Funções Públicas de Interesse Comum e Governança na Região Metropolitana do Cariri

Public Functions of Common Interest and Governance in the Metropolitan Region of Cariri

Funciones Públicas de Interés Común y Gobernanza en la Región Metropolitana de Cariri

Francisco Raniere Moreira da Silva
Universidade Federal do Cariri, Brasil
Diego Coelho do Nascimento
Universidade Federal do Cariri, Brasil

Funções Públicas de Interesse Comum e Governança na Região Metropolitana do Cariri

Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. 3, pp. 1096-1122, 2020

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 30 Mayo 2020

Aprobación: 10 Agosto 2020

Resumo: Este artigo aborda o processo de institucionalização da governança metropolitana face às transformações decorrentes do Estatuto da Metrópole (Lei n. 13.089/2015) e seus reflexos nas dinâmicas de desenvolvimento regional. O objetivo é analisar o percurso de construção dos arranjos institucionais de governança interfederativa e os mecanismos de definição e execução das funções públicas de interesse comum na Região Metropolitana do Cariri (RM Cariri). Trata-se de um estudo exploratório descritivo, de caráter qualitativo. O referencial teórico se ancora no debate sobre metropolização, governança e funções públicas de interesse comum. O trabalho de campo inclui a caracterização dos problemas comuns da RM Cariri, a observação sistemática da estruturação das instâncias de governança e do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI), bem como a análise de leis e documentos produzidos pelo Governo do Ceará. Os resultados evidenciam um processo de institucionalização recente, assinalado por avanços normativos e por fragilidades relacionadas a aspectos políticos e de gestão. O fato de ser recém-criada facilita a adequação da RM Cariri às diretrizes do Estatuto da Metrópole e abre caminhos para a estruturação de arranjos inovadores de gestão e governança metropolitana. Por outro lado, as alterações regulatórias no âmbito federal, somadas à mudança de orientação de políticas públicas na esfera estadual e ao baixo nível de engajamento dos entes municipais provocaram um arrefecimento do debate metropolitano ao longo dos últimos dois anos, ampliando as dificuldades à consolidação da RM Cariri como efetivo instrumento de desenvolvimento territorial.

Palavras-chave: Metropolização, Governança Interfederativa, Funções Públicas de Interesse Comum, Desenvolvimento Territorial.

Abstract: This paper discusses the process of institutionalization of metropolitan governance in the face of the transformations resulting from the Metropolis Statute (Law nº 13.089/2015) and its reflexes in the dynamics of regional development. The objective is to analyze the route of construction of institutional arrangements to the interfederative governance and the mechanisms for defining and executing public functions of common interest in the Metropolitan Region of Cariri (MR Cariri). It comes of an exploratory descriptive study, of qualitative character trait. The theoretical framework is based in the debate about metropolization, governance and public functions of common interest. The fieldwork includes the characterization of the common problems in MR Cariri, the systematic observation of the structuring the governance instances and the Integrated Urban Development Plan (IUDP), as well as the analysis of laws and documents produced by the Government of Ceará. The results show a recent institutionalization process, marked by normative advances and weaknesses related to political and management aspects. The fact that it is newly created facilitates the adequacy of MR Cariri to the guidelines of the Metropolis Statute and paves the way for building innovative arrangements for metropolitan management and governance. On the other hand, regulatory changes at the federal level, added to the change in the orientation of public policies at the state level and the low engagement of municipal entities, caused a cooling of the metropolitan debate over the last two years, expanding the difficulties to the consolidation of MR Cariri as an effective instrument of territorial development.

Keywords: Metropolization, Interfederative Governance, Public Functions of Common Interest, Territorial Development.

Resumen: Este trabajo analiza el proceso de institucionalización de la gobernanza metropolitana frente a las transformaciones resultantes del Estatuto de la Metrópolis (Ley No 13.089/2015) y sus reflejos en las dinámicas de desarrollo regional. El objetivo es analizar el camino de construcción de los arreglos institucionales de gobernanza interfederativa y los mecanismos de definición y ejecución de funciones públicas de interés común en la Región Metropolitana de Cariri (RM Cariri). Se trata de un estudio exploratorio descriptivo de carácter cualitativo. El marco teórico está basado en el debate sobre metropolización, gobernanza y funciones públicas de interés común. El trabajo de campo incluye la caracterización de los problemas comunes de RM Cariri, la observación sistemática de la estructuración de los arreglos de gobernanza y el Plan de Desarrollo Urbano Integrado (PDUI), así como el análisis de las leyes y documentos elaborados por el Gobierno de Ceará. Los resultados muestran un proceso de institucionalización reciente, marcado por avances normativos y por debilidades relacionadas con los aspectos políticos y de gestión. El hecho de que sea nueva facilita la adecuación de la RM Cariri a las directrices del Estatuto de la Metrópolis y allana el camino para la estructuración de arreglos innovadores para la gestión y la gobernanza metropolitana. Por otro lado, los cambios regulatorios a nivel federal, sumados al cambio en la orientación de las políticas públicas a nivel estatal y a la baja participación de las entidades municipales, provocaron un enfriamiento del debate metropolitano en los últimos dos años, ampliando las dificultades a la consolidación de RM Cariri como instrumento eficaz de desarrollo territorial.

Palabras clave: Metropolización, Gobernanza Interfederativa, Funciones Públicas de Interés Común, Desarrollo Territorial.

1 Introdução

O território pode auxiliar na compreensão dos fenômenos e processos ligados à metropolização e da própria instituição de regiões metropolitanas. Para Santos (1996, p.51), o território é “formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas naturais”. É importante reforçar que o conceito de território está ligado ao poder, ao domínio e/ou à gestão de uma determinada área (ANDRADE, 1995, p. 19).

No Brasil, os territórios circunscritos às RMs não estão “aptos a normatizar, tributar, decidir ou exercer o poder, situando-se num hiato entre a autonomia do município e a das demais esferas governamentais” (MOURA, 2009, p. 78). Dessa forma, a partir de então, o esforço para a cooperação intergovernamental deveria ser ainda maior em um país que não possui tradição nesse sentido.

A profunda mudança da escala e natureza do desenvolvimento urbano a que se assistiu nas últimas décadas, alterou significativamente o modo pelo qual as políticas públicas urbanas e territoriais se constroem. A discussão em torno das Regiões Metropolitanas, enquanto nova territorialidade funcional, político-administrativa, percebida e vivida, tem ganhado peso na agenda política e acadêmica.

Face à necessidade de dar resposta às inerentes exigências das novas dinâmicas de nível metropolitano, os quadros político-institucionais envolvidos com a questão metropolitana têm suscitado o debate sobre a adoção de novos arranjos organizacionais mais flexíveis e abertos que fomentem soluções inovadoras de intervenção pública, de coordenação de atores e de articulação de políticas. No entanto, a discussão conceitual em torno das regiões metropolitanas e seus tipos: ‘emergentes’ e ‘consolidadas’; da ‘metrópole institucional’ à ‘metrópole real’ (DIAS & SEIXAS, 2018); que ‘territorializam a governança’ ou que ‘neoinstitucionalizam a centralização’ (FERREIRA & SEIXAS, 2017); evidencia a polissemia em torno do conceito de região metropolitana e a necessidade de avançar na identificação de elementos comuns que as caracterizem e que auxiliem no delineamento de estratégias de colaboração e ação concertada entre os diversos atores.

No caso específico do Brasil, observam-se avanços recentes no estabelecimento de parâmetros institucionais e normativos que definem critérios para a definição das regiões metropolitanas, bem como instituem mecanismos de planejamento e gestão e formas de cooperação interfederativa. A Lei nº 13089/2015, mais conhecida como Estatuto da Metrópole, estabelece as:

[...] diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações urbanas instituídas pelos Estados, normas gerais sobre o plano de desenvolvimento urbano integrado e outros instrumentos de governança interfederativa, e critérios para o apoio da União a ações que envolvam governança interfederativa no campo do desenvolvimento urbano [...] (BRASIL, 2015, p.1).

Todavia, em que pesem os avanços em termos jurídicos e institucionais em termos de reconhecimento de aglomerados urbanos enquanto regiões metropolitanas, observam-se também diferenças substanciais quanto à integração dos municípios à dinâmica da aglomeração, entendida como o adensamento de fluxos econômicos e populacionais. Disso resultam unidades regionais bastante diferentes quanto ao efetivo processo de metropolização, o que dificulta a construção de sistemas de governança metropolitana.

O espaço metropolitano abriga, além do grande quantitativo populacional, diversas atividades geradoras de riqueza e alvo de diversos investimentos, porém, com a mesma intensidade, abriga uma parcela considerável de problemas, tais como: desigualdade social, pobreza, violência urbana, problemas ambientais, desemprego, periferização urbana, serviços públicos precários, entre outros. Dessa forma, trabalhar com os aspectos metropolitanos não é tarefa das mais simples, tendo em vista a grande quantidade de processos, consequências e repercussões que os cercam e as suas particularidades (NASCIMENTO, 2018). Entre os inúmeros desafios metropolitanos, pode-se destacar três: “O do desenvolvimento do país, o da superação das desigualdades socioespaciais e o da governança democrática da sociedade” (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2005).

A Região Metropolitana do Cariri (RM Cariri), localizada no sul do Estado do Ceará, pode ser tomada como expressão local destes problemas e desafios elencados. Referida RM foi instituída pela Lei Complementar Estadual nº 78, de junho de 2009, a partir da conurbação formada pelos municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (conhecida como triângulo CRAJUBAR) e incluindo outros 06 municípios do entorno, quais sejam: Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. Desde que foi criada, a RM Cariri enfrenta uma série de dificuldades à sua consolidação enquanto efetivo instrumento de desenvolvimento territorial. Trata-se de uma metrópole regional inserida em um contexto de desigualdades inter e intrarregionais e criada em um momento complexo, marcado por intensa crise fiscal e restrição de gastos e investimentos. Todavia, vale ressaltar que, tão importante quanto a análise e identificação dos problemas resultantes do processo histórico e do modelo de gestão metropolitana, é a elaboração de alternativas capazes de atenuar o quadro de precariedades experimentadas pelos habitantes destes territórios e apontar caminhos para o aprimoramento das políticas. O fato de a RM Cariri ser recém-criada abre caminhos também para a estruturação de arranjos inovadores de gestão e governança metropolitana, o que inaugura importantes possibilidades em termos de pesquisa e desenvolvimento.

Neste sentido, o presente texto discute o processo de institucionalização da governança metropolitana face às transformações decorrentes do Estatuto da Metrópole (Lei n. 13.089/2015) e seus reflexos nas dinâmicas de desenvolvimento regional. O objetivo é analisar o percurso de construção dos arranjos institucionais de governança interfederativa e os mecanismos de definição e execução das funções públicas de interesse comum na Região Metropolitana do Cariri (RM Cariri).

2 A metropolização brasileira e os desafios da governança interfederativa

A criação de áreas ou regiões metropolitanas vincula-se à existência de uma unidade socioespacial que, por sua vez, implicará na existência de problemáticas comuns que, por envolverem/impactarem a mais de um munícipio só podem ser solucionadas a partir da cooperação entre distintos entes federativos e territoriais por meio de serviços, políticas ou funções públicas de interesse comum.

Na experiência brasileira de reconhecimento de regiões metropolitanas, três marcos históricos são destacados. O primeiro remonta aos anos 70, quando a criação de regiões metropolitanas era competência da união. Neste período foram criadas as primeiras regiões metropolitanas brasileiras, quais sejam: São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém, Fortaleza e Rio de Janeiro. Neste período, a coordenação das políticas urbanas era assumida pelo governo federal, cabendo ao mesmo a iniciativa de integrar, de forma planejada, a ação de estados e municípios nessas regiões. Conforme reforça Pinto (2007, p.93), a percepção da importância econômica e política das áreas metropolitanas levou à constitucionalização da matéria, conferindo à União a prerrogativa de instituir regiões metropolitanas. A forma adotada era consistente com o modelo centralizador do governo autoritário, que manteve as rédeas do processo, trabalhando junto aos órgãos estaduais responsáveis pela execução e coordenação das políticas setoriais nesses territórios (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2009).

O segundo marco foi a Constituição Federal de 1988, que trouxe duas mudanças que impactaram sobremaneira a discussão sobre a questão metropolitana no Brasil. Uma delas foi a competência para instituir regiões metropolitanas, que passou a ser dos governos estaduais, e a outra foi a autonomia obtida pelos municípios no âmbito do novo pacto federativo. De acordo com Garson (2009), a ação coordenada em territórios metropolitanos padece das dificuldades do sistema federativo brasileiro, destacando-se a inexistência de instâncias de cooperação que permitam reduzir as desigualdades inter e intra-regionais. Para Melo (2000, p.19), a autonomia municipal instaurada pela Constituição trouxe maior complexidade à construção de sistemas de governança metropolitana, ao estimular comportamentos não cooperativos: a competição fiscal e o neolocalismo, este fazendo crer que grande parte dos problemas pode ser resolvida localmente.

O terceiro marco, já mencionado, diz respeito à promulgação do Estatuto da Metrópole em 2015, que constitui o instrumento regulatório e institucional para o funcionamento das metrópoles brasileiras. Por conta principalmente da heterogeneidade de critérios adotados pelos governos estaduais na definição das regiões metropolitanas, tais arranjos institucionais apresentam diferenças significativas na sua composição e funcionamento (IPEA, 2011), bem como no seu estágio de consolidação.

Um dos temas centrais na discussão sobre regiões metropolitanas está relacionado aos mecanismos por meio dos quais os diferentes entes federativos poderão estabelecer acordos e colaborar entre si para a atuação sobre os problemas comuns. Isso remete ao debate teórico conceitual mais amplo sobre governança, podendo ser entendida como “uma mudança no entendimento de governo, um novo processo de governação ou uma mudança das regras, ou ainda um novo método pelo qual a sociedade é governada” (RHODES, 1996, pp. 652-653), e implica em uma aproximação mais direta com a noção de governança interfederativa, definida pelo Estatuto da Metrópole como “compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum” (BRASIL, 2015).

Governança, no entanto, trata-se de um conceito polissêmico, o qual remete para uma multiplicidade de abordagens, algumas delas complementares, outras nem tanto. O seu uso permeia diversos campos de conhecimento, dentro e fora das Ciências Sociais. Um primeiro registro do termo é encontrado na obra de Coase (1937), The Nature of the Firm, sendo retomado posteriormente por Williamson (1970) para tratar das decisões e operações empresariais relacionadas à hierarquização e terceirização. No campo da ação pública estatal, a noção clássica de governança está relacionada à ação do Estado e aos processos de decisão dos governos. Todavia, os estudos contemporâneos, sobretudo a partir dos anos 90, reconhecem que a concepção de governança extrapola o ato de governar e está para além da ação dos governos, salientando a necessidade de articulação e partilha de decisões com outros atores sociais.

Rosenau (2000) elabora uma distinção entre governo e governança. Para o autor, o governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder jurídico que garante a implementação das políticas devidamente instituídas, enquanto governança refere-se a atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem, necessariamente, de poder jurídico para que sejam aceites e vençam resistências. Hatchuel (2000) acrescenta que a governança pode também ser entendida como o poder compartilhado ou a ação coletiva gerida, deliberada e sistemática. Neste quadro, a natureza horizontal, democrática e participativa da governança passa a ser valorizada. Já Milani e Solinís (2002, p.273), elencam alguns aspectos frequentemente evidenciados na literatura sobre governança, entre eles: (1) a legitimidade do espaço público em construção; (2) a repartição do poder entre aqueles que governam e aqueles que são governados; (3) os processos de negociação entre os atores sociais (os procedimentos e as práticas, a gestão das interações e das interdependências que desembocam ou não em sistemas alternativos de regulação, o estabelecimento de redes e mecanismos de coordenação); e (4) a descentralização da autoridade e das funções ligadas ao ato de governar.

Governa (2010) chama atenção para as diferenças significativas entre as ‘concepções tradicionais’ e as ‘novas formas’ de governança. Nas concepções tradicionais, ainda que haja participação de outros atores, o poder de decisão deles é relativo estando subordinado à ação do Estado. O Estado figura como coordenador das interações entre os atores, definindo as prioridades e as formas de relação entre os diferentes atores e interesses (GOVERNA, 2010, p.676). As novas formas de governança distinguem-se deste modelo tradicional, tanto pela pluralidade das relações entre atores quanto pela coexistência de formas de interação formais e informais entre atores públicos e privados, muitas das quais travadas fora da arena estatal.

Isso é claro no campo das reformas em curso na administração pública. De acordo com Bovaird e Löffler (2002), os governos começam agora a compreender que, embora a excelência de prestação de serviços continue a ser importante, não é mais suficiente. É neste quadro que a governança pública, entendida como as formas pelas quais as partes interessadas interagem umas com as outras para influenciar os resultados de políticas públicas, as quais incidem sobre a qualidade de vida (BOVAIRD E LÖFFLER, 2003), tem se afirmado como um novo movimento, voltado não só à qualidade dos serviços, mas também à melhoria na qualidade de vida dos cidadãos e dos próprios processos de governança. Como consequência desta mudança de orientação, salienta-se o desafio de encontrar maneiras de avaliar a qualidade e os efeitos da governança, particularmente ao nível regional e local.

Assim, a relação entre governança e políticas públicas e os modos de interação entre os diferentes atores e os entes federativos envolvidos na formulação de políticas, tem hoje considerável importância. Neste quadro, além da governança, o território e, especificamente, a sua escala regional, têm sido afirmados como novos centros de racionalidade das políticas públicas, e a territorialização de políticas e da governança passou a ser um paradigma a ser seguido, remetendo para a necessidade de novos modelos de governança territorial.

Frey (2012) especifica esta necessidade, centrando-se na noção de governança para espaços metropolitanos como útil por potencializar respostas articuladas e multidisciplinares para as novas escalas dos problemas urbanos, evidenciando o papel cada vez mais ativo exercido pelas cidades ou regiões. Para além do componente institucional exercido pelos acordos formais entre governos e organismos públicos, convém observar também os diversos fluxos de relações e redes que se estabelecem entre os distintos atores não estatais e a forma como também contribuem para o desenvolvimento metropolitano, sobretudo assumindo o desafio de articulá-las às práticas institucionais já existentes e fortalecer os arranjos metropolitanos, a partir da identificação e gestão dos interesses comuns.

3 Funções públicas de interesse comum na Região Metropolitana do Cariri: algumas considerações

A conurbação formada pelas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (o Crajubar), intensificou nas últimas décadas o papel de polo regional e a integração socioeconômica entre esses municípios. Esse processo desencadeou debates sobre a necessidade de políticas integradas para dar conta da nova realidade. Tal contexto, aliado à ideia de descentralizar serviços, políticas e equipamentos públicos de Fortaleza para o interior, constituíram-se como pano de fundo para a criação, por iniciativa direta do Governo do Estado, da Região Metropolitana do Cariri – a primeira a ser criada no interior cearense, no ano de 2009.

Convém mencionar que a primeira tentativa de institucionalização de uma região metropolitana no Cariri havia sido feita anos antes, por iniciativa individual de uma representante de Juazeiro do Norte na Assembléia Legislativa do Ceará (QUEIRÓZ, 2013, p.127). O Projeto de Lei Complementar nº 02/2004 propunha a criação da Região Cícero Metropolitana do Cariri Cearense a ser formada pelos municípios de Juazeiro do Norte, Barbalha, Caririaçu, Crato e Missão Velha (CEARÁ, 2004). A denominação Cícero Metropolitana fazia alusão à figura do Padre Cícero Romão Batista, fundador de Juazeiro do Norte. Embora não tenha logrado êxito, a proposta despertou um interesse regional em torno da possibilidade de que o aglomerado urbano do Cariri viesse a se tornar uma metrópole, o que só aconteceu cinco anos depois, com a aprovação da Lei Complementar Estadual nº 78/2009, que criou a Região Metropolitana do Cariri.

Ainda que sua criação tenha ocorrido por iniciativa direta do governo do estado, e sem um debate amplo na região, a novidade da nova metrópole regional foi bem recebida pelas lideranças políticas e empresariais e por outros segmentos da sociedade do Cariri.

A Região Metropolitana do Cariri – RM Cariri, localiza-se ao sul do Ceará e é composta, além dos municípios do Crajubar, por outros seis municípios que os circundam (Figura 01). A área total dessa RM é 5456,016Km² para um contingente populacional estipulado em 2019 de 609.358 pessoas (IBGE, 2019).

Mapa de localização da Região Metropolitana do Cariri
Figura 1
Mapa de localização da Região Metropolitana do Cariri
Fonte: Secretaria das Cidades do Ceará (2011)

A RM Cariri vivencia diversas transformações urbanas, sociais, ambientais e econômicas, alavancadas, sobretudo, pelo crescimento socioeconômico e demográfico dos municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. Porém, os outros seis munícipios apresentam características sociais, demográficas e econômicas diferentes do Crajubar, culminando com um processo de desigualdade intrarregional, onde, nos processos de planejamento, gestão e governança metropolitana há:

[...] a necessidade de políticas direcionadas para os dois conjuntos que compõem a RM Cariri: i) o Crajubar e sua realidade urbana de consolidação do processo de metropolização; e ii) os munícipios adjacentes ao Crajubar com realidade espacial destoante do processo de metropolização, mas com repercussões destes a partir do aumento da integração com os munícipios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (NASCIMENTO, 2018, p. 221).

Uma das dimensões centrais dos processos de metropolização baseia-se na existência de necessidades comuns. Conforme expresso na Constituição Federal de 88, as regiões metropolitanas devem ser criadas “para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” (BRASIL, 1988).

Pode-se dizer que as funções públicas de interesse comum (FPIC) estão relacionadas a existência de determinados problemas que escapam à alçada administrativa e, especialmente, orçamentária da esfera municipal e, para que possam ser sanados, necessitam da articulação entre os entes federados. No Estatuto da Metrópole, as funções públicas de interesse comum são definidas como “política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes” (BRASIL, 2015).

Não há a indicação de quais serviços devem ser alvos de funções públicas de interesse comum, até pela abrangência das problemáticas comuns e pela diversidade dos arranjos metropolitanos. O Estatuto da Metrópole afirma, todavia, que por meio das leis complementares estaduais serão definidos “os campos funcionais ou funções públicas de interesse comum que justificam a instituição da unidade territorial urbana” e “os meios de controle social da organização, do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum” (BRASIL, 2015).

No caso específico da Região Metropolitana do Cariri, justificou-se a pertinência da sua criação a partir da necessidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum e estas, por sua vez, deveriam compreender:

I – planejamento, a nível global ou setorial de questões territoriais, ambientais, econômicas, culturais, sociais e institucionais;

II – execução de obras e implantação, operação e manutenção de serviços públicos;

III – supervisão, controle e avaliação da eficácia da ação pública metropolitana (CEARÁ, 2009, p. 1).

Na lei de criação dessa região metropolitana há o indicativo dos campos de atuação para organização, planejamento execução das funções públicas de interesse comum na RM Cariri que deverão ser implementadas:

I - no estabelecimento de políticas e diretrizes de desenvolvimento e de referenciais de desempenho dos serviços;

II - na ordenação territorial de atividades, compreendendo o planejamento físico-territorial, a estruturação urbana, o movimento de terras, o parcelamento, o uso e a ocupação do solo;

III - no desenvolvimento econômico e social, com ênfase na produção e na geração de emprego e distribuição de renda;

IV - na infraestrutura econômica relativa, entre outros, a insumos energéticos, comunicações, terminais, entrepostos, rodovias e ferrovias;

V - no sistema viário de trânsito, nos transportes e no tráfego de bens e pessoas;

VI - na captação, na adução e na distribuição de água potável;

VII - na coleta, no transporte, no tratamento e na destinação final dos esgotos sanitários;

VIII - na macrodrenagem das águas superficiais e no controle de enchentes;

IX - na destinação final e no tratamento dos resíduos sólidos;

X - na política da oferta habitacional de interesse social;

XI - na educação e na capacitação dos recursos humanos;

XII - na saúde e na nutrição;

XIII - na segurança pública (CEARÁ, 2009, p. 1).

Ainda sem adentrar na maneira como as FPICs vem sendo conduzidas na RM Cariri, é necessário enfocar os problemas que podem ser considerados comuns, ou seja, aqueles que impactam de maneira conjunta a dois ou mais municípios e que exigem medidas compartilhadas para a sua resolução ou minimização.

No tocante a essas problemáticas, destacam-se: os problemas relacionados à mobilidade urbana e sistema viário, nos quais são evidentes a necessidade de integração do transporte coletivo entre os municípios da região, justificados pelo expressivo número de pessoas que se deslocam diariamente para outros municípios com finalidade de trabalho, estudo ou compras; geração de emprego e renda, com a necessidade de criação de postos de trabalho que contemplem as especificidades locais; problemas ambientais em diferentes campos (hidrológico, aéreo, resíduos sólidos, recursos naturais e minerais, entre outros), sobretudo relacionados à preservação da Chapada do Araripe e dos mananciais hídricos; desigualdades socioespaciais; ausência de infraestrutura urbana; déficit habitacional e ocupação de áreas de risco; aumento da violência urbana; ausência de ordenamento territorial e uso indevido do solo urbano; ausência de equipamentos públicos importantes para provisão de serviços essenciais, entre outras.

4 Problemas “comuns” na RM Cariri

Ainda que alguns avanços relativos à integração socioeconômica, ações em prol da coletividade e de execução de funções públicas de interesse comum sejam percebidos, sobretudo na área de mobilidade e infraestrutura urbana, são muitos os desafios ou problemas “comuns” na área de abrangência da Região Metropolitana do Cariri. Um dos principais problemas diz respeito à necessidade de preservação da Chapada do Araripe e da Floresta Nacional do Araripe - FLONA Araripe.

A Área de Proteção Ambiental – APA da Chapada do Araripe, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, foi criada por decreto em 04 de agosto de 1997 e totaliza 1.063.000 hectares em áreas dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. Dentre os municípios abrangidos estão presentes a maioria daqueles que compõem a RM Cariri, como Barbalha, Crato, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri. O principal objetivo da APA Chapada do Araripe é “proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais” (MMA, 2020a, s.p).

Dentro da APA da Chapada do Araripe, está encravada a Floresta Nacional do Araripe-Apodi - mais antiga que a própria APA, tendo sido criada pelo Decreto-Lei Nº 9.226 de 02 de maio de 1946 e ampliada em 2012, perfazendo, atualmente, 38.919 hectares. A gleba referente à Serra do Araripe abrange áreas dos municípios cearenses de Barbalha, Crato, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda, Santana do Cariri (MMA, 2020b). A FLONA Araripe, também gerida pelo ICMBio, é a primeira floresta nacional do Brasil e foi “criada para manter as fontes de água do semiárido e barrar o avanço da desertificação no Nordeste” (ICMBIO, 2016, s.p.) e teve como objetivo de criação da unidade de conservação o “uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas” (MMA, 2020b).

As Unidades de Conservação – UCs da região do Cariri cearense são conhecidas pela grande quantidade de fontes de água que jorram ao longo das faldas (base das montanhas) do Araripe, além da exuberância faunística e florística em uma área de transição de ecossistemas com fragmentos de Mata Atlântica, Cerrado, além do bioma principal, a Caatinga (ICMBIO, 2016). Essa área conta, inclusive, com uma espécie endêmica ameaçada de extinção, o Soldadinho do Araripe - Antilophia Bokermanni, além de outras espécies raras.

Atualmente, são muitos os problemas enfrentados pelas UCs do Cariri. Entre os principais “estão a pressão antrópica (do homem) decorrente da metropolização do Cariri cearense, os incêndios florestais, a caça ilegal, o lançamento de lixo por parte de usuários das estradas que cortam a UC e por visitantes, o atropelamento de fauna e o vandalismo” (ICMBIO, 2016, s.p).

Três problemas ambientais se destacam pelo volume e intensidade na Chapada do Araripe: o desmatamento, a ocupação das áreas de encosta e o desperdício/desvio das fontes de água. O desmatamento ainda é comum, seja para o plantio de alguma cultura e/ou pecuária. A ocupação de áreas de encosta da chapada está ligada à expansão urbana, alinhada à ausência ou diminuta fiscalização na área dessa UC, tornando-se fácil encontrar residências dos mais variados tipos e tamanhos no sopé da Chapada, cuja maior evidência se encontra nas cidades de Crato e Barbalha.

Essas problemáticas são reforçadas pelo crescimento sociodemográfico expressivo dos municípios da Região Metropolitana do Cariri, sobretudo, daqueles que abrigam áreas dessas unidades de conservação. Do conjunto metropolitano, seis municípios compõem, simultaneamente, as áreas da FLONA Araripe e da APA da Chapada do Araripe (Barbalha, Crato, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri). Os demais municípios dessa RM, apesar de não possuírem território integrante dessas UCs, também contribuem para a intensificação dos problemas ambientais na área.

Outro dos desafios ambientais comuns na Região Metropolitana do Cariri diz respeito à poluição da principal bacia hidrográfica da região, a Sub-bacia Hidrográfica do Rio Salgado. De acordo com a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos – COGERH (2016), esta sub-bacia possui área de 12.636 Km² correspondente a 8,5% da área do Ceará e envolve 24 municípios (15 totalmente contidos e nove parcialmente). A sub-bacia do Salgado abrange a maioria e também os municípios mais populosos da RM Cariri: Barbalha, Caririaçu, Crato, Jardim, Juazeiro do Norte e Missão Velha. Segundo a COGERH (2016), é dividida em cinco “microbacias” que, na verdade, são agrupamentos de municípios.

Nos principais rios que perpassam esses municípios metropolitanos, podem ser verificados diversos tipos de impactos, oriundos, sobretudo, da expansão da urbanização às margens ribeirinhas. Situações como enchentes, inundações, alagamentos, desmatamento da mata ciliar, ocupações irregulares e contaminação por esgotos domésticos e industriais são bastante comuns, em especial nos cursos de água que atravessam as cidades de Crato (Rio Granjeiro e Batateiras), Juazeiro do Norte (Rio Salgadinho e Carás do Umari) e Missão Velha (Rio Salgado).

A proteção dos mananciais hídricos da região, portanto, requer ação conjunta em prol de sua resolução e necessita ser refletida à luz das funções públicas comuns para a Região Metropolitana do Cariri. Há a perspectiva de melhora na situação da poluição do Rio Salgado, a partir da Transposição do Rio São Francisco que passará pelas águas do Salgado a partir do Eixo Norte.

Além da importância ambiental e hídrica, a Chapada do Araripe também abriga a maior reserva fossilífera do mundo, datada de mais de 110 milhões de anos e considerada por especialistas como em excelente estado de preservação. A cidade de Santana do Cariri, integrante da RM Cariri, abriga um Museu de Paleontologia, atualmente mantido pela Universidade Regional do Cariri. O Museu de Paleontologia é um dos instrumentos de propulsão e preservação da paleontologia no Cariri, mantendo projetos de escavação permanente e coleta sistemática de fósseis nos municípios de Santana do Cariri e Nova Olinda. Fósseis comuns nessa região são os “troncos petrificados [..], impressões de samambaias, pinheiros e plantas com frutos; moluscos, artrópodes (crustáceos, aranhas, escorpiões e insetos); peixes (tubarões, raias e diversos peixes ósseos), anfíbios e répteis (tartarugas, lagartos, crocodilianos, pterossauros e dinossauros)”. (GEOPARK ARARIPE, online).

Infelizmente, ainda são comuns os casos de contrabando de fósseis nessa região, apesar do empenho de organizações como o Geopark Araripe e Museu de Paleontologia no combate à exploração clandestina do patrimônio paleontológico local. Dessa maneira, é necessária a criação, implementação e aperfeiçoamento de políticas públicas nessa área, a fim de preservar a riqueza paleontológica existente e fomentar as pesquisas e o turismo a ela relacionados.

Vale ressaltar que o Geopark Araripe possui atuação destacada na preservação ambiental, paleontológica, cultural e social do Cariri, tendo sido o primeiro geoparque das américas e hemisfério sul reconhecido. Os geossítios do Geopark Araripe totalizam nove e são distribuídos em seis municípios da Região Metropolitana do Cariri (Crato, Nova Olinda, Santana do Cariri, Barbalha, Missão Velha e Juazeiro do Norte (GEOPARK ARARIPE, 2018).

Além dos problemas ambientais metropolitanos, outros desafios também podem ser apontados. Ainda que o Governo do estado tenha implementado diversas políticas urbanas recentes (em especial, no campo da reestruturação rodoviária, mobilidade urbana e requalificação de espaços públicos), algumas outras problemáticas persistem. Dentre esses desafios, destaca-se a necessidade de ordenamento territorial e planejamento urbano nas áreas de expansão da conurbação, onde existem casos de “litígio” sobre a provisão de serviços públicos no qual o exemplo mais emblemático são as áreas do Distrito Industrial do Cariri e na divisa Juazeiro do Norte – Barbalha.

Nesse sentido, há a necessidade de direcionamento e execução quanto às políticas de uso e ocupação do solo metropolitano, bem como de um planejamento urbano integrado para essa RM. Essa não será uma das tarefas mais fáceis, haja vista que, dos nove municípios dessa RM, apenas três possuem planos diretores (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha) datados do ano 2000, portanto, sem a revisão decenal obrigatória. Também há que se mencionar a inexistência do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado para a Região Metropolitana do Cariri, legislação obrigatória conforme preconiza o Estatuto da Metrópole, a ser discutido posteriormente.

Já na área do transporte público, o VLT ou Metrô do Cariri também constitui em um desafio comum, pelas dificuldades de atendimento às reais necessidades de locomoção entre as duas cidades a que se propõe ligar (Crato e Juazeiro do Norte), seja pela manutenção do percurso ultrapassado da linha férrea que não acompanhou a expansão urbana dessas cidades, seja pela “ainda” não integração com o outro modal do sistema intermunicipal metropolitano de transporte de passageiros.

Além dessa última, outra alternativa também poderia ser implementada a fim de melhorar a operação do Metrô do Cariri e qualificá-lo para o atendimento das demandas, como a ampliação da malha metroviária na direção dos bairros mais populosos (João Cabral em Juazeiro do Norte e Seminário em Crato) ou com grande fluxo de passageiros (como os bairros que abrigam as universidades da região); ou ainda na direção de outros municípios dessa RM, como Barbalha e Missão Velha (este último, inclusive, mantém os trilhos da época da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima - RFFSA).

Na dimensão socioeconômica, um dos desafios que requer cooperação interfederativa é a reestruturação do Distrito Industrial do Cariri, visando à atração de novas empresas a partir dos princípios de responsabilidade socioambiental e de acordo com as vocações regionais. Um dos gargalos atuais é o acesso para a área destinada ao distrito, na confluência entre os municípios do Crajubar. Entretanto, esse problema pode ser minimizado a partir da construção da etapa 4 do anel viário de Juazeiro do Norte que passará pela área.

A indústria calçadista, enquanto principal setor industrial da região e um dos principais polos do país, pode ser beneficiada com a implementação de uma política industrial consistente e alinhar-se aos variados cursos técnicos e de nível superior da RM Cariri no desenvolvimento de tecnologia, processos e produtos, com vistas ao desenvolvimento do setor. Ainda nesse mesmo sentido, a união de esforços em prol da instalação de um porto seco regional seria interessante para o desenvolvimento econômico regional, na medida em que possibilitaria a escoação da produção local, tendo-se em vista a posição de destaque do Cariri no que tange à localização no sertão nordestino.

O Aeroporto de Juazeiro do Norte - Orlando Bezerra de Menezes, anteriormente denominado Aeroporto Regional do Cariri, administrado e operado pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - INFRAERO desde 2012, atende a população da Região Metropolitana do Cariri e demais cidades do sul e centro-sul cearense, além de também ser utilizado pela população de áreas dos estados vizinhos de Pernambuco, Paraíba e Piauí. A estimativa é de que o aeroporto de Juazeiro do Norte atenda a 127 municípios, segundo a Secretaria de Aviação Civil (s.a).

O fluxo de passageiros vem crescendo anualmente e o aeroporto é o mais movimentado do interior nordestino, com um contingente na ordem de 563.895 passageiros (embarques e desembarques) no acumulado anual de 2018, desbancando os aeroportos de cidades como Petrolina – PE e Campina Grande – PB e, inclusive, apresenta maior fluxo de passageiros do que os aeroportos de capitais brasileiras como Rio Branco - AC e Boa Vista – RR (INFRAERO, 2019). Entretanto, no caso do Cariri, a infraestrutura aeroportuária não atende às demandas e fluxo de passageiros atual. O aeroporto Orlando Bezerra de Menezes perdeu algumas possibilidades de receber novos voos – inclusive para destinos diferentes dos realizados – devido à pista atual não comportar aeronaves maiores. Dessa maneira, a luta pela ampliação e reestruturação desse equipamento aeroportuário se constitui em uma das demandas regionais.

Ainda no tocante aos problemas, demandas e desafios para a Região Metropolitana do Cariri, é necessário enfocar o turismo como vocação natural dessa região e, portanto, como potencialidade a ser desenvolvida estrategicamente. A RM Cariri abriga diversas vertentes e potencialidades turísticas nos mais diferentes aspectos: religioso, cultural, ecológico e de aventura, científico, histórico e rural.

O turismo religioso continua sendo um vetor importante de desenvolvimento local. A cidade de Juazeiro do Norte, a partir de sua relação intrínseca com a figura do Padre Cícero Romão Batista, seu fundador, comanda o setor na RM Cariri e abriga diversas expressões e pontos turísticos ligados à figura desse “santo” nordestino. Os principais locais de visitação da cidade se situam na Colina do Horto, ponto mais alto do município, que concentra uma estátua de 27 metros de altura em homenagem ao Padre Cícero, além do Casarão do Padre Cícero com um Museu Vivo; a Igreja Bom Jesus do Horto, sonho do Padre Cícero (em construção); o Santo Sepulcro com uma trilha ecológica e diversas formações rochosas de granito consideradas as mais antigas da região, além de uma visão panorâmica da cidade.

Outros pontos turísticos religiosos de Juazeiro do Norte são: Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores, Capela do Socorro (onde estão os restos mortais do Padre Cícero), Museu do Padre Cícero, Igreja de São Francisco das Chagas – Franciscanos e Igreja do Sagrado Coração de Jesus – Salesianos.

Todos esses pontos turísticos de âmbito religioso recebem grande fluxo de pessoas durante todo o ano, mas nos períodos de romaria o fluxo é bastante elevado. Estima-se que a cidade de Juazeiro do Norte receba contingentes superiores a 500 mil pessoas em cada um dos principais períodos de romaria (especialmente, nas romarias de Finados e de Nossa Senhora das Dores). Milhares de romeiros se deslocam até Juazeiro do Norte de vários estados brasileiros, com destaque para os estados do Nordeste, em verdadeiras manifestações de fé, em forma de agradecimento com o pagamento de promessas, súplicas ou por tradição.

Além de Juazeiro do Norte, também estão inseridos no percurso do turismo religioso na RM Cariri, ainda que em menor intensidade, o município de Santana do Cariri, com a Beata Benigna; Barbalha, com a tradicional festa em homenagem ao Padroeiro Santo Antônio; e Crato, a partir da construção de uma estátua medindo 45 metros de altura em homenagem à Nossa Senhora de Fátima.

Outro setor importante e com potencial turístico na RM Cariri é o cultural. A cultura popular caririense possui grande expressividade pela quantidade e diversas formas de manifestação, como são os casos da literatura de cordel, renovações em honra ao Sagrado Coração de Jesus e os variados grupos de penitentes, bandas cabaçais, mestres de cultura, grupos de reisado e lapinhas.

Todas essas manifestações reforçam a posição do Cariri como celeiro cultural e fizeram com que algumas instituições visualizassem esse potencial e criassem mecanismos de preservar e/ou divulgar a riqueza cultural ali existente. A Mostra SESC (Serviço Social do Comércio) Cariri de Culturas que ocorre anualmente, Guerrilha Cariri, o Centro Cultural do Banco do Nordeste com sede em Juazeiro do Norte e a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri em Nova Olinda, dentre outros, são exemplos institucionais de promoção da cultura local.

Ainda no campo do turismo, outras potencialidades são o turismo ecológico e ambiental, com as várias trilhas na Chapada do Araripe e os geossítios do Geopark Araripe (que, aliado ao patrimônio paleontológico, também possibilitam o turismo científico). Além dos diversos balneários da região, tais como o Balneário do Caldas, Arajara Park e Caminho das Águas em Barbalha; e os clubes Granjeiro e Serrano em Crato, entre outros.

Diante de todo o contexto apresentado, percebe-se que é necessário o paralelo entre a existência de um problema comum metropolitano e sua transformação em função pública de interesse comum visando a resolução/minimização daquela problemática. O Governo do Estado do Ceará no processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da Região Metropolitana do Cariri vem desempenhando papel importante no sentido de identificar os problemas metropolitanos e tomá-los como funções públicas de interesse comum que exigem planejamento e implementação de políticas públicas específicas para sua execução. Foram realizados um conjunto de audiências públicas nos municípios que compõem essa RM a fim de aproximar população local desse debate.

5 Institucionalização da governança interfederativa e das FPICs na RM Cariri: avanços recentes e novos desafios

Quando da criação da Região Metropolitana do Cariri pela Lei Complementar Estadual nº 78/2009, a estrutura de governança instituída pela referida lei foi o Conselho de Desenvolvimento e Integração da Região Metropolitana do Cariri - CRMC, criado com o intuito de promover a adequação administrativa dos interesses metropolitanos e dar apoio aos agentes responsáveis pela execução das funções públicas de interesse comum.

A composição do CRMC envolvia atores dos governos estadual e municipal, sendo formada pelos titulares da Secretaria Estadual das Cidades, Secretaria do Planejamento e Gestão - SEPLAG, Secretaria do Desenvolvimento Agrário - SDA, Secretaria da Infraestrutura - SEINFRA, Secretaria do Turismo - SETUR, Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social - SSPDS, Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico – CEDE, e Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente do Estado do Ceará – CONPAM, e pelos Prefeitos dos Municípios integrantes da Região Metropolitana do Cariri. As competências estabelecidas para o CRMC foram as seguintes:

I - aprovar o Plano Diretor de Desenvolvimento Metropolitano - PDDM, da RMC e todos os demais planos, programas e projetos indispensáveis à execução das funções públicas de interesse comum metropolitano;

II - definir as atividades, empreendimentos e serviços admitidos como funções de interesse comum metropolitano;

III - criar Câmaras Técnicas Setoriais, estabelecendo suas atribuições e competências;

IV - elaborar seu regimento interno (CEARÁ, 2009).

Nos primeiros anos de funcionamento, a atividade do conselho foi praticamente nula. As competências elencadas anteriormente não foram implementadas e não houve ações expressivas ou que tenham provocado mudanças significativas na forma de colaboração entre os municípios e de enfrentamento dos problemas comuns.

Após a promulgação do Estatuto das Metrópoles em 2015, o Governo do Estado do Ceará passou a atuar de modo mais incisivo sobre a questão metropolitana, buscando adequar a legislação e os instrumentos existentes ao novo marco regulatório, bem como avançar em um modelo mais homogêneo de governança das suas metrópoles. Neste sentido, em janeiro de 2018 foi publicado o decreto estadual nº 32.490/2018 que definiu parâmetros unificados de governança a serem adotados pelas 3 regiões metropolitanas estaduais, entre as quais se inclui a RM Cariri. Tal decreto instituiu em cada Região Metropolitana a existência de uma Instância Executiva e uma Instância Colegiada Deliberativa.

Avançando ainda mais, em julho de 2018 foi promulgada a Lei Complementar estadual nº 180/2018 que dispõe sobre o Programa de Governança Interfederativa do Estado do Ceará, denominado “Ceará um só”. Com isso, o Ceará assumiu um pioneirismo, tendo sido o primeiro estado brasileiro a instituir uma lei e um sistema unificado de governança interfederativa para as suas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.

A estrutura básica da governança interfederativa das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas cearenses ficou definida da seguinte forma:

I - instância executiva, composta pelos representantes do Poder Executivo dos entes federativos integrantes das unidades territoriais;

II - instância colegiada deliberativa com representação da sociedade civil;

III - organização pública com funções técnico-consultivas; e

IV - sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas. (CEARÁ, 2018).

As instâncias executiva e colegiada deliberativa da RM Cariri foram instaladas em agosto de 2018 e os seus membros nomeados por portaria do Governo do Estado publicada no mesmo ano. Isso representou um importante marco de institucionalização e consolidação da metrópole regional. Todavia, ainda não há um fluxo definido de funcionamento de tais instâncias, tampouco uma agenda de reuniões regulares entre os seus membros para discutir e deliberar sobre as matérias da sua competência. A Secretaria Estadual das Cidades assumiu o papel de organização pública com funções técnico-consultivas. O sistema integrado de alocação de recursos e prestação de contas está em processo de estruturação.

Outro mecanismo importante nessa dinâmica de institucionalização metropolitana inaugurada com o Estatuto da Metrópole diz respeito à necessidade de elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da RM Cariri. Referido plano deve estabelecer as diretrizes, projetos e ações para a região, se constituindo num instrumento para o seu desenvolvimento sustentável e equilibrado. Contempla a elaboração de diagnóstico e diretrizes de ação nos próximos 10 anos para Funções Públicas de Interesse Comum dos municípios integrantes da RMC e a realização de um macrozoneamento com definição das áreas de interesse metropolitano (AIMs).

O processo de elaboração do PDUI (Figura 2) envolveu a realização de estudos diagnósticos empreendidos pela equipe técnica da Secretaria das Cidades, com o apoio de especialistas das universidades situadas na RM Cariri. Além disso, entre 2017 e 2018, foram realizados 02 seminários, 02 reuniões técnicas, 02 oficinas bem como audiências públicas municipais em todos os 09 municípios integrantes da região metropolitana e um seminário de macrozoneamento envolvendo técnicos dos governos estaduais e municipais, pesquisadores e especialistas, bem como representantes das instâncias de governança.

Etapas e ações do PDUI da RM Cariri
Figura 2
Etapas e ações do PDUI da RM Cariri
Fonte: Secretaria das Cidades do Ceará (2018)

Os seminários eram voltados à apresentação do processo de construção do PDUI, tendo ocorrido um primeiro evento mais amplo, voltado à toda a sociedade e outro direcionado especificamente aos vereadores dos municípios metropolitanos. Vale ressaltar que o público do primeiro do primeiro seminário foi majoritariamente de acadêmicos e representantes políticos. As reuniões técnicas tiveram o objetivo de esclarecer a metodologia de elaboração do PDUI e coletar insumos para o diagnóstico, bem como estabelecer acordos e compromissos institucionais relacionados ao plano. Um dos encontros reuniu professores e pesquisadores vinculados a universidades da região e o outro foi com prefeitos e procuradores dos municípios metropolitanos. As oficinas, uma realizada junto a gestores e técnicos dos municípios da RM Cariri e outra com a população em geral visavam a identificação de desafios e a estruturação das diretrizes de ação do PDUI.

Por fim, nas audiências públicas foram apresentadas as diretrizes e as FPICs propostas para o PDUI da RM Cariri. Embora tenham sido divulgadas com antecedência, as audiências públicas não contaram com ampla participação da sociedade. À exceção da audiência realizada no município do Crato, que reuniu pouco mais de 100 pessoas, as demais contaram majoritariamente com os representantes do legislativo local, do governo do estado e, em alguns casos, do executivo municipal, com poucos segmentos da sociedade civil.

Outro elemento que merece reflexão é o fato de que todas estas atividades foram mobilizadas pelo governo do estado. Durante todo o processo, a Secretaria estadual das Cidades, assumiu o protagonismo na institucionalização metropolitana no Cariri, de maneira que a atuação dos demais atores se deu quase sempre à reboque da diretrizes e definições do órgão estadual. Mesmo após a instalação das instâncias de governança da RM Cariri, a ação dos atores locais – tanto políticos quanto da sociedade civil – continuou sendo de pouco protagonismo.

A partir do diagnóstico das potencialidades e desafios regionais, bem como da discussão e deliberação pública sobre os problemas comuns metropolitanos, foram definidas 02 FPICs prioritárias para a RM Cariri a serem trabalhadas de maneira sistemática neste primeiro PDUI. Tal priorização considerou ainda a identificação dos principais focos de ação dos programas e projetos já desenvolvidos ou demandados pelo governo estadual na Região, tendo em vista identificar, por meio das demandas e ações locais, os temas mais sensíveis a este contexto metropolitano. Com isto, consolidou-se também quais as funções públicas de interesse comum mais demandadas pela sociedade da Região.

Dois temas ganharam destaque, quais sejam: 1) o da promoção do desenvolvimento sustentável (envolvendo prioritariamente eixos de ação que englobam os temas do meio ambiente, saneamento, resíduos sólidos e recursos hídricos); e 2) o da promoção da mobilidade urbana. De acordo com o relatório diagnóstico e o plano de trabalho para a construção do PDUI, ambos elaborados pela Secretaria das Cidades do Ceará, outros temas, não menos relevantes, estão contemplados de forma transversal a partir das FPIC´s em foco (Quadro 1).

Quadro 1
FPICs, eixos estratégicos e subeixos do PDUI da RM Cariri
FPICs, eixos estratégicos e subeixos do PDUI da RM Cariri
Fonte: Secretaria das Cidades do Ceará (2018)

Como pode ser observado no Quadro 1, cada uma das FPICs priorizadas avança em eixos e subeixos de ação que serão tomados como base para a elaboração do PDUI e dos Planos Setoriais Metropolitanos, bem como para a identificação das Áreas de Interesse Metropolitano (AIMs) e o macrozoneamento da RM Cariri. Tendo em vista as disposições normativas do Decreto estadual 32.490/2018 e da Lei Complementar Estadual 180/2018, o monitoramento da elaboração e da implementação dos instrumentos oriundos do PDUI deverão ser feitos pela Instância Colegiada Deliberativa, que possui representações dos governos estadual e municipais e da sociedade civil organizada. Até o momento de finalização deste texto, o estágio de avanço do PDUI da RM Cariri encontrava-se no final da etapa 3 (Figura 1), aguardando a elaboração da minuta do Projeto de Lei para sua posterior discussão e validação pela instância colegiada deliberativa, bem como por meio de consulta pública e audiência pública regional. Após esse processo, o Projeto de Lei do PDUI da RM Cariri deverá ser encaminhado à assembleia legislativa do Ceará.

Com base na análise das ações aqui descritas, verificou-se que, entre os anos de 2017 e 2018, houve um avanço significativo na institucionalização da RM Cariri. As evidências de tal avanço são a estruturação das suas instâncias de governança e dos dispositivos de gestão metropolitana, tais como a definição das funções públicas de interesse comum prioritárias e a elaboração do plano de desenvolvimento urbano integrado. Todavia, é importante assinalar que, nos anos seguintes, observou-se um arrefecimento da discussão metropolitana em nível estadual e, consequentemente, uma paralisação nos processos de governança interfederativa, de finalização do PDUI e execução das funções públicas de interesse comum.

Dois fatores podem ter contribuído para este arrefecimento, um de ordem regulatória e outro em termos de gestão e orientação de políticas públicas. O primeiro está diretamente relacionado à promulgação da Lei Federal nº 13.683/2018, que altera o Estatuto da Metrópole (Brasil, 2018). Referida lei revogou, entre outros elementos, o Artigo 21 do Estatuto da Metrópole, que imputava improbidade administrativa ao governador ou agente público integrante da estrutura de governança interfederativa, bem como ao prefeito que não cumprissem os prazos para elaboração e aprovação do PDUI nas suas respectivas regiões metropolitanas. Uma vez retiradas as sanções ao não cumprimento do Estatuto da Metrópole por parte dos governadores e prefeitos, perdeu-se um importante instrumento de monitoramento e controle da ação dos entes federativos nesta matéria.

O outro fator diz respeito à mudança do mandato no governo estadual após as eleições de 2018 e às transições internas ocorridas. Em que pese o governo estadual eleito em 2018, e que assumiu em 2019, no Ceará seja o mesmo que já estava no poder, algumas mudanças internas, entre elas a alteração de titularidade da Secretaria estadual das Cidades, podem ter colaborado para uma mudança de orientação e inversão de prioridades em termos de política urbana e metropolitana a nível estadual.

Assim, pode-se inferir que as alterações regulatórias no âmbito federal, somadas à mudança de orientação de políticas públicas na esfera estadual, convergiram para essa paralisação do processo de institucionalização da RM Cariri. Some-se a isso ao baixo nível de engajamento por parte das gestões municipais da região no trato dos assuntos de interesse comum a nível metropolitano, seja por falta de interesse, de capacidade técnico-financeira, ou ainda de compreensão sobre os desafios, possibilidades e complexidades que permeiam a gestão compartilhada e a governança regional. Vale considerar, todavia, que há questões de ordem estrutural que também contribuem para este quadro. A situação de crise e de restrições orçamentárias por que passa o Brasil nos últimos anos, por exemplo, impõe dificuldades significativas ao avanço da cooperação interfederativa.

No momento presente, uma vez que os marcos regulatórios, arranjos de governança e dispositivos de gestão encontram-se em estágio relativamente avançado, o desafio que se coloca para a RM Cariri é o da necessária transição da metrópole institucional para a metrópole real. O protagonismo outrora assumido pela Secretaria das Cidades do Ceará, como um importante agente indutor da consolidação da metrópole regional, precisa ser paulatinamente assumido pelo conjunto dos municípios integrantes da região metropolitana, a partir da apropriação dos instrumentos, criação de convergências e ação compartilhada no território, sob o risco de que os esforços envidados no processo institucional não conduzam aos efeitos planejados, de promoção do desenvolvimento e equacionamento das assimetrias regionais.

6 Considerações finais

O objetivo central do estudo aqui apresentado foi analisar o processo de construção dos arranjos institucionais para a governança metropolitana e de definição das funções públicas de interesse comum no âmbito da Região Metropolitana do Cariri, face às transformações recentes na política metropolitana decorrentes do Estatuto da Metrópole. O exercício de observação da institucionalização da RM Cariri constituiu um importante mecanismo para atestar a relevância estratégica desta territorialidade para a promoção do desenvolvimento regional na sua área de abrangência. Em que pese a centralidade – geográfica e político-institucional – representada pelos municípios de Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte, considerável parcela dos problemas comuns identificados extrapolam os limites geográficos da conurbação e são compartilhados com os demais municípios do entorno, demandando soluções integradas.

O avanço recente na estruturação dos marcos regulatórios, arranjos de governança e dispositivos de planejamento e gestão metropolitana, em grande medida impulsionado pela pressão dos prazos definidos pela Lei nº 13.089/2015, contribuíram para que, ainda que timidamente, os governos locais e a população em geral comecem a assimilar o fato de viverem em uma região metropolitana. Todavia, convém ressaltar a necessidade de um efetivo envolvimento dos municípios com as questões inerentes à metrópole como um todo, superando as diferenças locais e atuando de modo convergente em prol do desenvolvimento regional. Outro desafio relacionado à consolidação da RM Cariri diz respeito à implementação dos instrumentos de gestão metropolitana e execução das políticas e funções públicas de interesse comum. A exequibilidade do PDUI e dos demais dispositivos de planejamento não pode prescindir de um sistema de alocação de recursos adequado às necessidades e especificidades locais e regionais. Outro elemento estratégico para esta implementação é a existência de uma estrutura técnico-operacional de suporte às ações, que demonstre capacidade de gestão e atue mais diretamente na execução das políticas metropolitanas. Estes dois últimos elementos demandam uma retomada efetiva da atuação do governo estadual, no sentido de assegurar o suporte às ações na escala regional/metropolitana.

Os resultados da pesquisa possibilitaram perceber que as determinações do Estatuto da Metrópole têm sido observadas na construção da governança e do planejamento metropolitano na RM Cariri, em que pese a já mencionada necessidade de o processo seja retomado e continuado. Algo que pode explicar isso é o fato de ser recém-criada e ainda não possuir dispositivos de gestão vigentes, diferente de outros contextos metropolitanos já consolidados, nos quais a adequação ao Estatuto da Metrópole pode provocar mudanças mais significativas no status quo. Tal constatação sugere a hipótese de que o processo histórico-institucional e o estágio de consolidação metropolitana interferem diretamente na forma como os arranjos de governança e os dispositivos de planejamento e gestão são estruturados e implementados, com efeitos para a integração regional e a efetividade das ações compartilhadas. Reforça-se a relevância de que tal hipótese possa ser testada em um estudo comparativo envolvendo regiões metropolitanas emergentes e consolidadas.

Outra demanda importante para futuros estudos é a de avançar na identificação e categorização dos elementos capazes de impulsionar a governança metropolitana, com implicações na forma de integração intermunicipal e no planejamento e execução das FPICs. Mapear os atores e grupos de interesse e investigar a forma como se articulam em torno da institucionalização metropolitana é outro tema que merece aprofundamento. Some-se ainda a preocupação com a democratização da gestão metropolitana e a necessidade de compreender as possibilidades de uma efetiva participação da sociedade na gestão destas áreas, apontando possíveis caminhos para uma gestão social dos espaços metropolitanos. Este conjunto de estudos indica a pertinência de uma agenda de estudos no campo da gestão metropolitana que avance na identificação de estratégias capazes de promover uma efetiva implementação do Estatuto da Metrópole, sobretudo no que diz respeito à gestão democrática da cidade e à promoção do desenvolvimento regional sustentável.

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