Policentrismo e Cooperações Intermunicipais: um estudo em regiões de baixa densidade demográfica no norte do Rio Grande do Sul/Brasil
Polycentrism and Intermunicipal Cooperation: a study in regions of low population density in the north of Rio Grande do Sul / Brazil
Policentrismo y cooperación intermunicipal: un estudio en regiones de baja densidad poblacional del norte de Rio Grande do Sul / Brasil
Policentrismo e Cooperações Intermunicipais: um estudo em regiões de baixa densidade demográfica no norte do Rio Grande do Sul/Brasil
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. 3, pp. 989-1008, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul
Recepción: 05 Marzo 2020
Aprobación: 13 Agosto 2020
Resumo: O artigo debate o conceito de policentrismo e de áreas funcionais urbanas em regiões de baixa densidade demográfica do sul do Brasil. Evidencia que diante da polissemia do conceito de Policentrismo, há dificuldades em visualizar o conceito em ação no norte do Rio Grande do Sul (RS), dada a redução populacional nas suas pequenas centralidades e a reestruturação produtiva atual desta rede urbana. As regiões funcionais, em caráter normativo, no entanto, encontram-se fortalecidas nos polos regionais de Passo Fundo e de Erechim/RS, como nós desta rede urbana e polos de fluxos centrípetos, esboçado aqui na pendularidade por trabalho e estudo. É urgente entender a superação das políticas públicas que se restringem as delimitações político-administrativas municipais, de forma a avançar os estudos em torno de fronteiras dinâmicas, de planejamentos cada vez mais regionais e de objetivos mais cooperativos. Frente a situação de decréscimo populacional, as redes policêntricas e o associativismo municipal demonstram-se ser boas possibilidades, como fontes inovadoras e desafiantes de novas governanças.
Palavras-chave: Policentrismo, Planejamento regional, Áreas Funcionais Urbanas.
Abstract: The article discusses the concept of polycentrism and functional urban areas (FUAs) in regions with low population density of southern Brazil. It shows that, given the polysemy of the concept of Polycentrism, there are difficulties in visualizing the concept in action in the north of Rio Grande do Sul (RS), given the population reduction in its small centralities and the current productive restructuring of this urban network. The functional regions, in a normative character, however, are strengthened in the polar regional of Passo Fundo and Erechim / RS, like nodes of this urban network and polar of centripetal flows, outlined here on the commuting by work and study. It is urgent to understand the overcoming of public policies that are restricted to municipal political-administrative boundaries, in order to advance studies around dynamic boundaries, increasingly regional planning and more cooperative objectives. Given the situation of declining population, polycentric networks and municipal associations are proving to be good possibilities, as innovative and challenging sources of new governance.
Keywords: Policentricity, Regional Planning, Functional Urban Areas.
Resumen: El artículo aborda el concepto de policentrismo y áreas urbanas funcionales (FUA) en regiones con baja densidad de población del sur de Brasil. Muestra que, dada la polisemia del concepto de Policentrismo, existen dificultades para visualizar el concepto en acción en el norte de Rio Grande do Sul (RS), dada la reducción de la población en sus pequeñas centralidades y la actual reestructuración productiva de esta red urbana. Sin embargo, las regiones funcionales, en un carácter normativo, se fortalecen en los centros regionales de Passo Fundo y Erechim/RS, como los nodos en esta red urbana y centros de flujos centrípetos, descritos aquí en los desplazamientos por trabajo y estudio. Es urgente comprender la superación de las políticas públicas que están restringidas a los límites político-administrativos municipales, a fin de avanzar en los estudios sobre límites dinámicos, una planificación cada vez más regional y objetivos más cooperativos. Dada la situación de disminución de la población, las redes policéntricas y las asociaciones municipales están demostrando ser buenas posibilidades, como fuentes innovadoras y desafiantes de una nueva gobernanza.
Palabras clave: Policentrismo, Planificación Regional, Áreas Funcionales Urbanas.
1 Introdução
A questão regional no Estado do Rio Grande do Sul (RS) está fortemente atrelada a organismos institucionais responsáveis por projetar políticas públicas direcionadas à organização e ao desenvolvimento estadual. A presença de três secretarias de estado, a Secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão; a Secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo e a Secretaria de Articulação e Apoio aos Municípios, são exemplos de destinação de pastas específicas destinadas a implementar políticas e desenvolver ações de Planejamento Regional. Sob outras denominações, estas secretarias assumiram importantes papéis em anos anteriores junto com a Fundação de Economia e Estatística (FEE/RS) e normalizaram diversas publicações e orientações que refletem sobre a produção de políticas públicas regionais no Estado.
Os próprios Cadernos de Regionalização1 com as suas diversas caracterizações, sistematização de dados e mapeamentos das realidades espaciais no Estado, reafirmam uma cultura própria de valorização dos programas de administração regionalizada, bem como, da prática dos conselhos, organizações e instituições voltadas para a promoção dessas iniciativas.
As primeiras percepções da administração pública quanto às questões regionais acenavam para forte preocupação com as áreas de concentração de renda e de riqueza. Consequentemente, as políticas públicas caminhavam também neste direcionamento desenvolvimentista atrelado ao sistema produtivo. Com esta visão ocorreu a criação dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES) em 1991, quando o Estado foi dividido em 21 porções. Atualmente encontra-se com 28 Conselhos, reagrupados em nove regiões funcionais, como demonstra o Mapa 1.
Esta regionalização foi definida pelo Estudo RUMOS 2015, finalizado em 2005, na época sob a pasta da Secretaria de Planejamento, Mobilidade e Desenvolvimento Regional (SEPLAN). A divisão regional teve por base critérios de homogeneidade econômica, ambiental e social e perseguiu variáveis relacionadas à identificação das polarizações de emprego, dos deslocamentos por tipo de transporte, da hierarquia urbana, da organização da rede de serviços de saúde, entre outros. Estes critérios de regionalização adotados pelo Rio Grande do Sul auxiliaram a constatar importantes centralidades e eixos de desenvolvimento específicos que são importantes objetos de pesquisa a partir do viés de planejamento regional.
As características intraregionais permitem tecer aproximações ao conceito de policentrismo, visto que, a grosso modo, alguns municípios, enquanto nós da rede urbana, assumem papéis polarizadores em suas regiões. Segundo Campos et al (2019) o policentrismo se refere à existência de um conjunto de centros urbanos, com diferentes funções econômicas e de gestão, com distintas capacidades e condições de centralidade urbana, que se interrelacionam entre si. Diferentemente de políticas públicas que priorizam as concepções de desenvolvimento hierárquico metropolitano, as bases conceituais do Policentrismo se assentam em elementos importantes para a coesão, articulação, equilíbrio, cooperação e planejamento territorial (FERRÃO, 2012). A concepção de policentrismo, defendida aqui, também se distancia de pesquisas e ideais que se restringem unicamente ao recorte dos limites político-administrativos. Como afirma Pessoa (2011), uma chave principal para pensar o conceito é o gradiente de fronteiras, interligando as abordagens de Áreas Funcionais Urbanas e Regiões Funcionais.
É, com o foco em realidades não-metropolitanas e aqui, especificamente, de baixa densidade demográfica regional, que este artigo procura contribuir sobre estas interrelações entre as diversas centralidades, o conceito de policentrismo e as políticas públicas que visam o equilíbrio regional. Com o recorte espacial da Região Funcional 9 (RF9), considerada de baixa densidade demográfica em comparação a outras regiões funcionais do RS, este estudo desenvolve as primeiras reflexões teóricas e metodológicas da pesquisa.
A Região Funcional 9, localizada no Norte do Rio Grande do Sul, engloba seis Coredes diferentes, a saber: Alto da Serra do Botucaraí, Médio Alto Uruguai, Nordeste, Norte, Produção e Rio da Várzea, como demonstra o Mapa 2.
Visando buscar avanços teóricos, metodológicos e analíticos nesse campo da investigação, com olhar à RF 9, o estudo que origina esse artigo buscou, de forma específica: a ) apresentar uma revisão das matrizes teóricas direcionadas ao conceito de policentrismo, de regiões funcionais urbanas e de dinâmicas demográficas em regiões de baixa densidade; b) sistematizar informações regionais para uma síntese das relações demográficas de decréscimo e incremento populacional; c) analisar a organização regional e a dinâmica demográfica, encarando-a como um dos principais entraves para uma política regional mais equilibrada e d) abordar sobre alguns estudos de planejamento adotadas pelo Estado do Rio Grande do Sul, com a ênfase na abordagem da Região Funcional 9 que fomentam reflexões acerca das políticas públicas propostas e que que acenem possibilidades de novas formas de governanças às ações de cooperativismo intermunicipal.
Em termos metodológicos, a pesquisa tomou por base os referenciais para definição do Policetrismo e de Áreas Funcionais Urbanas (ESPON, 2004), adaptando à realidade regional do RS. Foram analisados os dados populacionais (IBGE, 1991, 2000, 2010 e estimativas de 2015 e 2019), com atenção aos municípios com maior perda populacional e, também, aos que se configuram com maior centralidade pelo maior número de habitantes, especialmente urbanos, e pela dinamização funcional. Também, para a identificação das centralidades por movimentos pendulares para fins de trabalho e de estudo, foram buscados e sistematizados os dados a partir dos microdados do Censo Demográfico do IBGE (2010) transformados em mapa-síntese que apontam as policentralidades e seus respectivos fluxos de movimentos pendulares, além de seus principais agentes dinamizadores, que ancoram tais movimentos. Por fim, o estudo perseguiu uma análise das políticas públicas em nível estadual (com base na análise de documentos das principais secretarias) no que diz respeito à gestão e governança, regionalizadas pela RF9 e seus Coredes, a fim de avaliar suas normativas e, também, verificar a efetivação de suas diretrizes de cooperação intermunicipal.
O artigo tem assim, o propósito de contribuir em termos de referencial teórico do Policentrismo, das Regiões Funcionais Urbanas, direcionado ao contexto singular do Norte do Rio Grande do Sul, diante da situação de decréscimo demográfico. Propõe uma reflexão sobre novas políticas públicas diante destes cenários, sendo um estudo exploratório e analítico que busca uma primeira síntese para qualificação da compreensão da dinâmica e da organização regional.
2 Sobre policentrismo, áreas urbanas funcionais urbanas e cooperação intermunicipal
Dois conceitos mencionados anteriormente são chaves para aproximação teórica ao conceito de policentrismo: a divisão territorial do trabalho (DIT) e as redes urbanas. A noção-chave de policentrismo entendida aqui está relacionada a existência de um conjunto de centros urbanos, com diferentes funções econômicas e de gestão (que configuram-se em DIT), com distintas capacidades e condições de centralidade urbana, que se interrelacionam num dado espaço regional (CAMPOS et al., 2019). Ao mesmo tempo em que refletem o processo de desenvolvimento econômico, igualmente condicionam a dinâmica de organização espacial e as relações intra e interregionais no território (materializadas nas formas espaciais das redes urbanas, como nós das relações espaciais hierarquizadas).
Davoudi (2003) nos lembra que essa noção surge inicialmente no começo da década de 1920, com os estudos desenvolvidos por Burgess, no âmbito da Escola de Chicago, abordando-a e aplicando-a na escala intraurbana, como expresso na sua reconhecida representação de diferentes círculos concêntricos que demarcavam um modelo de estruturação da cidade. Também ganha expressão com os estudos de Brian Berry (1973) sobre o sistema urbano americano, por meio da análise dos movimentos pendulares para o trabalho e da configuração de regiões urbanas. No começo desse século, desenvolveram-se os estudos realizados pela ESPON (European Observation Netwoek for Territorial Development and Cohesion), publicado em 2004, que no contexto da formulação e implementação das bases conceituais e operacionais de política pública para o desenvolvimento territorial europeu, o policentrismo tem ganhado mais atenção, tanto nos organismos estatais, como na academia.
No campo do planejamento urbano e regional e do ordenamento territorial, o policentrismo vem sendo aplicado especialmente na escala regional, em seus diferentes recortes espaciais. Seja, por exemplo, o da macrorregião, representada pela União Europeia, seja o da sub-região do Alentejo, em Portugal. Em âmbito acadêmico, os estudos de Davoudi (2003 e 2007), de Ferrão (2011) e de Pessoa (2011) têm sido importantes referências, pelo debate crítico que proporcionam sobre essa temática. Os estudos em torno das regiões funcionais, datam desde antes também, pela Geografia Clássica, como afirma Haesbaert (2010) na última obra de Vidal de La Blache com a ideia de região econômica, ‘nodalidade’, e a fluidez de limites regionais; reconhecendo que a principal abordagem ocorreria a luz do funcionalismo décadas depois.
A crescente valorização e disseminação do uso do policentrismo, mais a ideia do funcional como orientação estratégica da política de desenvolvimento regional na Europa se justifica, segundo Ferrão (2012, p.4) pois “os espaços de natureza político-administrativa nem sempre constituem um quadro territorial de referência adequado à elaboração de diagnósticos e à formulação e execução de políticas públicas”. Destaca ainda que as delimitações fixas administrativas ignoram, e por isso acabam por seccionar de forma artificial os contextos ecológicos, socioeconômicas e culturais da realidade regional com geografias que ultrapassam e cruzam esses espaços.
Este desenvolvimento regional requer necessariamente revisar os papeis e as atuais complexificações de hierarquias, que não representam necessariamente superação de configurações anteriores espaciais. No entendimento do policentrismo há pelo ordenamento territorial compreensões mais relacionadas a complementaridade, mas que no entanto, representam como afirmam Ferreira (2018, p.102) rearranjos, em função da combinação essencial entre complementaridade e concorrência, privilegiando a dimensão econômica:
Nas dinâmicas de crescente complexificação dos fluxos […] o policentrismo é produto de dinâmicas de centralização e concentração do capital, acompanhadas por desconcentração espacial e, portanto, novas divisões territoriais do trabalho, que implicam mudanças nos papéis de centros urbanos em redes e aglomerações urbanas (FERREIRA, 2018, p.102).
O policentrismo é uma das formas de entender os sistemas ou redes de cidades, que desempenham papel chave no ordenamento territorial, em qualquer escala. (FERRÃO, 2012). No Brasil, da mesma forma, Pessoa (2011) ao trazer estudos de Policentrismo atrelado a realidades brasileiras, também menciona o seu caráter, enquanto aglomeração urbana policêntrica por possuir fronteiras dinâmicas, dado que seus limites não são mais fixos apenas com as bordas político-administrativas predefinidas. Ao abordar o contexto de cidades médias no Brasil, a autora, menciona as dificuldades de pensar este conceito do Policentrismo quanto a governança, visto que a cooperação entre os mesmos tende a ser fraca, muitas vezes tem como limitação, ainda, a divisão estadual, e que a estrutura espacial de uma aglomeração urbana funcional não é reconhecida e nem utilizada pelo governo brasileiro. (PESSOA, 2011, p.305).
Nisso, se insere a ideia da transição das fronteiras que por não ser clara, é definido por um gradiente dinâmico de fronteiras e não mais por uma linha estática. Esta noção de extrapolar as dinâmicas da gestão pública interna a um limite municipal encontra amparo no Planejamento Regional, ou no Planejamento de políticas públicas que lidem com tais questões.
Nesse âmbito conceitual, surgem aproximações com o próprio conceito do policentrismo, numa agenda mais analítica, no conceito da área funcional urbana (FUA), e na agenda normativa, presente no Brasil, na ideia de alguns consórcios intermunicipais. Em ambas as abordagens, no contexto de sistema urbano policêntrico, reconhece-se segundo PESSOA (2011, p.309) a dificuldade de existir uma governança que lide com todas estas escalas, visto a existência de “um grande número de atores públicos e privados, todos com seus próprios objetivos e preferências e, frequentemente, tendo diferenças nos procedimentos, cultura e poder, percebido e real.”
A noção de FUA ou de região urbana funcional ganha espaço pela dimensão analítica e expressa, em realidade, uma dada regionalização das relações funcionais entre as cidades e entre as áreas urbanas e as áreas rurais, independente destes limites políticos e administrativos. Essas regionalizações são recursos metodológicos importantes para a caracterização e análise da dinâmica territorial e da rede urbana policêntrica, os quais são orientadores do presente artigo.
As FUAs têm se tornado um importante nível funcional do sistema urbano e regional, pois, atualmente, os núcleos das áreas urbanas e suas áreas marginais têm formado regiões funcionais cada vez mais integradas e entrelaçadas. Meijers (2005) destaca que esta dimensão funcional se configura como um próximo estágio na expansão do espaço urbano, necessitando outra escala também nas dimensões teóricas analíticas, bem como nas políticas públicas em torno de uma organização regional estabelecendo quadros mais ou menos institucionalizados de cooperação, debate, negociação e tomada de decisões em busca desses interesses comuns.
Isso torna a FUA um importante pré-requisito e ferramenta para uma análise das tendências urbanas e regionais, ao possibilitar melhor compreensão da dinâmica interna de uma dada região por meio de suas relações funcionais intraregionais (ANTIKAINEN, 2015). Corrêa (2006) reafirma que nos estudos de redes urbanas é imprescindível de se entender esse conjunto de centros urbanos funcionais a luz da necessidade da presença de um centro mais importante. As FUAs também são constituídas de centros urbanos e seus respectivos municípios ou comunas, bem como de alguma outra cidade (e seu município) adjacente que apresente algum grau de integração econômica com os demais centros urbanos. Tais centralidades, das áreas funcionais urbanas podem atuar como polos centrípetos, e configurar peças-chave no papel de governança de forma a pensar o equilíbrio de toda a FUA.
Por fim, cabe retomar que Silveira et al (2017, p. 188) também destacam que “o conceito de região funcional adquire importância por possibilitar entender melhor a topologia, a configuração espacial e o conteúdo desses diferentes e complexos fluxos” os quais cruzam o território e resultam em novas dinâmicas socioespaciais interescalares. Tais construções de entendimento exigem transpor diferentes escalas espaciais para poder interpretar as dinâmicas regionais.
3 Um estudo em áreas de baixa densidade demográfica: o caso da Região Funcional 9
A Região Funcional 9, apresenta uma população de 1.069.269 habitantes, correspondendo a 10% da população do Rio Grande do Sul. Apresentou na última década uma taxa de crescimento demográfico de 0,13% ao ano. Esse valor positivo foi ancorado pelos COREDEs da Produção e Nordeste que apresentaram taxas positivas anuais com valores de 0,77%, 0,20%, respectivamente.
A Tabela 1 sintetiza a população das principais centralidades da RF9, por ordem decrescente de população, e destaca o quantitativo total da população dos demais municípios, permitindo verificar que, em termos populacionais, todos os municípios do entorno desses polos são predominantemente rurais e/ou de pequeno porte populacional.
A Região Funcional 9 possui um total de 130 municípios. Na Tabela 1 foram considerados os dez (10) municípios com maior população total. Logo, a linha referente aos ‘Demais municípios da RF9’ corresponde a um total de 120 municípios. Observando os dados que apontam a média entre a população rural e a urbana, estes 120 municípios possuem apenas 49,4% de população urbana, porcentagem bem inferior aos municípios das dez maiores centralidades, as quais possuem acima de 80% de população urbana. São justamente estes dez municípios que elevam a média geral de urbanização da RF9: 71%. Se for dividir toda a população dos 120 municípios, pelo total de 531 mil habitantes (fora das centralidades), obtém-se uma média de 4,4 mil habitantes por município, confirmando sua característica de ser, em sua grande maioria, de pequeno porte populacional.
O estado do Rio Grande do Sul, de modo geral, tem tido perdas significativas de população rural e crescimento demográfico urbano, especialmente nas cidades polos regionais. Na RF 9, há certa parcela da população que ainda reside nas áreas rurais, cuja taxa pode ser considerada alta se comparada com as demais regiões do Estado (RIO GRANDE DO SUL, 2013). Há que se destacar uma tendência de decréscimo populacional que pode ser observada através da análise das taxas comparadas de população por município e afeta especialmente pequenos municípios situados no noroeste e norte do Estado.
Dentre os 20 municípios com maior taxa de decréscimo populacional entre 1990 e 2010 em todo o Estado do Rio Grande do Sul, metade deles se concentram na RF9. Cabe destacar que alguns desses decréscimos registrados oficialmente pelos Censos Demográficos (IBGE) não mencionam necessariamente as diversas emancipações e subordinações de distritos e municípios em cada perímetro territorial correspondente. O estudo detalhado das emancipações é fundamental no sentido de reconhecer as lacunas dos dados com o objetivo de interpretar o próprio fenômeno de decréscimo populacional. Como, por exemplo, alguns distritos têm suas delimitações modificadas, incorporadas ou emancipadas, se tornando difícil verificar de forma exata, o decréscimo populacional real daquele município nestes anos de 1990-20102.
Todas essas emancipações foram realizadas pelo legislativo estadual entre 1992 e 1997, entretanto, algumas demoraram a se registrar, e no Censo de 2000 não apresentavam ainda nos dados enquanto municípios emancipados, e sim presente ainda no município de origem. A análise mais relevante estaria nas comparações entre 2010 e 2019, visto essas exceções da não presença nos dados do Censo de 2000, como demonstra a Tabela 2.
A Tabela 2 sintetiza os municípios na RF9 que tiveram um decréscimo populacional maior que 10% ao comparar os dados de 2010 com os dados de 2019. Dos 18 municípios apresentados todos tinham menos de 10 mil habitantes, sendo que 14 municípios (78%) possuíam menos de 5 mil habitantes, como já apontado anteriormente em relação a grande presença de municípios de pequeno porte populacional na região. Estes pequenos municípios, no contexto geral do Rio Grande do Sul, também são a maior parte dos que apresentaram taxas negativas de crescimento populacional, perfazendo 257 municípios (52%), do total dos 497 do Estado, como aponta a publicação Novas perspectivas para a questão regional (SEPLAG, 2013). Entre os municípios que apresentaram queda nas taxas de crescimento demográfico, no estudo as SEPLAG (2013), 22 possuíam mais de 50.000 habitantes (IBGE, 2000-2010), mas nenhum pertencia a RF9. Neste mesmo estudo há predominância de decréscimo populacional no Estado, em toda a sua porção Oeste (incluindo as regiões Noroeste e Sudoeste) próximas da fronteira com a Argentina e o Uruguai. Essa região engloba parcialmente os municípios da RF 9.
Excetua-se desse decréscimo populacional as seguintes cidades com maiores teores de centralidades: Erechim, no Corede Norte; Passo Fundo, principal cidade média do Corede Produção e também, de toda a RF9; Carazinho e Marau, subcentros secundários no Corede Produção; Sarandi, no Corede Rio da Várzea; Tapejara no Corede Nordeste e Frederico Westphalen, no Corede Médio Alto Uruguai. Todos, estes municípios apresentaram taxas acima de 0,50% de crescimento populacional (SEPLAG, 2013).
Com um crescimento médio acima de 0,50% também, o Corede Produção é ancorado principalmente, enquanto hierarquia da rede urbana, com a presença cidade média de Passo Fundo. Este polo regional exerce grande centralidade na região, especialmente em função da grande força econômica do setor de prestação de serviços (saúde, educação, serviços públicos e apoio ao agronegócio). A função estratégica que Passo Fundo desempenha, a qual também reforça sua condição de centralidade, é definida pela infraestrutura de vias de comunicação (com rede ferroviária de cargas e rodoviária), logística de transportes e pela polarização da dinâmica regional promovida pelo agronegócio (com vínculo às atividades do setor produtivo da cadeia de grãos). Tal polarização se confirma e se complementa com um importante eixo de integração, interligando os municípios limítrofes de Carazinho (direção oeste) e Marau (direção sudeste), ambos também com taxas positivas de crescimento populacional.
Quanto, aos municípios que também possuem taxas de crescimento positivas, não entram em critérios tão minuciosos de centralidades em seus Coredes, como os municípios de Nova Boa Vista, São Pedro das Missões, Paulo Bento, Quatro Irmãos, Ernestina, Coxilha, Vila Maria, Caseiros, Camargo, Sananduva, Cacique Doble, Pinheirinho do Vale, mais visíveis no Mapa 3.
Cabe destacar, entretanto, que os Coredes localizados mais ao norte do RS, o Médio Alto Uruguai e o Norte, junto à divisa com Santa Catarina, sofrem influência da polaridade exercida por Chapecó, no oeste catarinense. Outras cidades com menor expressividade na hierarquia estadual, também aparecem como importantes centralidades em seus Coredes e coincidem a taxas significativas de mobilidade pendular: um dos eixos metodológicos do conceito de Policentrismo.
Os movimentos pendulares pensados enquanto técnica e enquanto instrumento político se constituem em uma chave para interpretação possível do fenômeno que materializa uma dessas relações intermunicipais. Enquanto técnica, os movimentos pendulares são considerados elementos que envolvem: a infraestrutura asfáltica, os automóveis individuais, a viabilidade de escoamento férreo, o domínio da relação acidentada do relevo, a disponibilidade de vias, a ocupação histórica em localidades centrais e os pontos nodais facilitados. Enquanto instrumento político envolve diretamente as ações dos fenômenos, retroalimen-tadas em termos das decisões, das ações e das intencionalidades no território pelas redes políticas. Lima (2014) a respeito desse instrumento político destaca:
[...] é uma estratégia de coordenação de fluxos de comandos e decisões, capaz de formar uma arena política e de lhe conferir visibilidade, requalificando um dado território. As redes políticas configuram e reforçam circuitos territoriais de poder, expressam tais circuitos, um movimento de recomposição do território (LIMA, 2014, p.1234).
Entretanto, não foram estas as duas únicas percepções, enquanto técnica ou instrumento político, que envolveram os estudos anteriores dos movimentos pendulares. Branco e Firkowski (2005) que retomam este histórico afirmam que o próprio uso do termo é antigo na Geografia. Recentemente, o termo associa-se a criação de bolsões de baixa densidade demográfica devido a especialização produtiva. Os movimentos pendulares que estão constantemente aumentando quer em número, quer em distância, adotam aspectos de multiplicidade de fluxos, diversas direções e cruzamentos, empregando o termo americano ‘cross-commuting’ (BRANCO, FIRKOWSKI, 2005; DAVOUDI, 2003).
Esta intensificação faz surgir, à luz de novas oportunidades de negócio pelo inter-relacionamento ou pelas redes políticas, estruturas organizacionais (principalmente empresas) que passam a operar cada vez mais em cadeias produtivas, como afirma Zuccato, Evangelista e Ferrasso (2010) em seus estudos acerca do desenvolvimento dos setores produtivos dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em suas análises, os autores apontam a industrialização difusa, os clusters, as pequenas empresas, como as que ocupam um lugar de destaque, no momento em que se buscam modelos de desenvolvimento regional que impulsione pequenas e médias empresas nessas cadeias produtivas.
Estas pequenas e médias empresas tendem a se concentrar nas dispersas centralidades da RF9. Consequentemente coincide com taxas significativas de mobilidade pendular em relação aos outros pequenos municípios em suas hinterlândias3: como em Palmeira das Missões, Frederico Westphalen, Soledade e Lagoa Vermelha, como se vê no Mapa abaixo. O mapa 4 representa a polarização por movimentos pendulares de pessoas por trabalho e estudo, demonstrando claramente a maior representatividade dos dois polos regionais (Passo Fundo, Erechim) e alguns outros indícios iniciais de polarização.
Região Funcional 9: Deslocamentos pendulares da população economicamente ativa (PEA), para trabalho e estudo.
Fonte: Base de Dados do Censo Demográfico do IBGE (2010). Elaboração: Carolina Faccin.Estas centralidades apontadas no mapa 4 pelos fluxos de movimentos pendulares para trabalho e para estudo, indicam crescimentos populacionais e concomitantemente, taxas positivas de mobilidade pendular. Sob o aspecto do planejamento e da gestão territorial, são importantes direções que apontam a necessidade de um olhar estratégico a esses municípios, com possibilidade de destinar efetivas políticas públicas estaduais em vista de estabelecer uma configuração mais equilibrada e policêntrica regional.
A economia destas centralidades, em sua grande maioria, se estabelece principalmente nas atividades agroindustriais, como suporte as relações urbano-rurais da produção de grãos e da pecuária. Diferentemente, de boa parte do cenário brasileiro, essa região possui terras mais declivosas, então as atividades econômicas rurais tendem a se desenvolver nestas pequenas e médias propriedades e utilizam da mão de obra familiar, contribuindo em grande parte na manutenção de um significativo contingente populacional nas áreas rurais (SEPLAN, 2015).
Nas áreas com colinas mais suaves em que as propriedades são maiores (granjas) e contam com características empresariais, como a agricultura de precisão e o trabalho mecanizado e contratado, se estabelecem as cadeias do agronegócio. Zucatto, Evangelista, Ferraso (2010) ao refletir sobre as relações entre o desenvolvimento local da região, com o cenário de exportação, os fluxos de acumulação e circulação de capital, mencionam o papel chave de estabelecer a união dessas pequenas e médias propriedades empresariais em sistemas locais, em um contexto que incentive a formação de redes voltadas a difusão do conhecimento e com políticas de apoio a tecnologia.
Os sistemas locais de produção (SPL) são exemplos onde as empresas e os proprietários rurais se agrupam em rede em diferentes regiões e se estruturam em torno de uma mesma atividade ou de algumas especialidades, cooperando entre si em vários níveis para alcançar a competitividade internacional (MARTINELLI & JOYAL, 2004; DOWBOR, 2006 apudZUCATTO, EVANGELISTA, FERRASO, 2010, p100). Estes cenários indicam caminhos possíveis para se pensar políticas públicas em virtude das centralidades dispersas da região e da malha nodal de infraestrutura, sobre como se comportam e em quais intensidades. É, com base nestas relações, que se percebe uma inferência positiva no sentido de desconcentração e da autonomia de polos regionais interiorizados, complementares aos fluxos verticais metropolitanos atuantes nas regiões. Nesse sentido, concordamos com Ferrão (2012) quando afirma que o processo de construção de um modelo de desenvolvimento policêntrico não se deve restringir aos espaços metropolitanos, e nem prescindir deles como âncora de primeira grandeza. Contudo, faz-se necessário estabelecer condições para as novas centralidades tendo em vista as potências locais.
4 Policentrismo, Políticas Públicas e Normativas
Após a implementação dos COREDES em 1991, uma das primeiras propostas de políticas descentralizadas a essa ordem, reconhecida enquanto análise de áreas de menor dinâmica econômica foi o Programa de Fomento à Reconversão Produtiva da Metade Sul do Estado do Rio Grande do Sul (RECONVERSUL).
Este programa tinha como guia enfrentar a disparidade econômica, demográfica e dos indicadores sociais entre a metade norte e a metade sul do RS, e buscou incitar mudanças no cenário do planejamento, da governança e da gestão pública. Uma segunda política pública do governo do Rio Grande do Sul foi a criação do Grupo de Trabalho para as Regiões Menos Desenvolvidas em 2001 que atuou em sete regiões dos Coredes que apresentavam PIB per capita abaixo da média do Estado. Cabe o destaque que os dois principais desafios analíticos nessa dimensão regional foi e seguem sendo a crise demográfica (em que inúmeros municípios têm perdas populacionais ao passo em que outros têm forte incremento) e as dificuldades financeiras das administrações públicas.
Estas últimas demandam normativas específicas e, como aponta Tabasco (2018), são necessárias para se pensar o contexto do policentrismo para regiões de baixa densidade demográfica. Este Grupo de Trabalho para as Regiões Menos Desenvolvidas fez parte da iniciativa que iniciou as discussões ainda em 1998, da Política Estadual de Desenvolvimento Regional. Consequente a esta política estadual, diversas foram as diretrizes levadas à discussão e elaboração na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (2012).
A primeira diretriz orientou três principais mecanismos de planejamento e gestão: 1) a Consulta Direta à População que resultou em ideias para a criação de mecanismos de fomento, visando descentralizar o desenvolvimento industrial do Estado e fomentar o crescimento das regiões menos desenvolvidas; 2) criação do Fundo de Desenvolvimento Regional e 3) criação do Fundo Operação Empresa (FUNDOPEM). Entretanto, de acordo com o estudo Novas perspectivas para a questão regional no Rio Grande do Sul (SEPLAG, 2013) a avaliação é que ambos os Programas nunca foram capitalizados suficientemente ou não conseguiram alterar a tendência de concentração das atividades econômicas.
A I Conferência Estadual de Desenvolvimento Regional realizada no período de 24 a 26 de setembro de 2012, em Porto Alegre, resultou nestes diversos debates acerca dos mecanismos anteriores, dos programas financiados pelo Governo, das iniciativas dos projetos e desenvolveu os princípios a serem levados para o Plano Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Nessa conferência, se destacou a problemática da RF9 e foi reforçada a preocupação com o tema do esvaziamento demográfico, propondo a inserção da discussão na perspectiva nacional.
O nível do planejamento e da análise na escala regional, conforme afirma Tabasco (2018) permite um maior esclarecimento dos problemas e prioridades que devem ser empreendidos em cada área sub-regional para garantir complementaridade e coesão territorial. Mesmo em regiões de baixa densidade, periféricas ou dependentes de espaços centrais, também é possível a existência de uma malha policêntrica e áreas funcionais urbanas que fortaleçam as conexões urbano-rurais e abordem as fragilidades demográficas e de sustentabilidade dos serviços públicos.
O constatado esvaziamento demográfico é acentuado pela divisão territorial do trabalho, pela fragmentação e pelo direcionamento das atividades produtivas dos pequenos municípios estreitando e dinamizando vários fluxos em prol da especialização do trabalho. Consequentemente, ocorre a intensificação da mobilidade pendular ratificando não ser algo intrínseco apenas às áreas metropolitanas, mas que existe também nessas outras áreas de baixa densidade.
Há que se destacar que tais relações entre mobilidades, como as pendulares, e territorializações, como a sede de grandes plantas industriais, podem gerar caminhos diversos quanto à interpretação das realidades dos fenômenos observados. Tais perspectivas das mobilidades e territorializações em redes, denominadas de redes políticas, revelam-se em si frequentadoras de ordens, direções, vontades, regras, condições, entre outros. Tais elementos, além de ativar o território, acabam por veicular entendimentos compartilhados, sendo pelas redes políticas que, de fato, circulam comandos negociados e negociáveis. (LIMA, 2014, p.1234).
O conceito de Policentrismo, sob as suas duas abordagens traz respostas e possibilidades de análises desses fenômenos: a primeira, relacional, teria o foco nestas relações (caráter de conexidade) onde os fluxos de mercadorias, pessoas, capitais e informações são as chaves de atuação das políticas públicas, como por exemplo, materializado nas mobilidades pendulares. A segunda, morfológica atuaria sobre as territorializações (caráter de estrutura), isto é, os fixos, as distribuições e diferentes densidades de empregos e serviços e a ação da governança sobre as múltiplas hierarquias.
Nesta concepção, os próprios fenômenos podem ser reinterpretados teoricamente, em torno de seus princípios políticos e suas intencionalidades, e aqui busca-se o reforço no critério da negociabilidade, da distribuição e do compartilhamento de decisões pela cooperatividade e/ou equilíbrio territorial.
Abrucio & Fillipim (2013) apontam através de análises pela Federação Catarinense de Municípios, quatro fatores que tem base nos critérios de negociabilidade, de compartilhamento de decisões e/ou equilíbrio já debatidos para o estado de Santa Catarina: a) a existência de uma identidade regional prévia que abarque um conjunto de municípios, tornando-se um catalisador político e social que favorece a atuação conjugada; b) a constituição de lideranças políticas regionais que são capazes, mesmo em contextos adversos, de produzir alianças intermunicipais; c) questões que envolvem problemas coletivos que atingem vários municípios, como os abordados em relação ao esvaziamento demográfico e/ou ao envelhecimento da população e d) a intencionalidade política, aspecto mais difícil da governança, que pode se traduzir em outros pactos políticos entre lideranças para favorecer o associativismo intermunicipal.
Estes fatores, como afirmam os autores são favorecedores para um consorciamento intermunicipal e para estabelecer passos importantes que interligam concepções teóricas do policentrismo às políticas públicas. É preciso superar percepções ou interligações frente a hierarquia das regiões metropolitanas, iniciativa bastante utilizada no estado de Santa Catarina, e que dificulta em parte a execução de fatores que visam a complementaridade, a cooperação e o equilíbrio territorial. Novas arquiteturas e rearranjos que apenas alteram denominações regionais não rompem definitivamente com a ordenação tradicional de concentração das riquezas, como afirma Tabasco (2018). Em suas palavras destaca que é preciso superar a dependência de outros sistemas, com outras identificações ‘que se generan en espacio-red, en el dinamismo informacional y la estructura de servicios (publicos) para contrarrestar la baja densidad demográfica y la debilidad de las ligazones’ (TABASCO, 2018). Áreas de baixa densidade demográfica, e/ou não metropolitanas demandam também de gestões compartilhadas, onde em termos nacionais, como afirma Endlich (2015) se limitou em figuras de disputa e equívocos perante denominações e políticas estritamente direcionadas apenas a regiões metropolitanas nos últimos anos.
Para encerrar esse debate, destacamos que o diálogo e a gestão compartilhada com outras estruturas estaduais são mecanismos que demonstram fortalecer programas de coesão, equilíbrio, negociabilidade e cooperação entre territórios. As diretrizes de planejamento do Rio Grande do Sul, ao reconhecer nos documentos de planejamento a importância dos fluxos pendulares no Norte do Estado com intensa sinergia direcionada ao oeste de Santa Catarina, demonstra um movimento para o reconhecimento da necessidade de ações, mas ainda não efetivou uma proposta de planejamento e adoção de programas e medidas efetivas. Ademais, ainda são incipientes os projetos de gestão e de governança intersestadual, visto que nem as ações planejadas a partir da I Política Nacional de Desenvolvimento Regional encontraram efetividade ou apoio no interior do país, fato que aponta a necessidade de continuar nessa caminhada.
5 Palavras finais
O papel de uma produção acadêmica com um olhar sobre os dados oficiais regionais e das políticas públicas e em relação ao sistema político-administrativo tem o caráter de auxiliar na interpretação e na análise multiescalar, portanto, buscando levar o debate para além das realidades fragmentadas pelas delimitações municipais.
Alguns ideários de interpretação sem as devidas contextualizações apenas reforçam estruturas administrativas excessivamente hierárquicas ou influenciadas diretamente por sistemas urbanos externos que não se configuram, por vezes, complementarmente positivos em relação a áreas de baixa densidade demográfica. Assim, torna-se necessário aprimorar e promover novas formas para compreender o espaço regional, como citado durante o decorrer do artigo, acerca das políticas estaduais da Secretaria de Planejamento do Rio Grande do Sul ou da Federação Catarinense de Municípios. Ademais, avançar em outros possíveis e diversos estudos no restante do Brasil, que reforcem um planejamento para além dos limites municipais, e que tenham foco, na governança em nível regional, para maior funcionalidade das regiões envolvidas.
Esse estudo exploratório na RF9, sobre a densidade demográfica, os fluxos de movimentos pendulares e as políticas públicas para o desenvolvimento, evidencia a importância que os conceitos de policentrismo e de região funcional urbana adquirem na compreensão da dinâmica regional e dos processos e relações socioespaciais que espelham sua organização e funcionamento. Tais aportes permitem melhor diagnosticar a dinâmica territorial e pensar estratégias de desenvolvimento na escala regional, contribuindo para programar políticas integradoras em nível regional. Pode-se perceber o comando que Passo Fundo exerce em toda a RF9, mas outras centralidades como Erechim, Frederico Westphalen, Lagoa Vermelha, em termos de atratividade a trabalho e a estudo, passam a constituir polos que também já aparecem na rede regional.
O policentrismo e as áreas funcionais urbanas são uma nova forma de interpretar as atuais dinâmicas espaciais que extrapolam tais limites políticos e se mostram como caminhos teóricos e metodológicos possíveis para estas novas chaves de interpretação. Há um contínuo desenvolvimento de tais interligações teóricas e de planejamento em outras frentes, principalmente direcionadas a criação de uma base de dados que sejam o alicerce de tais propostas teórico-conceituais: caracterizações em torno dos fluxos, como nas mobilidades pendulares nas diversas aglomerações urbanas do Rio Grande do Sul, ou a caracterização e quantificação do nível das centralidades e das potencialidades em torno das relações funcionais específicas na Região Funcional 9.
Estas se moldam enquanto novas preocupações analíticas que podem contribuir às futuras possibilidades normativas de políticas públicas. Uma política em rede de cooperação que caracterize os polos, incentive o agrupamento de várias unidades atuando no mesmo setor ou em setores sinérgicos. Em nosso entendimento, tal direcionamento requer o imprescindível processo de sensibilização de atores regionais sobre a importância do trabalho cooperativo, uma vez que o paradigma da competição parece persistir nas noções de produtores, empreendedores, consumidores e muitos gestores. Contínuos avanços em torno dos debates teóricos e da consolidação destas bases metodológicas, como do Policentrismo no Brasil, se constituem em caminhos para o estudo das redes urbanas e as universidades e centros de pesquisa têm esse importante compromisso de seguir contribuindo com os aprofundamentos investigativos.
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Notas