no Sudoeste Paulista e referente às articulações entre arranjos -, embora incipiente, já apresenta relativos resultados, como são os casos de cooperações que identificamos. Ademais, os nossos achados reforçam o que já foi amplamente debatido em outros estudos. O desempenho da governança territorial não é impactado apenas pelas relações travadas entre atores e agentes participantes dos arranjos institucionais - que alocamos na dimensão política -, mas, também, por questões técnicas e administrativas, que são as formas e regras de funcionamento, os orçamentos operacionais, entre outros.

Para além da nossa contribuição em fornecer subsídios à melhoria da governança territorial do Sudoeste Paulista (caso sejam apropriados pelos seus arranjos institucionais), o avanço deste trabalho está na propulsão de elementos e de situações (através da experiência do CDR) que podem ajudar a compreender um modelo de governança territorial que tem se mostrado promissor. Um modelo ancorado na somatória de competências, isto é, uma dinâmica de governança que acumula capacidades tecnológicas, de inovação e institucionais (processos participativos e com coordenação), alinhada às atividades de pesquisa e de desenvolvimento científico (BÜTTENBENDER; SAUSEN, 2020).

Neste estudo, identificamos que o arranjo que melhor contribui para a governança territorial é o CDR, que é fortemente ligado às Instituições de Ensino Superior (IES) e de Ciência e Tecnologia (ICTs), que detém agentes capacitados em promover a coordenação e que, ao ser comparado com os outros arranjos, constrói projetos inovadores. Cabe reforçar, inclusive, que o CDR adota processos participativos, promove oficinas e dinâmicas entre os atores e agentes, bem como a realização de fóruns de desenvolvimento regional. Se, por um lado, as relações de poder e os conflitos são intrínsecos aos territórios e, portanto, difíceis de supera-los, por outro lado, uma governança diversificada, participativa e articulada com os espaços de educação, de pesquisa e de tecnologia, como é o caso do CDR, pode surtir importantes resultados.

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Notas

1 O SUASA é um sistema unificado, descentralizado e integrado de controle de todas as fases referentes a produção, transformação e distribuição de serviços agropecuários. É um sistema que visa assegurar, principalmente, a qualidade e a sanidade dos produtos e serviços oriundos da agropecuária. No contexto territorial do Sudoeste Paulista, o SUASA é visto como uma maneira de fortalecer a produção e a comercialização, pelos agricultores familiares, de produtos de origem animal.


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