Compartilhamento intergeracional e perfil de produtores rurais na atividade leiteira em Minas Gerais

Intergenerational sharing in dairy farming in Minas Gerais

El intercambio intergeneracional en la producción lechera en Minas Gerais

Ana Louise de Carvalho Fiúza
Universidade Federal de Viçosa, Brasil
Lucas Repolês Lourenço
Milk Plan Soluções Agropecuarias LTDA, Brasil

Compartilhamento intergeracional e perfil de produtores rurais na atividade leiteira em Minas Gerais

Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. Esp.2, pp. 2128-2150, 2020

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 29 Abril 2020

Aprobación: 12 Julio 2021

Resumo: O Estado de Minas Gerais permanece como o maior produtor de leite do Brasil, apesar dos entraves observáveis na sua capacidade produtiva. O presente artigo teve por objetivo analisar as características socioeconômicas e as práticas de gestão e manejo dos produtores de leite “com . sem familiar” trabalhando junto consigo na atividade leiteira. Utilizaram-se dados secundários referentes aos Censos agropecuários de 1975, 1995, 2006 e 2017 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), como também, dados primários gerados a partir de um survey aplicado a 1.611 produtores de leite. A perspectiva teórico-analítica do estudo pautou-se na concepção de prática, compreendida como habitus herdado . adquirido. Os resultados da pesquisa revelaram diferenças entre os dois grupos de produtores analisado em termos: 1) do perfil socioeconômico; 2) do tipo de mão-de-obra empregada na propriedade; 3) da faixa de produção diária de leite e, 4) da diversificação das atividades econômicas. Entretanto, o perfil tecnológico de ambos os grupos de produtores não evidenciou contrastes expressivos. Concluiu-se que, embora tenha havido redução no número de estabelecimentos que praticavam a atividade leiteira, em Minas Gerais, entre 1975 e 2017, entre os que permaneceram na atividade não se observou a falta de um familiar de outra geração trabalhando junto ao produtor. Entre estes proprietários a diversificação produtiva, principalmente, com a criação de gado de corte destacou-se.

Palavras-chave: Sucessão, Compartilhamento intergeracional, Atividade Leiteira, Minas Gerais.

Abstract: The State of Minas Gerais remains the largest milk producer in Brazil, despite the observable barriers in its productive capacity. The purpose of this article was to analyze the socio-economic characteristics and the management and management practices of milk producers “with and without family members” working together with them in the dairy industry. Secondary data referring to 1975, 1995, 2006, and 2017 agricultural census of IBGE (Brazilian Institute of Geography and Statistics), as well as primary data generated from a survey applied to 1,611 milk producers. The theoretical-analytical the perspective of the study was based on the concept of practice, understood as an inherited and acquired habitus. The research results revealed differences between the two groups of producers analyzed in terms of 1) the socioeconomic profile; 2) the type of labor employed on the property; 3) the range of daily milk production and, 4) the diversification of economic activities. However, the technological profile of both groups of producers did not show significant contrasts. It was concluded that, although there was a reduction in the number of establishments that practiced the dairy activity, in Minas Gerais, between 1975 and 2017, among those who remained in the activity there was no lack of a family member of another generation working with the producer. Among these owners, productive diversification, especially with the breeding of beef cattle, stood out.

Keywords: Succession, Intergenerational sharing, Dairy activity, Minas Gerais.

Resumen: El Estado de Minas Gerais sigue siendo el mayor productor de leche de Brasil, a pesar de las barreras observables en su capacidad productiva. El propósito de este artículo fue analizar las características socioeconómicas y las prácticas de manejo y manejo de los productores de leche “con y sin familiares” trabajando junto a ellos en la industria láctea. Datos secundarios referidos al censo agropecuario de 1975, 1995, 2006 y 2017 del IBGE (Instituto Brasileño de Geografía y Estadística), así como datos primarios generados a partir de una encuesta aplicada a 1.611 productores de leche. La perspectiva teórico-analítica del estudio se basó en el concepto de práctica, entendida como un habitus heredado y adquirido. Los resultados de la investigación revelaron diferencias entre los dos grupos de productores analizados en términos de: 1) el perfil socioeconómico; 2) el tipo de trabajo empleado en la propiedad; 3) el rango de producción diaria de leche y, 4) la diversificación de actividades económicas. Sin embargo, el perfil tecnológico de ambos grupos de productores no mostró contrastes significativos. Se concluyó que, si bien hubo una reducción en el número de establecimientos que practicaban la actividad láctea, en Minas Gerais, entre 1975 y 2017, entre los que permanecieron en la actividad no faltó un familiar de otra generación trabajando con el productor. Entre estos propietarios destacó la diversificación productiva, especialmente con la cría de ganado vacuno.

Palabras clave: Sucesión, Intercambio intergeneracional, Actividad láctea, Minas Gerais.

1 Introdução

A questão da sucessão nas propriedades rurais, de uma forma geral, e nas propriedades leiteiras, de uma forma específica, vem sendo tratada como um problema pelas políticas públicas e, também, por muitos estudiosos da sociologia rural (CARNEIRO, 2001; SACCO DOS ANJOS, CALDAS 2004; BOSCARDIN, CONTERATO, 2017). No entanto, seria a sucessão a questão central a ser investigada a fim de se compreender a forma como vem se estabelecendo a continuidade da atividade leiteira na atualidade? Os estudos citados anteriormente, além de tantos outros, vêm apontando as mudanças nos padrões estabelecidos culturalmente relativos à herança da terra e da sucessão na propriedade rural. Tais estudos apontam que a escolha do filho mais novo como sucessor, assim como a exclusão das filhas mulheres até mesmo como herdeiras da terra, vem dando lugar aos novos imperativos da vida moderna, tais como as questões relacionadas aos direitos igualitários entre os filhos. Todavia, a questão que se procura discutir neste artigo se foca de forma mais direta nas práticas que estão sendo implementadas para assegurar a continuidade da atividade leiteira nas propriedades rurais, mais do que sobre os padrões sucessórios. Claro, que a identificação dos envolvidos na atividade leiteira, bem como a compreensão das suas estratégias de gestão possibilitarão perceber de que forma a continuidade das propriedades leiteiras está se estruturando. Este artigo apresentará de forma específica a situação das propriedades leiteiras em Minas Gerais.

Segundo os dados divulgados no anuário de leite da Embrapa, existiam 223 mil produtores rurais atuando na atividade leiteira em Minas Gerais, em 2018. Segundo a EMBRAPA (2018), este contingente de produtores de leite exibe, contudo, uma clara estagnação em termos da sua capacidade produtiva, a qual encontrava-se em torno de 1.909 litros/vaca/ano, muito abaixo dos 3049 litros/vaca/ano alcançado pelos produtores rurais dos estados do sul do país. Assim, entender a forma como os cerca de 1,2 mil de trabalhadores envolvidos com a atividade leiteira em Minas Gerais vêm desenvolvendo as suas práticas de trabalho e de gestão, bem como quais são as suas expectativas e projeções em torno da atividade leiteira se torna muito relevante para se compreender o futuro da atividade leiteira em Minas Gerais. O estado continua liderando o ranking nacional de produção de leite, com 8,9 bilhões de litros de leite/ano. Todavia, nota-se grande heterogeneidade no setor, em termos de: tamanho dos estabelecimentos; sistema de ordenha; tipo de gestão; práticas de nutrição do rebanho; assim como a qualidade genética e os aspectos referentes à sanidade do mesmo, tal como constataram as pesquisas realizadas em Minas Gerais pelo INAES (2010) e EMBRAPA (2018).

O presente artigo teve por objetivo analisar as características socioeconômicas e as práticas de gestão e manejo dos Produtores de leite “com e .em familiar” trabalhando junto consigo na atividade leiteira, doravante denominados de forma abreviada como: “com familiar” e “sem familiar”. O estudo está estruturado com um “referencial teórico”, apresentado a seguir, o qual se fundamenta na teoria da prática de Bourdieu, com destaque para o conceito de habitus. Em seguida, a “seção material e métodos” expõe a perspectiva metodoloógica adotada no estudo, a qual se ancorou em uma estratégia comparativa, que contrapôs as práticas produtivas e de gestão de produtores de leite que contavam com a presença de familiar de outra geração com aqueles que não a tinham. A sessão referente aos “resultados e análises”, calcou-se em apresentar dados extraídos dos Censos agropecuários de 1996, 2006 e 2017 realizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Utilizou-se, também, neste estudo, dados secundários de um urvey aplicado diretamente aos produtores de leite de seis diferentes realidades regionais do Estado de Minas Gerais. A última parte do artigo destaca as principais conclusões do estudo.

2 Referencial Teórico

A introdução de novas tecnologias e formas de gestão da propriedade, sem dúvida acentuam esta heterogeneidade entre os produtores de leite, pois atuam sobre a forma de agir e pensar dos produtores, no seu modo de vida, ou seja, no seu habitus produtivo, consolidado através de um longo processo de socialização construído na família. O uso de uma nova tecnologia transforma a dinâmica da propriedade, e muda as práticas de trabalho, deslocando as relações sociais e afetando o “habitus” dos produtores, ou seja, muda a sua visão de mundo e consequentemente seu modo de vida. Modificam a rotina da propriedade e, também, a vida dos produtores, ou seja, muda o “habitus” dos agricultores. “Habitus”, segundo BOURDIEU (1996), é um conjunto de disposições adquiridas, que envolve a visão de mundo, que pode ser definida como a disposição do ser para agir, e as práticas, que englobam o trabalho produtivo e as relações interpessoais e sociais. Segundo STERNE (2003), que baseou o seu estudo da tecnologia nos trabalhos de Bourdieu, as tecnologias se constituem em prática socialmente consolidadas, ou seja, a adoção de tecnologias pode ser vista de forma similar a outros tipos de práticas sociais que se repetem ao longo do tempo. Assim, analisar a continuidade da atividade leiteira através das gerações envolve compreender a forma como vão sendo incorporadas novas práticas tecnológicas, de gestão e de manejo do rebanho pelos produtores rurais ao longo das gerações.

As práticas do produtor revelam a sua disposição para agir e expressam a sua visão social de mundo. Sobreviver em um Mercado competitivo como o de leite exige capacidade de produzir com eficiência e a baixo custo. Incorporar uma racionalidade produtiva voltada para o Mercado exige que o produtor tenha conhecimento da atividade tanto em termos tecnológicos como administrativa. Esta conduta permite que ele possa combinar recursos e compensar o preço de venda. No entanto, o acesso e a incorporação de tecnologia para os pequenos produtores apresentam como principal barreira a sua visão social de mundo. Grande parte dos mais de 3 milhões de estabelecimentos rurais de pequeno porte, existentes no Brasil, não se pauta pelos imperatives econômicos, mas pela tradição herdada da família. A pecuária de leite em Minas Gerais, segundo o demonstram os estudos de Santos (2019) e Lima et al (2020) está fortemente alicerçada em habitus familiars passados de geração a geração. A adoção de práticas tecnológicas pautadas pela racionalidade científica encontra muitos limites, em virtude de, segundo Santos (2019), se situar dentro de um quadro de referências valorativas mais amplo dentro do qual a própria perspectiva acerca da função da atividade produtiva para a reprodução social da família se situa.

Assim, as práticas desenvolvidas pelos produtores de leite estão circunscritas ao contexto socioeconômico no qual a atividade leiteira cumpre um papel. Interiorizar práticas produtivas marcadas pela racionalidade econômica pressupõe, portanto, adequar os valores, as referências e as perspectivas que o produtor de leite possui acerca da sua atividade. As escolhas adotadas pelo produtor de leite para uma determinada ação, consiste não só numa perspectiva individual, mas, também, social. Deste modo, as suas práticas estão em constante relação com o processo de internalização do contexto social no qual o produtor está inserido. A percepção das posições sociais ocupadas pelos seus iguais referendará o habitus do seu grupo social.

O presente estudo adota como perspectiva de análise o enfoque em dados voltados para a compreensão da continuidade da atividade leiteira entre gerações diferentes. A perspectiva da sucessão familiar foi preterida, em função dela, muitas vezes, interpretar e reconhecer a existência de sucessor a partir de parâmetros tradicionais, tais como aquele que reconhece o sucessor quando existe pelo menos um filho que vai viver no meio rural, na casa paterna ou próxima a ela, cuidando da propriedade e dos pais idosos. A opção pela perspectiva da continuidade da atividade leiteira entre gerações diferentes já incorpora uma perspectiva mais dinâmica em termos da compreensão da relação campo-cidade. Nesta perspectiva, a dinâmica de deslocamento entre estes espaços de forma rotineira, permitiria que a continuidade da atividade leiteira se efetivasse, inclusive, através da moradia citadina dos filhos ou parentes que darão continuidade a atividade leiteira, mesmo não vivendo na propriedade rural. Esta realidade do deslocamento pendular entre o campo e a cidade tem sido evidenciada por muitos estudos, tais como os realizados por ALLEN (2010), SALVATI, CARLUCCI (2016), ZAMBON et. al. (2017), SILVEIRA, BRANDT, FACCIN (2018), COUTINHO, FIÚZA (2019), dentre outros. Por fim, a perspectiva da continuidade da atividade leiteira se constituiu na opção adotada neste estudo, em função da mesma permitir, sobretudo, perceber, de forma específica, a prática do produtor de leite, a sua racionalidade produtiva. Para tanto se procurou comparar dois grupos de produtores: os que apresentavam pelo menos uma pessoa da família de geração diferente a do produtor, envolvida com a realização das atividades leiteiras e aqueles em que esta situação não se manifestava.

3 Material e métodos

A fim de compreender a forma como está se efetivando a continuidade da atividade leiteira em Minas Gerais, o presente estudo recorreu aos dados secundários referentes aos Censos Agropecuários de 1975, 1995, 2006 e 2017, fornecidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a fim de descrever as características socioeconômicas dos produtores. Extraiu-se dos referidos Censos informações referentes ao: 1) número de estabelecimentos agropecuários em Minas Gerais (MG); 2) área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários de MG; 3) tamanho dos estabelecimentos agropecuários de MG; 4) tipo de força de trabalho utilizadas nos estabelecimentos agropecuários de MG; 5) uso de tecnologia (número de tratores) em MG; 6) pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários em MG.

Utilizou-se, também, na pesquisa dados primários gerados a partir de um survey aplicado a 1.611 (hum mil, seiscentos e onze) produtores de leite, levantando dados referentes às seguintes variáveis: 1) idade do produtor de leite “sem e com familiar”; 2) escolaridade dos produtores de leite “sem e com familiar”; 3) acesso às tecnologias da informação; 4) mão-de-obra empregada nas propriedades leiteiras; 5) número de pessoas envolvidas no manejo do rebanho; 6) faixa de produção diária de leite; 7) atividades produtivas desenvolvidas na propriedade; 8) perfil tecnológico dos produtores de leite; 9) características do rebanho; 10) práticas de gestão do rebanho e; 11) administração financeira da propriedade.

Quadro 1
Procedimentos metodológicos adotados na pesquisa
Fase I: Dados dos Censos agropecuários (1975, 1995, 2006 e 2017Fase II: Dados do Survey com os produtores de leite
1- número de estabelecimentos agropecuários em Minas Gerais; 2- área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários de Minas Gerais; 3- tamanho dos estabelecimentos agropecuários de Minas Gerais; 4- tipo de força de trabalho utilizadas nos estabelecimentos agropecuários de Minas Gerais; 5- uso de tecnologia (número de tratores) em Minas Gerais; 6- pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários em Minas Gerais. Caracterização sociodemográfica do perfil dos produtores de leite que permaneceram na atividade ao longo das últimas quatro décadas (1975-2017)1-idade do produtor de leite sem e com familiar de outra geração trabalhando na atividade leiteira; 2- Escolaridade dos produtores de leite sem e com familiar de outra geração; 3- acesso às tecnologias da informação; 4- mão-de-obra empregada nas propriedades leiteiras; 5- número de pessoas envolvidas no manejo do rebanho; 6- faixa de produção diária de leite; 7- atividades produtivas desenvolvidas na propriedade; 8- perfil tecnológico dos produtores de leite; 9- características do rebanho;10- práticas de gestão do rebanho;11- administração financeira da propriedade. Descrição das práticas produtivas e de gestão dos produtores de leite com e sem a presença de familiar de outra geração.
Fonte: Pesquisa “Compartilhamento intergeracional na atividade leiteira em Minas Gerais”, 2020.

Os dados primários analisados neste estudo foram gerados a partir da demanda de laticínios que buscavam se adequar à Instrução Normativa 77 de 26 de novembro de 2018, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), publicada no DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (2018). A referida Instrução Normativa estabeleceu critérios para a produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção oficial. Com base nesta normativa os laticínios ficaram obrigados a elaborar um Plano de Qualificação de seus Fornecedores de Leite. Desta forma, a Empresa Milk Plan, vinculada ao TecnoParque da Universidade Federal de Viçosa (UFV), ao receber a demanda de laticínios de diferentes regiões de Minas Gerais, que a contratam para a realização do referido Plano de Qualificação de seus Fornecedores de Leite, levanta dados que subsidiam, de forma anônima, diferentes pesquisas desenvolvidas por vários Departamentos da UFV.

O survey apresentado nesta pesquisa foi realizado em parceria com a empresa MilkPlan, em 11 municípios localizados em seis regiões produtoras de leite de Minas Gerais: 1) Juiz de Fora (Bom Jardim de Minas, Santa Rita de Jacutinga e Andrelândia); 2) Barbacena (Lagoa Dourada); 3) Varginha (Passos); 4) Pouso Alegre (Carmo de Minas, Virgínia, Passa Quatro, Baependi); 5) Uberaba (Itapagipe); 6) Patos de Minas (Varjão de Minas). A amostragem foi por adesão espontânea do produtor à pesquisa, estando vinculada a sua participação no Programa de Assistência Técnica prestado pela Empresa MilkPlan. Todos os produtores pesquisados recebiam assistência técnica da empresa. O survey constou de sessenta questões, as quais abarcaram: 1) idade do produtor de leite “sem e com familiar”; 2) Escolaridade dos produtores de leite “sem e com familiar”; 3) acesso às tecnologias da informação; 4) mão-de-obra empregada nas propriedades leiteiras; 5) número de pessoas envolvidas no manejo do rebanho; 6) faixa de produção diária de leite; 7) atividades produtivas desenvolvidas na propriedade; 8) perfil tecnológico dos produtores de leite; 9) características do rebanho; 10) práticas de gestão do rebanho e; 11) administração financeira da propriedade. O survey foi aplicado pelos técnicos que realizavam as visitas às propriedades assistidas, após os mesmos terem passado por um treinamento a fim de padronizar procedimentos. Assim, algumas das respostas contaram, também, não apenas com a resposta do(a) produtor(a), mas com as observações feitas in locu pelo técnico.

O estudo utilizou, portanto, de uma abordagem mista entre métodos de analyses quantitativos e qualitativos (observação direta), podendo, assim, ser classificada como uma pesquisa descritivo-analítica. Os métodos mistos se referem à coleta e análise de dados quantitativos e qualitativos em um único estudo, em que as informações são coletadas de forma concomitante ou sequencial (CRESWELL et al., 2015). A utilização de métodos mistos, segundo Gray (2016), permite que os pesquisadores generalize suas análises a partir de uma amostra ou população, proporcionando uma visão mais rica e contextual do fenômeno a ser pesquisado. O percurso metodológico apresentou duas etapas complementares, primeiramente, a pesquisa com os dados secundários dos Censos Agropecuários do IBGE e, posteriormente, a pesquisa com dados gerados a partir da aplicação do survey e das observações feitas em campo.

Após o levantamento dos dados, procedeu-se à tabulação dos mesmos por meio da estatística descritiva, em um delineamento de pesquisa tipo Survey que permitiu a descrição e sumarização das informações coletadas. Para tanto empregou-se uma Análise Exploratória de Dados (AED) para obtenção de um diagnóstico descritivo simples e objetivo sobre as variáveis. De acordo com Triola (2005), a AED é um processo de uso das ferramentas estatísticas, tais como gráficos, medidas de centro e medidas de variação para investigar conjuntos de dados com o objetivo de compreender e descrever suas características importantes antes da aplicação das técnicas estatísticas. Durante a realização deste procedimento, é possível obter uma visão panorâmica sobre os dados, o que permitiu compreender a relação existente entre as variáveis analisadas e identificar dados faltosos e outliers.

4 Resultados e Análises

4.1 Perfil socioeconômico

A primeira constatação que chamou a atenção nos resultados do survey aplicado aos 1611 produtores de leite de Minas Gerais foi sobre a pergunta referente à existência ou não de sucessor na família. Embora na análise deste estudo não tenhamos adotado esta categoria de análise, “successor”, ela foi utilizada pelos técnicos que aplicaram o survey. Dos 1611 produtores entrevistados, 622 deixaram de responder a esta pergunta. A dificuldade em tratar o tema da sucessão familiar já foi apontada em vários estudos: CARNEIRO (2001), SPANEVELLO, LAGO (2008), COSTA, BEZERRA, MENDONÇA (2012), dentre tantos outros. Em decorrência disto, o total de respostas analisadas ficou circunscrito às informações fornecidas pelos 989 produtores que responderam à questão da sucessão ou cuja presença do mesmo tenha sido observada pelos técnicos durante as assistências técnicas prestadas aos produtores de leite.

Constatou-se, então, que entre os 989 produtores de leite que responderam a esta questão, 86,1% deles, correspondendo a 852 produtores, realizavam a atividade leiteira com membros da família, sendo este(s) de uma geração mais nova que a sua. Em apenas 13,9% dos casos, correspondendo a 137 propriedades observou-se a inexistência deste laço de continuidade da realização da atividade leiteira dentro da família. Este dado vai na contramão dos resultados encontrados nas pesquisas realizadas por Bianchini (2010), Cassaro (2016), Spanevello, Drebes (2017), dentre outros, que constataram problemas na sucessão familiar nos estabelecimentos agropecuários por eles estudados.

Interpretar a forma como vem se efetivando a continuidade da atividade leiteira nas propriedades rurais exige que tal análise seja realizada face a um conjunto mais amplo de características relativas: à propriedade, ao produtor, às tecnologias da informação a que ele tem acesso (internet, redes sociais), às tecnologias produtivas que ele adota na atividade, à renda auferida na atividade. Características relativas ao contexto regional no qual a propriedade está situada, também são cabíveis, tais como: a existência de laticínios na localidade ou na região, a infraestrutura de acesso à propriedade, dentre outras informações que possam contribuir para a compreensão da forma como vem se efetivando a continuidade da atividade leiteira em Minas Gerais.

Para se compreender a forma como vem se efetivando a continuidade da atividade leiteira em Minas Gerais, é necessário compreender a forma como os estabelecimentos agropecuários, de uma forma mais ampla, vêm se reproduzindo. Ao se observar os dados dos Censos agropecuários de 1975 a 2017, percebe-se que houve um aumento progressivo no número de estabelecimentos agropecuários: 1975 (462.879); 1995 (496.258); 2006 (536.789), chegando a 2017 com (607.557). Este aumento no número de estabelecimentos rurais veio acompanhado da diminuição da área total ocupada pelos mesmos: 1975 (44,62 milhões de ha); 1995 (40,81 milhões de ha), 2006 (33,08 milhões de ha), esboçando um pequeno aumento em 2017 (38,16 milhões de ha). Esta tendência de crescimento do número de estabelecimentos rurais com menos de 10 ha foi constatada no estudo feito pelo INAES (2010).

Observando-se, portanto, de forma específica, os Censos de 2006 e de 2017 percebe-se que houve uma recuperação em relação a área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários, ainda que a mesma não tenha alcançado a extensão da década de 1970. Mas, se a área dos estabelecimentos agropecuários diminuiu de 1975 para 2017, o número de estabelecimentos aumentou, ao contrário do estudo realizado por SILVA e ESTEVAM (2013), bacia leiteira de Piracanjuba – Go e de JIMÉNEZ-JIMÉNEZ (2011) relativo à realidade do México face aos efeitos da globalização sobre os produtores de leite. Ao se observar os Censos de 1975 a 2017, nota-se que foi sendo retratado, censo a censo, um processo de fragmentação dos estabelecimentos agropecuários. Este aspecto pode influenciar tanto no perfil dos que continuam na atividade, quanto na própria forma como a atividade leiteira vai sendo desenvolvida, principalmente, em termos tecnológicos. Observa-se, na tabela 01, que no estrato referente aos estabelecimentos agropecuários com menos de 10 ha houve um aumento na ordem de 49,43%. Ou seja, quase dobrou o número de estabelecimentos agropecuários com menos de 10 ha em MG.

Este dado aponta para um claro processo de fragmentação dos estabelecimentos agropecuários, o qual passa, com certeza, pela divisão da terra entre os herdeiros, como demonstrou o estudo de SANTOS e BEVILACQUA (2019). No segmento entre 10 a 100 ha o aumento no número de estabelecimentos agropecuários foi bem menos expressivo, ficando na ordem dos 13,33%. Já os estabelecimentos agropecuários entre 100 a menos de 1000 ha apresentaram decréscimo, quando se comparam os dados de 1975 com 2017: menos 22,37% estabelecimentos, embora os censos de 2006 para 2017 tenham evidenciado um crescimento no número de estabelecimentos deste estrato na ordem de 10,44%. O mesmo aspecto foi observado no segmento dos estabelecimentos agropecuários acima de 1000 ha, em relação ao censo de 1975 houve um decréscimo no número de estabelecimentos na ordem de 23,09%, embora tenha havido um aumento deste percentual do Censo de 2006 para o de 2017 de 15,38%. A tabela 01, apresentada a seguir, detalha, portanto, esta dinâmica do tamanho dos estabelecimentos agropecuários, segundo estratos de áreas diferentes.

Tabela 01
Percentual de estabelecimentos agropecuários, por tamanho, nos censos de 1975 a 2017, em Minas Gerais
Tamanho dos estabelecimentos-MGCensosAgropecuários
1975199520062017
Menos de 10 ha129.826 28,04%169.638 34,18%235.701 43,90%256.753 42,26%
10 a menos de 100 ha244.428 52,80%246.286 49,62%239.697 44,65%282.028 46,42%
100 a menos de 1000 ha83.196 17,97%75.805 15,27%57.840 10,77%64.583 10,63%
1000 ha e mais5.452 1,17%4.529 0,91%3.548 0,66%4.193 0,69%
Total100%100%100%100%
Fonte: Censos agropecuários do IBGE, 1975, 1995, 2006 e 2017.

Os dados da tabela 01 apresentaram, assim, uma clara tendência de aumento entre os estabelecimentos com menos de 100 ha e de diminuição entre os que apresentavam uma área com mais de 100 ha, ainda que na última década esta tendência tenha se revertido positivamente em relação aos estabelecimentos agropecuários de maior área. Ou seja, o aumento do número de estabelecimentos agropecuários de menos de 100 ha e, sobretudo, de menos de 10 ha, pode ter tido efeitos para a dinâmica reprodutiva das 223 mil propriedades leiteiras de Minas Gerais. Os dados relativos à força de trabalho utilizadas nos estabelecimentos agropecuários mineiros retratados nos censos de 1975 a 2017 já permitem perceber a tendência ao crescimento da tecnificação que foi ocorrendo nestas propriedades. Ao se observar, única e exclusivamente, os dados relativos ao número de tratores nos estabelecimentos agropecuários em Minas Gerais já é possível notar que o mesmo aumentou quatro vezes, apresentando um crescimento de 76,24%. Em Minas Gerais, a tendência a maior tecnificação dos estabelecimentos se manifestou em concomitância com a tendência de manutenção do número de pessoas trabalhando no meio rural. Observou-se que de 2006 a 2017 não houve redução significativa no número de pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários: 1975: 2.189.945; 1995: 2.000.046; 2006: 1.896.937, chegando em 2017 a 1.836.000. Em contrapartida a tecnificação foi aumentando gradativamente, basta ver o crescimento do número de tratores ao longo das décadas: 1975: 22.685; 1995: 89.667; 2006: 92.043; chegando em 2017 a 97.548.

No que diz respeito exclusivamente ao Censo de 2017, destaca-se que dentre as 1.836.000 de pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários, 65,5% apresentavam laços de parentesco entre si. Trata-se, pois, de uma agricultura predominantemente familiar, tal como o constatado, também, por VILELA e RESENDE (2014), em relação ao sul do Brasil. Em Minas Gerais, aproximadamente 1,2 milhões de produtores rurais atuavam com atividade leiteira: 34,64%, como retratado, também, no diagnóstico realizado pelo INAES (2010). Mais da metade destas 1.836.000 pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários mineiros encontrava-se na faixa etária acima dos 55 anos: aproximadamente 52,9%. Todavia, um percentual expressivo das pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários está abaixo dos 55 anos, 47%, indicando uma clara divisão em termos de pessoas de gerações diferentes atuando nos estabelecimentos agropecuários mineiros.

Para além da análise do contexto mais macro, referente aos Censos Agropecuários, o presente estudo, também, trabalhou com dados primários. Adotou-se, nesta etapa da pesquisa, uma perspectiva comparativa entre aqueles produtores que apresentavam um compartilhamento intergeracional na realização das atividades leiteiras e aqueles que a realizavam sem o acompanhamento de outros membros da família pertencentes a uma geração diferente da sua. Ao se observar os dados apresentados na tabela 02, nota-se que entre os produtores de leite “com familiar”, a média de idade é mais baixa que entre os que não possuem.

Tabela 02
Idade do produtor de leite sem e com familiar de outra geração trabalhando na atividade leiteira
IDADEProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
De 25 a menos de 35 anos2,2%-
35 a menos de 45 anos10,8%11,7%
45 a menos de 55 anos22,4%28,5%
de 55 a menos de 65 anos32,5%23,9%
de 65 anos e mais13,7%6,8%
Não respondeu18,4%29,1%
Média de Idade60,4 anos53,2 anos
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Ao se observar, na tabela 03, a escolaridade de ambos os grupos, “com e sem familiar” na atividade leiteira observa-se que os percentuais mais baixos e mais altos de escolaridade dizem respeito aos produtores “sem familiar”. Todavia, o percentual relativo a menor escolaridade foi o dobro daqueles com maior escolaridade. Ou seja, o menor tempo de escolaridade foi maior entre os produtores “sem familiar” que entre os produtores “com familiar”. Entre estes últimos percebeu-se uma tendência a uma escolaridade mediana, visto que 66,2% possuíam entre 8 e 11 anos de estudos.

Tabela 03
Escolaridade dos produtores de leite sem e com familiar de outra geração
ESCOLARIDADEProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Ensino Fundamental Incompleto (Menos de 8 anos de estudo)54 (36,2%)213 (26,9%)
Ensino Fundamental completo (Pelo menos 8 anos de estudo)32 (21,5%)282 (35,6%)
Ensino Médio Incompleto (Mais de 8 e menos de 11 anos de estudo)9 (6%)85 (10,7%)
Ensino Médio Completo (11 anos de estudo)27 (18,1%)158 (19,9%)
Entre 8 e 11 anos de Estudo)68 (48,6%)525 (66,2%)
Ensino Superior Incompleto (Mais de 11 anos de estudo)2 (1,3%)11 (1,4%)
Ensino Superior Completo (Mais de 11 anos de estudo)20 (13,4%)41 (5,2%)
Pós-Graduação (Mais de 11 anos de estudo)5 (3,4%)3 (0,4%)
Mais de 11 anos de estudo27 (18,1%)55 (7%)
Total149793
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Assim, entre os produtores de leite “com familiar” o grau de escolaridade mediano, entre 8 e 11 anos, foi aquele que predominou. BORSANELLI, et al (2014) constataram no estudo que realizaram com produtores de leite em municípios paulistas que o nível de escolaridade apresentava relação com as práticas tecnológicas aplicadas no manejo do rebanho. Desta forma, pode-se esperar que entre os produtores “com familiar”, os quais apresentam maior nível de escolaridade, o nível tecnológco seja melhor. Juntamente à escolaridade, o acesso à informação se constitui em um fator facilitador para a atualização profissional. Quanto a este quesito, observa-se, na tabela 04, um menor percentual de produtores de leite sem acesso à internet entre aqueles “com familiar”. Observa-se, ainda, neste grupo, uma maior diversidade de uso de redes sociais (whatssap, Instagram, dentre outras), quando comparado ao grupo dos produtores de leite “sem familiar”.

Tabela 04
Acesso à internet e redes sociais do produtor de leite com e sem familiar de outra geração
Acesso à Internet e redes sociaisProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Pelocomputador4 (2,6%)21 (2,6%)
PeloCelular86 (56,6%)588 (72,3%)
Semacesso à internet62 (40,8%)204 (25,1%)
Whatssap82 (53,9%)389 (47,8%)
Facebook3 (2%)1 (0,1%)
Instagram0 (0%)1 (0,1%)
Outrasredessociais1 (0,7%)168 (20,7%)
Sem acesso a rede social66 (43,4%)254 (31,2%)
Total152813
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Desta forma, no que diz respeito às descrições relativas ao perfil socioeconômico dos produtores de leite percebemos, portanto, a existência de diferenças significativas entre o grupo “com” e o “sem familiar”. Tais diferenças foram observadas na média de idade, na escolaridade e no acesso à informação. Mas este perfil socioeconômico diferenciado entre os dois grupos de produtores de leite (com e sem familiar) se traduzirá, também, em termos das práticas produtivas e das formas de gestão?

4.2 Perfil produtivo dos produtores de leite

Em termos de mão de obra empregada nas propriedades leiteiras o perfil foi o seguinte: 1) Propriedades de leite “sem” familiar: 1.1) “mão de obra exclusivamente familiar”- 91 propriedades (51,7%); 1.2) “propriedades patronais com mão de obra contratada” – 49 propriedades (27,8%) e 1.3) “propriedades com administração familiarcom mão de obra contratada” – 36 propriedades (20,5%), de um total de 176 propriedades. 2) Propriedades de leite “com” familiar: 2.1) “mão de obra exclusivamente familiar” – 647 (77%); 2.2) “mão de obra contratada em propriedades patronais” 109 (13%); e 2.3) “mão de obra contratada em propriedades com administração familiar” – 84 (10%). Ao se observar de forma mais atenta o tipo de mão de obra predominante em ambos os grupos de produtores, nota-se que entre os produtores rurais “com familiar”, o percentual que utiliza apenas mão de obra familiar foi 25,3% maior que entre os que “sem familiar”. Percebe-se tabela 05, relativa ao número de pessoas ocupadas na atividade leiteira, o predomínio de até duas pessoas, em ambos os grupos de produtores, tanto entre os “semfamiliar”, como entre os “com familiar”. Ou seja, este dado parece apontar mais diretamente para o fato de que existe um número mínimo de pessoas necessárias para desenvolver a atividade leiteira, o qual está relacionado às exigências práticas de realização da atividade, como, também, das normativas institucionais relativas a ela, como constataram OLIVEIRA e SILVA (2012).

Tabela 05
Número de pessoas envolvidas no manejo do rebanho em propriedade de produtores sem e com familiar de outra geração
N. de pessoas envolvidas no manejo do rebanhoProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Não informou-2 (0,2%)
1 pessoa84 (47,7%)363 (43,3%)
2 pessoas75 (42,6%)397 (47,4%)
3 ou mais pessoas17 (9,7%)76 (9,0%)
Média1,7 pessoas1,8 pessoas
Total176838
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

A grande maioria dos produtores de leite, “com e sem familiar” tinha a sua produção compreendida na faixa inferior a 300 litros/dia. Entre os produtores “com familiar” este percentual ainda foi maior: 66,4% contra 83,02%. Ou seja, entre os produtores “com familiar” o percentual daqueles que produziam mais de 300 litros/dia não chegava a 20% dos produtores de leite. A tabela 06 permite observar que os produtores de leite mais produtivos estavam situados entre os produtores “sem familiar”, justamente, o grupo caracterizado por uma média de idade maior, por menor escolaridade e menor acesso a informação digital.

Tabela 6
Faixa de produção diária de leite em propriedades de produtores sem e com familiar de outra geração
Faixa de produção diária de leiteProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
0-menos de100 litros42 (27,6%)327 (39%)
101 a menos de 300 litros59 (38,8%)348 (41,5%)
301 a menos de 500 litros27 (17,8%)96 (11,5%)
501 a menos de 1000 litros17 (11,2%)56 (6,7%)
1001 a menos de 2000 litros7 (4,6%)3 (0,4%)
Total152813
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Mas a que se deveria esta maior produção de leite entre os produtores “sem familiar”? A bibliografia especializada no tema aponta justamente no sentido contrário: aqueles produtores com maior nível de escolaridade, maior acesso a informação e com média de idade mais baixa, são apontados como apresentando maior nível de produtividade. Esta questão merece, portanto, uma análise mais ampla, abarcando não apenas a análise de uma variável isolada, como a produtividade na atividade leiteira, mas, antes, a estratégia adotada pelo produtor para a geração de renda no seu estabelecimento agropecuário e mesmo fora dele. Neste aspecto, ao se observar a tabela 07, que apresenta as outras atividades produtivas desenvolvidas pelo produtor no seu estabelecimento agropecuário, observa-se que os produtores de leite “com familiar” apresentavam uma diversificação das suas atividades produtivas maior que os produtores “sem familiar”.

Tabela 07
Outras atividades produtivas desenvolvidas por produtores de leite sem e com familiar de outra geração.
Outras atividades da PropriedadeProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Não109 (63,4%)275 (32,8%)
Gado de Corte42 (24,4%)272 (32,5%)
Café4 (2,3%)21 (2,5%)
Soja em Grão1 (0,6%)8 (1,0%)
Milho em Grão2 (1,2%)12 (1,4%)
Outras14 (8,1%)250 (29,8%)
Total152813
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Quase o dobro dos produtores “sem familiar” tinha apenas a atividade leiteira como geradora de renda na sua propriedade. Em contrapartida, 67,2% dos produtores “com familiar” desenvolviam outras atividades produtivas, não trabalhando exclusivamente com o leite, como também constataram COLETTI, PERONDI (2015). Desta forma, a maior produção de leite referente aos produtores “sem familiar”, os quais, justamente, apresentavam um perfil de menor escolaridade e informação, acrescido de uma média de idade mais alta, precisa ser relativizado. Tudo parece indicar que a diversificação produtiva tenha sido uma estratégia de geração de renda adotada pelos produtores “com familiar” na atividade leiteira. Ou seja, estes produtores não produziriam menos leite por serem menos tecnologizados, mas por vislumbrarem ser menos arriscado em termos de gestão da propriedade, diversificar as fontes de geração de renda. O estudo realizado por PARRÉ, BÁNKUTI e ZANMARIA (2011), no sudoeste do Paraná, tende a reforçar esta possibilidade, em função de ter notado, justamente, que os produtores de leite com maior diversificação das atividades econômicas eram mais tecnologizados. Assim, ao analisarmos os dados referentes à faixa de produção diária de leite dos produtores “com e sem familiar” necessitarmos relativizá-los. As tabelas apresentadas a seguir relativas ao perfil tecnológico de ambos os grupos de produtores de leite pode ajudar a compreender melhor a racionalidade econômica de ambos os grupos de produtores.

No que se refere ao perfil tecnológico dos produtores de leite “com e sem familiar”, os dados evidenciaram que ambos os grupos não apresentavam diferenças significativas entre si, tendo sido ligeiramente mais expressiva entre os produtores de leite “sem familiar”: 122 (70,9%) contra 530 (63,2%) dos produtores de leite “co. familiar”. O Censo agropecuário do IBGE (2017) já havia chamado a atenção para este fato. Talvez, justamente, em função da precariedade da assistência técnica, a prática da inseminação artificial entre os produtores de leite, também foi baixa, predominando a monta, tal como constatou, LIMA (2020). Da mesma forma, observou-se que em termos do sistema de ordenha predominou a prática da ordenha manual, ao pé da vaca, duas vezes ao dia, sendo pouco expressiva a ordenha mecânica de sistema fechado. Em termos do número de conjuntos para ordenha predominou o uso de até dois conjuntos em ambos os grupos de produtores: 78 (59,1%) e 550 (69,3%), “sem” e “com” familiar atuando junto ao produtor na atividade leiteira, respectivamente. Quanto ao tanque de expansão, os percentuais dos que possuíam tanque próprio foi expressivo e próximo entre os dois grupos, estando acima dos 80%. Entre os produtores “com familiar” a condição de acesso ao tanque foi boa para um percentual um pouco superior de produtores: 729 (87,7%) produtores “com familiar” contra 122 (73,1%) “sem familiar”. Por fim, no que diz respeito à propriedade possuir gerador de energia próprio, ela foi pouco expressiva na maior parte das propriedades de leite. Em aproximadamente 85% das propriedades de ambos os grupos de produtores, “com e sem familiar”, não havia gerador de energia próprio.

Tabela 08
Assistência técnica, inseminação artificial, ordenha e tanque de expansão existentes em propriedade de produtores sem e com familiar de outra geração
CaracterísticasProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Inseminação artificial
Sim28 (15,9%)91 (10,8%)
Não148 (84,1%)749 (82,9%)
Total176840
N. de ordenhas/dia
1 ordenha69 (39,9%)341(40,7%)
2 ordenhas102 (59%)494 (58,9%)
3 ordenhas2 (1,2%)3 (0,4%)
Total173838
Tipo de ordenha
Manual75 (43,4%)370 (44,2%)
Mecânica (balde ao pé)55 (31,8%)286 (34,1%)
Mecânica (transferidor de leite)21 (12,1%)117 (14,0%)
Mecânica (circuito fechado)22 (12,7%)65 (7,8%)
Total173838
Tanque de expansão
Próprio144 (86,2%)691(83,1%)
Comunitário23 (13,8%)141 (16,9%)
Total167832
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Desta forma, pode-se deduzir, que a diferença em relação a maior produção de leite entre os produtores “sem familiar” pode não estar relacionada a um imperativo tecnológico, mas, antes a uma diferença de estratégia produtiva em relação a geração de renda. O grupo dos produtores “sem familiar” priorizou a atividade leiteira enquanto fonte de renda, enquanto o grupo dos produtores “com familiar” adotou uma maior diversificação das atividades, enquanto estratégia de geração de renda. Contudo, os dados relativos ao tamanho do rebanho e ao trato do mesmo podem oferecer informações complementares acerca da racionalidade produtiva presente em ambos os grupos de produtores de leite, “com e sem familiar” trabalhando junto consigo. Os dados relativos à tabela 08 ajudam a entender, também, porque a atividade leiteira ainda apresenta desempenho tão baixo, como mostrou o estudo de LIMA (2020), realizado na Zona da Mata Mineira. As práticas de ordenhamento, inseminação, a assistência técnica, entre outros indicadores tecnológicos ainda se mostram muito precários.

4.3 Características do rebanho

A análise das características do rebanho entre os produtores de leite “sem e com familiar” mostrou que entre estes últimos havia um percentual significativamente maior de produtores com menos de 20 vacas em lactação do que entre os primeiros: 62,1% “com familiar” contra 50,8% “sem familiar”. Este fato pode estar associado ao perfil de maior exclusividade na atividade leiteira encontrado entre os produtores de leite “sem familiar”.

Entre estes últimos a média de vaca em lactação foi de 24,6 vacas contra 20,3 dos produtores “com familiar”, como pode ser observado na tabela 09.

Tabela 09
Vacas em lactação em propriedades de produtores sem e com familiar de outra geração
Vaca sem lactaçãoProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Menos de 10 vacas29 (16,9%)196 (23,3%)
De 10 a 1958 (33,9%)329 (38,8%)
De 20 a 2928 (11,1%)97 (11,7%)
Entre 30 e 50 vacas17 (9,9%)95 (11,3%)
Mais de 50 vacas6 (3,6%)-
Total de produtores138 (75,4%)717 (85,1%)
Média de vacas24,6 vacas20,3 vacas
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

Ao se analisar o potencial produtivo das vacas leiteiras, considerando-se, também, as vacas secas, percebe-se que esta tendência se mantém. A média de vacas leiteiras secas entre os produtores de leite “sem familiar” na propriedade foi três vezes maior que entre os produtores “com familiar”. Tal observação está em consonância com a estratégia produtiva dos primeiros estar voltada para a exclusividade na exploração leiteira como forma de renda da propriedade, tal como constataram, também, GOMES et al (2018). Todavia, a diferença mais significativa entre o número de vacas secas nos dois grupos de produtores não está situada no estrato com menos de vacas, o qual representa a maior parte dos produtores de leite em ambos os grupos. Neste estrato, o percentual de produtores com menos de 20 vacas secas ficou em torno de 79,6% entre os produtores “com familiar” contra 75,1% entre os “sem familiar”. Ou seja, em ambos os grupos predominou um número de vacas secas inferior a 20 vacas. Na outra ponta, ou seja, entre os produtores com mais de 30 vacas secas a diferença entre os dois grupos foi um pouco mais expressiva, sendo que 14,4% dos produtores “sem familiar” possuíam mais de 30 vacas secas contra 9,4% dos produtores “com familiar”.

Tabela 10
Vacas secas em propriedades de produtores sem e com produtor de leite de outra geração
Vacas secasProdutor de leite sem familiar de outra geraçãoProdutor de leite com familiar de outra geração
Não Informou4 (2,4%)8 (1,0%)
Menos de 10 vacas77 (46,7%)420 (50,3%)
Entre 10 e 19 vacas47 (28,4%) 245 (29,3%)
Entre 20 e 29 vacas12 (7,3%)86 (10,2%)
Entre 30 e 50 vacas12 (7,2%)40 (4,7%)
Total de produtores148 (89,6%)791 (94,5%)
Média de vacas39,412,7
Fonte: Survey Milk Plan, 2020.

As tabelas 09 e 10 relativas ao número de vacas em lactação e vacas secas evidenciam a estratégia reprodutiva de ambos os grupos de produtores rurais. Enquanto o grupo “sem familiar” opta pela exclusividade da atividade como forma de geração de renda, tendo um rebanho leiteiro numericamente mais expressivo, esta não foi a estratégia adotada pelo grupo “com familiar”. Neste grupo a diversificação produtiva se mostrou mais evidente, como mostrado anteriormente na tabela 07. Quando se observa o “número total de animais do rebanho” nota-se que apesar dos produtores “com familiar” não terem o maior rebanho de vacas leiteiras, eles possuíam o maior número de animais, visto explorarem, também, a pecuária de corte. Os produtores “com familiar” possuíam quase o dobro de animais que os produtores “sem familiar”. Observou-se, ainda que 60,7% dos produtores “com familiar” possuíam mais de 30 animais, contra 39,4% dos “sem familiar”. Percebe-se, assim, que a maior diversidade das atividades econômicas dos produtores “com familiar”, já se expressa, inclusive, na maior exploração da pecuária de corte.

Analisando-se, mais profundamente, a racionalidade econômica de ambos os grupos de produtores rurais, e observando-se as suas práticas de gestão do rebanho leiteiro seria possível perceber estratégias de gestão diferenciadas entre os dois grupos. Os produtores “sem familiar” priorizaram a atividade leiteira com maior exclusividade. Já o grupo de produtores “com familiar” optou por diversificar as atividades econômicas desenvolvidas na propriedade. Mas este fato revelaria que as suas práticas de gestão do rebanho seriam diferenciadas em relação ao grupo dos produtores “com familiar”? Ou apenas o que distinguiria os dois grupos de produtores extrapolaria as formas de gestão do rebanho, ou seja, não estaria relacionado ao rebanho leiteiro? Mas, a maior diversificação produtiva e investimento em outras atividades que não apenas a produção de leite por parte do grupo de produtores “com familiar”, não faria parte de uma estratégia reprodutiva com uma lógica diferenciada em relação ao grupo “sem familiar”?

4.4 Práticas de gestão do rebanho

As práticas de gestão do rebanho em ambos os grupos de produtores de leite, “com e sem familiar” trabalhando junto ao produtor revelaram o predomínio das tradições herdadas culturalmente. Quase não se observou práticas de gestão adquiridas cientificamente ou repassadas através de assistência técnica. Em termos das práticas de gestão comuns aos dois grupos de produtores destacaram-se: 1) a inexpressiva prática de anotação dos partos - apenas 79 dos produtores “sem familiar” (45,1%) e 404 produtores “com familiar” (48,1%), a realizavam; 2) anotação de cobertura/inseminação - apenas 86 produtores “sem familiar” (48,9%) e 410 “com familiar” (48,8%), quase a mesma porcentagem da anotação de partos realizavam anotação de monta/inseminação. WINCKLER, MOLINARI (2015) também constataram algo semelhante ao estudarem os produtores de leite do Oeste Catarinense.

Dentre as práticas de gestão do rebanho mais contrastivas entre os dois grupos destacou-se: 1) a prática de identificação dos animais por brinco ou outra forma, que entre os produtores de leite “com familiar” foi 32,3% maior que os “sem familiar”: 87 (49,4%) “sem familiar” contra 686 (81,7%) “com familiar”. Outra prática menos contrastiva que esta, mas, ainda assim, diferenciada foi a prática de realizar o controle leiteiro, ao menos uma vez por mês. Surpreendentemente, entre os produtores “com familiar”, que são aqueles que não praticavam a atividade leiteira de forma exclusiva, o controle se mostrou maior: 316 (37,6%) dos produtores “com familiar” o realizavam contra 38 (21,8%) produtores “sem familiar”. O mesmo se observou em termos da prática de acompanhamento do ganho de peso do rebanho: 245 (29,2%) dos produtores “com familiar” contra 16 (9,1%) dos “produtores sem familiar”. O único item em que a diferença entre as práticas de gestão do rebanho leiteiro foi diferenciada positivamente em relação aos produtores “sem familiar”, diz respeito a prática de realizar controle zootécnico: 21 (11,9%) entre os produtores de leite “sem familiar” contra 49 (5,8%) “com familiar”. Talvez, neste quesito, embora a prática ainda seja muito baixa, a mesma tenha evidenciado o predomínio da atividade leiteira entre os produtores “sem familiar”. Talvez, dentre todos as variáveis analisadas neste estudo o grupo de variáveis que revela de forma mais clara a racionalidade produtiva dos produtores de leite seja o que condensa as variáveis relativas à forma que se realiza ou não a administração financeira da atividade leiteira. Assim, no tópico apresentado a seguir se analisará algumas destas variáveis mais diretamente relacionadas com a racionalidade econômica dos produtores de leite.

4.5 Administração financeira da propriedade

Anotar receitas e despesas talvez seja a forma mais básica de demonstrar a adoção de uma prática produtiva marcada pelos hábitos incorporada. O estudo realizado por BUTLER, D., HOOLLOWAY (2016), na Inglaterra, mostra como a introdução de novas tecnologias e instrumentos impactam estas práticas arraigadas. Saber se a atividade dá lucro ou prejuízo significa, em síntese, tomá-la ou não como um negócio e desenvolver práticas de gestão, que muitas vezes, rompem com o senso prático tradicional. Nota-se que menos da metade dos produtores de leite anotava as suas despesas e receitas ou tinha ideia do custo do leite produzido na propriedade. Tampouco fazia parte das práticas de gestão da maior parte dos produtores de leite a realização de compras estratégicas de insumos. Os dados referentes às práticas de gestão da atividade leiteira não revelaram, assim, uma racionalidade tipicamente econômica, voltada para uma lógica da atividade como negócio, isto em ambos os grupos de produtores de leite. Nota-se, este fato, com mais clareza, ainda, ao se observer as práticas de anotar as despesas e as receitas. Não se observou por parte dos produtores de leite, de ambos os grupos, preocupação em conhecer o custo do leite produzido na propriedade. Notou-se, também, que a compra estratégica de insumos não se constituiu em uma prática corrente entre eles, como também constataram WINCKLER, MOLINARI (2015), ao estudarem os produtores de leite do Oeste Catarinense.

Quanto a prática de anotar receitas e despesas 43 (24,6%) dos 175 produtores “sem familiar”, que responderam a esta questão, a praticavam. Este percentual foi um pouco maior entre os 840 produtores “com familiar” que responderam a esta questão: 320 (38,1%). No que diz respeito ao conhecimento do custo do leite produzido na propriedade os percentuais foram muito inferiores a 50%: 38 (21,7%) dos 175 produtores “sem familiar”, que responderam a esta questão, a praticavam, contra 309 (36,8%) dos 840 produtores “com familiar”, que responderam a esta questão. Por fim, também na prática relativa à realização de compras estratégicas de insumos (concentrados e adubos) os percentuais estiveram muito abaixo dos 50%: 54 (30,7%) dos 176 produtores “sem familiar”, que responderam a esta questão, a praticavam. Este percentual foi um pouco maior entre os 840 produtores “com familiar” que responderam a esta mesma questão: 295 (35,1%).

Os dados parecem revelar a dura resistência das práticas culturais de gestão, passadas de geração em geração, as quais perduram ao largo das transformações tecnológicas, econômicas e administrativas porque passam o setor produtivo leiteiro, tal como o constatado, também, no estudo de Martins et al. (2014), em Minas Gerais. Em função dos preços do leite praticados no Mercado brasileiro oscilarem muito, os produtores podem não se sentir confiantes para fazerem investimentos na atividade e adotarem novas práticas de manejo e gestão do rebanho. Por outro lado, a situação dos produtores de leite “sem familiar” ainda é mais grave, pois lhes falta o estímulo da continuidade da atividade para lhes impulsionar a investir na atividade.

5 Considerações Finais

O presente artigo estabeleceu uma perspectiva comparativa entre produtores que apresentavam um compartilhamento intergeracional na realização das atividades leiteiras e aqueles que a realizavam sem o acompanhamento de outros membros da família. Observou-se em termos das características socioeconômicas dos dois grupos características distintas. Tais diferenças foram observadas na média de idade, na escolaridade e no acesso à informação. Os produtores de leite “com familiar” apresentaram maior nível de escolaridade, maior acesso a informação e média de idade mais baixa. Tal fato poderia levar a esperar que os mesmos apresentassem maior nível de produtividade que os produtores “sem familiar”. No entanto, tal fato não foi observado. Embora, a grande maioria dos produtores de leite, “com e sem familiar” tivesse a sua produção compreendida na faixa inferior a 300 litros/dia, os produtores de leite mais produtivos se situavam entre os produtores “sem familiar”, justamente, o grupo caracterizado por uma média de idade maior, por menor escolaridade e menor acesso a informação digital.

A fim de analisar as razões que explicariam a maior produção de leite entre os produtores “sem familiar” observou-se, com maior profundidade, as “estratégias reprodutivas” e as “práticas de gestão” dos produtores de leite “com . sem familiar” trabalhando junto consigo na atividade leiteira. Quanto às estratégias reprodutivas adotadas pelos produtores de leite observou-se que o grupo dos produtores “sem familiar” priorizou a atividade leiteira enquanto fonte de renda exclusiva para a sua reprodução social, enquanto o grupo dos produtores “com familiar” adotou uma maior diversificação das atividades produtivas. Já as “práticas de gestão do rebanho e de administração propriedade”, em ambos os grupos de produtores de leite, “com e sem familiar” revelaram o predomínio das tradições herdadas culturalmente. Quase não se observou práticas de gestão adquiridas cientificamente ou repassadas através de assistência técnica.

Concluindo, ao se analisar, neste artigo, o campo de possibilidades para a continuidade da atividade leiteira, em Minas Gerais, observou-se que embora a atividade leiteira, no estado de Minas Gerais, tenha diminuído em termos do número de produtores, quando se observa os dados relativos aos censos de 1975 e 2017, entre os que permaneceram na atividade não se observou a falta de um familiar de outra geração trabalhando junto ao produtor. Contudo, a atividade leiteira tenha ela o compartilhamento intergeracional ou não se mostra, em Minas Gerais, como uma atividade que caminha à margem da racionalidade econômica do mercado. É como se a prática leiteira implementada pelos produtores mineiros se constituísse fundamentada em uma disposição para agir considerando-a como um patrimônio em potencial, em estado de latência, aguardo um campo de oportunidades mais promissor e seguro para se expandir.

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