Comunicação, Cultura e Desenvolvimento Regional

Movimentos de Emigração de Mulheres Rurais em Itapejara d’Oeste/PR: enfrentando relações de poder patriarcais

Emigration Movements of Rural Women in Itapejara d’Oeste/PR: facing relations of patriarchal power

Movimientos de Emigración de Mujeres Rurales en Itapejara d’Oeste/Pr: enfrentando relaciones de poder patriarcales

Josiane Carine Wedig
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Simão Ternoski
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Brasil
Miguel Angelo Perondi
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil
Norma Kiyota
Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná, Brasil

Movimentos de Emigração de Mulheres Rurais em Itapejara d’Oeste/PR: enfrentando relações de poder patriarcais

Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 01 Mayo 2020

Aprobación: 24 Octubre 2020

Resumo: Este artigo analisa as relações de poder, saber e ser que, desde o colonialismo, constituíram hierarquias em torno das classificações de gênero. Nossa cultura rotula como não civilizada e não humana aquelas(es) que não se enquadram no modelo hegemônico, esse rótulo é usado para entender o papel da mulher no meio rural. Nas áreas rurais, as mulheres modernas buscam romper com as relações de poder estabelecidas, procuram maior independência e acesso à liderança pública. Diante dessas questões, vale a pena perguntar: quais são os fatores que empoderam as mulheres rurais? Observa-se que a escolaridade e as alternativas de renda não agrícola possibilitam quebrar sua invisibilidade nos estabelecimentos rurais. Para a construção da análise, são apresentados os dados estatísticos de uma amostra de 95 casos da população rural de Itapejara d'Oeste/PR, cujo levantamento inicial foi realizado em 2005 e posteriormente atualizado em 2010 e 2015, nesta análise, utilizou-se de ferramentas econométricas, com base no modelo de variável limitada dependente (MVLD). Os resultados indicaram a ocorrência de uma maior emigração de mulheres relacionadas à maior escolaridade, bem como uma redução dessa emigração quando as mulheres passaram a ter maior acesso a rendimentos não agrícolas no meio rural. Ambas as formas de acesso ao espaço público deram às mulheres rurais maior independência e provavelmente ajudaram a sair de sua invisibilidade.

Palavras-chave: Mulheres Rurais, Emigração Rural, Escolaridade, Renda, Perspectiva Decolonial.

Abstract: This article analyzes the relations of power, of knowledge and of being that, since colonialism, have constituted hierarchies around gender classifications. Our culture labels as non-civilized and non-human those who do not fit the hegemonic model; this label is used to understand the role of women in rural contexts. In rural areas, modern women seek to break with established relations of power, seeking greater independence and access to public leadership. Given these questions, it is worth asking: what are the factors that empower rural women? It is observed that education and non-agricultural income alternatives make it possible to break their invisibility in rural establishments. For the construction of the analysis, the statistical data are presented from a sample of 95 cases of the rural population of Itapejara d'Oeste / PR. The initial survey was carried out in 2005 and later updated in 2010 and 2015. Econometric tools, based on the limited dependent variable model (LDVM) were used. The results indicated the occurrence of a greater emigration of women related to higher education, as well as a decrease of this emigration when women started to have greater access to non-agricultural income in rural areas. Both forms of access to public space have given rural women greater independence and probably helped to break out of their invisibility.

Keywords: Rural Women, Rural emigration, Education, Income, Decolonial Perspective.

Resumen: Este artículo analiza las relaciones de poder, saber y ser que, desde el colonialismo, han constituido jerarquías en torno a las clasificaciones de género. Nuestra cultura etiqueta como no civilizada y no humana a aquella(o)s que no se encuadran en el modelo hegemónico, esta etiqueta se utiliza para comprender el rol de las mujeres en el medio rural. En las zonas rurales, las mujeres modernas intentan romper las relaciones de poder establecidas, buscan más independencia y tener acceso al liderazgo público. Ante a estas cuestiones, cabe preguntarse: ¿Cuáles son los factores que empoderan a las mujeres? Se observa que la escolaridad y las alternativas de renta no agrícolas les permiten traspasar su invisibilidad en los establecimientos rurales. Para la construcción del análisis se presentan los datos estadísticos de una muestra de 95 casos de la población rural de Itapejara d'Oeste / PR, cuya investigación inicial fue realizada en 2005 y actualizada en 2010 y 2015, en este análisis, se utilizó herramientas econométricas basadas en el modelo de variable dependiente limitada (MVLD). Los resultados indicaron la ocurrencia de una mayor emigración de mujeres relacionada a más alta escolaridad, así como una reducción en esta emigración cuando las mujeres comenzaron a tener más acceso a ingresos no agrícolas en el medio rural. Ambas formas de acceso al espacio público han dado a las mujeres rurales una mayor independencia y probablemente les han ayudado a salir de su invisibilidad.

Palabras clave: Mujeres Rurales, Emigración Rural, Escolaridad, Renta, Perspectiva Decolonial.

1 Introdução

A sociedade atual foi constituída, enquanto sistema-mundo-moderno (WALLERSTEIN, 2001), a partir do século XVI e se configurou através de modelos econômicos, políticos, culturais e sociais eurocentrados. Nela foram estabelecidas classificações raciais, religiosas, de gênero e outras, que produziram dicotomias entre os sujeitos que foram considerados “civilizados” e o menosprezo por aqueles que foram reduzidos a “selvagens”.

As características do colonialismo, para Ochy Curiel Pichardo (2014) se configuram nas relações de poder, do saber e do ser, gerando hierarquias que se perpetuam por meio das instituições modernas e coloniais, como o Estado, a medicina, a ciência, o direito, a indústria, entre outras. Instituíram-se rótulos sobre os “outros”, que foram classificados como “irracionais” em oposição aos “racionais” e, neste meandro, as mulheres foram classificadas no polo da irracionalidade.

Mesmo com o fim do colonialismo, permaneceu a colonialidade, ditando as regras e as relações de poder. A colonialidade, presente nas instituições modernas, está centrada no poder patriarcal, que determinou o homem branco, europeu, heterossexual, urbano e com posses, como expoente do poder. Esta classificação colonial irradia nas instituições e na representação social até hoje.

As populações rotuladas como não civilizadas passaram a ser obrigadas a se adaptar ao modelo civilizatório único, eurocentrado, deixando de lado seus saberes. Elas foram incitadas a se adaptar aos parâmetros do sistema, seguindo a noção do evolucionismo social, em que deveriam adaptar seus modos de vida e suas instituições a esse modelo.

As noções de gênero e sexualidade foram estabelecidas na sociedade colonial, marcadas pelo poder patriarcal (o pátrio poder). Adriana Piscitelli (2009) aponta que o patriarcado é responsável por determinar as liberdades das mulheres nos mais diversos espaços sociais.

Conforme Helena Hirata (2007), na sociedade moderna, coube às mulheres, o espaço privado, os trabalhos invisíveis, gratuitos e reprodutivos. Schwendler (2009) trata da invisibilidade das mulheres no espaço público, onde as suas produções, quando levadas ao mercado, são creditadas aos homens, como produtores e comerciantes, restando a elas o status de (re)produtoras. Nas pesquisas de Hirata e Kergoat (2007), elas percebem uma reconfiguração dos espaços público e privado, a partir de mudanças no mercado de trabalho com uma maior inserção das mulheres contudo, o trabalho doméstico, ainda é, quase exclusivamente, sua responsabilidade.

A colonialidade do poder também opera nos espaços rurais. É nessa perspectiva que se propôs indagar: quais são os fatores que empoderam as mulheres rurais? Admite-se que a escolaridade e as outras rendas, permitem às mulheres romper com a invisibilidade no rural e acessarem o espaço público.

Portanto, o objetivo geral deste artigo é analisar se o acesso a maiores níveis de educação e de renda, possibilitam a visibilidade das mulheres rurais e a sua mobilidade no espaço público, reconfigurando as relações patriarcais. Para isso, visa-se : 1) descrever o nível de escolaridade e a composição das rendas externas dos casos investigados em Itapejara d’Oeste; 2) aplicar modelo econométrico para variável limitada dependente, permitindo identificar características que contribuem para o processo de emigração feminina na região de estudo; 3) perceber se o acesso ao espaço público, pelas mulheres rurais, gera maior independência financeira e visibilidade à elas.

A divisão sexual do trabalho é permeada de responsabilizações hierárquicas das ocupações, como a atribuição do cuidado do lar às mulheres, concebido como trabalho reprodutivo, gratuito e invisível. Já dos homens, é esperado o provimento familiar através do trabalho remunerado e produtivo. Essa divisão marca a separação entre espaço privado e público. A pesquisa se justifica ao perceber os movimentos das mulheres agricultoras objetivando acessar o espaço público e romper com o trabalho invisível, ressaltando sua importância no cenário econômico e social.

O trabalho, além deste debate introdutório, foi dividido em outras quatro seções, uma primeira que trata da perspectiva decolonial em torno das hierarquias de poder, saber e ser, adentrando na discussão de divisão sexual do trabalho, na sequência, apresenta os procedimentos metodológicos, envolvendo o banco de dados e as ferramentas de análise. No tópico seguinte, estão os resultados, onde as análises foram separadas em duas perspectivas, uma primeira de apresentação descritiva dos dados e uma segunda que trata dos resultados do modelo econométrico para variáveis limitadas dependentes (MVLD). Ao final desta discussão de resultados estão as considerações finais.

2 Colonialismo e Colonialidade: hierarquias de poder, saber e ser

O sistema colonial/moderno, impôs um conjunto de dualismos: natureza e sociedade, racional e irracional, homem e mulher, centro e periferia, desenvolvido e subdesenvolvido, humano e não humano, Ocidente e Oriente, etc. (LATOUR, 1994). Essas dicotomias deram base para hierarquização dos povos entre “civilizados” e “primitivos”.

Com o fim do colonialismo, a partir das independências dos Estados-Nação, houve a continuidade da colonialidade do poder, do saber e do ser. No caso da colonialidade de gênero, ela se perpetua “na intersecção de gênero/classe/raça como constructos centrais do sistema de poder capitalista mundial” (LUGONES, 2014, p. 939).

Silvia Federici (2017, p. 63) aponta que, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, as mulheres passaram a ser perseguidas através da grande “caça às bruxas”. Essas violências estiveram associadas as alterações do acesso à terra que, de bem comum, foi transformada em propriedade privada. As mulheres que foram perseguidas eram, principalmente, camponesas que resistiam aos cercamentos e lutavam pela posse da terra e pela preservação de seus saberes. Acessar à terra se tornou uma barreira para as mulheres, pois elas “foram excluídas da posse da terra, especialmente quando eram solteiras ou viúvas”, ocasionando movimentos intensos de êxodo para as cidades, pobreza e a submissão em “trabalhos mal pagos como servas, vendedoras ambulantes, comerciantes (com frequência multadas por não terem licença), fiandeiras, membros de guildas menores e prostitutas”.

Os cercamentos expulsaram as famílias camponesas dos espaços rurais, ao mesmo tempo que as mulheres (viúvas, abandonadas, idosas) se tornaram a resistência ao modelo de poder instituído, (poder patriarcal), passando a serem perseguidas. Esta forma de poder se enraizou e deixou rastros de privação de acesso à terra (herança, sucessão no rural) às mulheres até os dias atuais.

Piscitelli (2009) discute a imposição das instituições modernas na criação de corpos dóceis preparados e domesticados para o trabalho centrado na acumulação de capital. O poder disciplinar, de produção de corpos dóceis, é instituído na transição para a Idade Moderna, onde criam-se dispositivos que produzem corpos úteis ao trabalho fabril, além da patologização do corpo mole ou preguiçoso e a criminalização da vagabundagem (FOUCAULT, 1997).

Conforme Michel Foucault (1997), os corpos das mulheres foram desqualificados a partir de indicações de patologias relacionadas à fecundidade, ou à responsabilidade biológico-moral que lhes era atribuída pela educação. O disciplinamento dos corpos foi recobrindo todo o dispositivo da sexualidade, a qual passa a ser submetida à lei. Nesta transição para o mundo moderno, Federici (2017), considera que o controle do corpo, antes feito pela própria mulher, passou a ser efetuado pelo Estado e por outras instituições.

A forma como a sociedade molda os corpos reflete o conceito da performatividade em Butler (2016) que se conecta a uma produção ontológica e epistemológica, que na sociedade moderna eurocêntrica é pautada em uma concepção heteronormativa. O comportamento, as vestimentas, etc., denotam a performatividade com que o sujeito se constitui socialmente e, como os corpos são produzidos desde o nascimento.

Desse modo, a construção social de gênero, marcada pelo poder patriarcal e pelas normativas estatais, rotula corpos e cria espaços de ocupação para cada sujeito, moldando a separação dos espaços público e privado e do trabalho remunerado e não remunerado. Piscitelli (2009) aponta como a sociedade moderna definiu um padrão de divisão do trabalho que atribuiu ao homem o espaço público e o trabalho remunerado, e à mulher o espaço privado e o trabalho gratuito. Fabíola Rohden (2001) demonstra que às mulheres foi reservado o espaço privado, restrito ao trabalho reprodutivo da esfera doméstica.

Para que as mulheres pudessem acessar o espaço público e o trabalho produtivo houveram inúmeras lutas. Contudo, muitas mulheres que rompiam com a lógica da divisão sexual do trabalho eram tratadas como estéreis e loucas (ROHDEN, 2001). Também, as acusavam de histeria quando rompiam com o que era considerado normal, ou seja, quando não seguiam ao modelo de submissão e dedicação aos trabalhos reprodutivos (BUTLER, 2016).

Os sujeitos, considerados anormais, não tinham o direito de frequentar o espaço público, o que cria um estereótipo de quem pode acessar este espaço (BUTLER, 2016). O acesso, sobretudo ao trabalho e as fichas simbólicas, exibe a desigualdade sexual entre homens e mulheres.

2.1 A divisão sexual do trabalho

Hirata (2007) aponta para uma difusão dos empregos parciais, precários e irregulares direcionados às mulheres. Uma desigualdade que se estrutura mesmo quando elas rompem com a barreira da separação dos espaços público e privado. Os trabalhos de alto escalão, estáveis e de chefia, em sua maioria, se destinam aos homens, já os temporários e com maior precariedade empregam as mulheres.

A flexibilização do trabalho é sexuada, sendo que a flexibilidade interna, pautada na polivalência e integração de tarefas (positiva em termos de carreira) é direcionada aos homens, já uma flexibilidade externa (negativa em termos de precariedade e horários) se destina às mulheres, elevando a desigualdade nas condições de trabalho e emprego (HIRATA, 2007).

Quando as mulheres saem do espaço privado, centrado no trabalho gratuito e reprodutivo e adentram ao espaço público, do trabalho produtivo e remunerado se deparam com a desigualdade nos postos de trabalho e piores condições em relação ao trabalho masculino (PISCITELLI, 2009). Hirata (2007) aponta que esta divisão está marcada pelo princípio de separação de tarefas entre homens e mulheres, que rotula trabalhos que são de responsabilidade exclusiva das mulheres, como o doméstico, algo comum também nos espaços rurais.

Na valoração desigual do trabalho de homens e mulheres, o IBGE (2018), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), selecionou onze carreiras e comparou os salários médios entre estas, a conclusão foi que, em todas as categorias, as mulheres têm rendimento inferior ao dos homens. Na média das profissões analisadas, as mulheres recebem apenas 79,4% do salário dos homens na mesma ocupação. Em relação a ocupação de atividades da agricultura, a diferença é ainda maior, as mulheres recebem R$ 882,00, o que corresponde a 64,2% do valor recebido pelos homens, que é em média R$ 1.373,00.

A divisão sexual do trabalho, também, é tratada por Florence Weber (2009), que aborda a questão do lazer e do trabalho exterior ao domicílio, indicando o desconforto masculino em realizar trabalhos no espaço doméstico. A autora analisou como ocorre a naturalização do trabalho doméstico como feminino, visto que os homens, quando não estão no espaço de trabalho remunerado, preferem realizar atividades externas ou de lazer, pois o espaço doméstico, para eles, é reservado apenas ao descanso.

Relações desiguais de trabalho entre homens e mulheres são forçadas pela economia capitalista. Para Marilyn Strathern (2006), o trabalho doméstico está situado fora das instituições capitalistas (mercados) e dentro do espaço privado, não sendo valorado ou remunerado. Apesar do trabalho doméstico ser fundamental para a manutenção da vida, não recebe reconhecimento social e econômico.

Para Hirata e Kergoat (2007), a separação entre trabalho produtivo e reprodutivo gera valor adicional em termos sociais e econômicos maior ao homem e reafirma a hierarquização e a separação. O princípio da separação denota a existência de trabalhos de homens e os destinados para as mulheres. O princípio hierárquico marca a diferenciação em termos de valor, onde o trabalho masculino apresenta maior valor que o trabalho realizado pela mulher.

As autoras salientam que, recentemente, tem ocorrido uma reconfiguração dos papéis, com as mulheres assumindo novos postos de trabalho no espaço público e produtivo, delegando o trabalho doméstico à outras mulheres que tiveram menos oportunidades sociais. Elas alertam que a velha estrutura persiste e que o trabalho doméstico, mesmo quando delegado, é ainda incumbência das mulheres.

Grande parcela do trabalho é realizada de forma gratuita pelas mulheres e, “esse trabalho é invisível”, realizado não para si, “mas para outros, e sempre em nome da natureza, do amor e do dever materno” (HIRATA; KERGOAT, 2007, p. 597). O trabalho das mulheres é considerado menos trabalho, ou não tem a mesma visibilidade do trabalho masculino (STRATHERN, 2006). O debate teórico tem forçado o reconhecimento do trabalho feminino, doméstico e reprodutivo, no entanto, lacunas ainda persistem.

Um cenário presente também no rural e na região pesquisada, em que, as mulheres, além de trabalharem juntamente com os homens nas atividades do campo, continuam responsáveis, quase exclusivamente, pelo trabalho doméstico, considerado como “não trabalho”.

2.2 A divisão do trabalho no espaço rural

Registros de campo de Ternoski (2013) e Kempf, Ternoski e Caldas (2019), indicam que no rural, as mulheres assumem dupla jornada de trabalho, perpetuando-se, assim, as relações desiguais entre homens e mulheres. Ao retornarem juntos das atividades no campo para o almoço, por exemplo, cabe às mulheres a preparação das refeições e os cuidados com a casa, enquanto, neste meio tempo, os homens descansam. Ao final do intervalo de descanso, ambos retornam juntos para as atividades do campo.

Piscitelli (2009) aponta que o trabalho doméstico é rotulado como improdutivo, reprodutivo e, com isto, é desvalorizado. No meio rural, os trabalhos que as mulheres realizam nas hortas, pomares e outros, geram alimentos para o autoconsumo, contudo, permanecem invisibilizados na contabilização do trabalho e da renda familiar.

Para Siliprandi (2013, p. 341 – 342), estas

são questões vinculadas às atribuições de gênero e aos modelos de masculinidade e feminilidade construídos socialmente e fortemente presentes no meio rural: os homens, como provedores econômicos, são mais pressionados a priorizar a renda monetária, que lhes proporciona reconhecimento social imediato, enquanto as mulheres são mais propensas a aceitar viver com menos recursos financeiros, desde que a sobrevivência familiar esteja assegurada ao longo do tempo, ainda que seja às custas da exploração do seu trabalho.

Strathern (2006) se refere a uma tendência típica dos espaços rurais em termos do dinheiro comum (renda indivisível) e da forma como as tarefas são divididas. O acesso ao espaço público, principalmente da negociação e da venda é feito pelos homens, mesmo quando as mulheres tenham participado do processo produtivo, ou seja, além de desenvolver um trabalho invisível e de dupla jornada, as mulheres rurais, em geral, não comercializam a produção, ficando a renda concentrada na mão do chefe de família.

A autora observou que, na atividade de criação de porcos entre os povos Hagen, da província das terras altas ocidentais de Papua-Nova Guiné, “os homens são produtores e negociadores, as mulheres são apenas produtoras” (STRATHERN, 2006, p. 229). Assim, os cuidados são divididos por homens e mulheres, mas a venda dos porcos é realizada apenas pelos homens.

Strathern (2006) aponta que os frutos do trabalho não se destinam as mulheres, visto que são considerados como suas obrigações de alimentar a família. As mulheres também têm restrição ao acesso à propriedade da terra, a qual tem acesso, geralmente, a partir do casamento com alguém que possui terra, uma vez que não são escolhidas para serem sucessoras da unidade de produção da sua família.

O prestígio e os frutos do trabalho, para Zanini e Santos (2013), são colhidos pelo homem, mesmo que produzidos conjuntamente, é dado ao homem o papel de assumir o espaço público, tendo a mulher o papel social na esfera doméstica e do cuidado com as/os filhas/os.

Schwendler (2009, p. 213) também observa essa dinâmica, apontando que “na maioria das vezes não cabe à mulher decidir sobre como produzir, negociar, comercializar os produtos ou discutir a respeito dos créditos agrícolas. Essas tarefas são colocadas como masculinas”.

Conforme Anita Brumer (2004, p. 210), o trabalho realizado pelas mulheres nas roças é considerado como “ajuda”. Na “divisão do trabalho por sexo na agricultura [...] as mulheres (e, [...] crianças e os jovens) ocupam uma posição subordinada e seu trabalho, geralmente, aparece como ‘ajuda’”. A autora ainda observa, que a penosidade, o tempo e as atividades realizadas pelas mulheres são iguais e até mesmo maiores que as realizadas pelos homens.

As mulheres rurais encontram barreiras para o acesso ao espaço público, ao trabalho remunerado e, até mesmo, à terra. O acesso à terra representa um entrave para elas, visto que o modelo de sucessão é patriarcal e tem dado prioridade aos filhos homens. Paulilo (2009, p. 179) reafirma que a terra tem por destino os maridos ou irmãos homens, já as mulheres levavam o dote, geralmente uma máquina de costura ou utensílios para casa. Em muitos casos, as áreas agricultáveis vão para os homens, devido a invisibilidade do trabalho feminino e a hierarquização do que é o trabalho produtivo e improdutivo.

Conforme Paulilo (2009) observou em suas pesquisas, a mulher sempre foi tida como agricultora pelo casamento e na posse da terra tem preferência o filho homem. São sempre consideradas filhas ou esposas do agricultor e mesmo quando recebem as terras, o responsável por elas é o marido. Quando recebem um pedaço de terra, geralmente este tem valor menor que a parte atribuída aos filhos homens e, muitas vezes, ela vende ao irmão por um valor muito inferior ao estabelecido pelo mercado.

A Oxfam Brasil (2016, p. 10) analisou a existência de desigualdades fundiárias e, também, de gênero, expondo que “são os homens que controlam a maior parte dos estabelecimentos rurais e estão à frente dos imóveis com maior área: eles possuem 87,32% de todos estabelecimentos, que representam 94,5% de todas as áreas rurais brasileiras”.

Nessa mesma linha, Zanini e Santos (2013, p. 91), a partir de seu estudo, afirmam que a herança é dada, geralmente, ao filho caçula homem, e aos demais filhos homens são dados incentivos e auxílios na compra de terras, permitindo a continuidade do modelo familiar. Já as mulheres, não herdam terras, mas sim, o dote ou o enxoval. Estas práticas persistem de forma reconfigurada, visto que o dote dado na atualidade “pode ser um investimento para que estudem ou a compra da terra a elas legalmente atribuída, para que a mesma permaneça na mão dos homens da família”. A não sucessão feminina ainda continua sendo uma regra.

Este modo de rotular as mulheres, privando-as do acesso à terra, vem enraizado desde as perseguições ocorridas com a política dos cercamentos das terras comunais, ocorrida na Inglaterra no século XVII e XVIII. Os relatos de Federici (2017) apontam que a perseguição e a caça às bruxas, que eram, fundamentalmente, mulheres camponesas, se deram por possuírem a posse da terra e os saberes a ela associados. Uma forma de tratamento enraizada no modelo hegemônico da propriedade da terra, desde então, que prevalece até os dias atuais na distribuição desigual de herança e de sucessão familiar.

Além disso, a condição desigual das mulheres contribui para a masculinização e o envelhecimento da população rural. A parcela migratória predominante de mulheres acaba gerando maior percentual de população masculina no campo, visto que, jovens “vêm deixando o meio rural e entre estes é preponderante a participação das mulheres” (CAMARANO; ABRAMOVAY, 1999, p. 2).

Algumas alterações com relação ao reconhecimento das mulheres camponesas passaram a ocorrer a partir dos anos de 1980, em que elas organizaram movimentos sociais em todo o país, culminando em conquistas de direitos na Constituição de 1988 (PAULILO, 2009; SILIPRANDI, 2013). O fortalecimento das reivindicações e a atuação em movimentos sociais, inclusive de luta pela terra, além da participação em sindicatos, possibilitou romper com alguns aspectos da subalternização das mulheres rurais.

Paulilo (2009) indica que apesar das vitórias dos movimentos sociais e das alterações conquistadas na Constituição de 1988, isto não significa que a ampliação de direitos das mulheres represente, na prática, mudanças significativas nas relações entre mulheres e homens. Kempf e Wedig (2019) observaram que as desigualdades no campo são visíveis na dupla ou tripla jornada de trabalho das mulheres quando buscam renda externa e seguem responsáveis por um conjunto de atividades no âmbito doméstico e da Unidade de Produção.

As rendas externas agrícolas e não agrícolas criam segurança financeira para as famílias, possibilitando rendas distribuídas em inúmeras fontes, tanto de trabalhos agrícolas em estabelecimentos vizinhos, como trabalhos não agrícolas nos espaços rurais ou nos centros urbanos (SCHNEIDER, 2007; SCHNEIDER, 2010, PERONDI; SCHNEIDER, 2012; e FULLER, 1990).

O acesso pelas mulheres destas outras rendas externas, permite maior independência a elas e pode permitir uma maior valorização do seu trabalho frente ao núcleo familiar. Acessar estas rendas se torna um mecanismo para que elas rompam com o trabalho somente reprodutivo, dando acesso ao trabalho produtivo, bem como, possibilita a saída do espaço privado e o acesso ao espaço público.

Aliado a isso, tem-se a redução populacional no rural, dados do IBGE (2020a) indicam que em 1950 a população rural somava 63,84% da população total brasileira, passando para 15,64% em 2010. Já em termos do percentual populacional por sexo no rural, nota-se, segundo IBGE (2020b), a partir dos dados do Censo de 2010, que o percentual de mulheres é de 47,38%, contra 52,62% de homens, cenário que se inverte no urbano, onde somam-se 51,71% de mulheres contra 48,29% de homens.

3 Etapas Metodológicas

3.1 Base de dados e as características do local de estudo

A pesquisa se constitui por uma reflexão teórica e pela análise quantitativa, os dados fazem parte de uma amostra de 95 estabelecimentos rurais do município de Itapejara d’Oeste/PR, levantados nos anos de 2005, 2010 e 2015 por um projeto de pesquisa em painel coordenado pelo professor Miguel Angelo Perondi, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná IAPAR-EMATER (IDR Paraná).

O instrumento de coleta dos dados (questionário) consta em Perondi (2007), cuja determinação do município levou em consideração dados secundários da região Sudoeste do Paraná, como população e densidade, proporção rural, estrutura fundiária, estabelecimentos rurais e presença da agricultura familiar. Itapejara d’Oeste mais se aproximou da média dos indicadores de população, densidade demográfica e renda percapta tanto da microrregião de Pato Branco, como da mesorregião Sudoeste do Paraná. Aliado a isso, houve o apoio da Prefeitura deste município ao disponibilizar um cadastro dos agricultores familiares.

A seleção da amostra procurou uma representatividade de 95% da população de agricultores familiares do município, e considerou as informações repassadas pela Prefeitura Municipal, como nome e área de terras destes agricultores. A partir dos 968 agricultores familiares informados, cuja distribuição fundiária apresentava desvio padrão de 16,09%, e, considerando margem de erro de 3%, estimou-se que a amostra seria de 99 estabelecimentos, sendo arredondado para 100 estabelecimentos (10,3% da população em 2005).

A amostragem foi sistemática por comunidade considerando o percentual de estabelecimentos em cada um dos 15 locais do município frente ao número total de estabelecimentos que possuíam, este procedimento permitiu que cada uma das comunidades tivesse em torno 10% de seus estabelecimentos entrevistados. Como o banco de dados se trata de uma pesquisa em painel quinquenal, os mesmos estabelecimentos entrevistados em 2005, tiveram seu cadastro atualizado em 2010 e em 2015.

Atualmente o banco de dados acompanha 95 estabelecimentos, tendo em vista 5 casos que não mais residem no rural. No entanto, a coleta de dados sobre migrações ocorreu somente na atualização de 2015, portanto, constitui-se de dados cross section do período de 07 de junho a 08 de setembro de 2015, e este estudo avalia somente as respostas sobre a emigração feminina.

Os dados do Censo Agropecuário de 2006 afirmam para a relevância da agricultura familiar da Região Sul do Brasil, representando 89% do total de estabelecimentos, já em Itapejara d’Oeste este percentual de agricultores familiares é de 94%. Em termos da área de terras, tanto em Itapejara d’Oeste como na Região Sul do Brasil, nota-se um maior número de estabelecimentos familiares com área até 10 hectares, sendo 43% na região Sul e 48% em Itapejara (IBGE, 2006).

Sobre o sistema de produção, o IBGE (2006) aponta para a diversificação, não só em Itapejara d’ Oeste, mas na região Sul como um todo. O valor bruto da produção é basicamente explicado pelo conjunto de grãos (soja, milho, feijão e trigo), sendo 32 e 37% respectivamente a participação na região Sul e em Itapejara d’ Oeste, seguido da produção de leite, e da criação de pequenos e médios animais (aves e suínos) – 14 e 23% entre o Sul do Brasil e Itapejara. A Localização do Município em análise está representada na Figura 01.

Itapejara d’Oeste possui atualmente uma população estimada, de acordo com o IBGE (2019), de 11.831 pessoas. O Ipardes (2019) aponta que a população rural corresponde a 33,65% da população total, dos quais 52,43% são homens e 47,57% mulheres.

Mesorregião Sudoeste do Paraná e localização do Município de Itapejara d’Oeste
Figura 01
Mesorregião Sudoeste do Paraná e localização do Município de Itapejara d’Oeste

Nota: As microrregiões que compõe a mesorregião do Sudoeste do Paraná são: Capanema (municípios de números 1 a 8); Francisco Beltrão (9 a 27); e Pato Branco (28 a 37). O município de Itapejara d’Oeste se localiza na microrregião de Pato Branco, e está representado pelo número 31.

Fonte: IBGE (2001).

No município existem atualmente 709 estabelecimentos rurais que ocupam uma área de 21.204 hectares (IPARDES, 2019). Esse dado é importante no sentido de situar a representatividade da amostra trabalhada no contexto do município, visto que são investigados 95 estabelecimentos (13,4% do total) os quais concentram uma área de terras de 2.696,77 hectares (12,72% da área total dos estabelecimentos do município).

3.2 Métodos para a análise dos dados

A análise dos dados sobre migração é feita por meio de duas ferramentas, uma primeira com a estatística descritiva, que avalia as informações tanto da emigração como imigração, e uma segunda ferramenta que é a análise inferencial, cujo objetivo foi avaliar somente as respostas sobre a emigração feminina, a partir dos dados cross section coletados entre junho e setembro de 2015. Sendo assim, a variável resposta (𝐷𝐸𝑚𝑖𝑔𝑟𝐹𝑒𝑚𝑎𝑙𝑒), descrita na equação 01, identifica os motivos ou respostas que levaram as emigrações femininas, registradas em 40 casos.

O levantamento dos dados sobre migração, apesar de ter sido realizado entre junho a setembro de 2015 permitiu identificar a ocorrência de migração ao longo de todo o tempo passado (anos) que o respondente recordava. Foram identificados os seguintes dados de emigração: pessoas que emigraram; idade no momento da saída, sexo, escolaridade momento da saída e escolaridade atual, estado civil, ano da saída, destino e residência atual. Já nos casos de imigração (novas ou de retorno) identificou-se: pessoas que imigraram; ano do evento e os motivos do retorno.

As inferências econométricas consideram um modelo de variável limitada dependente (MVLD), ou modelos qualitativos, ou variável latente, onde a “variável dependente cujo intervalo de valores é substancialmente restrito”, capturando traços qualitativos em termos de respostas de “sim” ou “não”. “Uma variável binária assume somente dois valores, zero e um” (WOOLDRIDGE, 2016, p. 647).

A amostragem é do tipo censurada, decorrente do registro de emigração, sendo que no total de casos 61 estabelecimentos registraram emigração e em 40 deles houve emigração feminina, para tanto, foi empregado o modelo tobit como solução de canto, que permite comparar condições ou chances do evento acontecer, ou seja, quando a “variável é zero para uma fração não desprezível da população, mas é aproximadamente distribuída de forma contínua ao longo de valores positivos” (WOOLDRIDGE, 2016, p. 662). Ver modelo na equação 01.

O modelo é restrito devido a amostra ser censurada dado ao fato de que nem todos os estabelecimentos registraram emigração (saída de mulheres em 40 casos, e de homens e mulheres em 61 dos 95 casos), além da não aceitação da normalidade da distribuição dos resíduos, premissa fundamental (empregou-se variáveis ordenadas para minimizar a dispersão). Os resultados, principalmente de variáveis com alto coeficiente de variação, devem ser avaliados com cautela.

4 A População de Residentes e a Migração Feminina nos Espaços Rurais

Ao tratar dos dados específicos da amostra, uma análise inicial busca refletir sobre o contingente total populacional de residentes do grupo, para além dos dados de imigração e emigração, uma vez que envolve também nascimentos e óbitos. Quanto as variações no número de pessoas entre os residentes, nota-se uma acentuada redução do contingente populacional entre 2005 e 2010, onde a população reduziu de 407 residentes para 356 (-12,53%), no entanto, no período seguinte houve um pequeno aumento deste contingente populacional, cuja população passou de 356 para 373 residentes (4,78%). Mesmo com esta variação positiva, o contingente populacional total reduziu 8,35% (34 pessoas), de 2005 a 2015.

As variações mais significativas neste número de residentes, são também sentidas em termos de gênero, constata-se que entre 2005 a 2010 o número de mulheres residentes passou de 186 para 166 (-9,14%), já o de homens reduziu de 221 para 190 (-7,69%). No período seguinte (2010-2015) houve um aumento deste contingente populacional de residentes para ambos os sexos, cujo número de mulheres passou de 166 para 169 (1,81%) e o de homens de 190 para 204 (7,37%).

No acumulado do período (2005 a 2015) o número tanto de mulheres como de homens residentes reduziu em 17 casos, sendo de -9,14% e -7,69% respectivamente entre mulheres e homens. Mesmo assim, o percentual de homens em 2015 corresponde a 54,69% em relação a população total, um percentual que está em consonância com a pesquisa de Camarano e Abramovay (1999) e que reforça a masculinização do meio rural. Os dados da população total de residentes nos 95 estabelecimentos investigados estão detalhados, na Figura 02, por faixa etária e gênero para os três períodos temporais.

Os aspectos populacionais do contingente de pessoas amostradas apontam para o envelhecimento do grupo de residentes, uma percepção em consonância com a pesquisa de Camarano e Abramovay (1999). Para a faixa etária acima de 60 anos (idosos) a população passou de 15,23% para 19,43% entre 2005 a 2010, e chegou a 25,67% em 2015, um envelhecimento que é sentido desde a redução do contingente populacional, via menor taxa de natalidade, como na queda das atividades produtivas via redução das rendas agrícolas, não agrícolas e de outras fontes do trabalho. Por outro lado, gera a entrada de renda de transferências sociais, como no caso da previdência.

Na faixa de 0 a 14 anos a redução é substancial ao longo da série, correspondia a 21,62% em 2005, passou para 15,14% em 2010 e fechou 2015 com 14,59%, o que poderá representar menor contingente populacional nas faixas subsequentes nos próximos anos. Fato que pode ser avaliado na análise da faixa etária de 15 a 29 anos, justamente a faixa etária com maior percentual do contingente populacional que emigrou dos estabelecimentos, conforme será detalhado mais adiante.

População total de residentes nos 95 estabelecimentos de Itapejara d’ Oeste por faixa etária e sexo para os anos de 2005, 2010 e 2015
Figura 02
População total de residentes nos 95 estabelecimentos de Itapejara d’ Oeste por faixa etária e sexo para os anos de 2005, 2010 e 2015
Fonte: Dados da Pesquisa

As emigrações da faixa etária de 15 a 29 anos (idade no momento da emigração), ver dados Tabela 01, indicam que do total de casos desta faixa etária que emigraram (62 casos), 54,84% correspondem à mulheres e 45,16% aos homens, contudo, apesar desta faixa etária apresentar os maiores índices de emigração, seu contingente populacional, conforme exposto na Figura 02, não reduziu significativamente, fruto do maior número de crianças em 2005 que atingiram nos anos subsequentes a faixa etária de 15 a 29 anos e minimizaram os impactos da emigração. Mas, o cenário que, conforme constatado para o contingente total de residentes, demostrou redução populacional de crianças na pesquisa de 2015, poderá refletir em redução considerável do contingente populacional jovem destes espaços nos próximos anos.

A juventude presente na faixa etária de 15 a 29 anos, conforme Figura 02, correspondia a 6,63% de mulheres e a 11,79% de homens em 2005, para 2010, o percentual de mulheres se elevou para 10% e dos homens para 13,43%, fruto do contingente maior de crianças em 2005. Já em 2015 tem-se a redução tanto do número de mulheres (9,19%) como de homens (9,46%), fruto de dois fatores: acumulado de emigrações e menor contingente de crianças até 14 anos em 2010.

Em relação a uma faixa etária mais estável (30 a 59 anos), visto que teoricamente já definiram as estratégias de vida, foi percebido, conforme exposto na Tabela 01, a ocorrência de 16,67% do total de emigrações, sendo 7,29% de mulheres e 9,37% dos homens, percentual que instiga para novas investigações que venham também esclarecer sobre as motivações que levam a emigração de homens nesta faixa etária. A população de residentes desta faixa etária em 2005, conforme Figura 02 anterior, era de 44,72% da população total de residentes, passando para 43,71% em 2010 e fechando a série com 41,89%.

Os dados sugerem para uma tendência de agravamento do envelhecimento para os próximos anos, aliado à redução do contingente total, fruto de dois fatores: taxa de natalidade decrescente e saída dos jovens do campo. Os números da emigração indicam a saída de 96 pessoas no período de 1979 a 2015, com maior incidência na faixa de 15 a 29 anos, das quais 35,42% são mulheres, com idade média de 20,03 anos (idade no momento da saída), e 29,17% homens, com idade média no momento da emigração de 20,32 anos.

Tabela 01
Casos/Percentual de Emigração e Imigração na amostra de agricultores de Itapejara d’Oeste na pesquisa de 2015
Movimentos Migratórios em Itapejara d'Oeste por faixa Etária e Sexo
Faixa EtáriaCasos/Percentual EmigraçãoCasos/Percentual Imigração
MasculinoFemininoMasculinoFeminino
0 a 42 (4,44%)3 (5,88%) --
5 a 92 (4,44%)1 (1,96%) 1 (8,33%)-
10 a 144 (8,89%)4 (7,84%) --
15 a 1914 (31,11%)21 (41,18%) --
20 a 2410 (22,22%)6 (11,77%) 4 (33,34%)-
25 a 294 (8,89%)7 (13,73%) -3 (42,85%)
30 a 343 (6,67%)1 (1,96%) 3 (25%)1 (14,29%)
35 a 393 (6,67%)2 (3,92%) 1 (8,33%)-
40 a 593 (6,67%)4 (7,84%) 2 (16,67%)2 (28,57%)
Acima de 60-2 (3,92%) 1 (8,33%)1 (14,29%)
Total de Casos4551127
Fonte: Dados da Pesquisa

As emigrações foram registradas em 61 dos 95 estabelecimentos amostrados (64,21%), cuja maior incidência do número de emigrantes é percebida entre as mulheres (53,12% do total de casos de emigrações) contra 46,87% de emigrações masculinas. Quando a emigração é analisada em termos de estabelecimentos que registraram saídas (61 casos) tem-se que em 65,57% destes houve a saída de uma mulher, e em 60,65% de um homem (a soma percentual ultrapassa 100% devido alguns estabelecimentos registrarem saídas de ambos), conclui-se, de maneira descritiva, para a maior frequência de emigração de mulheres nos estabelecimentos amostrados.

Avaliando outro movimento (imigração), é possível constatar que houve retorno de alguns integrantes que haviam emigrado em anos anteriores. Nota-se que os imigrantes somaram 19 casos, sendo o maior número (63,16%) formado por homens e em maior percentual na faixa etária de 20 a 24 anos. Já entre as mulheres o maior percentual de casos reflete mulheres em idade de 25 a 29 anos.

Os dados encontrados sobre as emigrações refletem o perfil destes homens e mulheres, e estão em consonância com as percepções teóricas. Paulilo (2009) e Zanini e Santos (2013), por exemplo, discutem sobre o integrante que assumirá as terras da família, aliado ao direcionamento dos investimentos em escolaridade como forma de compensar homens e mulheres que não assumirão as terras, um fato que levanta a necessidade de investigar a escolaridade desses emigrantes, motivações e destinos, ver Tabela 02.

Tabela 02
Principais Motivações e Escolaridade dos Registros de Emigração nos Casos Amostrados de Itapejara d'Oeste em 2015
Escolaridade e Motivações dos Emigrantes
Motivo da EmigraçãoCasos/PercentualEscolaridade EmigrantesCasos/Percentual
MasculinoFemininoMasculinoFeminino
Omissos7 (15,56%)6 (11,77%)Omissos/Analfabetos 8 (17,78%)9 (17,65%)
Trabalhar28 (62,23%)18 (35,29%)Fundamental Incompl. 4 (8,89%)6 (11,76%)
Estudar4 (8,89%)17 (33,33%)Fundamental Compl. 6 (13,33%)6 (11,76%)
Casar2 (4,44%)2 (3,92%)Médio Incompleto 4 (8,89%)7 (13,73%)
Acompanhar2 (4,44%)5 (9,81%)Médio Completo 20 (44,44%)18 (35,3%)
Outros2 (4,44%)3 (5,88%)Superior Incompleto 3 (6,67%)5 (9,8%)
Total Casos4551Total Casos4551
Fonte: Dados da Pesquisa

Entre os residentes a escolaridade média passou de 5,52 anos em 2005, para 6,42 em 2010, e recuou para 6,27 anos em 2015 (6,05 foi a média da escolaridade dos residentes no período total), parte da queda na escolaridade média é relacionada ao aumento populacional de residentes idosos, que puxam a escolaridade média para baixo. Outra parcela é explicada pela saída (emigrações) de pessoas com maior tempo de estudo, uma vez que entre os emigrantes a média é de 8,03 anos de estudo, ou seja, grande parte da população que sai dos espaços rurais possui maior escolaridade do que aqueles que permanecem, visto que, 51,04% destes emigrantes pelo menos já iniciou o ensino médio (39,58% ensino médio completo), e 8,33% já se encontram no ensino superior.

A escolaridade em termos de gênero indica que a média de anos de estudo entre as mulheres ao emigrarem era de 7,96 anos, sendo que 58,82 % destas ao menos já haviam iniciado o ensino médio no momento da emigração. Já entre os homens, nota-se que no momento da saída a média de escolaridade era de 8,11 anos e 60% já haviam iniciado o ensino médio ao saírem da propriedade. Uma emigração com diversas motivações como indica a Tabela 02, ao passo que os homens buscam trabalho (62,23% dos casos), e as mulheres saem em busca de trabalho (35,29%) e estudos (33,33%). Estas buscas diferenciadas refletem na escolaridade atual destes emigrantes, uma vez que entre o momento da saída e a data da coleta dos dados (2015) a média de escolaridade atual dos homens que saíram é de 8,38 anos (aumento de 3,33% de aumento), já entre as mulheres (para as quais uma das motivações principais de saída era o estudo) essa média passou de 7,96 anos para 8,8 anos (aumento de 10,55%).

Além destes dados apresentados na Tabela 02, constatou-se com a pesquisa que o principal destino dos emigrantes homens são cidades da região (28,89% dos casos) e sede do município (24,44%). Já entre as mulheres, o destino principal são as outras cidades do Estado (27,45%) e para a sede do município (25,49%).

Grande parcela deste percentual de emigrantes (47,92% dos casos), saíram dos estabelecimentos entre 2010 e 2015. Os dados, revelam semelhança com a teoria em termos de quem recebe os investimentos em educação, principalmente, como forma de compensação aos não sucessores, visto que a emigração tem forte relação, pelo menos nos dados descritivos, com o nível mais elevado de escolaridade, e até mesmo pela busca de trabalho pelos não sucessores da terra. Por outra via, foram registradas algumas imigrações, sendo muitas delas de retorno destes emigrantes, conforme já apresentado na Tabela 01, mas vale entender o que motivou muitos destes retornos, ver Tabela 03.

Tabela 03
Principais Motivações entre os casos com Registros de Imigração na amostra de Itapejara d'Oeste em 2015
Motivações da imigração a partir da condição de gênero
Motivo da ImigraçãoCasos/Percentual
MasculinoFeminino
Não Informado3 (25%)1 (14,29%)
Desemprego1 (8,33%)-
Salário Insuficiente1 (8,33%)-
Exercer outra atividade na região1 (8,33%)-
Distância da Família1 (8,33%)2 (28,57%)
Ser Agricultor2 (16,67%)-
Outro3 (25%)4 (57,14%)
Fonte: Dados da Pesquisa

Foram percebidos, do total de 61 estabelecimentos que registraram o processo de migração, que em 26,22% (16 casos) ocorreu o retorno de algum integrante. O retorno de casos ou novos residentes que imigraram indicam para um percentual mais elevado de homens, sendo que do total de casos (19 pessoas) 63,16% das imigrações são do grupo de homens, e em 54,55% destes casos a imigração aconteceu entre 2014 e 2015. Já entre as mulheres o percentual de imigrantes é menor (36,84%), cujo maior percentual destas imigrações (42,86%) aconteceu entre 2012 e 2013.

Outro aspecto retratado pela teoria em Paulilo (2009), Strathern (2006), Zanini e Santos (2013) é quanto à posse e propriedade das terras. A mulher foi privada da propriedade da terra, assumindo apenas por meio do casamento ou, em alguns casos, como pagamento em forma de dote ou investimento em educação como já analisado anteriormente.

Os questionários da pesquisa não permitiram levantar dados sobre a propriedade da terra que consta no documento oficial, mas permitiram verificar o chefe declarado da família, ponto importante analisado pela teoria, uma vez que as discussões afirmam que a mulher é privada do acesso à terra, e quem tem preferência, na sucessão, é o filho homem.

Paulilo (2009) ressalta que, mesmo quando a mulher recebe a terra, o responsável acaba sendo o marido. Isso se reflete nos dados do grupo analisado, constatou-se que em 2005, do total de casos (95 estabelecimentos), apenas 4% tem mulheres declaradas como chefes ou responsáveis, nos demais, elas se intitulam como: cônjuges, filhas, etc. Já em 2010 apenas 3,15% se declarou como chefe, apesar de 5,26% dos questionários terem sido respondidos por mulheres, e em 2015 as mulheres responderam 7,36%, e deste percentual, 6,31% se declarou chefe familiar. Um cenário inferior ao nacional, no qual 12,68% dos estabelecimentos são controlados por mulheres e 5,5% da área rural é representada por elas (OXFAM BRASIL, 2016).

Em outra linha de análise, é importante se voltar para as ocupações dos residentes integrantes dos estabelecimentos, no sentido de encontrar motivações e/ou características que expliquem a emigração, uma vez que, muitos integrantes (principalmente mulheres) almejam acessar o espaço público, sobretudo em trabalhos que lhe garantam uma renda independente e que permitam maior visibilidade. As aspirações das mulheres são participar ativamente e ganhar mais visibilidade em termos de suas ocupações, o que pode ser um dos aspectos responsáveis, além do não acesso à terra, pela maior frequência da emigração feminina do rural para o urbano.

Não é possível distinguir e mensurar nos dados, a participação das mulheres na composição da renda agrícola, mas é possível perceber a sua contribuição na geração de rendas externas aos estabelecimentos. Rendas, tanto de origem agrícola, como não agrícolas obtidas de fontes externas aos estabelecimentos.

Maiores volumes de rendas externas, obtidas pelas mulheres, ampliam o acesso ao espaço público, rompendo com a invisibilidade do seu trabalho, e podem reduzir a emigração feminina, uma vez que um dos motivos da saída delas do campo é a busca pela inserção no trabalho produtivo e acesso ao espaço público. Os dados demostram que entre 2005-2015, do total da renda, 7,02% decorrem de trabalhos agrícolas fora do estabelecimento e 16,21% de trabalhos não agrícolas. Ver Figura 03.

Composição da renda total dos 95 estabelecimentos amostrados de Itapejara d’ Oeste para os anos de 2005, 2010 e 2015
Figura 03
Composição da renda total dos 95 estabelecimentos amostrados de Itapejara d’ Oeste para os anos de 2005, 2010 e 2015

Nota: Ra: Renda Agrícola; RTRS: Renda de Aposentadorias, Pensões e Transferências; ROUT: Rendas de Outras Fontes; RAGF: Outras Rendas do Trabalho; RNA: Rendas de Atividades Não Agrícolas

Fonte: Dados da Pesquisa

Excluindo o cenário do ano de 2005, em que ocorreu uma severa seca na região e como consequência a renda agrícola representou apenas 34,65% da composição da renda total, inflando a participação das demais rendas, é possível notar que entre 2010 e 2015, houve aumento na participação das rendas não agrícolas (RNA) que representavam 14,46% da renda total em 2010, e passaram a compor 16,15% em 2015. Aliado a este fato, a participação da renda agrícola na formação da renda total (entre 2010 a 2015) reduziu de 64% para 60%, justamente neste mesmo período ocorreram os maiores registros de imigração (73,68% dos casos de imigração de todo o período), e concomitante a isto, nota-se a maior participação das rendas não agrícolas na renda total.

Outra via de rendas externas são as rendas de trabalhos agrícolas fora dos estabelecimentos (RAGF), em 2015 foram gerados R$ 598.260,00, dos quais apenas R$ 4.350,00 (0,73%) pelo trabalho de mulheres. Este dado reflete a persistência das barreiras em romper paradigmas da divisão sexual do trabalho nos espaços rurais. Piscitelli (2009) assinala um processo de naturalização discursiva pelo canal da família, direito, Estado e economia, que naturalizam os papéis sociais, atribuindo ao sujeito determinado papel, e determinando posições sociais e, propriamente, o futuro profissional de cada um.

Essa construção da divisão sexual do trabalho acaba excluindo as mulheres de determinados trabalhos e, um exemplo disso, são os trabalhos agrícolas para fora dos estabelecimentos (apenas 0,73% desta renda é obtida pelas mulheres). No entanto, quando a renda provém de uma fonte externa, mas não agrícola, como é o caso dos trabalhos realizados na escola da comunidade, no posto de saúde, ou ainda no centro urbano, a participação das mulheres se eleva consideravelmente. Do total da renda não agrícola gerada em 2015, 38,9% foi resultado do trabalho das mulheres.

Estas rendas externas podem explicar a emigração para o meio urbano, uma vez que um dos motivos da saída de mulheres pode estar relacionado a sua busca por independência financeira. Para tanto, os resultados do modelo tobit estão apresentados na Tabela 04 em termos da significância individual da variável e do seu efeito no sentido de perceber o movimento da emigração (redução ou aumento das saídas).

A Tabela 04 apresenta o comportamento das variáveis na explicação da emigração do rural para o urbano em termos das chances de o evento ocorrer. São analisados de forma isolada (coeteris paribus), mas vale destacar que a emigração é, também, fruto do conjunto de fatores que formam um cenário dentro dos estabelecimentos. As variáveis não significativas a 5% de erro foram: idade e escolaridade dos residentes; unidade de trabalho humano; superfície agrícola útil; média de escolaridade de homens e mulheres que migraram; outras formas de rendas; renda não agrícola do estabelecimento e renda agrícola.

A não significância destas variáveis, como é o caso de algumas rendas, pode estar relacionada à ausência de valores em muitos casos e ao número de casos da amostra. Mesmo não sendo significativas, o sinal encontrado é condizente com o que se espera de resposta, por exemplo, para a superfície agrícola útil o sinal indica que a maior quantidade de terra leva a redução da chance de ocorrer a emigração, ou ainda o sinal encontrado na renda agrícola que indica redução das chances de ocorrer emigração, mas ambas insignificantes estatisticamente, sugere-se, para estas variáveis, estudos com maior quantidade de casos.

Quanto às variáveis significativas, conclui-se que a idade e a escolaridade das mulheres contribuem para o aumento das chances de ocorrência da emigração feminina se comparadas aos homens. Para a idade das mulheres, à medida que ela aumenta, aumentam em 3,15% as chances de ocorrência da emigração, mas vale pontuar que este efeito é mais visível na faixa de 12 a 28 anos onde estão 74,51% dos casos que registraram emigração, 7,84% dos casos estão abaixo desta faixa e 17,65% acima. As mulheres que entram nesta faixa etária de 12 a 28 anos tem 3,15% de chances a mais de sair do estabelecimento se comparadas aos homens da mesma faixa etária.

Tabela 04
Influência das variáveis explicativas sobre a emigração dos estabelecimentos de Itapejara d’ Oeste para os anos de 2005, 2010 e 2015
Chances e efeitos sobre a emigração
Variávelp-valorEfeito sobre a emigração
-0,26770,46903-
3,1493630,00000Aumento
10,701310,00000Aumento
-0,775140,20679Redução
1,7868010,47454Aumento
-1,988080,75726Redução
-0,358090,12626Redução
-0,236940,00000Redução
-0,000930,06564Redução
-0,73590,70252Redução
-1,89620,00113Redução
-0,000550,46977Redução
-0,000690,00463Redução
0,0002770,31623Aumento
16,824150,00562Aumento
-6,78910,29454Redução
19,30120,01700Aumento
Fonte: Dados do modelo tobit

Este cenário se inverte, quando analisada a idade de todas(os) as(os) emigrantes e a idade das(os) residentes, onde à medida que há o envelhecimento da população, as chances de ocorrer emigração feminina reduzem (embora o parâmetro não apresente significância). Mas, quando considerado somente o grupo que emigrou (homens e mulheres), o resultado foi significativo a 1% e indica que a medida do aumento da idade tem-se redução de 1,89% das chances de ocorrer a emigração, movimento contrário ao percebido na faixa etária de 12 a 28 somente entre as mulheres, onde tem-se o aumento de 3,15% das chances de ocorrer a emigração feminina, quando comparado ao homem.

A faixa etária que representa as(os) jovens é um momento importante de sua consolidação profissional e influi, inclusive, nas políticas do Estado para consolidação da agricultura familiar. Maneschy (2013), por exemplo, em análise sobre migração e ciclos de vida, percebe forte emigração em torno dos 16 anos com destino ao emprego formal (ambos os sexos). Fato reafirmado em Neves (2013, p. 416) que aponta a expectativa da faixa etária de 15 a 24 anos em acessar “atividades distintas da agropecuária, mediante acesso a outro trabalho/emprego/formação profissional”.

Essa expectativa da(o) jovem por uma reafirmação como agricultor(a) ou em buscar outra carreira profissional, encontra limitações, segundo Sartre et al (2013), quando se trata das mulheres, para as quais as expectativas são mais limitadas em termos do futuro na agricultura, dado ao impeditivo de acesso à terra e da invisibilidade social que limitam os acessos ao trabalho remunerado e ao espaço público. Limitações de expectativas que reafirmam os movimentos de emigração das mulheres em busca de um maior reconhecimento de seu trabalho, sobretudo da jovem agricultora.

Diante da análise teórica e dos dados, conclui-se que os movimentos de saída (emigração), ocorrem entre 12 e 28 anos, momento de afirmação do indivíduo social e economicamente. As mulheres rurais não se percebem como reconhecidas no meio social e em seu trabalho e acabam emigrando para os espaços urbanos.

Sobre a escolaridade nota-se que as mulheres com maior nível de estudo têm 10,7% a mais de chances de sair dos estabelecimentos se comparada aos homens com a mesma formação (significância de 1%). A influência da escolaridade é reafirmada na teoria que trata do reconhecimento profissional, uma vez que, maior nível de escolaridade abre oportunidades profissionais para elas. Além disso, a escolaridade das mulheres pode representar ainda uma compensação (em forma de dote) que foi dada pela não posse da terra as(aos) não sucessoras(es). (ZANINI e SANTOS, 2013).

Os resultados para a variável educação apontam que as mulheres encontram na educação a chance de sair do meio rural e buscar sua reafirmação profissional, reconhecimento do seu trabalho e acesso ao trabalho produtivo. Elas, ao receberem educação, e por estarem impedidas de acessar a terra, vislumbrando baixas perspectivas no rural, acabam emigrando. Uma emigração com forte vínculo na formação, dado que em 58,82% dos casos de emigrações de mulheres, elas já iniciaram pelo menos o ensino médio.

As variáveis analisadas e a ocorrência da emigração feminina imprimem no rural, o clamor contra séculos de uma estrutura marcada pela colonialidade do poder e pelo reposicionamento dos seus corpos na teia social. As mulheres rurais marcam sua posição contra a estrutura de poder, do saber e do ser até então posta com o seu movimento de saída em busca do acesso ao espaço público e do seu reconhecimento em termos do trabalho produtivo. Elas buscam enfrentar as amarras patriarcais, a submissão e invisibilidade. Buscar uma renda externa e continuar morando no espaço rural também é uma alternativa buscada por elas para alcançar maior autonomia de renda e de circulação no espaço público.

A análise sobre as outras rendas no espaço público, permite entender seu efeito sobre a redução da emigração feminina. Casos que registram trabalhos agrícolas para fora do estabelecimento feitos por mulheres, reduziram 0,24% as chances de acontecer a emigração feminina quando comparados a estabelecimentos que este tipo de renda é obtido pelo homem. Considerando as rendas não agrícolas, com resultados com significância de 10%, os estabelecimentos onde as mulheres acessam este tipo de renda apresentam menor registro de emigração se comparado a estabelecimentos onde os homens acessam esta renda.

O efeito das outras rendas externas (agrícolas e não agrícolas), apesar das restrições metodológicas, sugere resultados semelhantes aos encontrados na literatura, indicando uma forma das mulheres acessarem o espaço público, reduzindo assim as pressões para sua saída definitiva do meio rural. Por outra via, rendas de transferências sociais, levam a ocorrer mais emigrações, podendo indicar uma sucessão já definida. Constatou-se que a cada variação na faixa de aposentadoria, dada pela variável ordenada de 0 a 3 de acordo com a faixa de renda obtida, gera um aumento de 19,3% das chances de ocorrer a emigração feminina.

Por fim, a variável ordenada em faixas de 0 a 4 do montante de capital total disponível é responsável pelo aumento da emigração, de modo que, este aumento leva a 16,82% a mais de chances de ocorrência da emigração feminina. Este dado, cria uma hipótese para outros estudos que relacionem a exclusão das mulheres da sucessão geracional em famílias mais abastadas, via aumento dos investimentos em educação que abrem oportunidades fora dos espaços rurais, como as aproximações destes apontamentos estudadas por Menasche e Escher (1996).

5 Considerações Finais

Séculos de uma estrutura social que estabeleceu regras de poder, saber e ser, e posicionou corpos dentro da teia social, limitaram os horizontes de oportunidades daqueles seres com marcas corporais avessas ao do ser ideal. Corpos marcados pelo gênero, raça, religiosidade, sexualidade e outras nuances tiveram seus espaços ditados pelo colonialismo e, posteriormente, pela colonialidade. As marcas na forma da colonialidade perduram na sociedade até os dias atuais e são reproduzidas e perceptíveis, também, nos espaços rurais.

A sociedade patriarcal, centrada no Estado e no poder econômico do capitalismo moderno, acaba por naturalizar as desigualdades, e uma delas é a desigualdade de gênero que cria no rural a invisibilidade e a submissão das mulheres. Constrói uma divisão sexual do trabalho que dá centralidade aos homens, determina o acesso às rendas e trabalhos remunerados para eles, e trabalhos reprodutivos, invisíveis em termos econômicos e de cuidado com a casa e com as/os filhas/os para as mulheres. Assim, o acesso das mulheres ao espaço público e ao trabalho externo a Unidade de Produção permite a elas a obtenção de dinheiro, proporcionando-lhes um rompimento parcial com a divisão sexual do trabalho.

Essa tendência, que se firma no meio rural, leva as mulheres a buscarem pelo acesso ao espaço público e as rendas do trabalho remunerado e externo a unidade de produção, ocasionando os movimentos de emigração feminina. Conclui-se, que a busca por maior escolaridade contribui para os movimentos de emigração feminina, mas, acima de tudo, se concretizam na busca do acesso ao espaço público, uma determinação de sua posição contra a estrutura do poder e a busca pelo seu reconhecimento e pelo rompimento com a sua invisibilidade.

As rendas externas também, permitem, em alguns casos, a redução da emigração, mesmo assim, demonstram ser uma tentativa, das mulheres, de construir maior autonomia frente a estrutura patriarcal. Estas rendas permitem mais visibilidade e reconhecimento de seu trabalho, questionando as relações de poder que regem a organização dos espaços rurais.

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