Comunicação, Cultura e Desenvolvimento Regional
Recepción: 01 Junio 2020
Aprobación: 27 Mayo 2021
DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v26i0.15277
Resumo: O objetivo deste artigo é avaliar como as instituições, seja no nível do indivíduo ou no nível mais agregado (ambiente institucional dos países), se relacionam com uma medida categórica de renda individual. Para atendê-lo, dado que se incluem variáveis em diferentes níveis, lança-se mão do modelo de regressão logística hierárquico, tendo a categoria de renda individual como variável dependente. Os resultados indicam que dimensões institucionais como família, confiança, igualdade de gênero, interesse por política e democracia, competição e tamanho de governo, apresentam-se positivamente relacionados à renda mais alta. De outra forma, dimensões institucionais como religião, obediência, autoridade e igualdade de renda apresentam-se inversamente relacionados à categoria de renda mais alta. Além disso, sobre as instituições formais no nível agregado (países), sugere-se a associação positiva entre renda individual e estar em um ambiente institucinal com melhores garantia de direito de propriedade e menor tamanho do governo. Esses resultados fortalecem argumentos de que ambientes institucionais que valorizam a confiança, a democracia e os direitos de propriedade podem influenciar positivamente na determinação do nível de renda dos indivíduos.
Palavras-chave: Instituições, Valores, Renda.
Abstract: The purpose of this article is to assess how institutions, whether at the level of the individual or at the more aggregate level (institutional environment of countries), relate to a categorical measure of individual income. To serve you, given that variables at different levels are included, the hierarchical logistic regression model is used, with individual income as a dependent variable. The results indicate that institutional dimensions such as family, trust, gender equality, interest in politics and democracy, competition and size of government, are positively related to higher income. Otherwise, institutional dimensions such as religion, obedience, authority and income equality are inversely related to the highest income category. In addition, regarding formal institutions at the aggregate level (countries), the positive association between better guarantee of property rights, smaller government size and high category for measuring individual income was corroborated. These results reveal that institutional environments that value trust, democracy and property rights can positively influence the determination of individual’s income.
Keywords: Institutions, Values, Income.
Resumen: El propósito de este artículo es evaluar cómo las instituciones, ya sea a nivel individual o al nivel más agregado (entorno institucional de los países), se relacionan con una medida categórica del ingreso individual. Para servirle, dado que se incluyen variables en diferentes niveles, se utiliza el modelo jerárquico de regresión logística, con la categoría de ingreso individual como variable dependiente. Los resultados indican que las dimensiones institucionales, como la familia, la confianza, la igualdad de género, el interés en la política y la democracia, la competencia y el tamaño del gobierno, están positivamente relacionados con mayores ingresos. De lo contrario, las dimensiones institucionales como la religión, la obediencia, la autoridad y la igualdad de ingresos están inversamente relacionadas con la categoría de ingresos más altos. Además, con respecto a las instituciones formales a nivel agregado (países), se corroboró la asociación positiva entre una mejor garantía de los derechos de propiedad, un tamaño de gobierno más pequeño y una categoría alta para medir el ingreso individual. Estos resultados revelan que los entornos institucionales que valoran la confianza, la democracia y los derechos de propiedad pueden influir positivamente en la determinación del nivel de ingreso de las personas.
Palabras clave: Instituciones, Valores, Ingresos.
1 Introdução
Segundo os institucionalistas, os mercados não são pontos neutros de encontro entre indivíduos dotados de bens e serviços destinados à troca, mas refletem o ambiente institucional em que são formados. Não é o mercado que organiza e guia a sociedade, o que realmente determina a alocação dos recursos em qualquer estrutura social são as instituições (NORTH, 1977). Segundo North (1990), como as instituições estruturam incentivos aos intercâmbios humanos (sejam eles políticos, sociais ou econômicos), essas passam a ser a chave para se entender a evolução dos povos.
As instituições definem as regras do jogo na sociedade e nas organizações, tornando as relações econômicas e sociais mais previsíveis, facilitando as escolhas dos tomadores de decisão, mesmo que estejam em ambientes de grande incerteza e complexidade. Os autores da chamada Economia Institucional têm ressaltado a importância de uma maior integração social e cooperação como fatores para promover o desenvolvimento socioeconômico. Assim, a compreensão de instituições como valores, hábitos, leis ou regras informais e formais que condicionam a ação, com conteúdo normativo, indica que essas podem ser responsáveis pela instalação de dinâmicas sociais mais cooperativas ou mais oportunistas.
Segundo Acemoglu (2009), as instituições moldam tanto as relações sociais quanto as relações econômicas. É de se esperar que uma mudança institucional pode acarretar, como, por exemplo, garantia do direito de propriedade de forma eficiente, trazendo incentivos à ampliação dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Os incentivos são parte importante de uma sociedade, pois influenciam diretamente as decisões individuais e, consequentemente, onde os recursos são alocados.
Para Olson (1982) e North (2005) as instituições formais e informais que compõem o ambiente institucional são determinantes ou mesmo condicionantes da ação dos agentes econômicos. Assim, seja no nível micro e informal (valores dos indivíduos, por exemplo) ou no nível macro e formal (indicador de garantia de direito de propriedade do país, por exemplo), espera-se uma associação desses diferentes recortes institucionais sobre os resultados econômicos dos indivíduos.
Há evidências sugerindo que o fortalecimento das instituições tem impacto positivo na produtividade do trabalho e no crescimento econômico dos países (ACEMOGLU et al., 2004; KNACK e KEEFER, 1997). Mais especificamente, instituições eficientes auxiliam no crescimento e na performance da economia e, consequentemente, no aumento da renda per capita. Entretanto não existem trabalhos que analisam o impacto das instituições na performance econômica dos indivíduos.
Dentro deste contexto, o objetivo deste artigo é avaliar como as instituições informais (valores dos indivíduos) e as instituições formais (indicadores de liberdade econômica) afetam o nível de renda individual. Ou seja, para além das relações no nível individual entre instituições informais e renda, as instituições formais dos países também podem afetar o nível de renda na escala micro. Para atendê-lo, dado que se incluem variáveis em diferentes níveis (indivíduos e países), lança-se mão do modelo de regressão logística hierárquico, tendo a categoria de renda individual como variável dependente.
No que se refere aos valores dos indivíduos (primeiro nível), segundo a WVSA (2014), existe uma distribuição espacial de valores no mundo, representado em duas direções: o movimento do sul para o norte reflete a mudança de valores tradicionais para valores do tipo secular-racional (o contraste entre sociedades em que a religião é muito importante e aquelas em que não é) e, movendo-se de oeste para leste, de valores de sobrevivência para valores de auto-expressão (mudanças de prioridade em segurança econômica para prioridade em bem-estar)1. Assim, valores dos tipos “tradicional” e “sobrevivência” podem ser associados a valores típicos de sociedades “tradicionais” e, inversamente, valores dos tipos “secularracional” e “auto-expressão” denotam valores de sociedades “não-tradicionais”.
Já sobre as instituições formais, representando aqui a dimensão institucional mais agregada (segundo nível), destaca-se o papel do Estado enquanto regulador e promotor do desenvolvimento, percorrendo sua capacidade de promover arranjos institucionais adequadas ao funcionamento da economia e favoráveis à articulação entre os diversos agentes.
A base de dados composta de microdados sobre instituições informais é a World Values Survey (WVS), extraída da World Values Survey Association (WVSA) e envolve os valores, as crenças e as motivações dos indivíduos. A base de dados para instituições formais dos países é a Index of Economic Freedom, da Heritage Foundation. O período de análise engloba os anos de 1994 a 2014.
Além dessa introdução, este artigo conta com uma revisão de literatura no tópico 2; contempla uma descrição da base de dados e do método econométrico no tópico 3; resultados e discussões no tópico 4 e considerações finais no tópico 5.
2 Instituições informais e formais
Instituições são regularidades no comportamento social (SCHOTTER, 1981) ou regras do jogo no processo de interação humana (NORTH, 1990, 1991 e 1992). Para Hodgson (2004), as instituições são sistemas duráveis de regras sociais estabelecidas e incorporadas que estruturam as interações sociais e envolvem algumas concepções compartilhadas.
As instituições presentes num determinado momento histórico são o resultado da herança cultural da sociedade. Como essa herança muda lentamente entre gerações, fruto do processo de aprendizado em face das transformações na sociedade e no ambiente externo, também as instituições mudam gradualmente no tempo. Não é possível compreender uma sociedade sem investigar as raízes históricas de sua evolução cultural. Mais ainda, essa inércia institucional, inserida em tempo histórico, é um processo de curso dependente (path dependent) (MARTONE, 2007, p. 315).
Ainda que as instituições formais sejam a preocupação principal de North (2005), o autor reconhece a importância de elementos cognitivos na formação e consolidação das regras do jogo. As limitações da racionalidade individual levam os seres humanos a criarem padrões de referência para definir seu comportamento. Esses padrões estão alicerçados em crenças individuais que, ao tornarem-se compartilhadas, consolidam a matriz institucional da sociedade (restrições formais ou informais).
Com relação às instituições informais, Bourdieu (2005) analisa as leis sociais a partir de uma concepção relacional e sistêmica do social. A estrutura social é vista como um sistema hierarquizado de poder e privilégio, determinado tanto pelas relações materiais e/ou econômicas (salário, renda) como pelas relações simbólicas (status) e/ou culturais (escolarização) entre os indivíduos. Segundo esse ponto de vista, a diferente localização dos grupos nessa estrutura social deriva da desigual distribuição de recursos e poderes de cada um de nós. Por recursos ou poderes, Bourdieu entende mais especificamente o capital econômico (renda, salários, imóveis), o capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), o capital social (relações sociais que podem ser revertidas em capital, relações que podem ser capitalizadas) e por fim, mas não por ordem de importância, o capital simbólico (o que vulgarmente chamamos prestígio e/ou honra). Assim, a posição de privilégio ou não-privilégio ocupada por um grupo ou indivíduo é definida de acordo com o volume e a composição de um ou mais capitais adquiridos e ou incorporados ao longo de suas trajetórias sociais. O conjunto desses capitais seria compreendido a partir de um sistema de disposições de cultura (nas suas dimensões material, simbólica e cultural, entre outras), denominado por ele como habitus.
O habitu é referido a um campo, e se acha entre o sistema imperceptível das relações estruturais, que moldam as ações e as instituições, e as ações visíveis dos atores, que estruturam as relações. Os habitus são as "leis sociais" que regem um campo, como, por exemplo, a da reprodução do habitu pela educação formal. Tais leis derivam do uso, do costume, têm validade espaço-temporal, são estabelecidas e sustentadas por quem delas se beneficia: os agentes e as instituições dominantes (Bourdieu, 1984). Para Bourdieu (2002) os habitus de gênero são fruto da educação, de um trabalho pedagógico de nominação e incorporação que se inicia no processo de socialização infantil e continua através de variadas e constantes estratégias educativas de diferenciação, na maioria das vezes implícitas nas práticas de vários agentes como a família, a igreja, a escola e os meios de comunicação. Segundo Silva (1995), os efeitos sobre a mobilidade social parecem mais fortes entre homens, quando há investimento em educação e cultura. As mulheres necessitam, mais do que os homens, de capital cultural para garantir a sua posição de classe. Da mesma forma, elas têm que investir relativamente mais em educação para obter os mesmos ganhos.
O conceito de habitus considera as relações de cooperação, de amizade, de responsabilidade, que podem ser representados pela confiança. Esta vai além do âmbito da família e engloba a disponibilidade para cooperar dentro da comunidade social. Confiança pressupõe a existência de pontos de vista comuns sobre relações sociais e um sentido do bem comum. Para Bourdieu a confiança e a reciprocidade podem emergir do amalgamento grupal, que outra coisa não é senão a intensificação do comportamento relacional de um indivíduo ou grupo, resultante do interconhecimento e do inter-reconhecimento das ligações permanentes e úteis. Assim, vontade de cumprir com as normas depende de como as outras pessoas se comportam. Em ambientes caracterizados por desrespeito das normas, a ação coletiva é ineficiente.
Analisando as instituições formais, autores como Davis e North (1971) definem o ambiente institucional como o conjunto de regras fundamentais de natureza política, social e legal que estabelece a base para a produção, a troca e a distribuição. Englobam, por exemplo, o regime político, o direito civil, a constituição nacional, direitos de propriedade, dentre outros.
Para North (1991), as instituições fornecem a estrutura de incentivos em uma economia e o desenvolvimento de uma dada região está diretamente ligado à eficiência de suas instituições ou às regras do jogo. Para North e Thomas (1973), o desenvolvimento resulta da evolução dos direitos de propriedade de cada nação, os quais se associam aos custos de transação, que seriam resultantes da dificuldade de garantir a exclusividade e o respeito aos direitos de propriedade. Dada a existência dos custos de transação significativos, serão estes que definirão os ganhos obtidos da troca (North, 1992). Na medida em que as mercadorias possuem múltiplos atributos e os serviços múltiplas características, existem custos em identificar e mensurar todos esses atributos, ou pelo menos os atributos que possuem valor, no momento de especificar os termos do contrato, ou de verificar e garantir sua execução. Na medida em que esses custos são elevados ou incertos, os direitos de propriedade acabam por ser especificados de forma imperfeita ou incompleta: custos de transação elevados estão diretamente relacionados a direitos de propriedade mal especificados. E custos de transação elevados reduzem as taxas de crescimento econômico.
Para Martone (2007, p.313), as instituições podem produzir baixos custos de transação na economia, demandando regras do jogo mais claras. “Isso tem a ver com a qualidade da regulamentação das atividades econômicas e dos mercados, a redução das assimetrias de informação e o provimento de bens públicos em quantidade e qualidade adequadas”. As transações podem ser inviabilizadas por custos de transação que excedam os benefícios potenciais às partes envolvidas. Especificamente, a dinâmica do desenvolvimento (ou atraso) está relacionada com a forma como foram moldados os direitos de propriedade pelo Estado. Torstensson (1994), Knack e Keefer (1995), Goldsmith (1997), Carlsson e Lundstrom (2002) enfatizam que a garantia e proteção dos direitos de propriedade encoraja o crescimento. Para North (1981), a construção de um sistema legal e de defesa são as fontes subjacentes fundamentais da civilização. O crescimento econômico no mundo moderno ocidental estava ligado ao surgimento não apenas de direitos de propriedades mais seguros, mas das liberdades políticas, religiosas e civis (NORTH, 1988).
3 Base de dados e modelo econométrico
A base de dados do nível micro (indivíduo) é a Pesquisa Mundial de Valores (WVS), que é uma investigação mundial de mudança sociocultural e política2. A onda 2010-2014 se baseia em valores e crenças dos indivíduos de 97 países distribuídos por seis continentes. A escolha dos anos (ondas) se deu pela maior frequência observada a partir da onda 3, sendo este o corte temporal utilizado (1994-1998 a 2010-2014), num total de 292.210 indivíduos entrevistados (observações), conforme Tabela 1.
Destaca-se que a maior parte das variáveis é categórica (binária). Na Tabela 2, que considera variáveis do primeiro nível (indivíduos), notam-se distribuições percentuais distintas entre as variáveis. A variável de interesse, renda individual, está dividida em duas categorias, baixa e alta, e foi construída a partir de decis de renda. Aproximadamente, 60% da amostra está na categoria “baixa” e 31% está na categoria “alta”3. Considerando outras variáveis, do total de entrevistados no mundo, 48% são homens e 51% são mulheres; 70% acham “religião” um valor importante contra 27% que não acham; 38% concordam que homens tenham mais direitos do que mulheres, contra 57% que não concordam. Sobre confiança e democracia, 24% dizem confiar na maioria das pessoas, contra 70% que não confiam; 80% julgam a democracia um bom sistema político, contra 9% que não concordam. A Tabela 3 apresenta os dados da correlação simples entre as variáveis.
No segundo nível (dimensão formal) utilizou-se as variáveis extraídas da Heritage Foundation, especificamente do Index of Economic Freedom: “Direito de Propriedade” e “Liberdade Fiscal”. Cada variável refere-se a um tema relevante para instituições formais, as quais se referem ao Estado de direito e ao tamanho do governo, respectivamente. Segundo Miller e Kim (2016), ambas variáveis desempenham papel vital no desenvolvimento e manutenção da prosperidade pessoal e nacional. A análise descritiva dessas variáveis pode ser vista na Tabela 4.
Segundo Alston & Mueller (2005), direitos de propriedade determinam os incentivos para uso de recursos e consiste em um conjunto de direitos formais e informais de usar e transferir recursos. Para North e Thomas (1973), a falta de uma definição clara sobre os direitos de propriedade aumenta os custos de transação, impactando negativamente o crescimento econômico. Adicionalmente, os direitos de propriedade conseguem guiar os incentivos dos agentes econômicos. Quando não há uma definição sobre esses direitos, os incentivos tendem a resultar numa má alocação de recursos (DEMSETZ, 1967). Assim, direitos de propriedade eficientes dão aos cidadãos a confiança para desenvolver uma atividade empresarial, salvar sua renda, e fazer planos de longo prazo.
A variável tamanho do governo é uma medida dos gastos do governo, da carga tributária e da saúde fiscal. O componente de gastos do governo captura o consumo pelo Estado e todos os pagamentos de transferência relacionados a vários programas de benefícios. Estudos apontam que o gasto excessivo do governo causa déficits orçamentários crônicos e o acúmulo de dívida pública, sendo um dos mais sérios obstáculos ao dinamismo econômico. Entretanto, ao ter intervenção governamental para investimentos em infraestrutura, o impacto na performance econômica pode ser positivo (YILDIRIM e GÖKALP, 2016). A carga tributária é uma medida composta que reflete as alíquotas marginais sobre a renda pessoal e corporativa e o nível geral de tributação (incluindo impostos diretos e indiretos impostos por todos os níveis de governo) como uma porcentagem do produto interno bruto (PIB) (HERITAGE FOUNDATION, 2019). Supondo que os governos impõem encargos fiscais sobre a atividade econômica através de impostos, quanto maior a participação do governo no rendimento ou riqueza, menor a recompensa do indivíduo para a atividade econômica e menor o incentivo para realizar o investimento.
Modelo econométrico: a abordagem multinível4
O valor de (8) fornece o percentual da variância do intercepto do modelo nulo que está sendo explicada pela inclusão de variáveis no segundo nível. Mesmo que as características individuais cubram boa parte das chances do indivíduo ser de alta renda, pode haver uma proporção da variância que permanece não explicada, dada pelo intercepto, ou seja, pela média geral. Assim, é importante a inclusão gradativa de variáveis do segundo nível para avaliar a contribuição de cada elemento adicional para a redução da variabilidade não-condicional do intercepto. Ou seja, além das relações no nível individual entre instituições informais e renda, as instituições formais dos países também podem afetar a probabilidade do indivíduo ser de alta renda.
4 Resultados e Discussão
A variável dependente binária para todos os modelos estimados, medida no nível do indivíduo (nível 1), é a categoria de renda (assumindo valor 0 para baixa e 1 para alta). A Tabela 5 apresenta 5 (cinco) modelos com as estimativas dos coeficientes das análises multinível em termos das chances do indivíduo ser do tipo “alta renda”. O Modelo 1 (nulo), na primeira coluna é o modelo ANOVA com efeitos aleatórios. Através do cálculo do Coeficiente de Correlação Intraclasse (ICC)6 observa-se a variação nas chances do indivíduo ser do tipo “alta renda” atrelado às características dos países. Assim, o ICC=0,1353 sugere que 13,53% da variação nas chances do indivíduo ser de alta renda decorrem de diferenças, entre os países, nessas chances. Dado que os coeficientes das variâncias contextuais são estatisticamente diferentes de zero para os 5 (cinco) modelos, assume-se que as probabilidades de ser de alta renda diferem de acordo com o país que o indivíduo reside, para todos os modelos.
O Modelo 2 (não-condicional) inclui somente as variáveis explicativas ligadas as características dos indivíduos (primeiro nível). Apesar das características individuais explicarem boa parte das chances do indivíduo ser de alta renda, ainda há uma proporção da variância que permanece não explicada, dada pelo intercepto.
Nos Modelos 3, 4 e 5 são incluídas gradativamente as variáveis de segundo nível. É importante a inclusão gradativa para que se possa analisar o grau de contribuição de cada variável adicional para a redução da variabilidade não-condicional do intercepto (estimado pelo Modelo 2). Essa medição pode ser feita através do percentual da variância explicada. Estes modelos incorporam ao Modelo 2 variáveis explicativas do segundo nível hierárquico, captando o efeito diferenciado das instituições formais sobre a categoria de renda dos indivíduos situados em países distintos.
Dos modelos 3 e 4 nota-se, por exemplo, que no modelo 3 a variável “direito de propriedade” explica a variabilidade do intercepto (médias distintas entre os países) em 9,27%, enquanto “tamanho do governo”, explica menos essa variabilidade, com 3,14% (Modelo 4).
Considerando o Modelo 5, todas as variáveis de primeiro nível (com exceção de “atividades religiosas”) mostram-se significativas. Assim, percebe-se uma divisão em dois grupos de valores conforme a relação das variáveis com a renda individual. Instituições informais como a família, confiança, igualdade de gênero, democracia, nacionalismo, interesse por política, preferência por competição e por menos interferência do governo formam um grupo de variáveis que podem aumentar as chances do indivíduo ser do tipo “alta renda”. Ou seja, a maior parte desses elementos refere-se a valores de sociedades “não-tradicionais” e estes podem estar relacionados positivamente com a renda individual. No caminho inverso, valores mais “tradicionais” como a religião, obediência e respeito à autoridade possuem uma relação inversa com a renda individual, ou seja, podem reduzir a chance do indivíduo ser do tipo “alta renda”. Em relação aos coeficientes das dummies de tempo (ondas), cabe destarcar que estes apresentaram uma tendência de crescimento e, considerando o modelo 5 (completo), percebe-se uma tendência de elevação de acordo com as ondas.
Vale resgastar as ideias de Bourdieu (2005), a partir da análise de leis sociais, concepção relacional e sistêmica do social. A estrutura social é um sistema de relações materiais e/ou econômicas, relações simbólicas e culturais. Pode-se argumentar que a diferente localização dos indivíduos nesse sistema deriva da desigual distribuição dos valores (habitus), que são as "leis sociais" que regulam as relações, costumes e interação dos indivíduos.
Considerando as duas variáveis que representam as instituições formais (Modelo 5), observa-se que elevações nos indicadores de “direito de propriedade” e “tamanho do governo” podem aumentar as chances do indivíduo ser de alta renda em 1,2% e 0,6%, respectivamente. Ou seja, o maior efeito dessas instituições formais sobre a renda individual advém da garantia de direitos de propriedade dos países. O valor positivo para “direito de propriedade” (razão de chance maior do que 1) vai ao encontro de North e Thomas (1973); North (1981) e Martone (2007) que enfatizam a relação direta entre melhores garantias de direito de propriedade e prosperidade econômica (neste caso, renda individual alta).
Para North (1981), a construção de um sistema legal e de defesa são as fontes subjacentes fundamentais da civilização. Para o autor, o desenvolvimento está relacionado com a manutenção de direitos de propriedade, garantindo liberdades políticas, religiosas e civis. Ou seja, quanto mais seguras são essas liberdades, menores os custos de transação e, por consequência, maior é a renda. Assim, a renda em uma sociedade em que o Estado garante os direitos de propriedade é maior do que seria caso os governados garantissem eles próprios os seus direitos, dadas as economias de escala do Estado na oferta de proteção e justiça.
A razão de chance positiva da variável “tamanho do governo” indica uma relação direta entre estar em um país com menor interferência do governo (em termos de recolhimento de impostos) e maior chance dos indivíduos serem de “alta renda”. Contudo, seu valor foi relativamente baixo e este resultado não capta a demanda dos indivíduos por uma menor ou maior presença do Estado. Miller e Kim (2016) argumentam que quanto maior a participação do governo no rendimento ou riqueza, menor a recompensa do indivíduo para a atividade econômica. Para North (1981) haveria o tamanho ideal em que o crescimento na receita fiscal gerado pela proteção é igualado aos custos da oferta desse serviço, ou seja, mais proteção garante mais renda individual, mas ao mesmo tempo exige mais impostos, que por sua vez, reduz a renda. Essa dualidade na análise das instituições formais é retratada em North (1988), que considera o Estado democrático moderno, com seu pluralismo político.
5 Considerações Finais
A compreensão do conceito e formas das instituições é tarefa complexa e de pouco consenso. As definições transitam por estruturas mais objetivas de identificação, como as leis e normas definidas pelo Estado, e estruturas menos tangíveis na esfera do cognitivo, como as normas, confiança ou valores da sociedade. Assim, analisar a associação das instituições formais e informais com as variáveis econômicas, mais especificamente com o nível de renda dos indivíduos, é um desafio.
Os resultados revelam que as instituições se associam direta ou indiretamente com o nível de renda dos indivíduos. No caso das instituições informais, valores individuais como a família, confiança, igualdade de gênero, interesse por política e democracia, competição, tamanho de governo (menos intervenção) apresentam-se positivamente relacionados à renda mais alta. Por outro lado, valores como a religião, obediência, autoridade e igualdade de renda apresentam-se inversamente relacionados à renda mais alta.
Sociedades com altos níveis de controle (em que religião e autoridade são valores preponderantes, por exemplo), são aquelas em que os indivíduos têm menor autonomia relativa sobre suas escolhas, podendo afetar negativamente sua capacidade de inovar e empreender. Sociedades mais tradicionais (pré-industriais) dão mais destaque à religião, enfatizam a dominação masculina na vida política e econômica e preferem um sistema político mais autoritário.
No que tange as instituições formais dos países, corroborou-se a associação positiva entre garantia de direito de propriedade e alta renda individual, e uma associação positiva para o menor tamanho do governo e renda individual. A existência de direitos de propriedade fornece uma estrutura de incentivos em uma economia, amplia o ambiente de confiança nas regras formais e no sistema jurídico e define novas direções para geração de renda. É menos arriscado investir e inovar em um ambiente caracterizado por direitos de propriedade bem definidos. Sobre o tamanho do governo, apesar das controvérsias na literatura sobre os efeitos da intervenção do governo sobre os resultados econômicos, compreende-se que a variável “tamanho do governo”, pode estar ligada a um certo grau de autonomia individual, o que pode favorecer a aumentos de nível de renda per capita.
A capacidade do Estado na elaboração de instituições formais é uma exigência da política econômica eficaz, principalmente quando se trata de países menos desenvolvidos. Somado a isto, a compreensão das instituições informais, enraizadas ao longo do tempo na sociedade, permite a construção de uma agenda política orientada aos moldes de sociedades mais desenvolvidas social e economicamente.
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Notas