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Direito & Cooperativismo: discutindo a realidade brasileira
Marta Botti Cappellari; Géssica Taís Cataneo Drei
Marta Botti Cappellari; Géssica Taís Cataneo Drei
Direito & Cooperativismo: discutindo a realidade brasileira
Law & cooperativism: discussing the brazilian reality
Derecho Y cooperativismo: discutiendo la realidad brasileña
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. Esp.2, pp. 2302-2319, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: A sociedade humana é marcada pela cooperação. A partir da evolução de suas necessidades, o ser humano incorporou esta atividade como meio de subsistência, a fim de obter proveitos de forma comunitária e plural. A transformação desse processo para o que conhecemos hoje como cooperativismo, um movimento que tem em sua raiz princípios democráticos e o objetivo de desenvolvimento mútuo, ocorreu de forma gradual. De origem europeia, a onda cooperativista espalhou-se para o restante do globo, chegando ao Brasil entre os anos 1960 e 1970. A partir do marco legal do cooperativismo em nosso país houveram inúmeras adaptações. O percurso histórico, portanto, é de extrema importância para compreender os deslindes do movimento, sua representatividade e forma de organização jurídica e social. O presente artigo se destina a expor o percurso do cooperativismo no ordenamento jurídico brasieiro, tendo em vista que há uma necessidade de uma abordagem multidisciplinar entre ambos. A hipótese principal é de que o cooperativismo é um grande propulsor do desenvolvimento no Sudoeste do Paraná. Através de uma pesquisa exploratória, realizada em conjunto com a coleta de informações através de entrevista informal (não-estruturada) com o Assessor da UNICAFES (União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária) Alcidir Mazzutti Zanco, foi possível realizar uma coleta de informaçãos, a fim de trazer à tona as urgências do cooperativismo no Brasil. Frente à pluralidade característica desse movimento, restou evidenciada a carência de mudanças, a iniciar na esfera legislativa. Para que, seja concretizada a tarefa estatal de apoiar o desenvolvimento da atividade cooperativa em todas as esferas: técnica, financeira e operacional.

Palavras-chave:DireitoDireito,CooperativismoCooperativismo,LegislaçãoLegislação,RepresentatividadeRepresentatividade.

Abstract: Human society is marked by cooperation. From the evolution of their needs, the human being incorporated this activity as a means of subsistence, in order to obtain benefits in a communitarian and plural way. The transformation of this process into what we know today as cooperativism, a movement that has at its root democratic principles and the goal of mutual development, has taken place gradually. Of European origin, the cooperative wave spread to the rest of the globe, reaching Brazil between 1960 and 1970. From the legal framework of cooperativism in our country there were numerous adaptations. The historical course, therefore, is of utmost importance to understand the movement's movement, its representativeness and form of legal and social organization. This article aims to expose the path of cooperativism in the Brazilian legal system, considering that there is a need for a multidisciplinary approach between them. The main hypothesis is that cooperativism is a major driver of development in southwestern Paraná. Through an exploratory research, conducted together with the collection of information through an interview with the Advisor of UNICAFES (Union of Family Farming Cooperatives and Solidarity Economy) Alcidir Mazzutti Zanco, it was possible to bring to light the urgencies of cooperativism in Brazil. Faced with the characteristic plurality of this movement, the lack of changes that began in the legislative sphere remained evident. In order to achieve the state task of supporting the development of cooperative activity in all spheres: technical, financial and operational.

Keywords: Law, Cooperativism, Legislation, Representativeness.

Resumen: La sociedad humana se caracteriza por la cooperación. Sobre la base de la evolución de sus necesidades, el hombre incorporó esta actividad como medio de subsistencia, con el fin de obtener ingresos de manera comunitaria y plural. La transformación de este proceso en lo que hoy conocemos como cooperativismo, un movimiento que tiene como base principios democráticos y el objetivo del desarrollo mutuo, se produjo gradualmente. De origen europeo, la ola cooperativa se extendió al resto del mundo, llegando a Brasil entre los años 60 y 70. Desde el marco jurídico del cooperativismo en nuestro país, se han producido innumerables adaptaciones. Por lo tanto, el camino histórico es de suma importancia para entender los caminos del movimiento, su representatividad y forma de organización jurídica y social. Este artículo tiene por objeto establecer el camino del cooperativismo en el ordenamiento jurídico brasileño, teniendo en cuenta que es necesario un enfoque multidisciplinario entre ellos. La principal hipótesis es que el cooperativismo es un gran motor del desarrollo en el suroeste de Paraná. Mediante una encuesta exploratoria, realizada conjuntamente con la recopilación de información a través de una entrevista con el Evaluador del UNICAFES (Unión de Cooperativas de Agricultura Familiar y Economía Solidaria) Alcidir Mazzutti Zanco, se pudo poner de manifiesto las necesidades urgentes de las actividades cooperativas en Brasil. Frente a la pluralidad característica de este movimiento, quedó en evidencia la falta de cambios, para empezar en el ámbito legislativo. A fin de cumplir la tarea estatal de apoyar el desarrollo de la actividad cooperativa en todos los ámbitos: técnico, financiero y operativo.

Palabras clave: Derecho, Cooperativismo, Legislación, Representatividad.

Carátula del artículo

Direito & Cooperativismo: discutindo a realidade brasileira

Law & cooperativism: discussing the brazilian reality

Derecho Y cooperativismo: discutiendo la realidad brasileña

Marta Botti Cappellari
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Géssica Taís Cataneo Drei
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 25, núm. Esp.2, pp. 2302-2319, 2020
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 05 Octubre 2019

Aprobación: 17 Mayo 2020

1 Introdução

As formas de organização da sociedade, nas mais variadas conjunturas econômicas e sociais, são de extrema relevância para o estudo do ordenamento jurídico brasileiro. Daí a importância em analisar o instituto jurídico da sociedade cooperativa, fruto de um movimento de grande expressão na Europa, representante dos trabalhadores que sofriam o impacto negativo da Revolução Industrial. Esse tipo societário surgiu no Brasil em meados dos anos 1960 e 1970, trazendo um novo modelo de organização.

As cooperativas surgiram com um novo propósito, contrastando drasticamente com o formato de sociedade empresária predominante na economia brasileira; seu sistema de funcionamento tinha outro objetivo: a prestação de serviços aos cooperados, os quais estão reunidos por um contrato recíproco de bens e serviços, cuja finalidade é o exercício de uma atividade econômica de proveito comunitário, sem objetivo de lucro.

De início, houve resistência quanto à consolidação desse formato de sociedade no ordenamento jurídico nacional. Contudo, no período do Regime Militar, após várias tentativas legislativas finamente é sancionada a lei que cria a Política Nacional do Cooperativismo Brasileiro - Lei n.º 5.764/71. No anseio de promover apoio ao crescente movimento cooperativista, a lei geral acabou por limitar seu funcionamento e condicioná-lo à fiscalização de um sistema único, criando a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

Admitindo que as cooperativas nascem a partir da pluralidade de iniciativas, de extrema importância é a premissa de que elas possam ter liberdade para organizarem-se e gerirem-se. Para tentar suprir as omissões da Lei Geral, a Constituição de 1988 traz, em seu art. 5º1 a liberdade de associação, e também dispõe que o Estado não irá interferir no funcionamento das cooperativas.

Partindo desse panorama geral, este estudo se destina a realizar um apanhado das bibliografias acerca do cooperativismo, haja vista que são escassas, e também proporcionar uma breve discussão sobre a representatividade desse movimento na sociedade brasileira.

Trata-se de uma pesquisa exploratória, pois além das referências bibliográficas, realizou-se uma entrevista informal (não-estruturada) com o Assessor da UNICAFES (União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária) Alcidir Mazzutti Zanco, que possibilitou uma análise mais realista das sociedades cooperativas do Paraná. Sabe-se que a atividade cooperativista é peça fundamental para o desenvolvimento regional, por esse motivo a discussão se faz relevante.

2 Síntese histórica do cooperativismo na sociedade humana

O surgimento do cooperativismo na sociedade humana é correspondente ao contexto histórico da Revolução Industrial (Século XVIII), propondo uma nova forma de exploração do trabalho, capaz de proporcionar benefícios coletivos. Ao evidenciar um posicionamento ideológico dissonante do capitalismo, a cooperativa assume como objetivo a prestação de serviços a seus membros a fim de promover o seu desenvolvimento. Nos ensinamentos de Hanz-Jurgen Seraphim (apud Walmor Franke, 1971, p. 07), essa atitude solidária que se aproxima dos interesses dos cooperados é o que diferencia as cooperativas das empresas e outras orientações econômicas, as quais possuem uma motivação exclusivamente lucrativista.

Nesse sentido, destacamos o conceito elaborado por Hanz-Jurgen Seraphim (apud Walmor Franke, 1971, p. 08):

A cooperativa é uma organização econômica sui generis, não é um empreendimento lucrativista, não é expressão de uma economia comunitária, de tipo coletivista, mas também não é associação caritativa. Ela assegura a existência dos economicamente débeis, os quais considera como membros dotados de iguais direitos, de uma ordem societária edificada sobre o reconhecimento do valor criativo da personalidade. A luta contra a formação de impérios econômicos corresponde à sua essência, da mesma sorte que a luta contra a massificação coletivista, que são os grandes desafios do nosso tempo.

A partir desse ideário, em 1844, o inglês Robert Owen impulsiona a criação da primeira cooperativa de que se tem histórico formal; a intitulada Cooperativa de Rochdale tinha como missão amenizar os impactos da Revolução Industrial, proporcionando uma melhoria nas condições de vida dos trabalhadores tecelões. Apesar de se assemelhar ao modelo industrial, a organização cooperativa apresentava-se no formato de sociedade de pessoas, onde o retorno econômico dos membros se concretizaria na medida de suas operações com a cooperativa (PONTES, 2004).

Outro marco histórico é a criação da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), idealizada por Charles Gide, em 1895, que conferiu maior representatividade às cooperativas ao redor do globo. Além de criar os sete princípios do cooperativismo, a ACI formalizou um conceito de cooperativa como “associação de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, através de uma empresa de propriedade comum e democraticamente gerida” (PONTES, 2004, p.137-138).

Em território nacional, a primeira cooperativa brasileira de que se tem notícia, é a Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Outro Preto, Minas Gerais (1889), cujo objeto era facilitar o consumo de produtos agrícolas entre os membros. Contudo, o cooperativismo passa a ser reconhecido pelo ordenamento jurídico a partir de 1907. Posteriormente, se molda ao formato proposto pela ACI e, depois de algumas alterações legislativas e em meio ao regime militar, recebe uma nova regulamentação, que promove a constituição da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), cuja responsabilidade era monopolizar a representatividade das cooperativas no país. Por fim, o Governo brasileiro aprova a Lei n.º 5.764/1971, instituindo a Política Nacional do Cooperativismo e reafirmando o poder representativo da OCB.

Percebemos através de sua evolução histórica, que a cooperativa enquanto organização econômica, molda-se às mais variadas formas de Estado e regimes de governo, desde a Europa até a América do Sul. Isso porque, os princípios cooperativistas difundiram-se pelo mundo como uma solução conduzida por valores democráticos e alinhados à um ideal de justiça social, de tal forma que hoje fazem parte das Constituições Federais de vários países como Brasil, México, Cuba, Venezuela, Hungria, Bulgária, Polônia, Espanha, Itália e China. (MEINEN; DOMINGUES; DOMINGUES, 2002, p. 18-24).

3 O Cooperativismo no Brasil

O cooperativismo surge, nas palavras de Gilvando Sá Leitão Rios (2007), como uma palavra mágica, uma “chave-mestra” em situações econômicas e culturais extremamente diversas. No Brasil, esta forma de associativismo aparece em diversas situações de classe, desde plantadores de cana e usineiros do açúcar, até nas determinações do Ministério do Trabalho.

O cooperativismo aparece, pois, no Brasil, sob uma dupla e contraditória face. Por um lado, é o instrumento rotineiro e eficaz na organização econômica de agricultura da exportação (café, açúcar, cacau, soja etc.), da agricultura capitalizada voltada para o abastecimento interno (hortifrutigranjeiros) ou da agricultura latifundiária do algodão nordestino. Por outro, o cooperativismo é sistematicamente apresentado como “a solução” para a comercialização agrícola dos produtos de pequenos agricultores, de pescadores e de artesãos (RIOS, 2007, p.09)

Portanto, o surgimento do cooperativismo no Brasil pode ser visto com uma característica dual: serviu tanto ao agronegócio, quanto à agricultura familiar. No primeiro, foi importante para fins organizacionais; e no último, como uma forma de promoção socioeconômica, através de políticas desenvolvimentistas.

Desde as primeiras cooperativas há a necessidade de diferenciá-las das demais sociedades empresárias, destacando que sua finalidade primoridal se distancia do lucro, conforme leciona RIOS (2007, p.18-19):

As características específicas da empresa cooperativa (propriedade, gestão e repartição cooperativas) determinam que ela possa ser concebida como parte integral ou extensão das empresas individuais de seus associados. A cooperativa é, pois, um meio pelo qual certas funções podem ser levadas a cabo mais efetiva e economicamente, quando realizadas pelas empresas associadas e não individualmente. [...]

Disso resulta que a única finalidade de uma cooperativa consiste em prestar serviço a seus próprios associados-proprietários-usuários, e suas atividades constituem parte das atividades totais da empresa individual de cada associado. Qualquer benefício econômico direto que resulte de negócios da cooperativa, em forma de um “superávit” comercial, é dividido entre os associados, não na proporção de seus títulos de capital social, mas na proporção do uso dos serviços comuns.

No campo legislativo, pode-se dizer que o Brasil tardou em reconhecer o cooperativismo dentro de seu regime jurídico; diferentemente do que ocorreu na Europa, apenas no período republicano as cooperativas começam ser percebidas pelo Estado, ainda que de forma superficial. Com o Decreto n.º 796, de 02 de outubro de 1890, sob o Governo Provisório do Marechal Deodoro da Fonseca, é autorizada a criação da Sociedade Cooperativa Militar no Brasil, com as características de cooperativa de consumo, exclusiva para membros das Forças Armadas. Posteriormente, o Decreto n.º 979, de 06 de janeiro de 1903, traz aos agricultores a possibilidade de organizarem-se em sindicatos para a defesa de seus interesses, fazendo uma breve menção às cooperativas, afirmando que os sindicatos não possuiriam responsabilidade direta nas transações envolvendo as cooperativas de produção e consumo.

Apenas em 1907, com o Decreto n.º 1.637, as cooperativas alcançam verdadeiro espaço na legislação brasileira. Fica estabelecido que as sociedades cooperativas poderão ser anônimas, em nome coletivo ou em comandita2. Como características principais, o Decreto – com força de lei – estabelece a variabilidade do capital social, a não limitação do número de sócios e a inacessibilidade das ações, quotas ou partes a terceiros estranhos a sociedade. O decreto ainda estabelecia que as cooperativas poderiam ser constituídas por escritura pública ou por deliberação da assembleia geral dos sócios.

Importante destacar, que o Decreto n.º 1.637 estabelecia a responsabilidade solidária dos sócios e também a constituição de um fundo de reserva. Outra característica de grande importância para o movimento cooperativista, foi a liberdade de constituição e funcionamento trazida pelo Decreto, o qual não fazia referência a uma subalternidade aos órgãos do Estado.

Nos anos seguintes as cooperativas enfrentaram diversas mudanças legislativas, sendo as mais drásticas no período do Regime Militar, tendo em vista que havia uma preocupação em dificultar a criação de organizações de pessoas. As alterações legislativas desse período conturbado foram marcadas pelo controle direto e intervenção estatal no funcionamento das cooperativas; como exemplo disso temos a aprovação do Decreto-Lei n.º 59, de 21 de novembro de 1966, o qual definida a Política Nacional de Cooperativismo, criando o Conselho Nacional do Cooperativismo:

Art. 1º Compreende-se como política nacional de cooperativismo a atividade decorrente de todas as iniciativas ligadas ao sistema cooperativo, sejam originárias do setor privado ou público, isoladas ou coordenadas entre si, desde que reconhecido seu interesse público.

Art. 2º As atribuições do Governo Federal na coordenação e no estímulo às atividades de cooperativismo no território nacional serão exercidas na forma deste Decreto-Lei e das normas que surgirem em sua decorrência.

§ 1º O Governo Federal orientará a política nacional de cooperativismo, coordenando as iniciativas que se propuserem a dinamizá-la, para adaptá-las às reais necessidades da economia nacional e seu processo de desenvolvimento.

§ 2º O Poder Público atuará, através de financiamentos e incentivos fiscais, no sentido de canalizar para as diferentes regiões do País as iniciativas que tragam condições favoráveis ao desenvolvimento do cooperativismo. (BRASIL, on-line)

Como consequência dessa intervenção temos um recuo das organizações de representação cooperativista. Nesse momento, é criada uma nova Lei Geral das Cooperativas – Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, a qual tornou as cooperativas um “braço auxiliar” das políticas governamentais capitalistas.

3.1 O conteúdo da Lei n.º 5.764/1971

O surgimento da Lei nº. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, simbolizou um marco para o cooperativismo; pois ocorreu a sua consolidação e institucionalização e, ao mesmo tempo, proporcionou ampla legitimidade à intervenção estatal no seu desenvolvimento (SOUZA, 2008).

O caráter intervencionista e impositivo da legislação cooperativista deve-se ao fato de esta ter sido promulgada sob a vigência dos Atos Institucionais, momento da história em que os atos da vida civil se condicionavam amplamente à aprovação do Poder Público. Conforme explicam Candida Joelma Leopoldino e Laura Cristina de Quadros (2011, p. 188-189), este período da história justifica o regime jurídico unitário imposto pela Lei das Cooperativas.

Para Guilherme Krueger (2002, p. 105), as regras de criação, funcionamento e manutenção das cooperativas trazidas por essa legislação, foram responsáveis pelo crescimento do sistema cooperativo. Diante disso, tem-se que a Lei Geral das Cooperativas – Lei nº 5.764/1971 surge às avessas do seu histórico, pois tenta aglutinar suas iniciativas a fim de estabelecer uma legislação única e abrangente. Portanto, por surgirem de naturezas distintas, o que pressupõe características peculiares e necessidades específicas, torna-se um desafio a existência de uma legislação unificadora (sistema único) sem que haja prejuízos.

Neste sentido, é oportuno destacar que a Lei Geral das Cooperativas – Lei nº 5.764/1971 foi parcialmente revogada pela Constituição Federal de 1988, pois não recepcionou alguns de seus dispositivos (BULGARELLI, 1998, p. 23). Dentre as alterações principais, a Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XVIII, põe um fim à intervenção estatal: “[...] a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;[...]” (BRASIL, 1988, on-line).

Contudo, a Lei nº 5.764/1971, ainda em vigor, colaborou para o esclarecimento e distinção das sociedades cooperativas frente aos demais tipos societários. Uma particularidade é a variabilidade ou dispensa do capital social, que comumente é exigido em outros tipos societários. Tem-se a liberdade de adesão – que constitui também um princípio do cooperativismo –, ninguém deverá ser obrigado a se tornar sócio, e aqueles que o fizerem podem abdicar a qualquer tempo. A quantidade de sócios é ilimitada, bastando apenas cumprir os requisitos básicos, como por exemplo atender ao objeto de determinada cooperativa.

De acordo com MAMEDE (2010), as cooperativas não levam em consideração requisitos subjetivos; pois, a sua finalidade é promover uma integração benéfica ao agrupamento de pessoas, portanto seria ilícito estabelecer critérios que influenciassem a discriminação ou preferência social, consequências avessas ao propósito do cooperativismo.

Desse modo, a constituição de uma sociedade cooperativa diferencia-se das demais sociedades comerciais, pois, conforme consta na lei, ocorre entre pessoas que se obrigam, reciprocamente, “à contribuir com bens ou serviços para exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro” (BRASIL, 1971, on-line).

Outro aspecto singular das cooperativas é o capital social variável. Nas palavras de Amador Paes de Almeida (2012), esta variabilidade é uma consequência da mobilidade do número de sócios; por esta razão, o capital da sociedade encontra-se em contínua formação, contraindo ou dilatando-se de acordo com as mudanças no quadro de associados.

Esse capital social ou “fundo social” é resultado da cooperação de todos os sócios para a realização do objeto social, constituindo assim um investimento e não uma remuneração (MAMEDE, 2010, p. 589). Contudo, o fundo social não é característica obrigatória desse tipo societário. Há um limite de quotas para cada cooperado, assim como o fundo social existente nunca fica concentrado com apenas um ou poucos cooperados.

De acordo com o art. 4º da Lei Geral das Cooperativas, nenhum associado poderá subscrever mais de 1/3 do total das quotas-partes; porém, há uma exceção para as sociedades em que a subscrição deva ser proporcional a quantidade dos produtos que serão vendidos. Neste sentido,

Em tais casos específicos, não haverá concentração injustificada de contribuições para o fundo social comum (capital social), mas contribuições que se justificam pela própria participação do sócio cooperado nas atividades sociais. Assim, se fazendeiros constituem uma cooperativa para armazenamento e distribuição de sua produção, havendo entre eles um que tenha produção significativamente superior, respondendo por 65% do movimento previsto de vegetais, permite-se superar o limite de 1/3, já que tal contribuição a maior justifica-se pela necessidade específica do cooperado. E o que a Lei das Cooperativas chama de critério de proporcionalidade, lícito sempre que assim seja mais adequado para o cumprimento dos objetivos sociais. (MAMEDE, 2010, p. 590).

Outra característica relevante se refere ao princípio da administração democrática, expressa no art. 4º, V, que estabelece a singularidade do voto: o número de quotas do cooperado não é levado em consideração, portanto, o voto tem o mesmo valor para todos. Quando à quantidade de quotas, existem requisitos trazidos pela referida Lei, que determinam sua transferência. Por não serem sociedades intuitu pecuniae, MAMEDE (2010) reitera que a cessão das quotas pode ser feita para outro sócio cooperado, pois este preenche os requisitos a consecução do objeto. Além disso, segundo os art. 1.094, IV3 do CC/02 e art. 4º, IV4 (Lei n.º 5.764/71) não é possível a transferência das quotas seja por ato inter vivos ou causa mortis; argumenta ALMEIDA (2012, p.518) que

Em que pese tal restrição à transferência de quotas, a demissão, assim denominada a saída espontânea do associado, opera-se com absoluta facilidade, o que pode, à primeira vista, conflitar com o “marcado cunho personalista” da sociedade cooperativa. Tal facilidade, contudo, se explica, pois, como observa Hernani Estrella, repousa na “mais completa e restrita liberdade. Somente assim a união social é benfazeja, porque assenta na inequívoca e permanente espontaneidade de todos os associados”.

Dentre as restantes, ressaltamos o caráter de neutralidade das sociedades cooperativas. O texto contido no art. 4º, IX, da Lei Geral das Cooperativas reforça a ideia de liberdade de adesão, bem como reflete um princípio desse tipo societário; como bem explicita MAMEDE (2010, p. 593) as

[...] cooperativas não podem ser constituídas com objetivos sectários, nem ter tais referendas como base dos critérios de admissão de seus cooperados, o que preserva a ideia de universalismo - e ampla solidariedade humana – que marcam o movimento cooperativo mundial. Não se trata; portanto, de um simples respeito as garantias inscritas no artigo 5a, VIII e XLII, da Constituição, nem a Lei 7.716/89. A finalidade e superior, transcendendo a mera pratica discriminatória; veja-se que é lícito criar uma associação religiosa - Associação das Mulheres Católicas de Cabrobó, como exemplo -, mas não é lícito criar uma Cooperativa Católica, que apenas aceitasse membros que professassem tal religião. (grifo nosso)

Ademais tem-se uma assistência aos cooperados e associados, bem como aos seus empregos, a qual consta no art. 4º, X5, do referido dispositivo; esta característica demonstra novamente o aspecto affectio societatis das cooperativas e um comprometimento com o objetivo principal, ou seja, a cooperação entre os membros.

A Lei n.º 5.764/71, em seu Capítulo IV, apresenta as regras para a constituição das sociedades cooperativas, a qual depende da deliberação da Assembleia Geral dos fundadores. O ato constitutivo, de acordo com o art. 15 da referida legislação, deverá conter: a) denominação da entidade, sede e objeto de funcionamento; b) nome, nacionalidade, idade, estado civil, profissão e residência dos associados, fundadores que o assinaram, bem como o valor e número da quota-parte de cada um; c) aprovação do estatuto e d) nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos associados eleitos como administradores e fiscais, e outros. Apesar do art. 3º da referida lei constar a celebração de contrato de sociedade cooperativa, o ato constitutivo se materializa com a criação do estatuto social.

Salienta-se que o objeto das cooperativas não possui limitação de gênero de serviço, operação ou atividade; porém, exige-se que elas incorporem o termo “cooperativa” em sua denominação social, para fins de identificação. Sua classificação ocorre de acordo com o número de cooperados e tipos de pessoas que a compõem. Existem atualmente dois tipos de cooperativas: a) singulares, com o mínimo de 20 (vinte) pessoas físicas, que permitem a participação de pessoas jurídicas cujo objeto seja correlato; b) cooperativas centrais ou federações, que são a reunião de 3 (três) cooperativas singulares (BRASIL, 1971, on-line).

As cooperativas singulares, de acordo com o art. 8º da Lei Geral das Cooperativas, promovem a prestação direta de serviços aos associados. Já as cooperativas centrais e federações, organizam em maior grau os serviços administrativos das filiadas, integrando e orientando suas atividades, e proporcionando uma troca de serviços entre as mesmas. Há ainda a classificação das cooperativas de acordo com a natureza de suas atividades; e aquelas que apresentam mais de um ramo de interesse, são consideradas mistas.

De acordo com o art. 11, a responsabilidade das sociedades cooperativas será limitada quando se limitar ao valor do capital subscrito pelo associado. Assim como será ilimitada, quando a responsabilidade do associado for pessoal, solitária e sem limite. Quanto à responsabilidade frente aos não associados, deverá ser diligenciada exclusivamente em juízo e após ter-se exigido tal responsabilidade da sociedade cooperativa.

A formação do quadro de associados permite ingresso de pessoas físicas e jurídicas, porém, as pessoas jurídicas devem atender aos requisitos contidos na referida Lei, sendo indispensável que tenham por objeto a mesma atividade, ou que ela seja correlata.

Nas sociedades cooperativas é comum fazer referência a um “fundo social”, que segundo MAMEDE (2010, p. 589) corresponde ao capital social tradicional dos tipos societários. Esse fundo será subdividido, segundo o art. 24, em quotas-partes, cujo valor unitário não poderá ultrapassar ao maior salário mínimo vigente em território nacional. A especialidade da cooperativa se materializa na forma de pagamento das quotas-partes, que será feito por prestações periódicas sob a forma de contribuições aos cooperados. Admite-se ainda que as cooperativas integralizem suas quotas-partes através de bens, valorados e homologados pela assembleia geral. Contudo, as sociedades cooperativas de crédito; as cooperativas agrícolas mistas com seção de crédito e as habitacionais não possuem esse direito.

Outra particularidade está no art. 24, § 3º, que proíbe quaisquer vantagens ou privilégios aos cooperados, em detrimento das quotas-partes. Além disso, quando a subscrição do capital exceder à expressão econômica de cada cooperado, o estatuto deverá promover ajustes para que esse fundo se torne compatível com o propósito da cooperativa.

3.2 A representação do sistema cooperativista no Brasil

A representação das cooperativas também é definida pela Lei n.º 5.764/71, sob a responsabilidade da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, uma sociedade civil sem fins lucrativos, com amplos poderes de registro e fiscalização do funcionamento das cooperativas brasileiras. De acordo com o art. 107 da referida legislação, as cooperativas são “obrigadas, para seu funcionamento, a registrar-se na Organização das Cooperativas Brasileiras ou na entidade estadual, se houver, mediante apresentação dos estatutos sociais e suas alterações posteriores.” (BRASIL, 1971).

Contudo, apesar da legislação objetivar um sistema único, os reflexos foram opostos, demonstrando que alguns aspectos essenciais para o desenvolvimento do cooperativismo foram deixados de lado, como questões tributária e trabalhista. De acordo com Alcidir Mazzutti Zanco (2018), a lei exclui o debate e dificultou o caminho para a intercooperação e à democracia participativa, quando exige regras autoritárias de funcionamento, como a submissão a órgãos estatais ou paraestatais, contabilidade empresarial – mesmo que não exista uma específica para as cooperativas – e também o número mínimo de 20 associados, bem como obrigatoriedade de filiação.

Em contrapartida, com a Constituição Federal de 1988 – CF/88, surgem esperanças de um “novo cooperativismo” tendo em vista que o art. 5º traz os seguintes direitos e garantias fundamentais:

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; [...] (BRASIL, on-line)

Ao estabelecer que as cooperativas não necessitam de autorização e é vedada a interferência estatal em seu funcionamento, o cooperativismo enxerga possibilidades de fortalecimento de seus ideais anteriormente reprimidos pelo Regime Militar. Ademais, temos vários princípios do cooperativismo implícitos no Texto Constitucional, como no inciso XX: “Ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” como um sinônimo do princípio da adesão voluntária e livre do cooperativismo. Do mesmo modo, temos o inciso XIX: “As associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado”, refletindo a gestão democrática das cooperativas, a qual garante autonomia perante o Estado.

Além disso, a CF/88 confere expressa representatividade às cooperativas no art. 174, §2º, estabelecendo que a lei apoiará . estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. Ainda no art. 187, que versa sobre a política agrícola do país, a Carta afirma que haverá participação efetiva do cooperativismo.

Posteriormente, com o Código Civil de 2002, as cooperativas ganharam maior espaço na legislação brasileira, a qual as define como sociedades simples, de pessoas, sem finalidade lucrativa, além de reafirmar as disposições da Lei Geral das Cooperativas.

Apesar dos novos ventos trazidos pela CF/88, as cooperativas ainda necessitam de inovações específicas, que efetivem sua representatividade perante à sociedade brasileira. A partir dessas necessidades, em 1990, surge uma movimentação em prol da Agricultura Familiar e na Economia Solidária, as quais não se enquadravam na definição de cooperativas, por outro lado, eram consideradas “alternativas populares e/ou participativas” em vista de sua importância social (ZANCO, 2018).

Em meados de 1990, o cooperativismo desponta como a estratégia das organizações e movimentos sociais para retomar o ideário democrático. Este cooperativismo que renasce das bases dos movimentos sociais urbanos e rurais, têm uma intenção muito semelhante ao movimento cooperativo de vertente socialista que nasceu na Europa amparado pela finalidade de inclusão econômica e social. (ZANCO, 2018)

Com essa motivação, são criadas organizações setoriais com o intuito de desenvolver as cooperativas de forma ampla e regional, atendendo às demandas de especializada, o que não é possível através de um sistema único.

Neste sentido, as organizações setoriais representativas, assim foram sendo constituídas:

Quandro 1
Organizações representativas

Fonte: ZANCO, 2018.

A partir dessas organizações, surge a necessidade de criar uma unidade do Cooperativismo Solidário Brasileiro, a fim de fortalecer sua representatividade e garantir a continuidade do seu desenvolvimento. Com esse propósito surge a UNICOPAS, em 2015, reunindo as quatro grandes organizações nacionais do cooperativismo (Unisol, Unicafes, Concrab e Unicatadores), com a missão de atuar pela concepção do cooperativismo solidário em território nacional. (UNICOPAS, 2018)

Além disso, no Estado do Paraná, existe a Lei n.º 17.142, de 07 de maio de 2012, que estabelece a política estadual de apoio ao cooperativismo, buscando suprir as lacunas deixadas pela Lei nº. 5.764/71. Os objetivos da Lei Paranaense é auxiliar de forma técnica, financeira e operacional; estimular a forma cooperativa de organização social, visando uma mudança de parâmetros de organização de todos os ramos do cooperativismo, principalmente da produção, do consumo, do trabalho, da saúde e do crédito (GOVERNO DO PARANÁ, 2012). Dessa forma é possível suprir, em partes, a ausência de iniciativas do Governo Federal para promover uma adequação legislativa à real necessidade das cooperativas modernas.

3.3 O Projeto de Lei n.º 519/2015: Novas regras para as cooperativas

Algumas novidades trazidas pelo Texto Constitucional, não foram recepcionadas pela Lei Geral das Cooperativas – Lei nº. 5.764/71, o que impulsionou a luta pela readequação das organizações representativas das cooperativas no Brasil.

O sistema único da OCB, concebido pela Lei nº. 5.764/71 é evidentemente incompatível com o seu modelo organizacional; tendo em vista que as cooperativas se constituem a partir de iniciativas variadas e possuem diversas ramificações (consumo, produção, agrícola, de trabalho, de crédito, etc.), reuni-las sob um único órgão com monopólio de poder sobre seu registro e fiscalização de suas atividades, não respeita a pluralidade das cooperativas e deixa de dar a devida assistência que suas necessidades exigem.

Como consequência disso, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.º 519/2015 que propõe um novo modelo de sociedade cooperativa, com alterações na sua representatividade, propõe a criação de Certificados de Crédito Cooperativo (CCC) e o fortalecimento, sobretudo, das cooperativas da agricultura familiar e de economia solidária, consolidando o Estado Democrático de Direito.

O cenário atual do Brasil implica em dois subsistemas cooperativistas: as cooperativas de caráter empresarial (tradicional), representado pela OCB; e outro, com o viés da economia solidária, representado pela Unicopas (Unicafes, Unisol, Concrab e Unicatadores). Desse modo, a existência de um sistema único anula o direito das demais cooperativas de se organizarem de forma adequada (FARIAS, 2014).

Portanto, para atender às necessidades da economia solidária, a redação do PL 519/2015 passa a admitir a Unicopas como órgão nacional de representação do sistema cooperativista, tal qual a OCB, condicionando o registro das organizações em algum desses sistemas e em seu art. 80, estabelece que “as entidades nacionais de representação do sistema cooperativista podem se organizar em entidades regionais, uma em cada Estado e no Distrito Federal, conforme o estatuto da entidade nacional”.

Salienta-se ainda, que, de acordo com o PL, as cooperativas podem registrar-se na Unicopas e ao mesmo tempo filiarem-se à OCB. Ao propor essa mudança, o Senado fortalece o disposto no art. 5º, inciso XVIII, da CF/88, que zela pela liberdade de associação dos cidadãos brasileiros. O PL 519/2015 propõe uma definição readequada das cooperativas, bem como reafirma o viés das cooperativas solidárias:

Art. 2º A cooperativa é sociedade de pessoas, possui forma e natureza jurídica próprias, constituída para a prestação de serviços aos seus cooperados reunidos sob contrato societário em cuja relação se obrigam a contribuir reciprocamente com bens e serviços, para o exercício de uma atividade econômica de proveito comum, sem objetivo de lucro, não sujeita a falência, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: [...]

§ 2º São reconhecidas como cooperativas de ajuda mútua e de viés solidário as que atuam em segmentos sociais economicamente frágeis ou vinculadas a iniciativas de superação da pobreza, conforme definido em regulamento.

§ 3º As cooperativas de ajuda mútua e viés solidário, de que trata este artigo, poderão receber prioridade ou facilidades no acesso a recursos

públicos e, também, tratamento tributário e fiscal diferenciado, desde que assim reconhecidas pelo órgão público correspondente previsto no regulamento.

§ 4º Para serem reconhecidas como de ajuda mútua e de viés solidário, as cooperativas deverão aplicar todo seu superávit líquido ou sobras na consecução das suas finalidades.

Além das mudanças supracitadas, há a proposta de uma Lei Tributária para as cooperativas, tendo em vista que seu regime é diferenciado das empresas tradicionais; atualmente existem os seguintes Projetos de Lei: uma complementar (n.º 271/2005 e n.º 386/2008) e outra ordinária (nº 3723/2008). Ambos os Projetos são correspondentes ao art. 146, III “c” da CF/88, o qual estabelece que a lei deverá estabelecer o “tratamento adequado ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas” (BRASIL, 2005, on-line).

A proposta visa, ao regulamentar o disposto na Constituição Federal, acatar os seus desígnios e estabelecer incentivos concretos ao fortalecimento do cooperativismo, que propicia a geração de empregos, com redução do custo do trabalho, o ganho de escala e a valorização dos pequenos negócios, com grandes benefícios para a sociedade brasileira. O ato cooperativo, com a aprovação do projeto, estaria a salvo, por exemplo, da incidência do imposto de renda, do imposto sobre produtos industrializados, das contribuições sociais PIS/Pasep, Cofins e sobre o lucro líquido, do imposto sobre operações financeiras e outros tributos que venham a recair sobre ele. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2005)

Apesar das proposições inovadoras e compatíveis com a realidade das cooperativas brasileiras, o projeto está aguardando análise pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados e não há perspectiva de avanços. De acordo com ZANCO (2018), há muita resistência dos setores conservadores e não é bem recepcionada pelos representantes de outras organizações, como as empresárias, que não possuem interesse em expandir o cooperativismo no país.

4 Considerações finais

Ao propormos um regime jurídico para as sociedades cooperativas, é fundamental considerar que sua constituição vem de uma conjuntura de ideais políticos extremamente plurais, muitas vezes opostos entre si. Dessa forma, a legislação específica em vigor é omissa em muitos aspectos, motivo pelo qual desde a década de 1970 as organizações cooperativistas vêm lutando frente ao Legislativo para promover uma política nacional do cooperativismo que seja adequada às suas necessidades reais.

Importante ressaltar que a doutrina cooperativista brasileira, apesar de receber influência do movimento europeu, não deu a mesma importância ao movimento. Tanto que, em nosso país apenas 5% da população é adepta ao cooperativismo, enquanto lá fora esse número chega a mais de 40%. Portanto, podemos afirmar que o modo de exploração do trabalho, reflexo do capitalismo adotado pela nossa Constituição, que incentiva em larga escala o desenvolvimento empresário tal qual conhecemos, limita as possibilidades de ascensão do cooperativismo, que tem como princípios o desenvolvimento comunitário da população, de uma forma justa, solidária e equânime.

A partir dessa pesquisa bibliográfica e também da entrevista foi possível concluir que para o efetivo fortalecimento das cooperativas, é imprescindível uma mudança legislativa, a exemplo de legislações estaduais como a do Paraná, que reconhecem o cooperativismo e efetivamente apoiam o seu desenvolvimento.

Não podemos deixar de reconhecer que há um desconhecimento generalizado a respeito do movimento cooperativista e seus benefícios para a sociedade humana, fator que dificulta sua difusão e também impossibilita que o Brasil seja um país cujo desenvolvimento seja abrangente, beneficiando de forma igualitária àqueles que trabalham na agricultura familiar e em outros setores à margem das políticas públicas do Governo Federal.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
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ZANCO, Alcidir Mazzutti. Entrevista pessoal (informal). Concedida à Géssica Taís Cataneo Drei. Sede da UNICAFES, Francisco Beltrão/PR, fev. 2019.
Notas
Notas
1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;[…]. (BRASIL, 1988).
2 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.637 de 05 de janeiro de 1907. Cria os sindicatos profissionais e as sociedades cooperativas. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1900-1909/decreto-1637-5-janeiro-1907-582195-publicacaooriginal-104950-pl.html> Acesso em 09 fev. 2019. [3] “Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa: […] IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; [...]”. (BRASIL, 2002). [4] “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: […] IV - incessabilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; […]”. (BRASIL, 1971). [5] “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: […] X - Prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; [...]”. (BRASIL, 1971).
3 “Art. 1.094. São características da sociedade cooperativa: […] IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; [...]”. (BRASIL, 2002).
4 “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: […] IV - incessabilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade; […]”. (BRASIL, 1971).
5 “Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: […] X - Prestação de assistência aos associados, e, quando previsto nos estatutos, aos empregados da cooperativa; [...]”. (BRASIL, 1971).
Quandro 1
Organizações representativas

Fonte: ZANCO, 2018.
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