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Desenvolvimento e conflito ambiental: a construção do discurso dos “espaços vazios” em megaprojetos no litoral sul do Espírito Santo, Brasil
Ana Cláudia Hebling Meira; Jalcione Almeida
Ana Cláudia Hebling Meira; Jalcione Almeida
Desenvolvimento e conflito ambiental: a construção do discurso dos “espaços vazios” em megaprojetos no litoral sul do Espírito Santo, Brasil
Development and environmental conflict: a construction of the “empty spaces” discourse in megaprojects on the southern coast of Espírito Santo, Brazil
Desarrollo y conflicto ambiental: una construcción del discurso de “espacios vacíos” en megaproyectos en la costa sur de Espírito Santo, Brasil
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: Nas últimas décadas, o discurso desenvolvimentista no Brasil promoveu diversas ações que culminaram na atração de investimentos em grandes empreendimentos. Eleito o espaço adequado para investimentos em infraestrutura logística para apoio a exportações e à modernização da cadeia de produção de petróleo e gás, o litoral sul do estado do Espírito Santo é, a partir do início dos anos 2000, palco de transformações que ocorrem com o anúncio da instalação de portos, usinas termoelétricas, construção de estradas e ferrovias, entre outros. Este processo não se viabiliza sem a ocorrência de conflitos. Em pesquisa recente, cujo objetivo foi o de focar os conflitos ambientais originados no choque de interesses entre os investimentos portuários e as comunidades pesqueiras no sul do estado, constatou-se que um dos mecanismos utilizados pelo “desenvolvimento” para se viabilizar foi a construção de um discurso que ressalta os “espaços vazios”. Trata-se de pesquisa qualitativa que adotou como procedimentos metodológicos a inserção etnográfica, observações, análise de documentos e entrevistas com pescadores, representantes do poder público e dos empreendimentos. Este artigo pretende demonstrar os elementos utilizados para a afirmação deste discurso e a sua negação, que contempla as espacialidades repletas de diversidade e diferenças, expressas pela presença de comunidades tradicionais de pesca artesanal. Conclui-se que as ações do desenvolvimento, na medida em que se pretendem homogeneizadoras, não permitem a existência de diferenças do espaço, o que provoca as disputas que ocorrem no litoral sul do Espírito Santo, com destaque àquelas que dizem respeito à manutenção do modo de vida dos pescadores artesanais.

Palavras-chave:DesenvolvimentoDesenvolvimento,Conflitos ambientaisConflitos ambientais,Espaços vaziosEspaços vazios,EspacialidadesEspacialidades.

Abstract: In the last decades, the developmental discourse in Brazil promoted several actions that culminated in the attraction of investments in large enterprises. Once the adequate space was chosen for investments in logistical infrastructure to support exports and modernize the oil and gas production chain, the southern coast of the state of Espírito Santo has, since the early 2000s, been the stage of transformations that have occurred with the announcement of the installation of ports, thermoelectric plants, construction of roads and railways, among others. This process is not possible without conflicts. In a recent research, whose objective was to focus on environmental conflicts originated in the clash of interests between port investments and fishing communities in the south of the state, it was found that one of the mechanisms used by “development” to make viable was the construction of a speech that emphasizes the “empty spaces”. This is a qualitative research that adopted as methodological procedures ethnographic insertion, observations, analysis of documents and interviews with fishermen, representatives of the public authorities and enterprises. This article intends to demonstrate the elements used to affirm this discourse and its denial, which contemplates the spatialities full of diversity and differences, expressed by the presence of traditional artisanal fishing communities. It is concluded that the development actions, insofar as they intend to homogenize, do not allow the existence of differences in space, which provokes the disputes that occur in the south coast of Espírito Santo, with emphasis on those that concern the maintenance of the way of life of the artisanal fisherman.

Keywords: Development, Environmental conflicts, Empty spaces, Spatialities.

Resumen: En las últimas décadas, el discurso del desarrollo en Brasil ha promovido varias acciones que culminaron en atraer inversiones en grandes empresas. Elegido como espacio adecuado para las inversiones en infraestructura logística para apoyar las exportaciones y modernizar la cadena de producción de petróleo y gas, la costa sur del estado de Espírito Santo ha sido, desde principios de la década de 2000, la etapa de las transformaciones que se han producido con el anuncio de la instalación de puertos, plantas termoeléctricas, construcción de carreteras y ferrocarriles, entre otros. Este proceso no es posible sin conflictos. En una investigación reciente, cuyo objetivo era enfocarse en los conflictos ambientales originados en el choque de intereses entre las inversiones portuarias y las comunidades pesqueras en el sur del estado, se encontró que uno de los mecanismos utilizados por el "desarrollo" para hacer viable era la construcción de un discurso que enfatiza los "espacios vacíos". Se trata de una investigación cualitativa que se adoptó como procedimientos metodológicos de inserción la etnográfica, observaciones, análisis de documentos y entrevistas con pescadores, representantes de las autoridades públicas y empresas. Este artículo pretende demostrar los elementos utilizados para afirmar este discurso y su negación, que contempla las espacialidades llenas de diversidad y diferencias, expresadas por la presencia de comunidades tradicionales de pescadores artesanales. Se concluye que las acciones de desarrollo, en la medida en que pretenden homogeneizar, no permiten la existencia de diferencias en el espacio, lo que provoca las disputas que se producen en la costa sur de Espírito Santo, con énfasis en aquellas que conciernen al mantenimiento del camino de la vida de los pescadores artesanales.

Palabras clave: Desarrollo, Conflictos ambientales, Espacios vacíos, Espacialidades.

Carátula del artículo

Artigos

Desenvolvimento e conflito ambiental: a construção do discurso dos “espaços vazios” em megaprojetos no litoral sul do Espírito Santo, Brasil

Development and environmental conflict: a construction of the “empty spaces” discourse in megaprojects on the southern coast of Espírito Santo, Brazil

Desarrollo y conflicto ambiental: una construcción del discurso de “espacios vacíos” en megaproyectos en la costa sur de Espírito Santo, Brasil

Ana Cláudia Hebling Meira
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Jalcione Almeida
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 03 Febrero 2020

Aprobación: 27 Mayo 2021

1 Introdução

Desde o início dos anos 2000, o governo do Espírito Santo vem adotando um discurso novo-desenvolvimentista e empreendendo ações no sentido de promover o desenvolvimento visando à industrialização e à ampliação da infraestrutura para exportação e para a produção de petróleo e gás. Vários grandes projetos, de norte a sul do estado, têm sido atraídos por meio de “programas de incentivos fiscais para projetos de implantação, ampliação, expansão ou diversificação da capacidade produtiva”, “projetos de revitalização de estabelecimentos paralisados” para incentivo de “setores produtivos que assumem o compromisso de aumentar a competitividade das empresas estabelecidas no Estado” (ESPÍRITO SANTO, 2016).

O “setor privado” também tem participado da promoção do desenvolvimento: as ações que mais se destacam neste sentido são as empreendidas pelo Movimento Espírito Santo em Ação, criado em 2003, reunindo empresários de vários setores da economia e tendo como um de seus principais objetivos revigorar a economia estadual fortalecendo os arranjos produtivos locais para “tornar as empresas ainda mais conscientes e participativas em seu papel econômico e social” (ESPÍRITO SANTO EM AÇÃO, 2016).

Tais propostas de desenvolvimento trazem consigo a pretensão de melhorar as condições de vida da população do estado. Entretanto, essas promessas parecem não cativar parcelas da população em condições socioeconômicas mais desfavorecidas. Tomando como base trabalho de pesquisa recente envolvendo comunidades de pescadores artesanais nos municípios de Presidente Kennedy, Marataízes e Itapemirim, no litoral sul do Espírito Santo e suas críticas empreendidas aos empreendimentos portuários (Porto Central, Itaoca Terminal Marítimo e Terminal Marítimo da C-Port Logística), pretende-se demonstrar como o discurso do desenvolvimento, no intuito de viabilizar-se, opera a construção de “espaços vazios”, ocultando as diversas espacialidades presentes, desconsiderando comunidades tradicionais locais e expondo-as a situações de perda de trabalho, renda e moradia.

Importante destacar que esta pesquisa se apoiou em metodologia qualitativa, na qual procedeu-se uma inserção etnográfica junto às comunidades pesqueiras durante 12 meses, utilizando-se de diário de campo para registro das observações realizadas. Além disso, foram realizadas entrevistas com representantes do poder público municipal (prefeitos e secretários municipais), com representantes dos empreendimentos e com pescadores artesanais, totalizando 12 entrevistas semiestruturadas e aproximadamente dez horas de gravações transcritas, sistematizadas e analisadas na perspectiva da análise do discurso. Foram analisados também documentos oficiais, publicações da imprensa e publicações das empresas em sítios da internet.

Com esta introdução, este artigo está organizado em cinco seções. Na seção seguinte são apresentadas as perspectivas teórico-metodológicas que embasam a análise do discurso do “espaço vazio”. Na terceira, pretende-se demonstrar como o desenvolvimento (e seus agentes) constrói o discurso do litoral sul “vazio” e como “entidad desarrollable” (ESCOBAR, 2013), ideal para receber os grandes investimentos. Na quarta seção é destacada a diversidade de formas de existência de agentes humanos e não humanos presentes no espaço, que impulsiona a emergência das críticas ao desenvolvimento do litoral sul, criando um conflito ambiental, tentando demonstrar que este espaço não é vazio, mas, ao contrário, é diverso. Por fim, são apresentadas algumas considerações finais.

2 O discurso do “espaço vazio”: aproximações teóricas

A pretensão homogeneizadora do discurso do desenvolvimento, associada à transformação do outro em seu oposto1, o subdesenvolvimento, traz consigo também a possibilidade de transformar o outro em “espaço vazio”. Segundo este discurso, o “desenvolvido” é aquele que possui em seu espaço algumas características, como por exemplo, sociedades urbanizadas, industrializadas, com a presença de trabalhadores assalariados, com adequado desempenho econômico e completamente inseridas na lógica da economia do mercado. Sob esta ótica, os espaços onde estas características não estão presentes se caracterizam como “vazios”, ou, conforme Escobar (2013), como uma “entidad desarrollable”, ou um espaço onde os “desenvolvidos” devem ajudar os “subdesenvolvidos” a se desenvolverem (RIST, 2008).

Duas rupturas, típicas do projeto moderno, estão presentes nesta concepção de desenvolvimento: a separação espaço/tempo e a separação sociedade/natureza. O discurso do desenvolvimento se apoia na perspectiva de que o tempo é flexível e permite mutações, sempre rumo ao mais e melhor, ao progresso, ao crescimento, à felicidade. Neste contexto, o progresso assume, antes de tudo, um sentido parcial e prático: é um “melhoramento” (ALMEIDA, 2009). Parte-se da premissa que, se existem espaços ainda “subdesenvolvidos”, é apenas uma questão de tempo: o desenvolvimento chegará. Trata-se de uma visão linear do tempo e dos processos sociais. Não há espaço para as diferenças e, menos ainda, para as heterogeneidades sociais. Por outro lado, o desenvolvimento apoia-se na concepção do espaço como fixo, base territorial sobre a qual o mesmo se processará a partir de uma concepção de futuro pré-determinada, já conhecida, como uma espécie de teleologia do progresso (MASSEY; KEYNES, 2004). O desenvolvimento, deve, portanto, chegar a todos os espaços e, onde ele ainda não chegou, pode-se considerar um “espaço vazio”.

Esta concepção de “espaços vazios” surge, no contexto da primeira guerra mundial, com a noção de “espaço vital” (Lebensraum), definido como conjunto de condições espaciais e naturais necessárias à manutenção ou consolidação do poder do Estado sobre seu território, desenvolvida pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel, para quem “as áreas vazias ou mal aproveitadas do planeta deveriam, em benefício da humanidade, ser ocupadas por nações que, historicamente, tivessem demonstrado eficiência na gestão de territórios, no sentido de obter deles a produção de riquezas” (MACIEL, 2007, p. 1). Segundo Ratzel (1898-1899), o “espaço vital” é aquele necessário para a expansão territorial de um povo; todas as sociedades, em um determinado grau de desenvolvimento, deveriam conquistar territórios onde as pessoas são “menos desenvolvidas”. Esses territórios seriam, ainda segundo o autor, as áreas mal aproveitadas ou “vazias” do ponto de vista da expansão das economias ocidentais capitalistas.

No campo do conhecimento geográfico, outra noção que está na origem da ideia de “espaços vazios” é a de “vazio demográfico”, ou “vazios humanos”. O espaço “vazio” é um local não povoado, ou com baixa densidade populacional: “[u]ma área é considerada ‘povoada’ quando já se esboça uma organização econômica e há, apesar da precariedade das comunicações, um regime de trocas com a retaguarda, isto é, com os centros mais civilizados” (BERNARDES, 1952, p. 55). Nota-se tratar de uma noção que não considera sequer a presença de “populações tradicionais”, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, entre outros, ou a prática de atividades produtivas não inseridas na economia de mercado.

Baseado na ideia de progresso técnico-científico, o discurso do desenvolvimento traz consigo também a cisão entre sociedade e natureza. Desde os séculos XIV e XV, com a consolidação da noção de racionalidade científica, os humanos passam a ser considerados “sujeitos” que deverão explicar/interpretar a natureza, agora transformada em “objeto”. Esta cisão é fundamental para a emergência do projeto moderno que se consolida a partir do século XVII com a filosofia cartesiana, para quem a faculdade do ser humano de pensar e usar a razão lhe confere singularidade e supremacia sobre tudo ao seu redor (RAYNAUT, 2006). Sendo assim, o discurso do desenvolvimento, na medida em que pretende subjugar todas as esferas da vida social à esfera econômica por meio do conhecimento científico e da aplicação das técnicas modernas de produção, considera os espaços em que estas técnicas ainda não transformaram a natureza “natural” - ou aqueles em que ainda predominam os processos produtivos tradicionais (como a extração vegetal ou animal, a agricultura ou a pecuária) - espaços “vazios”, aonde o desenvolvimento deve chegar.

3 O discurso do “espaço vazio” no litoral sul do Espírito Santo

O litoral sul do Espírito Santo foi construído pelo discurso do desenvolvimento como um desses “espaços vazios” de civilização, vazios de modernidade, de ciência, de sociedade, de economia de mercado e de modernas tecnologias, enfim, de progresso. Este processo não é recente: desde o período colonial até meados do século XIX, o estado foi habitado, predominantemente, por indígenas, representantes das tribos Puri, Coroado, Botocudo, Tupiniquim e Temiminó. No primeiro quartel do século XIX, 25% da população capixaba era composta por Tupiniquim e Temiminó:

Mas fosse em direção ao norte, onde habitavam principalmente os Botocudo, ou fosse em direção ao sul, onde se localizavam os Puri, os Coroado e de maneira crescente os Botocudo deslocados de outras terras, a população indígena independente no Espírito Santo era interpretada, em termos da época e no começo do século XIX, como numerosa, pois “infestava” as terras, provocava “correrias” e ameaçava a sociedade local (MOREIRA, 2000, p. 139-140).

A grande presença de indígenas na região era vista pelos administradores da capitania como um grande transtorno. Isto definia a situação do Espírito Santo como precária, pois os indígenas eram vistos como um “gentio inimigo”, que impediam a entrada de colonizadores para o sertão (MOREIRA, 2000).

No contato com a população europeia muitos indígenas foram mortos nas guerras ou pelas doenças trazidas da Europa. Isto contribuiu para a crença de que a população americana desapareceu do Brasil na segunda metade do século XIX. Moreira (2000), entretanto, chama a atenção para o fato de que esta crença está relacionada com a dinâmica da ideologia colonialista europeia que minimizou, ou até mesmo desconsiderou a presença de indígenas dos territórios de suas fronteiras coloniais. Isso contribuiu para que as elites locais também reproduzissem e atualizassem a ideologia da existência de terras selvagens, “vazias”, disponíveis à colonização, ao desenvolvimento econômico e à modernização. Esta crença contribuiu para a atração de estrangeiros, especialmente alemães e italianos para a formação de núcleos coloniais no final do século XIX.

O conceito de “vazio demográfico” também esteve presente no vocabulário político entre os anos 1940-1970, representado, fundamentalmente, pelas políticas de integração regional:

Vazio demográfico” é, portanto, um clichê produzido pelo Estado e por parcelas da sociedade brasileira, com profundas raízes na história nacional do século XX. Na maior parte das vezes, indica senão a completa ausência de traços humanos em dado território, pelo menos a existência de uma densidade demográfica muito baixa (MOREIRA, 2000, p. 144).

O litoral sul do Espírito Santo, historicamente construído pelo discurso hegemônico do “vazio demográfico”, permanece ainda hoje pouco ocupado. Esta região é predominantemente ocupada por agricultores familiares e pescadores artesanais, descendentes de indígenas ou remanescentes de quilombos, o que, segundo o discurso do desenvolvimento, torna essa região uma “entidad desarrollable”.

Tabela 01
Densidade demográfica no Brasil, Espírito Santo e municípios do litoral sul – 2000 e 2010

Fonte: IBGE (Censos Demográficos de 2000 e 2010).

A Tabela 1 demonstra a baixa densidade demográfica da região litoral sul ainda no ano 2000 e um pequeno crescimento em 2010, que pode ser reflexo da chegada de alguns dos empreendimentos para o desenvolvimento que já se encontram em fase de instalação ou operação. Dentre os municípios pertencentes ao escopo do que trata este artigo chama a atenção Presidente Kennedy que, em 2000, possuía apenas 16,36 hab/km2.

A noção de “vazio demográfico” iguala os “selvagens”, ou nativos, aos demais elementos da natureza e, ao reafirmar a ideologia do progresso que está baseada na separação sociedade-natureza, considera também “selvagens” as atividades produtivas mais fortemente relacionadas aos processos naturais, como as práticas extrativas, de pescado e da pequena agricultura familiar. Desta maneira, a ocupação territorial com atividades econômicas que não estão totalmente integradas à economia de mercado, ou que não simbolizam a modernidade capitalista, também contribuiu para a construção da ideia de “espaço vazio”.

Interpretado, portanto, como “espaço vazio” carente de desenvolvimento, o litoral sul do Espírito Santo se transforma em cenário perfeito para a implantação de megaprojetos de desenvolvimento. Destacam-se a construção da Base de Apoio Logístico Offshore Ltda. pela C-Port Brasil Logística Offshore Ltda., em Itaipava, distrito do município de Itapemirim (Praia da Gamboa); a construção do Itaoca Terminal Marítimo S.A., pela Itaoca Offshore, em Itaoca, distrito de Itapemirim (Praia de Itaoca); e a construção do Porto Central, pela TPK Logística S. A, Porto de Roterdã e Polimix, no município de Presidente Kennedy (Praia das Neves/Marobá).

A base de apoio logístico da C-Port Brasil Logística Offshore Ltda. tem como objetivos “atender à crescente demanda de mercado”; contribuir para o “aumento da eficiência logística no Estado do Espírito Santo”, representando uma desconcentração logística e o atendimento portuário no Estado; e ser um “instrumento para alavancar plataformas exploratórias de petróleo nas bacias de Campos e do Espírito Santo”. Localizada na praia da Gamboa, no distrito de Itaipava, no município de Itapemirim, esta base de apoio logístico ocupará uma área aproximada de 143 ha (sendo 118 ha offshore e 25 ha onshore) e contará com áreas de estágio, berços de atracação cobertos e descobertos, berços de atracação para inspeções e reparos navais, instalações de apoio operacional, subestação de energia, área para gerenciamento de resíduos, alojamentos, galpões para armazenagem, tanques de armazenamento e de mistura e estruturas de apoio. Em sua fase de instalação promete oferecer 1.600 empregos diretos e em sua fase de operação 460 empregos diretos (C-PORT LOGÍSTICA OFFSHORE BRASIL LTDA., 2012).

O Itaoca Terminal Marítimo S.A. possui como objetivos “atender à crescente demanda de apoio logístico às atividades offshore”; “participar ativamente de programas que venham colaborar com o desenvolvimento das comunidades locais, do município e do Estado”; “ser referência no atendimento do apoio logístico das atividades offshore como uma empresa genuinamente capixaba”; “gerar retorno aos acionistas, aos parceiros, aos clientes e aos funcionários”; e “ampliar a formação de mão de obra local”. Localizado na Praia de Itaoca, no distrito de mesmo nome, no município de Itapemirim, este empreendimento contará com as seguintes estruturas/serviços: berços de atracação, movimentação de cargas, disponibilidade de áreas administrativas, fornecimento de fluidos de perfuração, heliporto, armazenamento de cargas e materiais, coleta e destinação de resíduos, fornecimento de água e fornecimento de combustíveis. Em sua fase de instalação promete oferecer 650 empregos diretos e, no pico de sua fase de execução (cerca de quatro anos após o início de suas atividades), cerca de 900 empregos diretos (ITAOCA OFFSHORE, 2013).

O Porto Central, o maior empreendimento dentre os três, é um "complexo industrial portuário privado multipropósito" desenvolvido no modelo de condomínio portuário. Sob o conceito de cluster, por meio do qual "terminais com atividades similares são estrategicamente agrupados para viabilizar sinergias e otimizar a eficiência operacional", o projeto apresenta sete setores principais: óleo e gás (incluindo GNL), minerais (como minério de ferro), produtos agrícolas (como soja, milho e fertilizantes), carga geral (produtos siderúrgicos, mármore e granito, carros e equipamentos), contêineres, indústrias offshore (base de apoio e estaleiros navais) e geração de energia. Localizado no município de Presidente Kennedy, entre as praias de Marobá e das Neves, o Porto Central ocupará uma área de 2.000 ha e, por ser um porto de águas profundas, abrirá um canal com 25 metros de profundidade que permitirá atracação de navios de grandes calados (TPK LOGÍSTICA S. A., 2013).

Estes três empreendimentos estão localizados na faixa litorânea desde a Praia da Gamboa até a Praia das Neves, que possui cerca de 70km, dos quais quase a metade não é adequada para banho em razão do relevo, o que dificultou o desenvolvimento das atividades de turismo e facilitou a construção da ideia de que “não existe nada ali” e, portanto, a presença dos empreendimentos não atrapalharia ninguém, ao contrário, levaria desenvolvimento a uma região ainda inóspita.

As Figuras 1 e 2 abaixo mostram que as áreas escolhidas para a instalação do Itaoca Terminal Marítimo S.A. e do Porto Central são áreas ocupadas por pastagens e restinga preservada. Ou se poderia dizer, “espaços vazios” de modernidade, ou, no caso específico das áreas de restinga preservada, espaços em que a natureza ainda não foi submetida à exploração econômica moderna. O território de Itapemirim (figura 1) é predominantemente ocupado pelo cultivo de cana-de-açúcar, seguido de áreas de pastagens. Já no município de Presidente Kennedy predominam as pastagens. Chama a atenção a grande área de praia (ou alagados, onde também ocorre a atividade pesqueira) e a presença de restinga, ainda preservada, em toda a sua faixa litorânea (Figura 2).



Figura 1

Mapa de uso e ocupação da terra do município de Itapemirim-ES

Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves, 2016.


Figura 2
Mapa de uso e ocupação da terra do município de Presidente Kennedy-ES
Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves, 2016.

Ao analisar os relatórios de impacto ambiental (RIMA) de empreendimentos nesta região verifica-se os seguintes argumentos para a escolha dos locais: no relatório do Itaoca Terminal Marítimo consta que a “região localizada em Itapemirim, com grande disponibilidade de áreas costeiras [está] sem ocupação e [é] de fácil acesso à praia” (ITAOCA OFFSHORE, 2013, p. 10 - grifos acrescidos). Um dos argumentos da escolha do local para a construção do Porto Central é o “fato de possuir áreas livres para implantação do empreendimento. Além disso, o índice populacional é baixo no entorno do empreendimento” (TPK LOGÍSTICA S. A., 2013, p. 33 - grifos acrescidos).

Embora os empreendimentos reconheçam a importância da atividade pesqueira para as comunidades locais, tanto que em seus RIMAs os três empreendimentos dedicam um item especial no capítulo sobre impactos socioeconômicos à pesca, não existe nenhuma menção à ocupação do mar. O espaço “sem ocupação”, “livre” ou com “índice populacional baixo” é o espaço continental, onde as pessoas residem, o espaço da sociedade. A pesca se reduz, no discurso do desenvolvimento, à renda das famílias e não é considerada como atividade prática, concreta, de trabalho, que possui características singulares e que é essencial para a formação e vida do pescador enquanto tal. Assim, os empreendimentos podem ocupar o mar e, quanto ao pescador, bastará oferecer uma indenização em dinheiro (já que o problema é renda) e tudo estará “compensado”. Não é encontrado em nenhum dos relatórios de impacto ambiental a demarcação das áreas oceânicas em que a pesca é realizada, nem tampouco uma informação clara sobre as áreas de exclusão da pesca quando da instalação e operação dos empreendimentos. Este fato também evidencia a clara cisão entre sociedade e natureza presente no discurso do desenvolvimento: o mar é considerado “espaço da natureza” e, portanto, “espaço vazio” de desenvolvimento, que pode ser ocupado livremente pelos empreendimentos portuários.

Em outros documentos, como os planos de desenvolvimento e notícias da imprensa, o espaço marítimo, quando mencionado, aparece como o espaço do desenvolvimento em razão da descoberta de petróleo na camada do pré-sal. O mar torna-se então “entidad desarrollable”, que deverá ser ocupado pelas atividades de exploração de petróleo e gás:

Da exploração ao refino, cadeia [de produção de petróleo e gás] cresce rumo à integração total [...]. Este é o ano do fortalecimento da cadeia de negócios do petróleo e gás no Espírito Santo. A partir de 2014, ela estará quase completa. Além de exploração e produção de óleo, estão sendo feitos investimentos em estaleiro e portos para atendimento ao setor no Sul e no Norte. A última etapa da cadeia, o refino de petróleo, também está prevista [...]. Na parte marítima, chamada off-shore, o ano começa com a chegada da nova plataforma para o Parque das Baleias, a P-58, que começará a produzir nos próximos dias. A unidade, que produzirá em campos do pré e do pós-sal, tem capacidade para extrair 180 mil barris por dia de óleo e gás (ZANDONADI, 2014, [s. p.]).

Este trecho de notícia veiculado na imprensa estadual, em tom de comemoração pelo crescimento e integração da cadeia de produção de petróleo e gás, evidencia a dimensão de que o mar é espaço que também deverá ser explorado industrialmente para que se atinja o desenvolvimento.

A construção do discurso do “espaço vazio” também é sentida pelos pescadores que se expressam muitas vezes da seguinte maneira: “[f]az tempo que a pesca está esquecida. Eles tratam como se a gente não existisse. No plano diretor do município a pesca nem foi colocada como atividade econômica” (conversa com a secretária da Colônia de Pesca de Presidente Kennedy, registrada em diário de campo, em 26/04/2016, Presidente Kennedy-ES). Já um técnico em pesca fez os seguintes comentários sobre a chegada dos empreendimentos no litoral sul:

O vazio da pesca artesanal está levando a pesca artesanal a ser de subsistência novamente. Tipo assim, o pescador, que estava aqui agora, ele vai pescar pra poder comer o peixe dele porque ele não vai poder, comercialmente, trabalhar com isso mais. E com isso daí o quê que acontece? Entram os atravessadores que arrematam a pescaria deles a qualquer preço. Tipo assim, o cara vai com o barco grande e mata mil quilos de peixe. Aí é R$ 5,00 o quilo. Beleza, matou mil quilos. Agora ele vai e mata 10 quilos. Aí não compensa pra ele, entendeu? E aí ele perde. Ele vai perdendo. E o governo acha mais fácil o quê? Realocar. Tirar as famílias. A gente não consegue entender isso. Tipo assim, passa por cima. Você fazer o desenvolvimento é como que você trocasse a lâmpada. Por exemplo, essa lâmpada está queimada. Aí eu falo: “falta uma lâmpada aqui na sala”. Aí ele vai lá, tira do banheiro e bota aqui. Pô, você está resolvendo um problema e criando outro. Vai querer montar um porto aqui, vai gerar emprego e tudo mais, mas vai fazer o que com essa comunidade? (Entrevista com um técnico em pesca, 25/02/2016, Marataízes-ES).

No comentário acima, quando o técnico menciona o “vazio da pesca artesanal”, ele se refere ao que muitos pescadores mencionaram como “a pesca está esquecida”, “é como se a gente não existisse”, “a pesca está sendo massacrada”, entre outras maneiras de expressar o sentimento de que o desenvolvimento do litoral sul não abrange esta atividade econômica. É como se eles não estivessem lá. E, ao contrário, quando a pesca é considerada pelo discurso do desenvolvimento, muitas vezes é como algo que atrapalha, que precisa ser mudada, transformada, melhorada, ou seja, é vista como algo negativo que deve acabar para que o desenvolvimento se torne possível.

Ao perceber a presença de pescadores artesanais como um fator que “atrapalha” o desenvolvimento, pois significa a presença de práticas econômicas “atrasadas”, não modernas, sugere-se então que os pescadores deixem de ser pescadores, tornando-se trabalhadores assalariados, modernos. Outra forma de tornar o espaço vazio da pesca é não considerar a presença desta atividade em documentos oficiais, como fizeram os “agentes do desenvolvimento” ao não reconheceram a pesca como atividade econômica no Plano Diretor do Município de Presidente Kennedy (PDM). Elaborado e aprovado para tornar possível os investimentos do Porto Central, o PDM era “vazio” da pesca. Ela não estava lá, havia sido eliminada pelo discurso do desenvolvimento. Entretanto, vale ressaltar que cerca de 500 famílias sobrevivem da pesca artesanal naquele município que possui cerca de 3 mil domicílios.

4 As disputas em torno do desenvolvimento no litoral sul do Espírito Santo

Até aqui foi apresentada a forma como o litoral sul do Espírito Santo foi sendo construído como “espaço vazio” pelo discurso do desenvolvimento, que se apresenta como mito, se atualiza por meio de ritos e separa tempo e espaço, fixos e fluxos, sociedade e natureza, na tentativa de transformar o litoral sul no sentido de impor-lhe a heterogeneidade da economia de mercado.

Entretanto, há uma diversidade de formas de interação social incrustradas no tecido social que vão sendo fortalecidas, recuperadas, resgatadas, mantidas como formas de resistência pelos “humanos comuns”, pelas novas comunidades que fazem frente ao desenvolvimento como expectativa ilusória. Esteva (2000) afirma que o “desenvolvimento” não passa de um mito conservador e reacionário e que as novas comunidades, a partir da organização de seus próprios modos de vida e das definições de suas próprias necessidades, tendem a recuperar suas formas independentes de viver.

Sobre o tema das diversidades de formas de interação social, para melhor compreender os fenômenos acerca do desenvolvimento no litoral sul do Espírito Santo, as proposições acerca do espaço/espacialidades apresentadas por Massey e Keynes (2004) parecem adequadas. É por esta razão que se evita utilizar os termos territórios/territorialidades até o presente momento, referindo-se sempre ao espaço, às espacialidades. Isto porque, para os autores acima, o espaço é o produto de inter-relações constituído por meio de interações que possibilitam a existência de multiplicidades, de distintas trajetórias, de mais de uma voz. “Sem espaço não há multiplicidade; sem multiplicidade não há espaço. Se o espaço é indiscutivelmente produto de inter-relações, então isto deve implicar na existência da pluralidade. Multiplicidade e espaço são co-constitutivos” (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 8).

Outro aspecto relevante apresentado pelos autores é o fato de que, se o espaço é o produto de inter-relações, ele está sempre num processo de devir, está sempre sendo feito e nunca está finalizado. Neste constante processo de fazer-se a partir de inter-relações inclui-se também a construção relacional das subjetividades políticas e das identidades. Para tanto, sugerem Massey e Keynes (2004, p. 10), para que seja possível o reconhecimento da multiplicidade e da diferença é necessário o reconhecimento da espacialidade e uma “genuína abertura para o futuro”. Há, portanto, que se abandonar os fundamentos do “progresso”, do “desenvolvimento” e da “modernização” que se baseiam em proposições de cenários futuros conhecidos. Na concepção de espacialidade proposta, espaço e história são “abertos”.

Massey e Keynes (2004) argumentam que quando se utiliza qualificativos como “avançado”, “atrasado”, “subdesenvolvido”, “desenvolvido”, “moderno” se explicam as diferenças espaciais como sendo temporais:

Esta concepção de espaço em termos temporais é um modo de conceber a diferença que é típico de muitas das grandes leituras modernistas do mundo. As estórias de progresso (da tradição à modernidade), de desenvolvimento, de modernização, a fábula marxista da evolução através dos modos de produção (feudal, capitalista, socialista, comunista), muitas das nossas estórias atuais sobre a "globalização" (MASSEY, 1999) (...) todas elas compartilham de uma imaginação geográfica que rearranja as diferenças espaciais em termos de sequência temporal. A implicação disso é que lugares não são genuinamente diferentes; na realidade, eles simplesmente estão à frente ou atrás numa mesma estória: suas "diferenças" consistem apenas no lugar que eles ocupam na fila da história (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 15).

Esta explicação das diferenças espaciais em termos de sequências temporais é criticada pelos autores que argumentam que o verdadeiro reconhecimento político da diferença deve entendê-la como algo mais do que um lugar numa sequência temporal. É necessário reconhecer a contemporaneidade da diferença, “reconhecer que os ‘outros’ realmente existem e podem não estar apenas nos seguindo” (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 15). É necessário, portanto, levar em consideração a possibilidade da coexistência de uma multiplicidade de histórias.

Outra crítica empreendida pelos autores citados diz respeito à visão “modernista de espaço que, além de promover a separação espaço-tempo, promove também a separação espaço-sociedade. O espaço geográfico, segundo esta visão, passa a ser parcelado em localidades, lugares, regiões a partir da pressuposição de que há, em cada uma destas parcelas, uma forma particular de organização social, cujas identidades teriam sido internamente geradas e pré-constituídas. Sendo assim,

O argumento é que, para a conceitualização de espaço/espacialidade, é crucial o reconhecimento de sua relação essencial com e de sua constituição através da coexistência da(s) diferença(s) - a multiplicidade, sua habilidade em incorporar a coexistência de trajetórias relativamente independentes. Trata-se de uma proposta para reconhecer o espaço como a esfera do encontro, ou não, dessas trajetórias - onde elas coexistem, afetam uma a outra, lutam. O espaço, então, é o produto das dificuldades e complexidades, dos entrelaçamentos e dos não entrelaçamentos de relações, desde o inimaginavelmente cósmico até o intimamente pequeno. O espaço, para repetir mais uma vez, é o produto de inter-relações (MASSEY; KEYNES, 2004, p. 17).

Como produto das inter-relações, o espaço carrega consigo um certo grau de imprevisibilidade e de caos (do ainda não prescrito pelo sistema), isto porque no processo de fazer-se existem justaposições imprevisíveis e separações acidentais. Para estes autores, portanto, “o espaço não é uma superfície”, não é “como container para coisas” e não se fundamenta em um curso normal de um processo, ao contrário, ele é inerentemente “disruptivo”. E é, precisamente porque o espaço é a justaposição potencial de diferentes narrativas, que a espacialidade se torna fonte potencial de novas trajetórias. O espaço então pode ser visto como parte da geração e da produção do novo e da construção de identidades. Desse ponto de vista, tomar o espaço como categoria de análise implica, segundo os autores, reconhecer as diversas formas como as inter-relações ocorrem, inclusive do ponto de vista do poder social, das relações de subordinação e do potencial de capacidades que elas podem produzir (MASSEY; KEYNES, 2004).

Nesse sentido, Escobar (2020) reafirma sua crítica ao desenvolvimento como prática que pretende impor um único projeto de desenvolvimento colonial e propõe a noção de política do pluriverso. Para ele, o pluriverso - um mundo que consiste em muitos mundos - abre a possibilidade de criação de diversos futuros possíveis que podem trazer profundas transformações sociais necessárias para enfrentar as crises planetárias. A autor se apoia na percepção de que, ao se engajarem numa crítica ontológica aos grandes projetos de mineração, os movimentos sociais latino-americanos expõem as diferenças presentes nos territórios e as disputas em torno delas, chamando a atenção para a “política do possível”.

Ao considerar a produção do discurso como relação desigual de poder, o discurso do desenvolvimento como imposição de um futuro determinado que provoca lutas e resistências e a espacialidade como resultante de inter-relações que permitem a presença das diferenças e a justaposição potencial de diferentes narrativas, torna mais fácil compreender as disputas em torno do desenvolvimento do litoral sul. Isto porque o litoral sul constitui-se em espaço onde as diferenças estão presentes e, por vezes, se colocam em disputa.

Os grandes projetos de desenvolvimento incentivados pelo Governo do Espírito Santo a partir dos anos 2000, e empreendidos por ações do poder público e de grandes grupos empresariais privados, por exemplo, resultam na ameaça à sobrevivência das comunidades locais. Estes projetos, justificados pelo discurso homogeneizador do desenvolvimento, não reconhecem a presença das diferenças no espaço e vêm impor um futuro pré-estabelecido que objetiva tirar o litoral sul do subdesenvolvimento (atraso) e do “vazio” e levá-lo ao tempo futuro do desenvolvimento que significa, neste caso, a inserção das comunidades à lógica da economia de mercado e a otimização do uso dos recursos presentes no espaço.

Mas quais as comunidades desta região que são invisibilizadas pelo discurso do subdesenvolvimento e do “vazio”? Fundamentalmente, são os pequenos agricultores de base familiar, descendentes de indígenas, pescadores artesanais, homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e idosos que professam diversas crenças religiosas e se inter-relacionam de maneira a produzir diferentes identidades.

Uma das diferenças presentes no litoral sul a destacar é o “ser pescador artesanal”. Aqui não se trata apenas de realizar a pesca, com técnicas rudimentares, em pequenas embarcações e com uma relação com o mercado dependente. É muito mais do que isso. Quando o pescador da comunidade do Pontal, em Marataízes, diz “Ó!! você vai construir por cima de mim”, ele não está apenas se referindo ao fato de que o terminal portuário da Itaoca Offshore será construído sobre o principal pesqueiro de camarão do Espírito Santo, mas também que a empresa passa por cima do modo de vida do pescador, de seus problemas, de sua concepção do que seria bom para si, das suas possibilidades de escolhas. Neste sentido, este mesmo pescador, quando questionado sobre o que significa para ele ser pescador, respondeu:

É uma cultura, na verdade. Eu aprendi a pescar com meu pai, colocar rede com o meu pai, sobre navegação meus irmãos me ensinaram, ou seja, tudo isso passou de pai para filho e vai fundar uma cultura. É algo que - é como chegar lá no interior hoje - se tirar a pesca da gente aqui, é como se chegasse no interior, pegasse um fazendeiro lá, com 60, 70 anos e levasse ele na cidade e desse uma empresa pra ele administrar. Ele não ia saber, de jeito nenhum. Ele ia morrer no dia seguinte. Não é o habitat dele. A pesca hoje pra gente é isso (Entrevista com pescador do Pontal, 25/02/2016, Marataízes-ES).

Ainda sobre o tema, uma pescadora respondeu:

Ah! Eu gosto. Eu gosto. Desde criança vendo papai fazendo isso. Aqui todos os filhos veem os pais fazendo as mesmas coisas. Meu menino tem 13 anos e já vai pro mar. É a tradição. Eu acho que a pesca é uma tradição que passa de pai pra filho (Entrevista com pescadora do Pontal, 10/03/2016, Marataízes-ES).

Em entrevista com uma marisqueira indagou-se se ela gostaria de deixar de coletar marisco, se imaginaria ter uma vida diferente. Ela respondeu:

Não. É porque a gente já trabalhou, mas apesar de ser pesado, ser uma luta, é um divertimento. Você vê até ele [se referindo ao seu Lili] com esse cabelinho branquinho, fica com nós ali. Porque é pesado, é uma luta muito grande, mas é divertido. Reúne todo mundo. Porque nós ali é tipo uma cooperativa, a nossa família ali toda. Mas é bom. É ruim pra quem vai lá tirar, pegar aquele peso que vem se acabando, mas no fim tudo dá certo. É a vida da gente (Entrevista com marisqueira de Itaipava, 24/02/2016, Itapemirim-ES).

Estas falas demonstram a presença de diferenças no espaço e, mais do que isso, que os pescadores artesanais se identificam como tal e não querem abandonar “suas vidas” em nome de um desenvolvimento que não imaginam para si. Há, no litoral sul, um modo de vida que quer fazer frente ao desenvolvimento, que em muitos momentos se contrapõe a ele, em disputas que, mesmo diante da forte assimetria de poder existente, se se considerar os agentes como o Estado, empreendimentos e pescadores artesanais, significam um contraponto importante ao desenvolvimento.

Outra diferença marcante, presente no espaço, é a diferença de “saberes”. Com a chegada do discurso do desenvolvimento os saberes tradicionais dos pescadores, transmitidos por gerações, já não servem mais. Eles precisam ser qualificados para adquirirem saberes modernos, tecnológicos:

Esse projeto foi concebido para o ES porque o ES tem uma cultura portuária muito extensa. [...] A gente entende como desenvolvimento que o ES tinha já uma raiz muito forte, um conhecimento de operação portuária. A operação de apoio offshore é a operação mais básica do porto, da atividade portuária. [...] Ela precisa de mão de obra... mão de obra pra fazer a ligada... de operadores de guindaste... Talvez essa seja a atividade, ali na beira do porto, mais qualificada. [...] Sem sombra de dúvidas o conhecimento já estava inserido no DNA da população aqui. [...] O ES está na cadeia logística que oferece como “colocar o pé na água”. [...] Esse é o conceito de desenvolvimento nosso, evidentemente que a gente quer... Não sei se deu para você perceber qual é o nível da mão de obra que a gente quer para o local onde a gente está indo. É muito importante porque tem uma demanda numa área de influência do projeto dos três municípios ali. Tem uma base de mão de obra ali que é oriunda exatamente da agricultura, pecuária e pesca. Então a atividade, ela pode ter a sua necessidade atendida na região sem a necessidade de importar mão de obra, ou trazer mão de obra, o que é sempre um risco para o empreendedor. [...] O desenvolvimento pra nós é isso, se prepara a mão de obra, de preferência local, gera emprego, gera renda e os desdobramentos que têm isso nos círculos que são concêntricos [...]. Nós vamos ter que preparar alguma mão de obra, com a parceria das secretarias de competência, que vão estar conosco dentro de trabalhos específicos. Aí entra o lado político. As secretarias [municipais] às vezes oferecem cursos sem analisar a demanda que vai ter, os desdobramentos disso. Você pensou nisso? Se você sabe que o porto vai abrir oportunidade, se você mediu sua mão de obra e sabe que ela não está qualificada para as atividades que são desdobramentos naturais das atividades de um porto, porque não qualificar? (Entrevista com diretor da Itaoca Offshore, 11/03/2016, Vitória).

Este excerto demonstra uma contradição. Ao mesmo tempo em que o entrevistado inicia sua fala afirmando que no estado existem pessoas que “sabem colocar o pé na água”, ele termina afirmando que a mão de obra necessita ser qualificada. Por que isso? Porque os empreendimentos portuários não precisam de pescadores, trabalhadores que saibam “colocar o pé na água”. Eles precisam de trabalhadores modernos, das áreas administrativas, de automação, de logística, de construção civil, entre outros.

O tempo/espaço da pesca também é determinante na forma da construção dos saberes presentes nas comunidades. Os conhecimentos dos pescadores são transmitidos de pais para filhos por meio da oralidade. Se o tempo/espaço da vida do pescador é determinado pela natureza, como é possível frequentar escola formal? Como é possível, como querem os empreendedores, participar de cursos de qualificação profissional?

Entrevistador - Você tem feito algum curso desses que eles têm oferecido?

Pescador – Não. Não porque os cursos da prefeitura exigem grau de escolaridade e a gente não tem.

Entrevistador - Vocês estudaram até que série?

Esposa do pescador - Ele estudou até a quarta série e eu estudei até a sexta. [...]

Entrevistador - Se vocês quiserem estudar, não tem escola? Vamos supor que tivesse uma turma de estudos para você aqui...

Pescador – Ah! Mas eu também não quero estudar mais, não!

Entrevistador - Não quer estudar mais?

Pescador – Não. Eu não! Eu vou estudar e vou manter minha família como? Eu tenho que trabalhar como é que estuda, né? Eu tenho que ir pro mar (Entrevista com pescador de Marobá, 04/05/2016, Presidente Kennedy).

Para os gestores públicos e os empresários basta oferecer cursos de qualificação profissional, quer seja para qualificar mão de obra para o trabalho nas atividades portuárias, quer seja para a prestação de serviços em geral, como em restaurantes, hotéis e pousadas, construção civil, manicure, cabelereiro, entre outros, que será possível promover o desenvolvimento gerando empregos e renda para os “antigos” pescadores. Entretanto, além do fato de que muitos pescadores querem continuar pescando, afinal são pescadores, frequentar a escola ou os cursos de qualificação profissional é impossível para quem tem que ir ao mar no tempo determinado pela natureza (momento da presença do pescado nos pesqueiros, tempo em que as condições climáticas permitem etc.). Nem sempre é possível para o pescador estar em terra nos horários fixos dos cursos. A relação do pescador com o tempo e o espaço é radicalmente diferente daquela pretendida pelos gestores/agentes do desenvolvimento.

O trabalho é também uma diferença presente no espaço do Litoral Sul do Espírito Santo. Aqui tem-se, de um lado, o trabalho do pescador, autônomo, com seu ofício e suas decisões até certo ponto independentes, e por outro, o trabalho assalariado, moderno, dependente, com jornadas e tarefas pré-definidas, que se espera dos trabalhadores portuários:

Que bom que você vai fazer esta pesquisa. Assim você vai nos ajudar a entender o que as comunidades de pesca querem. Eles [os pescadores] parecem não querer trabalhar em outra profissão, ter carteira assinada, patrão, trabalhar 40 horas por semana. Eles reclamam da maneira como vivem, mas não aceitam as mudanças propostas. Não sabemos o que eles querem (Conversa informal com funcionária da Secretaria Estadual de Desenvolvimento, 11/03/2016, Vitória).

Percebe-se aqui não apenas uma diferença fundamental entre a forma do trabalho, inclusive com resistência por parte de alguns pescadores em ser um trabalhador moderno, como também se evidencia uma diferença de pontos de vista, de perspectiva. Sem dúvida, para os “agentes do desenvolvimento”, aqui representados por esta funcionária, o ponto de partida para a melhoria da condição de vida das populações pesqueiras está na mudança de profissão e da forma de trabalho, ou seja, se “qualificar”, uma vez que o discurso do desenvolvimento desqualificou o pescador, e conseguir um trabalho assalariado em terra: em resumo, transformar-se em um trabalhador moderno. Entretanto, do ponto de vista do pescador, a melhoria em sua qualidade de vida passa por melhorar a atividade pesqueira. Os pescadores se percebem como qualificados para a realização de sua atividade, a pesca, e reclamam o direito de poder viver melhor como pescadores. Para tanto, apresentam sua inquietude quanto à realidade em que vivem colocando-se como divergentes quanto a chegada dos empreendimentos portuários que, para eles, significará o massacre da pesca. Em conversa informal com um pescador artesanal ele

Afirmou várias vezes que os pescadores estão sendo massacrados. A pesca costeira será impedida por causa da construção dos portos. A pesca em alto mar (80 milhas) também está prejudicada pela exploração de petróleo. O pescador usou várias vezes a palavra "massacre" para se referir aos pescadores (Anotação em diário de campo, em 05/09/2015).

Faz tempo que a pesca está esquecida. Eles tratam como se a gente não existisse. [...] O setor está sofrendo, isso é fato. Não é só em [Presidente] Kennedy. O setor está sofrendo muito. É uma batalha que não dá para vencer (Entrevista com pescadora de Marobá, em 26/04/2016, Presidente Kennedy).

O pescador artesanal, ao ser confrontado com os dispositivos do desenvolvimento como, por exemplo, reuniões, planos, projetos, audiências públicas, atividades de compensação, entre outros, se percebe como pescador artesanal, reafirma sua condição de pescador artesanal e, sob sua perspectiva, reafirma o desejo de continuar sendo pescador artesanal, contrapondo-se ao discurso do desenvolvimento.

Nestas disputas a presença de agentes não humanos se torna clara. Um dos actantes fundamentais na configuração das disputas em torno dos projetos de desenvolvimento no litoral sul do estado é o mar. O mar, por exemplo, que outrora fora espaço de vida para os pescadores, espaço de lazer ou bela paisagem para banhistas e turistas, agora é também um “mar de petróleo” que passa a ter necessidades, personificado. “Esse mar de petróleo que nós temos aí precisa de uma infraestrutura para atender, para que ele se torne uma realidade, senão ele vai continuar aí por mais um milhão de anos” (Entrevista com diretor da Itaoca Offshore, 11/03/2016, Vitória – grifos acrescidos).

Entretanto, esse mesmo mar, é habitat de peixes, camarão, lagosta, entre outros seres que são responsáveis por prover a sobrevivência de comunidades pesqueiras inteiras e que, ao se depararem com as instalações da infraestrutura necessária ao mar de petróleo, “somem”, ou morrem, ou se mudam. O peixe, por exemplo, some por causa do barulho das grandes embarcações, das luzes das plataformas, da presença de navios que fazem pesquisas sísmicas:

Dali de Anchieta [município próximo à Itaipava] mesmo dá para ver as plataformas queimando, tirando o petróleo pertinho da praia, da costa. Aquele peixe daquela beirada ali sumiu. Acabou com aquele peixe daquelas pessoas que saíam às 4 horas da manhã para ir ali pegar o seu peixe para viver. Ali, pertinho ali, uma ou duas horinhas da costa, tirar seu peixezinho mesmo, de linha mesmo, o pescador sabe tirar o peixe da água com a própria linha. [A pesca] fracassou (Entrevista com pescador de Itaipava, 24/02/2016, Itapemirim – grifos acrescidos).

Agora não tem [peixe] espada. Porque que ela saiu, foi para onde? Agora o sísmico [embarcação que faz pesquisas sísmicas] que joga lá armadilha dele e o peixe morre. Ele [o peixe] foi pego? Não. A maior parte do peixe que está ali está morto porque a coisa [a embarcação] está matando. Não adianta eles teimar (Entrevista com pescador de Itaipava, 24/02/2016, Itapemirim).

Mas a vida do pescador é vida só com peixe (Entrevista com pescador de Marobá, 04/05/2016, Presidente Kennedy).

Se o mar “precisa de infraestrutura” e se, com ela, o peixe “some”, a vida do pescador deixa de ser vida. Assim, mar, peixe, petróleo, atuam para a construção dos conflitos que envolvem os projetos de desenvolvimento no litoral sul do estado uma vez que colocam em campos opostos empreendedores e pescadores.

No discurso do desenvolvimento, o pré-sal também se constitui em sujeito não humano que exerce agência nos processos de disputas. Ícone da indústria petrolífera para a produção de energia, o pré-sal “tirou os peixes daqui. Trouxe muita gente para cá. Trouxe assaltos, drogas, adolescentes mães solteiras, elevados índices de HIV. E nós estamos esperando esse tal progresso chegar” (Entrevista líder comunitária de Marobá, 28/04/2016, Presidente Kennedy).

Na praia de Itaoca, ao lado da foz do rio Itapemirim, espaço de trabalho dos camaroeiros, “o camarão não quer mais entrar no estuário para reproduzir porque este está poluído e este problema ficará ainda maior após a instalação do terminal portuário” (Informação adquirida em conversa informal com pescador do Pontal, em 25/02/2016, anotada em diário de campo). Se o camarão não mais se reproduzir ali, a existência do camaroeiro estará ameaçada.

Se para as comunidades pesqueiras a natureza atua na constituição do pescador como tal, para os representantes dos empreendimentos ela oferece os recursos a partir dos quais seus negócios obterão “maiores rendimentos”, permitirão ao estado do Espírito Santo “maior competitividade” e ao país “mais energia para a produção de riquezas”. Dessa maneira, a perspectiva acerca da natureza por parte de pescadores e de empreendedores é radicalmente diferente, embora ela seja extremamente necessária para a existência de ambos.

Há, ainda, um terceiro ponto de vista acerca da natureza que foi expresso, principalmente, pelos representantes do poder público municipal: a natureza que precisa ser preservada, conservada, restaurada. Fala-se do “desenvolvimento com sustentabilidade”:

Hoje, quando se fala em desenvolvimento, a gente está sempre aprendendo. Como a gente destruiu demais a natureza, ela mandou a conta. Ela mostrou que ligou um sinal de alerta. Está muito atual a questão da lama que destruiu um dos rios mais importantes do país. Enfim, o ser humano precisa dar sequência a isso, né? A natureza mostrou a força do que a gente tinha feito, então a gente fala hoje do desenvolvimento com sustentabilidade (Entrevista com subsecretário de agricultura de Marataízes, 16/03/2016, Marataízes – grifos acrescidos).

A natureza, com suas transformações ou desastres, impõe situações de risco para a humanidade, requerendo ações de preservação, conservação, restauração. E, para tanto, são criados mecanismos normativos a fim de regular as atividades humanas que de alguma maneira afetam o ambiente:

O desenvolvimento é o equilíbrio entre a parte econômica e a sustentabilidade. A gente pensa o desenvolvimento da questão sustentável onde você vai ter o desenvolvimento da questão social com respeito ao meio ambiente, com a parte da vegetação, da fauna, da flora, de todo o meio físico, biótico e antrópico. A gente envolve tudo. Não só a questão antrópica, o desenvolvimento de melhorar a qualidade de vida. A gente não tem como melhorar a qualidade de vida só melhorando a questão econômica. Então a gente pensa em melhorar a qualidade de vida, realmente, no ponto em que a gente consiga melhorar a qualidade ambiental, sanitária, de atendimento dos serviços públicos, tudo isso (Entrevista com técnicos da Secretaria do Meio Ambiente de Marataízes, 31/05/2016, Marataízes).

A implantação de grandes projetos de desenvolvimento requer diálogos, debates e, por vezes, disputas em torno da questão ambiental, o que impõe aos empresários adequações dos projetos à legislação vigente, debates com a comunidade local, ações de compensação ambiental, entre outros.

As diversas diferenças presentes no espaço litoral sul do Espírito Santo, apresentadas, quer sejam as diferenças de saberes, das formas de trabalho ou das relações entre agentes humanos e não humanos que impõem condições de vida diversas, são claras demonstrações que este espaço não pode ser considerado “vazio”, assim como sugere o discurso do desenvolvimento. Ao contrário, elas nos oferecem a possibilidade de perceber presenças diversas que impõem, inclusive, situações de conflitos ambientais.

5 Considerações finais

À guisa de breves considerações finais, pode-se destacar os seguintes pontos: primeiro, que o desenvolvimento se insere em um sistema de sujeição do discurso, com relações assimétricas de poder e que não existe a não ser como uma perspectiva futura e pré-determinada. Ou seja, o desenvolvimento é um caminho único que deve levar à modernização e à urbanização; segundo, que as ações práticas decorrentes do discurso do desenvolvimento, na medida em que se pretendem homogeneizadoras não permitem a existência de diferenças do espaço e, assim, não reconhecem as diferentes identidades presentes como autônomas. Ao contrário, se estas identidades são consideradas em algum momento, é para considerá-las como atrasadas e para defender sua extinção. Este fato deixa claro que o desenvolvimento não é o mesmo para todos.

Entretanto, deve-se considerar que as diferenças estão presentes no espaço – vide a existência, por exemplo, das comunidades de pesca artesanal – e que, conforme chamaram a atenção Foucault (1998) e Esteva (2000), elas se opõem ao discurso dominante, provocam lutas, resistências, disputas.

Considerando especificamente as disputas que ocorrem no litoral sul do Espírito Santo, destacam-se aquelas que dizem respeito à manutenção do modo de vida do pescador artesanal, as diferenças quanto aos saberes, às formas de trabalho, as diferentes relações com os agentes não humanos como, por exemplo, o mar, os peixes, o petróleo, os planos, projetos, entre outros. Ao contrário de indicarem um espaço “vazio” como pretende o discurso do desenvolvimento, elas demonstram um espaço ocupado por diferentes “presenças” em disputa, um pluriverso no qual vários futuros são possíveis.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Conforme sugerem Rist (2008) e Esteva (2000).
Tabela 01
Densidade demográfica no Brasil, Espírito Santo e municípios do litoral sul – 2000 e 2010

Fonte: IBGE (Censos Demográficos de 2000 e 2010).


Figura 1

Mapa de uso e ocupação da terra do município de Itapemirim-ES

Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves, 2016.

Figura 2
Mapa de uso e ocupação da terra do município de Presidente Kennedy-ES
Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves, 2016.
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