Uma análise comparativa das percepções sobre a desertificação entre habitantes das áreas rural e urbana em um município de região semiárida no Brasil
A comparative analysis of the perceptions about desertification among inhabitants of rural and urban areas in a semi-arid region municipality in Brazil
Un análisis comparativo de las percepciones sobre la desertificación entre los habitantes de las zonas rurales y urbanas en un municipio de región semiárida en Brasil
Uma análise comparativa das percepções sobre a desertificação entre habitantes das áreas rural e urbana em um município de região semiárida no Brasil
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. 3, pp. 1352-1370, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul
Recepción: 04 Noviembre 2018
Aprobación: 05 Mayo 2020
Resumo: O objetivo desta pesquisa foi fazer uma análise comparativa das percepções sobre desertificação entre a população rural e a urbana no município de Parelhas, pertencente ao Núcleo de Desertificação Seridó, localizado na região semiárida do estado do Rio Grande do Norte. Para a coleta dos dados foram aplicados formulários. Utilizou-se para a análise dos dados o teste Qui-quadrado, o teste exato de Fisher e a análise de correspondência. Os principais resultados, de modo geral, constataram que os residentes da zona urbana ouviram falar mais sobre a desertificação que os moradores da zona rural. Para este último grupo, as alterações climáticas, o aumento da temperatura, a poluição e a erosão do solo estão relacionados com a desertificação. Os respondentes consideram que o município está em processo de desertificação, enquanto a zona urbana teve associação com a resposta “Sim”, a zona rural ficou associada às alternativas “Não” ou “Não sabe”, conforme análise de correspondência.
Palavras-chave: Análise de correspondência, Seridó, Comunidades rurais, Percepção Ambiental.
Abstract: The purpose of this research was to make a comparative analysis of the perceptions about desertification among the rural and urban population in the city of Parelhas. This city belongs to the core of desertification in semi-arid region of the Rio Grande do Norte State. Forms were applied for the data collection. For data analysis the Chi-square test, Fisher exact test and correlation analysis were used. The main results, in general, show that urban residents heard more about desertification that the residents of the rural zone. For this latter group climate change, increasing temperature, pollution and soil erosion are related to desertification. The respondents consider that the municipality is in the process of desertification. The urban residents had association with the reply “yes” while the countryside residents were associated with the alternatives “not” or “doesn't know”, according to correspondence analysis.
Keywords: Correspondence analysis, Seridó, Rural communities, Environmental Perception.
Resumen: El objetivo de esta investigación ha sido hacer un análisis comparativo de las percepciones acerca de la desertificación entre las poblaciones rurales y urbanas en el municipio de Parelhas, perteneciente al Centro de Desertificación de Seridó, ubicado en la región semiárida del estado de Rio Grande do Norte. Para la recopilación de datos, se aplicaron formularios. Para el análisis de datos se utilizó la prueba Chi-cuadrada, la prueba exacta del pescador y el análisis de correspondencia. Los principales resultados, en general, encontraron que los residentes de la zona urbana escuchan más sobre la desertificación que los residentes rurales. Para este último grupo, el cambio climático, el aumento de las temperaturas, la contaminación y la erosión del suelo están relacionados a la desertificación. Los encuestados consideran que el municipio está en proceso de desertificación, mientras que el área urbana se asoció con la respuesta "Sí", la zona rural se asoció a las alternativas "No" o "No saber", según el análisis de correspondencia.
Palabras clave: Análisis de coincidencias, Seridó, Comunidades rurales, Percepción Ambiental.
1 Introdução
A evidência do fenômeno da desertificação tem suscitado discussões globais importantes acerca de suas causas e efeitos. A partir de então, buscam-se soluções para mitigar os danos socioambientais e econômicos causados, bem como o desenvolvimento de medidas preventivas para as áreas consideradas suscetíveis ao fenômeno.
De acordo com Nascimento (2013, p. 13), a Conferência de Estocolmo, em 1972, representa o primeiro momento de discussão mundial da desertificação. Cinco anos depois, esse debate foi aprofundado na Conferência da Nações Unidas sobre a Desertificação (UNCOD), em Nairóbi, Quênia. Na ocasião, reconheceu-se a desertificação como um problema ambiental desencadeador de severos custos para a sociedade. Vinte anos depois, foi incorporada e discutida essa problemática na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, conhecida como a ECO-92, na qual a definição oficial do fenômeno foi registrada no capítulo 12.2 da Agenda 21.
A definição do conceito de desertificação, segundo a Convenção das Nações Unidas para o combate à Desertificação (UNCCD), consiste em “a degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas” (NAÇÕES UNIDAS, 1994, p. 4).
Os principais países afetados pela desertificação no mundo são Portugal, Namíbia, China e Brasil (NASCIMENTO, op. cit. p. 15). No Brasil, as áreas consideradas afetadas pelo fenômeno estão localizadas nas regiões de clima semiárido e subúmido seco. Segundo o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca – PAN/Brasil, “tais espaços estão inseridos em terras dos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais” (BRASIL, 2004, p. 14). Assim, a região semiárida do Nordeste apresenta um quadro mais preocupante.
Conforme os autores Sampaio; Araújo; Sampaio (2005, p. 104),
o semi-árido [sic] Nordestino, com cerca de 1 milhão de km2, é uma das maiores áreas do mundo susceptível ao processo de desertificação. Não há dúvida que grande parte desta área vem tendo seus recursos naturais degradados pelo sistema de produção vigente. Evidências desta degradação estão presentes em quase todas as partes e, em alguns locais, são tão flagrantes que eles foram reconhecidos como núcleos de desertificação. Em geral, são locais com grandes manchas desnudas e/ou com cobertura vegetal baixa e sinais claros de erosão.
O primeiro grito de alerta sobre as possibilidades de desertificação no semiárido brasileiro foi dado por João de Vasconcelos Sobrinho que no trabalho intitulado Desertificação no Nordeste do Brasil identifica os territórios mais suscetíveis a esse fenômeno (FELIPE; ROCHA; CARVALHO, 2011, p. 56). No Rio Grande do Norte, as Áreas Susceptíveis à Desertificação – ASD, ou seja, aquelas onde o processo pode vir a ocorrer, equivalem a 95,21%, compreendendo 159 municípios dos 167 existentes (RIO GRANDE DO NORTE, 2010, p. 22). “Na referida área, 2.792,418 km² apresentam um nível de degradação muito intenso, configurando o Núcleo de Desertificação do Seridó” (Ibid. p. 28).
Seis municípios compõem o Núcleo supracitado, entre eles o de Parelhas, “que o PAN/Brasil relaciona como área piloto para investigação sobre desertificação no semiárido brasileiro” (RIO GRANDE DO NORTE, 2005, p. 15). A região Seridó, local onde o núcleo está inserido, se destaca pela concentração de empresas do ramo ceramista. De acordo com diagnóstico da indústria de cerâmica vermelha do Rio Grande do Norte, em 2013, a região possuía 99 cerâmicas; o município de Parelhas, por sua vez, se sobressai com o maior número, por possuir 33 cerâmicas das 99 existentes na região (SEBRAE/RN, 2013).
A indústria de cerâmica vermelha consome grande quantidade de matéria-prima, argila, para a produção de seus artefatos. Como fonte de combustível para a queima dos produtos cerâmicos, utiliza a lenha; esta tem gerado preocupação, pois a sua retirada irrestrita causa o desmatamento. De acordo com Trajano (2005), no município de Parelhas, a retirada indiscriminada de lenha da vegetação nativa, sem técnicas adequadas de manejo, vem provocando a redução da cobertura florestal e a exposição dos solos aos processos erosivos. A autora enfatiza ainda a extração de grande quantidade de argila pela indústria ceramista das terras dos baixios que deixa imensas crateras nos solos.
Os estudos referentes à desertificação costumam abordar aspectos como a degradação pela agropecuária, os desflorestamentos, a erosão, a salinização, os fenômenos climáticos. No entanto, a percepção do entendimento que o homem tem do meio ambiente no qual está inserido é muito necessária, pois, conforme Miranda (2011, p. 171), a subjetividade através dos estudos de percepção ambiental é de fundamental importância para compreender melhor a inter-relação entre os indivíduos e o meio ambiente, bem como suas expectativas, satisfações, julgamentos e condutas.
Tuan (1980), para responder a alguns questionamentos sobre a relação homem/meio ambiente, abordou em sua obra três temas: percepção, atitudes e valores. Na visão do autor, estes nos preparam, primeiramente, para compreendermos a nós mesmos. Ele continua,
sem a auto-compreensão [sic] não podemos esperar por soluções duradouras para os problemas ambientais que, fundamentalmente, são problemas humanos. E os problemas humanos, quer sejam econômicos, políticos ou sociais, dependem do centro psicológico da motivação dos valores e atitudes que dirigem as energias para os objetivos (TUAN, 1980, p. 1).
Assim, a percepção ambiental está relacionada com a maneira como o indivíduo vive e experiência o ambiente que habita, o que não envolve somente a natureza, mas também, como descrito por Kuhnem; Higuchi (2011, p. 250), “aspectos sociais, culturais e históricos”. Além disso, em conformidade com Miranda (2011, op. cit.), acredita-se que o estudo da percepção ambiental seja importante para que se possa compreender melhor a inter-relação entre sociedade e natureza, os espaços e as paisagens construídos a partir dessa relação, que inclui desde o aproveitamento dos recursos até a forma de convivência com os riscos e as ações de respeito para com o meio ambiente.
Partindo desses pressupostos, a pesquisa objetivou fazer uma análise comparativa da percepção sobre desertificação entre a população rural e a urbana do município de Parelhas/RN.
Área de estudo
O município de Parelhas (Figura 1) está localizado na porção centro-sul do estado do Rio Grande do Norte, na microrregião do Seridó Oriental, distante 240 km da capital Natal, e está inserido na região semiárida. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui uma área territorial de 513,507 km², a população é constituída por 20.354 habitantes, sendo 17.084 na zona urbana e 3.270 na zona rural (IBGE, 2010).
A caatinga é a vegetação predominante e o clima é semiárido. Os solos são pedregosos, “neossolos litólicos e luvissolos crômicos; no Brasil é comum a presença desses tipos de solos na região semiárida nordestina” (IBGE, 2007, p. 231). As formações geológicas consistem em rochas cristalinas, onde exploram-se minerais tais como quartzo, feldspato, columbita/tantalita, cassiterita e gemas, dentre as quais podem ser citadas berilo e turmalina (ANGELIM, 2006). Esses são importantes minerais industriais, com ampla aplicação para usos específicos, sendo que informações detalhadas podem ser encontradas em Luz e Lins (2008).
Os primórdios da economia do município passaram pelo cultivo do algodão e pela pecuária; após a crise desses sistemas, as atividades de base mineral, como a mineração e a indústria de cerâmica vermelha, principalmente, fortaleceram a economia municipal. Como descrito por Trajano (2005, op. cit.), as décadas de 1960 a 1970 representaram o apogeu da cotonicultura, o que proporcionou ao município de Parelhas uma intensificação do povoamento e o crescimento de sua economia. Em meados da década de 1980, esse sistema de produção, fundamentado no binômio algodão-gado, decaiu; buscou-se, então, como alternativa para o desenvolvimento econômico, a atividade ceramista. Atualmente, a grande maioria da população do município é detentora de emprego neste setor.
O município de Parelhas constitui-se como o principal produtor de artefatos cerâmicos do estado, usando a argila como matéria-prima e a lenha como fonte de energia; há alguns anos, a problemática da degradação ambiental local é alvo de discussões e reflexões entre as comunidades rurais e organizações governamentais e não governamentais (RIO GRANDE DO NORTE, 2005, op. cit.).
Considerando esse quadro ambiental, a pesquisa foi realizada na sede municipal e na área rural do município, compreendendo três comunidades, Santo Antônio (conhecida popularmente como comunidade Cobra), Juazeiro e Cachoeira, localizadas na área de abrangência da microbacia do rio Cobra.
Essas comunidades são bem organizadas e estruturadas, possuem escolas, creches, postos de saúde, associações de moradores, pequenos comércios e bares, energia elétrica, internet, serviços de telefonia fixa e móvel. Há também ruas pavimentadas em duas comunidades, Juazeiro e Cobra. Esta possui fábrica do setor têxtil direcionada à produção de confecção de roupas para empresas desse ramo. Juntas, as comunidades têm uma população de 1.677 pessoas, segundo dados do SIAB (Sistema de Informação de Atenção Básica) de 2014, obtidos na Secretaria Municipal de Saúde de Parelhas.
A indústria de cerâmica vermelha está presente nas três comunidades, tendo cada uma destas uma cerâmica em atividade atualmente, gerando emprego e renda; entretanto, o consumo da lenha como fonte energética e da argila como matéria-prima tem contribuído ao longo dos anos para o aumento de áreas com estágios de degradação preocupantes.
Na cidade, reside uma população de 17.084 pessoas (IBGE, 2010), distribuída em oito bairros. Há serviços de fornecimento de água, energia elétrica, telefonia fixa e móvel e internet. Para atendimento de saúde, a cidade dispõe de um hospital e uma maternidade municipais, assim como postos de assistência básica de saúde nos bairros. No que diz respeito à educação, existem escolas municipais, estaduais, uma unidade federal de ensino superior (campus do IFRN) e escolas particulares. Atualmente, as atividades econômicas compreendem o comércio, o setor de atividades de base mineral, como as empresas de mineração, de garimpagem artesanal e a cerâmica, empregando boa parte da população. Com relação ao setor agropecuário, este enfrenta dificuldades para se manter, pois são quatro anos consecutivos de seca no município. Com a escassez das chuvas, não é possível captar e armazenar água nos reservatórios, acarretando em uma diminuição na produção agrícola e nos rebanhos.
2 Material e Método
A pesquisa foi realizada nas comunidades rurais Juazeiro, Cachoeira e Cobra e na sede municipal. A técnica utilizada para a investigação e interpretação dos dados foi a aplicação de formulários; nesse caso, “o pesquisador está presente e é ele quem registra as respostas” (GIL, 2002, p. 119). Estes foram compostos por perguntas fixas. Quanto à forma, as perguntas, abrangeram as categorias abertas, as que permitem ao informante responder livremente, usando linguagem própria, e emitir opiniões; fechadas, aquelas que o informante escolhe sua resposta entre duas opções: sim . não; e de múltipla escolha, perguntas fechadas, mas que apresentam uma série de possíveis respostas, abrangendo várias facetas do mesmo assunto (MARCONI; LAKATOS, 2003). A aplicação de cada formulário, tanto na cidade quanto nas comunidades rurais, durou em média 30 minutos. Já com os ceramistas durou em média 15 minutos.
O convite para participar da pesquisa foi feito porta a porta. O participante que aceitou responder ao formulário, a princípio, assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma vez que a pesquisa foi realizada de acordo com as orientações éticas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade (CAAE 31267214.6.0000.5537, parecer nº 709.440).
Foram realizadas 74 entrevistas na zona rural e 102 na cidade, sendo no total 176. O tamanho da amostra para estimar a proporção (p) de uma população finita é dado pela equação a seguir (MARTINS, 2002). Para valores de proporção amostral desconhecidos, substitui-se P e Q por 0,5 (LEVINE; BERENSON; STEPHAN, 2000).
Onde:
N = tamanho da população
Z = abscissa da normal padrão (encontrado na tabela da normal)
P = estimativa da proporção (população desconhecida p = 0,5)
Q = 1 – P = 1 – 0,5 = 0,5
d = erro amostral
n = tamanho da amostra
Foi estabelecido um critério temporal de 20 anos de residência para participar da pesquisa, com base na hipótese de que quem reside há mais tempo no local consegue perceber melhor o ambiente vivido e as transformações ocorridas. A hipótese baseou-se no estudo de Araújo (2012), que pesquisou a percepção de moradores rurais em quatro comunidades no mesmo município; foi identificado que aqueles com 20 anos ou mais de moradia nas comunidades rurais pesquisadas (Almas, Domingas, Sussuarana II e Colonos) foram os que mais perceberam as mudanças ocorridas na paisagem.
Os formulários foram instrumentos valiosos para entender como os respondentes percebem o ambiente local, tanto na zona rural quanto na zona urbana, bem como seus entendimentos acerca da desertificação, já que o município está em uma área considerada susceptível ao fenômeno.
De posse dos dados, estes foram submetidos a testes estatísticos. Utilizou-se o teste Qui-quadrado de Person (χ²), que consiste em testar a hipótese de que duas variáveis categorizadas são independentes (VIEIRA, 1980, p. 103), e o teste de Fisher, que constitui uma técnica muito útil para analisar dados discretos (nominais ou ordinais), quando o tamanho de amostras independentes é pequeno (SIEGEL, CASTELLAN JR., 2006, p. 27). O teste Qui-quadrado de Person (χ²) e o teste exato de Fisher possuem a mesma finalidade, sendo o de Fisher utilizado quando 25% das células tiveram valores esperados inferior a 5. Aplicou-se também a análise de correspondência para verificação de associação entre variáveis.
Foi estabelecido um nível de significância (α) de 5% e 10%. Segundo Vieira (op. cit.), o nível de significância é a probabilidade de rejeitar a hipótese de nulidade (H₀) quando ela é verdadeira, ou seja, o pesquisador deve estabelecer o valor máximo da probabilidade de errar, quando diz que existe diferença entre os grupos – e essa diferença, na realidade, não existe.
Os dados obtidos foram digitados e armazenados no programa Microsoft Excel versão 2013. O banco de dados foi exportado para o software SPSS versão 20.0, o qual foi utilizado neste trabalho como principal ferramenta para fazer análises estatísticas. Utilizou-se também o programa R versão 3.1.3, e as respostas abertas foram listadas e apresentadas na forma de quadros.
3 Resultados e Discussão
Para uma população N de 1677 pessoas nas três comunidades rurais, Z = 1,645 (nível de confiança de 90%) e erro máximo de estimativa d de 10%, foi calculado o número mínimo de indivíduos da amostra n = 68. O mesmo procedimento foi utilizado para encontrar o tamanho da amostra para a cidade, obtendo também n = 68 como número mínimo de indivíduos da amostra.
A aplicação dos formulários teve como propósito conhecer a percepção dos participantes a respeito do tema desertificação. A primeira parte foi constituída por quatro perguntas sobre aspectos pessoais, tais como sexo, idade, escolaridade e tempo de residência no local. Os resultados estão descritos na tabela 1.
Verificou-se na pergunta relacionada ao sexo que a maioria na cidade (75%) e em duas comunidades rurais, Juazeiro (81%) e Cobra (70%), foi feminino, com exceção da comunidade Cachoeira, onde 52% dos respondentes foi do sexo masculino. A questão referente à faixa etária mostrou que 28% na cidade têm idades entre 25 a 35 anos, na comunidade Cachoeira esse percentual foi de 24%, em Juazeiro, 12%, e na Cobra, 6%.
As idades entre 35 e 44 anos, nas comunidades Juazeiro e Cachoeira, apresentaram percentuais iguais de 12%, enquanto na Cobra foi de 15%, já na cidade esse percentual foi de 21%. De 45 a 59 anos sobressaíram-se os percentuais de 38% na comunidade Juazeiro, 24% na Cachoeira e 18% na Cobra, na cidade 28%. As pessoas com 60 anos ou mais que responderam ao formulário foram maioria nas comunidades Cobra e Cachoeira, com percentuais de 61% e 40%, respectivamente. Na comunidade Juazeiro, esse percentual foi de 38% e na cidade, 23%.
No que diz respeito ao tempo de residência, aqueles que moram de 20 a 30 anos no mesmo local corresponderam a 40% na cidade, 57% na comunidade Juazeiro e 55% na Cobra. Na comunidade Cachoeira, esse percentual foi de 24%, já o dos participantes que disseram sempre ter morado na comunidade foi de 68%. Na cidade de Parelhas, bem como nas comunidades Juazeiro e Cobra, os percentuais concernentes à alternativa “Sempre morei aqui” foram 37%, 31% e 33%, respectivamente.
Na questão da escolaridade, dos que responderam ao formulário, verificou-se que 1% na cidade nunca foi à escola, na zona rural, apenas a comunidade Cobra apresentou percentual de 9% que não frequentaram a escola; nas três comunidades rurais, a maioria dos entrevistados concluiu o Ensino Fundamental, sendo 44% na comunidade Juazeiro, 46% na Cobra e 72% na Cachoeira. Alguns concluíram o Ensino Superior: em Juazeiro, 19%, na Cobra, 18% e em Cachoeira, 4%, enquanto na cidade de Parelhas o percentual correspondeu a 20% (tal percentual foi o mesmo para quem possui Ensino Fundamental incompleto). Prevaleceu o percentual de 31% dos participantes que concluíram o Ensino Médio na cidade.
Para detectar as associações, assim como comparar as respostas dadas pelos respondentes das comunidades rurais e da cidade, foram utilizados o teste Qui-quadrado e, em seguida, o teste de Fisher. O nível de significância estabelecido foi de 5% e 10%, ou seja, ocorreram associações a um nível de significância de 5% quando o valor p foi <0,05, e de 10% quando o valor p foi <0,10. Na Tabela 2, estão os resultados das associações encontradas para o cruzamento entre o local de residência (zona rural e zona urbana) e a pergunta “Já ouviu falar em desertificação?”.
O valor p<0,01 significa que existe associação entre o local que os respondentes residem e a questão “Já ouviu falar em desertificação?”, aos níveis de significância de 5% e 10%, ou seja, o fato de ter ouvido falar em desertificação depende do local de moradia. Para averiguar onde essas associações aconteceram exatamente, foi realizada a análise de correspondência (Figura 2).
Verifica-se na figura 2 que a resposta dos moradores da cidade de Parelhas está associada à alternativa “Sim”, isto é, já ouviram falar a respeito da desertificação, enquanto as respostas concernentes à zona rural estão associadas à “Não ou Não sabe”. Percebe-se, então, que as pessoas que moram na cidade ouviram falar mais sobre desertificação do que as residentes nas três comunidades rurais pesquisadas.
Na questão seguinte, “Através de qual meio tomou conhecimento sobre a desertificação?” (Tabela 3), observa-se que não existe nenhuma associação, aos níveis de significância de 5% ou 10%, com nenhum meio de comunicação e o local de residência. Sendo assim, o conhecimento dos respondentes tanto na zona rural quanto na zona urbana, a respeito da desertificação, independe do meio de comunicação utilizado. Com isso, estes tomaram conhecimento de maneira similar. Apesar de não existir associação entre meio de comunicação e local de residência, vale salientar que os dados da tabela 3 evidenciam que, na zona rural, comparando-se com a área urbana, as pessoas ouvem mais rádio, leem menos jornal impresso, revista e acessam menos à internet.
Houve um percentual significativo, quanto ao meio de comunicação televisão, tanto na zona rural (51,28%) quanto na cidade (58,02%). Geeson et al. (2015), em seu estudo no Vale do Agri, Itália, em um período 10 anos (2004 – 2014), verificou que em 2004 a televisão era a principal fonte de informações sobre a desertificação entre os entrevistados (estudantes, formuladores de políticas e agricultores), livros eram importantes para os estudantes (26%) e formuladores de políticas (22%), os agricultores obtinham informações de revistas (18%) e jornais (12%). Em 2014, a televisão e os jornais foram muito importantes para a obtenção de informações para todos os grupos, embora 51% dos estudantes tenham preferido usar a internet.
Para a questão “Em sua opinião, a desertificação está relacionada com o quê?” (Tabela 4), obtiveram-se os seguintes resultados: foi detectada associação a nível de significância de 5% para as alternativas “Aumento da temperatura” (p<0,01) e “Erosão do solo” (p<0,036). Para “Alterações Climáticas” (p<0,011) e “Poluição” (p<0,072), houve associação ao nível de significância de 10%. Esses quatro casos demonstram que as respostas dadas dependem do local de moradia, isto é, moradores das comunidades rurais e da cidade têm sua maneira própria de identificar com o quê está relacionada a desertificação. Não houve associação para as alternativas “Seca” e “Degradação da vegetação”.
Aplicou-se a análise de correspondência para identificar onde as associações ocorreram. Dessa forma, a zona rural está associada às respostas “Alterações climáticas” (Figura 3), “Aumento da temperatura” (Figura 4), “Erosão do solo” (Figura 5) e “Poluição” (Figura 6), enquanto a cidade está associada a outras causas.
Andrade; Silva; Souza (2014) pesquisaram as percepções sobre as variações, mudanças climáticas e as estratégias de adaptação dos agricultores familiares da região Seridó potiguar, incluindo o munícipio de Parelhas. A maioria dos entrevistados (85,9%) percebeu uma mudança na temperatura e acredita que o clima está mais quente; perceberam, ainda, alterações climáticas na região, incluindo mudanças no regime de chuvas.
Na pergunta “Você acha que o município de Parelhas está em processo de desertificação?”, houve associação entre as respostas dos moradores tanto nas comunidades rurais quanto na cidade de Parelhas, ao nível de significância de 10% (Tabela 5). As respostas “Sim”, “Não” ou “Não sabe” dependem do local de moradia.
Pode-se verificar pela figura 7 que a associação referente à questão da tabela 5 ocorreu para a cidade com a resposta “Sim” e para a zona rural com as respostas “Não” e “Não sabe”; ou seja, os moradores da cidade de Parelhas que responderam ao formulário acham que o município está em processo de desertificação, enquanto as respostas dos entrevistados das comunidades rurais ficaram associadas às alternativas “Não” ou “Não sabe”.
Os respondentes que disseram “Sim” para a pergunta da tabela 5 respondiam à seguinte: “Caso sim, o que seria o causador desse processo no munícipio?”. Com base nas respostas “Sim” dadas, os testes aplicados mostraram que não houve associação entre a cidade e as comunidades rurais com nenhuma alternativa do formulário aos níveis de significância de 5% ou 10% (Tabela 6). Assim, a resposta para o que seria o causador da desertificação no município independe do local de residência, isto é, os entrevistados da zona rural e urbana têm percepção análoga sobre o que seria o causador do fenômeno de desertificação no município.
Observa-se na tabela 6 que mais da metade dos respondentes, tanto na zona rural (59,26%) quanto na zona urbana (57,97%), indicaram a cerâmica como o causador do processo de desertificação no município de Parelhas; esse resultado pode estar relacionado com o número de cerâmicas nele existentes. Em 2008, o município possuía 28 indústrias de cerâmica vermelha (ADESE, 2008), número este que aumentou para 30 unidades produtivas em 2010 (NASCIMENTO, 2010). Em 2013, mais empresas surgiram contabilizando 33 cerâmicas (SEBRAE/RN, 2013). No ano de 2014, houve um decréscimo, conforme dados de campo dessa pesquisa que registraram 28 cerâmicas ativas, consumindo continuamente espécies vegetais (lenha), utilizadas nos fornos como combustível para a fabricação dos produtos provenientes da argila – telhas e tijolos, principalmente.
4 Conclusão
O estudo mostrou a percepção a respeito da desertificação no município de Parelhas/RN, localizado geograficamente na região semiárida do estado, em área considerada susceptível ao fenômeno. O público alvo constituinte foram moradores da cidade e de três comunidades rurais, sendo estas Juazeiro, Cachoeira e Cobra.
A maioria dos respondentes foi do sexo feminino, na cidade, 75%, Juazeiro 81%, e Cobra, 70%, já na comunidade Cachoeira, a maioria, 52%, foi do sexo masculino. A faixa etária mostrou que 28% na cidade têm idades entre 25 e 35 anos; na comunidade Cachoeira, esse percentual foi de 24%, em Juazeiro, 12%, e na Cobra, 6%. A maioria nas comunidades Cobra e Cachoeira foi de pessoas com 60 anos ou mais, com percentuais de 61% e 40%, respectivamente. Na comunidade Juazeiro, esse percentual foi de 38% e na cidade, 23%.
Os testes estatísticos aplicados mostraram que houve associações entre perguntas sobre a desertificação e o local de moradia (zona rural ou zona urbana); os gráficos de análise de correspondência confirmaram as associações mostrando onde ocorreram. Através dos resultados obtidos, foi possível fazer uma análise comparativa da percepção sobre a desertificação dos moradores no município.
A maioria dos respondentes já ouviu falar a respeito do tema, no entanto, as pessoas que residem na cidade ouviram falar mais do que as que moram na zona rural. Os moradores desta associaram a desertificação às alterações climáticas, ao aumento da temperatura, à poluição e à erosão do solo. A maioria dos respondentes considera que o município está em processo de desertificação, mas os moradores da cidade estão associados à resposta “Sim”, e os residentes na zona rural associados às respostas “Não” e “Não sabe”. Dentre os causadores do processo de desertificação no município, a indústria ceramista foi a mais indicada; a maior parte das cerâmicas está localizada na área rural, mas nas três comunidades pesquisadas também existem cerâmicas em atividade. Acredita-se que essa escolha esteja relacionada com o alto consumo dos recursos naturais locais (lenha e argila) que a atividade demanda na fabricação de seus produtos.
REFERÊNCIAS
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