Comunicação para o desenvolvimento territorial: análise da Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Communication for territorial development: analysis of the National Policy for Regional Development

Comunicación para el desarrollo territorial: análisis de la Política Nacional de Desarrollo Regional

Monica Franchi Carniello
Universidade de Taubaté, Brasil
Moacir José dos Santos
Universidade de Taubaté, Brasil

Comunicação para o desenvolvimento territorial: análise da Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 03 Septiembre 2020

Aprobación: 24 Diciembre 2020

Resumo: O conceito de desenvolvimento passou por significativas transformações conceituais desde que o debate alcançou dimensões globais. A perspectiva multidimensional do desenvolvimento de um território, que vigora atualmente, demanda a perspectiva interdisciplinar. O papel da Comunicação e sua relação com o conceito e os processos de desenvolvimento são o enfoque deste artigo. O objetivo geral foi analisar o papel da comunicação na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) vigente. Trata-se de um artigo de abordagem exploratória, com delineamento bibliográfico e documental. Traçou-se um percurso relacional entre comunicação e desenvolvimento, identificando distintas fases. Verificou-se que a Comunicação se situa como uma ferramenta para a transparência e participação social, mas não se configura como um eixo prioritário de intervenção, a despeito de o país apresentar uma estrutura de mídia com características desfavoráveis para os processos de desenvolvimento.

Palavras-chave: Comunicação, Desenvolvimento regional, Política Nacional de Desenvolvimento Regional.

Abstract: The concept of development has undergone significant conceptual changes since the debate reached global dimensions. The multidimensional perspective of the development of a territory, which is currently in force, demands an interdisciplinary perspective. The role of Communication and its relationship with the concept and development processes are the focus of this article. The general objective was to analyze the role of communication in the current National Regional Development Policy (PNDR). It is an exploratory article, with bibliographic and documentary design. A relational path was traced between communication and development, identifying different phases. It was found that Communication is a tool for transparency and social participation, but it is not a priority axis of intervention, despite the fact that the country has a media structure with unfavorable characteristics for development processes.

Keywords: Communication, Regional development, National Policy for Regional Development.

Resumen: El concepto de desarrollo ha sufrido importantes cambios conceptuales desde que el debate alcanzó dimensiones globales. La perspectiva multidimensional del desarrollo de un territorio, actualmente vigente, exige una perspectiva interdisciplinar. El papel de la Comunicación y su relación con el concepto y los procesos de desarrollo son el tema central de este artículo. El objetivo general fue analizar el papel de la comunicación en la actual Política Nacional de Desarrollo Regional (PNDR). Es un artículo exploratorio, con diseño bibliográfico y documental. Se trazó un camino relacional entre comunicación y desarrollo, identificando diferentes fases. Se encontró que la Comunicación es una herramienta de transparencia y participación social, pero no es un eje prioritario de intervención, a pesar de que el país tiene una estructura mediática con características desfavorables para los procesos de desarrollo.

Palabras clave: Comunicación, Desarrollo regional, Política Nacional de Desarrollo Regional.

1 Introdução

O debate que busca estabelecer a relação entre comunicação e desenvolvimento territorial se desenvolve de forma intrínseca à própria compreensão conceitual de desenvolvimento, que passou por significativas transformações, tornando-se pauta na agenda global e difundida por meio de eventos como a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida em 1983 em Estocolmo, e originou o documento Nosso Futuro Comum (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991).

Desde a perspectiva associada ao crescimento econômico situada no período pós-guerras mundiais, fundamentada pela concepção de acumulação fordista de base industrial (CIDADE, VARGAS, JATOBÁ, 2008), até a perspectiva multidimensional do desenvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2020; ETGES, 2005), trilhou-se um percurso que, aos poucos, revelou a necessidade da interdisciplinaridade, do rompimento do olhar setorial para a compreensão das dinâmicas de um território e, consequentemente, de seu processo de desenvolvimento.

A Comunicação passa a figurar no debate do desenvolvimento, mesmo que de forma tímida se comparado com outras áreas do conhecimento que adquiriram maior protagonismo, ainda no final da década de 1960, em um contexto marcado pela ideia do crescimento econômico como uma forma de superação do então denominado subdesenvolvimento. À época, marcada pela ascensão dos meios de comunicação de massa, com destaque para a televisão, predominou a perspectiva difusionista da comunicação (GUMUCIO-DAGRON, 2008), com destaque para a abordagem de Wilbur Schramm, que escreve o livro Comunicação e Desenvolvimento com o apoio da UNESCO (SCHRAMM, 1970).

O percurso da relação comunicação e desenvolvimento, que evoluiu para o termo Comunicação para o Desenvolvimento (C4D), é caracterizado por abordagens e fases distintas, que são apresentadas no referencial teórico deste artigo.

Em um debate conceitual mais contemporâneo, a comunicação deixa gradativamente de ser percebida como uma ferramenta para o alcance do desenvolvimento para ser compreendida como parte da estratégia de desenvolvimento. Barranquero-Carretero, Sáez-Baez (2015) buscam superar a visão instrumental da comunicação utilizada em termos como Comunicação para o desenvolvimento ou Comunicação para a mudança social.

A noção carrega consigo um viés instrumental e mediacêntrico, entendendo que a comunicação está sempre a serviço de algo –comunicação para–: desenvolvimento, saúde, meio ambiente, paz, etc. Em outras palavras, o comunicativo ainda é concebido não como um processo, mas como uma mera ferramenta, meio ou suporte útil para um fim (BARRANQUERO-CARRETERO, SÁEZ-BAEZ, 2015, p. 50). [tradução dos autores]

Considerando que a comunicação pode adquirir contornos distintos em sua relação com o desenvolvimento, este artigo analisar o papel da comunicação na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) vigente, definido com base na seguinte questão norteadora da investigação: como a Política Nacional de Desenvolvimento Regional contempla a comunicação enquanto elemento constitutivo do desenvolvimento?

Para isso, adota-se a perspectiva de que a compreensão das contribuições da comunicação para o desenvolvimento territorial implica o reconhecimento das condições de sua inserção no tempo e no espaço, especialmente quanto às estruturas delineadoras das relações sociais e econômicas. Faz-se necessário situar o desenvolvimento territorial em relação às condições macroestruturais responsáveis por gerar as variáveis que o conformam, abordagem que pode contribuir para a análise dos efeitos da comunicação no território.

A reflexão adotada neste artigo decorre da constatação de que a investigação e a compreensão das relações presentes no território orientam a percepção sobre como efetivar a comunicação para o desenvolvimento territorial.

A escolha do recorte da pesquisa, que abrange uma política federal, fundamenta-se, também, na superação da ideia de que o local tem poder ilimitado, negando as características das hierarquias de geração e apropriação de riqueza, conforme apontado por Brandão (2001). Entende-se que o desenvolvimento possui várias dimensões escalares, vinculadas à organização produtiva e social, o que situa o local e o regional em relação a escalas complexas pertinentes à divisão internacional do trabalho e seus desdobramentos nos Estados nacionais. Conforme Brandão (2001), a abordagem local, em alguns casos, é insuficiente para superar as lacunas de desenvolvimento, pois as relações estabelecidas no território decorrem de fatores endógenos e exógenos, com a estruturas que perpassam as diversas escalas territoriais. O argumento central é fundado no fato que a efetividade da comunicação para o desenvolvimento territorial é precedida da compreensão questões estruturais e das condições decorrentes, dentre as quais a própria concepção de desenvolvimento.

Heeks (2006) enfatiza que grande parte das pesquisas produzidas no âmbito da comunicação para o desenvolvimento é descritiva e não analítica. Para o autor, isso pode trazer alguns pontos interessantes, mas falta rigor suficiente para fazer suas descobertas confiáveis que muitas vezes podem ser repetitivas em relação a trabalhos anteriores. Portanto, faz-se necessário analisar as condições estruturais para o alcance de uma visão mais esclarecedora de como se articulam comunicação e desenvolvimento em um território.

Exposto o contexto, este artigo estrutura-se na apresentação das abordagens e perspectivas da Comunicação para o Desenvolvimento (C4D), para então analisar como a comunicação é presente no Plano Nacional e Desenvolvimento Regional vigente, propondo uma leitura que considere a questão escalar do desenvolvimento territorial de forma mais evidente, o que contribui para a compreensão de como ocorrem os fenômenos de C4D em escalas regional e local.

2 Abordagens relacionais da Comunicação para o Desenvolvimento (C4D) no processo de desenvolvimento brasileiro.

A relação entre comunicação e desenvolvimento tem sua gênese no período pós-guerras mundiais, quando o pensamento da modernização é compreendido como vetor de desenvolvimento, este associado à ideia de progresso econômico. A solução para desenvolver países “atrasados” estaria na difusão tecnológica dos países ricos ocidentais, o que revela paradigmas atualmente superados, tais como uma perspectiva evolutiva linear do progresso e do desenvolvimento, bem como a miopia em relação às especificidades culturais. Conforme Servaes (2008, p.159),

o paradigma da modernização, dominante nos círculos acadêmicos de cerca de 1945 a 1965, apoiou a transferência de tecnologia e da cultura sócio-política das sociedades desenvolvidas para o Sociedades ‘tradicionais’. Desenvolvimento foi definido como crescimento econômico [tradução dos autores].

Para essa concepção de desenvolvimento, o ambiente midiático marcado pela comunicação de massa, que expandia sua cobertura e agregava ao já popular rádio as redes de televisão, era perfeito para contribuir com a difusão tecnológica à época entendida como condição para o desenvolvimento. Os precursores em discutir comunicação e desenvolvimento, situados nesse contexto da modernização, foram Daniel Lerner, Wilbur Schramm e Everett Rogers (REIS, ROSTIN, 2009). A obra de Schramm, apoiada pela Unesco, revela uma abordagem difusionista condizente com a perspectiva de desenvolvimento modernizadora vigente no período pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Esta abordagem reflete o modelo de desenvolvimento nacional amparado na premissa de reprodução idealizada da experiência dos países centrais do capitalismo em sua trajetória industrial, o que se refletirá na estruturação do sistema de mídia nacional e sua presença no território. O desenvolvimento brasileiro está intrinsecamente ligado à trajetória histórica do país ao longo do século XX e ao estabelecimento da industrialização como fator instaurador do desenvolvimento econômico e social. Esse percurso está associado ao impacto da crise internacional deflagrada em 1929, combinado as tensões internas decorrentes da insatisfação de várias frações de classe expressas durante a década de 1920, cujo ponto de inflexão foi a Revolução de 1930, o que resultou no reordenamento da atuação do Estado nacional, especialmente quanto à aceleração da industrialização brasileira. Destaca-se que a industrialização, conceitualmente, era entendida como uma forma de transferência de tecnologia dos países dominantes e que, quando superados os estágios iniciais de sua implantação, levariam à modernização e, consequentemente ao desenvolvimento dos países periféricos.

As décadas seguintes têm como característica a consecução de ações e projetos para impelir o desenvolvimento nacional em um contexto em que as disputas políticas estavam associadas ao contexto internacional, particularmente a Guerra Fria. Observa-se que a industrialização e as políticas associadas à busca por desenvolvimento foram objeto de disputa por sua condução por grupos políticos distintos, com destaque para os liberais, defensores de uma forte aproximação com os Estados Unidos e os nacionalistas, engajados na consolidação de uma trajetória mais autônoma para o alcance dos interesses nacionais. A complexidade social e política do período não são objeto deste trabalho, porém é necessário reconhecer que ela é subjacente à época e delineia as contradições relacionadas às assimetrias brasileiras, ampliadas com o processo de modernização conservadora que transformou a sociedade brasileira no século passado (ORTIZ, 1988).

Entre as transformações associadas à industrialização do país está a implantação da infraestrutura necessária à integração econômica entre as regiões brasileiras. Nas primeiras décadas do século XX o intercâmbio econômico era reduzido, o que limitava o processo de desenvolvimento, especialmente quanto às possibilidades pertinentes a um mercado nacional efetivo, com efeitos de estímulo à elevação da produção e crescimento econômico (CANO, 2007).

A integração do território equivalia a razão de Estado, na acepção delineada na ciência política quanto às ações necessárias à preservação da soberania. Daí a criação de estatais, projetos de ocupação do interior do país e obras para integração nacional efetivadas durante os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart e no período da Ditadura Militar (1964-1985). Note-se que há diferenças marcantes entre os governos citados, porém a busca da integração nacional, ainda que com propósitos distintos, é um traço da história brasileira no período mencionado. A carência de infraestrutura básica de transportes, comunicação e energia limitava o crescimento econômico e as possibilidades de desenvolvimento, tal como compreendido naquele período da história nacional. Companhia Siderúrgica Nacional, Vale do Rio Doce, Petrobras, Eletrobras e demais empresas estatais e obras de infraestrutura estão relacionadas a esta busca por integração econômica e territorial. A estruturação de um sistema de mídia fez-se necessária para o projeto de integração nacional para viabilizar o projeto de modernização conservadora do país.

Historicamente, o delineamento das estruturas de comunicação no Brasil corresponde à expansão do mercado impulsionado pelo efeito multiplicador da industrialização e da urbanização do país no século passado. Desde à expansão da radiodifusão, ainda na década de 1930, o Estado brasileiro buscou potencializar o alcance dos meios de comunicação de massa como um recurso de mobilização política e social, como exemplifica a utilização do rádio por Getúlio Vargas, com destaque para o regime do Estado Novo (1937-1945).

Nesse sentido, a relação entre comunicação e desenvolvimento decorre da premissa da integração do território sob o prisma do mercado e do crescimento econômico, percebido naquela conjuntura histórica como fator suficiente para desencadear o desenvolvimento nacional. E o ponto de inflexão desta condição foi a elaboração do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) em 1962. Apesar de implementado no governo de João Goulart, o CBT foi mantido durante a Ditadura Militar, pois suas determinações correspondiam às expectativas dos empresários do setor privado de comunicação que apoiaram o golpe de Estado. Durante a discussão do CBT, o empresariado se articulou junto ao Congresso Nacional para garantir a derrubada dos vetos do presidente João Goulart e assegurar que, enquanto a instalação da infraestrutura necessária à expansão das telecomunicações caberia ao Estado, os serviços possibilitados por esse investimento ficariam sob a responsabilidade do setor privado. Destaca-se que essa divisão entre setor público e privado também contou com a participação dos militares em seu delineamento, envolvidos com os estudos e propostas para o setor, subsidiando, inclusive, o CBT (SANTOS, CARNIELLO, 2015).

O CBT consolidou o modelo de telecomunicações vigente no Brasil ao estabelecer as diretrizes do sistema nacional de comunicação, especificamente quando a televisão em seu processo de expansão consolidou o mercado nacional e a integração almejada desde a década de 1930, ainda que em uma conjuntura diversa. Percebe-se a subordinação dos processos de comunicação às determinações do mercado, cujo articulação envolveu o poder público, com a manutenção desse modelo no presente e reflexos quanto ao delineamento da comunicação para o desenvolvimento no Brasil.

O debate sobre estrutura de mídia é profícuo, a exemplo dos modelos de mídia e identificados por Hallin e Mancini (2004), que analisam as estruturas e sistemas de mídia de países, bem como na abordagem da economia política da comunicação, que ressalta a existência de uma forte correlação entre os movimentos de globalização da economia e de mudança estrutural dos sistemas de comunicação conforme aborda Bolaño (1996, p.16). A constatação é que modelo de comunicação do país, criado em um período de modernização conservadora, resultou em concentração da propriedade de mídia (LIMA, 2004); na mercadização da comunicação (MIÈGE, 2009); na falta de equidade no acesso às mídias (CGI, 2020; SECOM, 2016; INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO JORNALISMO, 2019) , fatores estes que se constituem como uma barreira para o desenvolvimento, tal qual como compreendido atualmente (SEN, 2000; DALLABRIDA, 2020; BARRANQUERO-CARRETERO, SÁEZ-BAEZ, 2015).

A insuficiência da concepção modernizadora foi demonstrada pelo próprio processo sócio-histórico, pois a pobreza e a falta de equidade entre as regiões não foram superados pelo projeto de modernização conservadora, que intensificou a desigualdade e criou novas categorias de exclusão social, tais como os trabalhadores à margem do modelo industrial vigente. As periferias das metrópoles brasileiras exemplificam como a acelerada urbanização associa a exclusão econômica e social ao condenar parcelas significativas da população à pobreza metropolitana. Esses trabalhadores prestam serviços necessários à reprodução social e econômica dos extratos com renda superior enquanto são mantidos em condições precárias de moradia, trabalho e segurança (SOUZA, 2012)

Tal fenômeno, que não é exclusivo do Brasil e se reproduz com suas especificidades em países “subdesenvolvidos” da África, Ásia e América Latina, demonstra a fragilidade da Teoria Modernizadora, e faz emergir novas concepções de desenvolvimento que desnudam as relações de forças desiguais entre os países, tal qual revelado por Celso Furtado (1983) ao abordar a questão de centro-periferia.

Na medida em que se está compreendendo que o subdesenvolvimento é a manifestação de complexas relações de dominação-dependência entre os povos, e que tende a autoperpetuar-se sob formas cambiantes, as atenções tenderam a concentrar-se no estudo dos sistemas de poder e suas raízes culturais e históricas (FURTADO, 1983, p. 187)

O reflexo territorial da modernização conservadora no Brasil manifesta-se na permanência das desigualdades intrarregionais e entre as regiões brasileiras, associadas à multiescalaridade e multidimensionalidades presentes nos territórios e, simultaneamente, vinculando-os à dinâmica internacional do trabalho. Nesse cenário, o desafio da comunicação para o desenvolvimento territorial implica a compreensão dos desafios teóricos e empíricos para as políticas públicas de desenvolvimento quanto aos efeitos da multiescalaridade e multidimensionalidades conectadas ao desenvolvimento territorial observadas por Favaretto (2020). Apesar de o autor abordar os conceitos de multiescalaridade e multidimensionalidade para o desenvolvimento territorial sem discutir especificamente o papel da comunicação, suas considerações indicam como a perspectiva teórica da comunicação para o desenvolvimento territorial pode ampliar sua densidade ao incorporar instrumentos que possibilitem a compreensão crítico reflexiva da teoria da modernização.

Percebe-se que a comunicação, na abordagem modernizadora, foi usada como recurso persuasivo para gerar mudanças de comportamento nas culturas originárias dos países e regiões desfavorecidos, estas consideradas com barreiras para o desenvolvimento preconizado pelos países ocidentais do Norte (BARRANQUERO-CARRETERO, SÁEZ-BAEZA, 2015).

A reação à desconstrução desse modelo se reflete na comunicação ao considerar questões locais e ao dar visibilidade a grupos sociais minoritários, seus usos e apropriações da mídia e às suas próprias soluções de comunicação, o que se reflete na obra de Luiz Beltrão (1971; 1980, 2004) e continuada por autores como Peruzzo (2009). Destaca-se, também, a forte influência do educador Paulo Freire (2006a; 2006b) para fortalecer uma abordagem dialógica, participativa e crítica da comunicação na década de 1970, rompendo com a suposta passividade do receptor. Segundo Gumucio-Dagron (2015), trata-se de superar o pensamento vertical que guiou a cooperação internacional, mentalidade cunhada em tempos coloniais.

Tais abordagens evidenciam as culturas locais, dão visibilidade a grupos marginalizados ao criar espaços de expressão até então inexistentes, o que é fundamental, no entanto apresentam limites. Esses limites estão na perspectiva escalar do desenvolvimento, apontada por Brandão (2001, p.01), que atenta para o que ele denominou de endogenia exagerada das localidades, que crêem “piamente na capacidade das vontades e iniciativas dos atores de uma comunidade empreendedora e solidária, que tem autocontrole do seu destino, e procura promover sua governança virtuosa lugareira”. Para o autor, as relações de classe, as questões hegemônicas, a ação pública não podem ser eliminados do debate do desenvolvimento.

Transpondo para a C4D, os processos locais e participativos obviamente são essenciais, no entanto estes estão inseridos em um contexto macroestrutural que não pode ser ignorado. No Brasil, a estrutura de comunicação é concentrada em conglomerados de mídia, configurando limites quanto às possibilidades das contribuições para o desenvolvimento territorial. Inclusive, a configuração da estrutura de mídia nacional é replicada nas escalas locais e regionais. Assim, somente os enfrentamentos locais são insuficientes para romper com as barreiras que a atual estrutura de mídia apresenta para o desenvolvimento territorial.

A relevância da perspectiva local e participativa do desenvolvimento aparece na visão de vários autores, tais como Sachs (1993), ao afirmar que o desenvolvimento deve basear-se na capacidade do povo pensar a seu próprio respeito, dotar-se de um projeto, em busca de uma solidariedade sincrônica, com as gerações atuais, e diacrônica, com gerações futuras. Instituições também reconhecem a adotam a abordagem participativa da comunicação, como refletindo no Guia de Comunicação e Mobilização Social em Convivência e Segurança Cidadã elaborado pelo Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento - PNUD (2016).

Formata-se o enfoque da dialogicidade, condição identificada para a mudança social (BARRANQUERO, 2015), como oposição à comunicação de massa e como vetor do debate público.

Tal abordagem foi fundamental para romper com a perspectiva modernizadora e, em hipótese alguma, nega-se a necessidade de participação e envolvimento social, no entanto, alerta-se que, em muitos casos, as iniciativas localistas podem não conseguir superar a característica de elemento de pressão ou estratégia de sobrevivência e apropriação de macrovariáveis que incidem sobre as localidades, e não necessariamente possuem força para serem reconhecidos e difundidos como modelos de desenvolvimento que possam ser apropriados como novo paradigma e superação de modelo hegemônico.

Um novo paradigma de desenvolvimento necessariamente passa pela ação do Estado como agente articulador, visto que as macroestruturas são dependentes da formalização e efetivação de um projeto de país. A necessidade de uma política pública pertinente a esse propósito tem como desafio a gestão das instituições quanto ao atendimento das premissas relacionadas ao desenvolvimento territorial, pois o Estado e seus recursos são objeto de disputa por distintos grupos políticos, historicamente associados à divisão internacional do trabalho e, consequente, manutenção das estruturas pertinentes às assimetrias territoriais.

Em um período histórico mais recente, o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação que resultou em um modelo de comunicação digital estruturado em rede, associado a uma transformação do conceito de desenvolvimento, faz emergir uma nova abordagem da C4D. O desenvolvimento tecnológico dos meios de comunicação e a estruturação de uma rede mundial de computadores, ao mesmo que potencializaram a ação humana, tornaram a sociedade mais complexa (SANTOS; CARNIELLO, 2011).

Castells (1999) evidenciou a complexidade e as novas dinâmicas de uma sociedade estruturada em rede, que inicialmente gerou expectativas para um ambiente mais democrático, uma utópica democracia digital (LÈVY, 2002), mas que desencadeou outros movimentos predatórios, como as fake news e o fenômeno da pós-verdade – escolha e aceitação de narrativas que trazem segurança emocional em um ambiente de desinformação devido ao excesso informacional (D’ANCONA, 2018). Fica claro que apenas o incremento tecnológico dos meios de comunicação não resulta, necessariamente, em melhorias nos processos rumo ao desenvolvimento de uma sociedade. O estabelecimento de governos iliberais no leste europeu e de governos que se pautam no populismo de extrema direita nos EUA e Brasil na última década apoiam-se na distorção da informação e na transição para Estados em que os princípios da democracia liberal e da social-democracia são suplantados. Esse cenário distópico evidencia como a comunicação tem papel fundamental no processo político ao delinear os processos políticos e as potenciais alterações das instituições relacionadas aos processos de desenvolvimento.

Do termo Communication for Development (C4D), deriva o termo Information and Communication Technologies for development (ICT4D), conforme abordado por Heeks (2006) e Kleine (2013). “Pensar sobre o papel das tecnologias de informação e comunicação no desenvolvimento nos desafia a pensar desenvolvimento para além do desenvolvimento econômico e sobre as tecnologias de informação e comunicação para o desenvolvimento não apenas de forma setorial, mas também mais sistêmica e transversal” [tradução dos autores] (KLEINE, 2013, p. 08).

A autora aproxima o debate ICT4D à abordagem das capacidades de Amartya Sen (2000), ao evidenciar que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) podem fazer parte do processo de ampliação das liberdades dos indivíduos, ancorada no conceito de Sen (2000) de desenvolvimento como liberdade. Sen (2000) categoriza as liberdades em substantivas, que se referem às capacidades elementares como ter condições de evitar privações de alimentação, recursos econômicos para uma via digna, bem como participação política, acesso à informação e liberdade de expressão; e liberdade instrumental, que se refere a liberdade que as pessoas têm de viver do modo como desejarem. O maior mérito de Kleine (2013) na aproximação da teoria de Sen (2000) está na propositura de um framework para análise das condições de comunicação de um determinado grupo social, com o intuito de verificar se estas levaram à ampliação das liberdades e, portanto, ao desenvolvimento.

Esta abordagem de desenvolvimento nitidamente se afasta da visão economicista e evidencia o bem-estar social e a equidade de oportunidades como o objetivo do desenvolvimento, abordagem que, ao privilegiar o social, relega as dimensões política, econômica, cultural a um segundo plano, conforme observam Barranquero-Carretero, Sáez-Baez (2015).

A busca do bem-viver tem se apresentado no debate do desenvolvimento, especialmente no cenário latinoamericano, conforme apontam Barranquero-Carretero, Sáez-Baez (2015, p.43) ao afirmar que “a cosmovisão do bom viver promove um giro biocêntrico e descolonial a respeito das noções de comunicação para o desenvolvimento e para a mudança social”.

A abordagem do bem-viver demanda uma ruptura significativa com o conceito ocidentalizado de desenvolvimento.

O debate sobre a crise de caráter sistêmico e civilizatório sugere reflexão sobre o sentido de Bem Viver, o qual se relaciona a qualidade de vida e remete a questões como espiritualidade, natureza, modos de vida e consumo, política, ética. Nessa perspectiva, há necessidade de amadurecer o diálogo sobre o tema Bem Viver como uma proposta alternativa de desenvolvimento, quando se pensa a relação sociedade e natureza (ALCANTARA, SAMPAIO, 2017, p. 233).

Aparentemente utópico, identificam-se iniciativas como o caso do Equador, que incorporou o conceito como parte de seu plano de desenvolvimento, no qual declara um compromisso com a mudança, “que permite a aplicação de um novo paradigma econômico, cujo final não se concentra no material, na acumulação mecanicista e interminável de bens, mas em vez disso promove uma estratégia econômica inclusiva, sustentável e democrática” (SENPLADES, 2009, p.10).

Já no campo da geografia da comunicação, há uma evidente aproximação entre comunicação e território. Moreira (2009) evidencia que a comunicação pode ser um prisma de análise para a compreensão de territorialidades. Ao revelar as formas de uso e acesso dos sistemas comunicacionais, permite mapear as direções dos fluxos da informação e destaca eventos que ocorrem em determinados espaços da comunicação. Jansson (2005) afirma que se trata de um campo de estudo que que busca compreender como a comunicação produz o espaço e como o espaço produz comunicação.

Melo (2006) também discutiu a questão territorial da mídia, propondo, inclusive, uma taxonomia regional sob o prisma da mídia, com duas grandes categorias “onde se formam redes midiáticas ou se configuram fluxos comunicacionais peculiares” (MELO 2006, p. 17). Tal abordagem também é explorada por Adams (2011), que sistematiza a relação entre mídia e espaço como:

- a mídia no espaço: diz respeito a infraestrutura de mídia regional e seus fluxos;

- os espaços na mídia; enfatizam o espaço social da mídia;

- os lugares na mídia: dizem respeito às representações mediatizadas e imagens geradas, o que passa pelas relações de afetividade geradas pela mídia;

- a mídia no lugar: define a adequação das mídias para as especificidades de cada espaço social.

Tais abordagens são fundamentais para iluminar a intrínseca relação entre comunicação e território. Etges (2005, p.53) identifica o território como o novo paradigma do desenvolvimento. Para a autora, o “desenvolvimento, na perspectiva territorial, está atento ao território como um todo, compreende sua dinâmica e sua diversidade”, o que permite inferir que a comunicação faz parte do processo multidimensional do desenvolvimento.

A multidimensionalidade e multiescalaridade presentes nas regiões brasileiras estão associadas intrinsecamente às assimetrias entre as regiões e intrarregionais, resultantes da trajetória histórica no país. Tal cenário implica na desigualdade do acesso à informação e da estrutura de comunicação no território nacional, muitas vezes limitando severamente qualquer possibilidade de constituição de ações relacionadas à comunicação para o desenvolvimento territorial. A pesquisa Atlas da Notícia (INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DO JORNALISMO, 2019) evidencia o efeito da distribuição espacial da mídia no território, ao demonstrar que a distribuição desigual gera o que foi denominado de desertos da notícia. O estudo revela que 62% dos municípios não têm cobertura noticiosa e 18% da população carecem de acesso a jornalismo local.

Retoma-se a perspectiva escalar apontada por Brandão (2001) para evidenciar como externalidades incidem no local, ao questionar aspectos sobre como se configura a mídia local e regional. Deolindo (2019) tece várias questões sobre mídia regional que demonstram a correlação entre as políticas de comunicação nas regiões e localidades, tais como: o modelo de negócio da mídia no interior segue o perfil a grande mídia? Por que as empresas de mídia local e regional estão localizadas onde estão? Qual a relevância da mídia do interior para as comunidades locais e regionais? Para responder e essas questões, faz-se necessário a consideração das diversas escalas territoriais e sua inter-relação para efetivar um modelo de desenvolvimento, seja ele qual for.

Isto posto, considera-se fundamental compreender o paradigma de desenvolvimento adotado pelo país, visto que tais diretrizes incidirão direta ou indiretamente nas demais escalas do território. Apresenta-se, na seção subsequente, o percurso de análise realizado nesta investigação, focada em compreender se e como a Política Nacional de Desenvolvimento Regional contempla a comunicação enquanto elemento constitutivo do desenvolvimento.

3 Método

A pesquisa caracteriza-se como exploratória, de abordagem qualitativa e com delineamento documental. “A análise documental, muito mais do que localizar, identificar, organizar textos, som e imagem, funciona como expediente eficaz para contextualizar fatos, situações, momentos (MOREIRA, 2005, p. 276).

Como objeto de análise, foi delimitado o Decreto Nº 9.810, de 30 de maio de 2019, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (BRASIL, 2019). Ressalta-se que o PNDR é um documento norteador que revela a concepção de desenvolvimento adotada como paradigma do governo federal.

O procedimento para atingir o objetivo da pesquisa, que consiste emanalisar o papel da comunicação na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) vigente, sancionada em 30 de maio de 2019, seguiu o seguinte percurso:

a. leitura global do documento para definição os parâmetros de análise;

b. definição dos seguintes parâmetros:

- identificação dos princípios norteadores do conceito de desenvolvimento;

- identificação dos eixos setoriais de intervenção da PNDR;

- composição do Comitê Executivo da PNDR;

- análise dos princípios da PNDR;

- análise dos objetivos da PNDR;

- análise das estratégias da PNDR.

c. identificação do papel da comunicação nos parâmetros de análise definidos.

Não foi intuito da pesquisa verificar a implementação ou eficácia da PNDR, visto que o enfoque foi delimitado na concepção conceitual de desenvolvimento adotado no documento, bem como a identificação da compreensão da comunicação como elemento constitutivo de uma política de desenvolvimento.

4 Abordagem da Comunicação na Política Nacional de Desenvolvimento Regional

Ao analisar a Política Nacional de Desenvolvimento Regional, identificou-se que a concepção de desenvolvimento adotada no documento, apesar de indicar o foco na qualidade de vida da população, demostra uma vertente centrada na economia, ao afirmar que a redução de desigualdades econômicas e sociais resultariam em crescimento econômico, este associado à qualidade de vida da população. A “finalidade é reduzir as desigualdades econômicas e sociais, intra e inter-regionais, por meio da criação de oportunidades de desenvolvimento que resultem em crescimento econômico, geração de renda e melhoria da qualidade de vida da população” (BRASIL, 2019, não paginado).

O crescimento econômico não necessariamente resulta na qualidade de vida da população. Conforme Vieira e Santos (2012, p.364),

A avaliação dos indicadores de desenvolvimento econômico regional quanto à satisfação das necessidades básicas materiais e imateriais não pode ser baseada somente no rendimento dos indivíduos, mas em outras fontes, pois as condições materiais são importantes, mas não exclusivas. O bem-estar dos indivíduos não depende exclusivamente da posse de bens materiais, mas da acessibilidade aos meios que permitem o pleno desenvolvimento das potencialidades pessoais e também da coletividade.

Nota-se um resquício da perspectiva da modernizadora, com ênfase no crescimento econômico, hibridizada com a busca da ampliação da qualidade de vida da população por meio da eliminação das barreiras econômicas e sociais, o que pode ser aproximado da perspectiva de Sen (2000).

Para fomentar a discussão, apresenta-se, como exemplo, o caso do Equador, cuja política de desenvolvimento centra-se no conceito do bem viver (SENPLADES, 2009), anteriormente abordado, apenas para evidenciar que os conceitos norteadores do desenvolvimento de um país podem ter eixos conceituais distintos.

Na PNDR observa-se, também, uma abordagem territorial ao definir como um dos princípios norteadores a “atuação multiescalar no território nacional”, bem como “reconhecimento e valorização da diversidade ambiental, social, cultural e econômica das regiões”, o que revela uma abordagem multidimensional do território.

A PNDR define como eixos setoriais de intervenção: I - desenvolvimento produtivo;

II - ciência, tecnologia e inovação; III - educação e qualificação profissional; IV - infraestrutura econômica e urbana; V - desenvolvimento social e acesso a serviços públicos essenciais; e

VI - fortalecimento das capacidades governativas dos entes federativos.

Nota-se a comunicação como ausente do foco de intervenção da PNDR. Ora, se, conforme explicitado anteriormente, a estrutura de telecomunicações brasileira foi elaborada sob a concepção da modernização conservadora e apesenta barreiras para o desenvolvimento, por concentrar a propriedade das empresas de mídia; adotar o modelo comercial articulado com o modelo neoliberal; ter distribuição e cobertura desiguais no território, então a reestruturação do sistema de mídia seria necessário para convergir com o bem- estar da população.

A palavra comunicação não é mencionada na PNDR, o que revela que não é compreendida como eixo de desenvolvimento. Alterar a estrutura de mídia seria desconstruir um dos caminhos de conquista e manutenção de poder, em um contexto no qual a comunicação mediatizada tornou-se elemento central dos processos eleitorais, com foco nas narrativas sem necessariamente haver uma vinculação com os fatos, conforme demonstra D´Ancona (2018) ao abordar o conceito de pós-verdade.

Em um esforço de dedução, no máximo a Comunicação poderia estar contemplada no item IV - infraestrutura econômica e urbana, o que representa uma visão utilitarista.

Ao não contemplar a comunicação como um eixo prioritário, o então Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) não foi considerado no documento como Comitê-Executivo da Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional.

Quanto aos princípios da PNDR, a comunicação está intrinsicamente relacionada ao princípio I - transparência e participação social. A perspectiva é instrumental, quanto à transparência, no sentido de publicizar informações de interesse público. Ainda que o acesso a informação seja um direito e uma condição para o desenvolvimento, conforme aponta Sen (2000), ainda há um caráter funcionalista da comunicação como divulgação, e não como eixo constitutivo de um território. Já a abordagem da participação social guarda relação com a fase dialógica da C4D.

Em relação aos objetivos da PNDR, não há menção a nenhum aspecto diretamente relacionado à comunicação. No entanto, ao definir o objetivo “II - consolidar uma rede policêntrica de cidades, em apoio à desconcentração e à interiorização do desenvolvimento regional e do País, de forma a considerar as especificidades de cada região” (BRASIL, 2019) entende-se que a Comunicação teria papel fundamental para o alcance desse objetivo, pois é um elemento de territorialidade. “Redes de circulação e comunicação contribuem para modelar o quadro espaço-temporal que é todo território. Essas redes são inseparáveis dos modos de produção dos quais asseguram a mobilidade” (RAFFESTIN, 1993, p. 204).

Por fim, a análise das estratégias da PNDR indica a não apresentação da Comunicação como um elemento presente para a viabilização e implementação da PNDR. Em síntese, nota-se que a comunicação não aparece como elemento constitutivo da PNDR de forma direta ou estratégica. Importante ressaltar que a presença da comunicação como componente do desenvolvimento do território é algo muito além do papel de divulgação que se atribui à comunicação, quando incluída nos planos, conforme aponta PANOS LONDON (2007, p.4), ao constatar que

a maioria dos políticos, empresários e todos que trabalham em qualquer tipo de empresa coletiva reconhecem intuitivamente que a comunicação eficaz é fundamental para seu sucesso. No entanto, é frequentemente esquecida no desenvolvimento, análises, projetos de desenvolvimento e formulação de políticas [tradução dos autores].

Tal qual evidenciado por Barranquero-Carretero, Sáez-Baez (2015), esta perspectiva deve superar a ideia de comunicação como ferramenta para o alcance do desenvolvimento. A demanda é que a comunicação seja compreendida como um dos elementos constitutivos do território, e, portanto, contemplada na visão multidimensional do território.

5 Considerações finais

O objetivo foi analisar o papel da comunicação na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) vigente. A premissa subjacente à pesquisa é a condição estratégica da comunicação para o fomentar do desenvolvimento territorial mediante a perspectiva da crítica à sua incorporação utilitarista e meramente informativa nas políticas públicas.

Denota-se que a concentração da propriedade das empresas de mídia resulta da trajetória histórica do setor no Brasil e de sua ação estratégica para assegurar a efetividade do processo de modernização conservadora do país. Destarte, a função da comunicação na estruturação das relações políticas e econômicas é estratégica, inclusive para a manutenção das assimetrias sociais por reforçar a naturalização da estrutura de classes, o abismo socio econômico presente no país e as diferenças regionais.

Tal posição no processo de modernização conservadora perpassa a historicidade da comunicação no Brasil e, simultaneamente, indica a possibilidade de torná-la um ativo com contribuições para o desenvolvimento territorial no Brasil, desde que incorporada às políticas públicas sob uma perspectiva estratégica e não meramente informativa.

O primeiro passo para a efetivação da comunicação em um dos vetores para o desenvolvimento territorial está associado ao reconhecimento necessário na PNDR. Porém, a análise da PNDR e seus componentes fundamentais indica a desconsideração da comunicação como estratégia para integração territorial e potencialização das ações adequadas à multiescalaridade e multidimensionalidade presentes nos territórios. Denota-se a perenidade na atual PNDR de uma concepção fractal e utilitarista da comunicação, o que contribui para a permanência da estrutura de comunicação presente no país como suporte da modernização conservadora, que permanece como eixo definidor da integração do Brasil à globalização e as atuais condições da divisão internacional do trabalho.

Assim, a inferência da Comunicação como uma ferramenta para a transparência e participação social na leitura da PNDR é frágil, pois é distante da condição histórica do setor no país. Esse cenário explica por que a Comunicação não se configura como um eixo prioritário para as políticas públicas de desenvolvimento, convergindo para a manutenção de uma estrutura de mídia com características desfavoráveis para os processos de desenvolvimento.

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