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Políticas de desenvolvimento nacional e impactos regionais: um estudo sobre São José dos Campos e Taubaté
Pedro Ribeiro Moreira Neto; Aline Cristina Gomes da Costa; Valéria Regina Zanetti
Pedro Ribeiro Moreira Neto; Aline Cristina Gomes da Costa; Valéria Regina Zanetti
Políticas de desenvolvimento nacional e impactos regionais: um estudo sobre São José dos Campos e Taubaté
National development policies and regional impacts: a study on São José dos Campos and Taubaté
Políticas nacionales de desarrollo e impactos regionales: un estudio sobre São José dos Campos y Taubaté
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021
Universidade de Santa Cruz do Sul
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Resumo: A política nacional de desenvolvimento da primeira metade do século XX contou com a atuação do Estado no subsídio de infraestrutura para municípios de inclinação industrial e promoveu a chamada terceira fase de industrialização no Brasil evidenciando a região do Vale do Paraíba no cenário econômico nacional. Este estudo visa identificar os incentivos para o intenso surto de industrialização que ocorreu no eixo da Rodovia Presidente Dutra no período caracterizado como Nacional Desenvolvimentismo e analisar de que forma tais ações influenciaram o desenvolvimento de municípios cujas estruturas urbanas e dinâmicas socioespaciais se modificaram, a ponto de provocar, a partir de 1950, uma inversão na polarização hierárquica da rede urbana regional. O estudo, de caráter histórico descritivo e reflexivo foi amparado em pesquisa bibliográfica, em especial sobre a região do Vale do Paraíba Paulista no período da implantação industrial fordista, com destaque aos municípios de São José dos Campos e Taubaté. Visa-se entender a configuração urbana espacial durante as décadas de 1950 e 1970, quando o município de São José dos Campos passa a protagonizar a hegemonia regional, antes liderada por Taubaté.

Palavras-chave: Vale do Paraíba, Industrialização, Nacional Desenvolvimentismo, Dinâmica Urbana.

Abstract: The national developmental policy of the first half of the 20th century promoted the third phase of industrialization in Brazil relying on the State's role in supporting infrastructure for municipalities with industrial inclination, highlighting the Vale do Paraíba region in the national economic scenario. This study aims to identify incentives for the boom of industrialization that occurred along the axis of the President Dutra Highway in the period characterized as National Developmentalism and analyze how this change influenced the development of some municipalities whose urban structures and socio-spatial dynamics were modified to the point of occurring, from 1950, an inversion in the hierarchical polarization of the regional urban network. The study, with a descriptive and reflective historical character, was supported by specific bibliographical research on the region of the Vale do Paraíba along the period of Fordist industrial implantation, with emphasis on the municipalities of São José dos Campos and Taubaté. The central analysis aims to understand the urban spatial configuration between the 1950s and 1970s years when the municipality of São José dos Campos assume the regional hegemony, previously led by Taubaté.

Keywords: Vale do Paraíba, Industrialization, National Developmentalism, Urban Dynamic.

Resumen: La política nacional desarrollista, de la primera mitad del siglo XX, al confiar el papel del Estado en el apoyo de la infraestructura para los municipios con inclinación industrial, promovió la llamada tercera fase de industrialización en Brasil, mostrando la región Vale do Paraíba en el escenario económico nacional. Este estudio tiene como objetivo identificar los incentivos para el despegue de la industrialización que se produjo a lo largo del eje de la carretera Presidente Dutra en el período caracterizado como desarrollismo nacional y analizar cómo estas acciones influyeron en el desarrollo de los municipios cuyas estructuras urbanas y dinámicas socioespaciales cambiaron, hasta el punto de que a partir de 1950, se produjo una inversión en la polarización jerárquica de la red urbana regional. El estudio, con un carácter histórico descriptivo y reflexivo, fue apoyado por la investigación bibliográfica, especialmente en la región del Vale do Paraíba, en São Paulo, durante el período de implantación industrial fordista, con énfasis en los municipios de São José dos Campos y Taubaté. El análisis central apunta a comprender la configuración espacial urbana durante las décadas de 1950 y 1970, cuando el municipio de São José dos Campos comenzó a liderar la hegemonía regional, anteriormente dirigida por Taubaté.

Palabras clave: Vale do Paraíba, Industrialización, El desarrollismo nacional, Dinámica urbana.

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Artigos

Políticas de desenvolvimento nacional e impactos regionais: um estudo sobre São José dos Campos e Taubaté

National development policies and regional impacts: a study on São José dos Campos and Taubaté

Políticas nacionales de desarrollo e impactos regionales: un estudio sobre São José dos Campos y Taubaté

Pedro Ribeiro Moreira Neto
Universidade do Vale do Paraíba, Brasil
Aline Cristina Gomes da Costa
Universidade do Vale do Paraíba, Brasil
Valéria Regina Zanetti
Universidade do Vale do Paraíba, Brasil
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 26, 2021
Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 17 Agosto 2020

Aprobación: 10 Junio 2021

1 Urbanização e desenvolvimento econômico no Vale do Paraíba Paulista

O Vale do Paraíba constitui uma das antigas áreas de ocupação do estado de São Paulo. Em quatro séculos de desenvolvimento, seu processo de urbanização foi determinante na ocupação do sudeste brasileiro; na descoberta, urbanização e manutenção da região mineradora d’além Mantiqueira e na afirmação da produção cafeeira em quase todo o século XIX. Foi quando a oligarquia valeparaibana, representando a base de sustentação do governo, alimentou política e economicamente o chamado segundo Reinado no Brasil (MÜLLER, 1969). No final do século XIX, com a cultura do café se deslocando para o norte paulista e o esgotamento do solo valeparaibano devido à tecnologia agrícola ultrapassada e predatória, ocorreu o golpe de misericórdia na economia e no modelo de sociedade de então, a abolição legal da escravatura.

A convivência com crises esteve, de certo modo, sempre presente em cada ciclo que se encerrava na precária economia da região. Taubaté, seu centro mais antigo, elevado à vila em 1645 e localizado às margens do rio Paraíba, foi o principal semeador de outros centros, localizados sertão adentro. No entanto, uma sensível fase de dinamismo só veio a ocorrer na passagem dos séculos XVII/XVIII, quando o fornecimento de víveres, animais e artefatos às zonas de mineração possibilitou uma primeira experiência de vida urbana (MÜLLER, 1969). Contudo, tal situação teria pouca duração, sendo interrompida por volta de 1725. Com a entrada em uso da ligação direta na rota de entre as minas e o principal porto de exportação da colônia, o Rio de Janeiro, a economia regional sofreu uma espécie de retrocesso. Voltava, assim, ao estado da produção agropecuária de subsistência, semelhante aos primeiros tempos da ocupação daquele território.

Tal situação se prolongaria por cerca de cem anos, até o início do século XIX, quando a chegada da cafeicultura iniciou uma nova fase do desenvolvimento regional. É bem verdade que tal modelo tinha evidentes vulnerabilidades posto que estava apoiado, por um lado, na frágil estrutura da produção monocultora de exportação, atrelada às flutuações dos preços do café no mercado internacional e, por outro, viabilizada pelo modo de produção do regime escravocrata, sistema sob pressão internacional e progressivamente criminalizado a partir de 1850. Seguida à “Lei Áurea”, inda que decadente, a cafeicultura, então sob o regime de trabalho assalariado, se prolongou expressivamente até o final daquele século. Mesmo após o regime da República, tal cultura subsistiu como atividade produtiva até a década de 1930, quando a crise mundial do capitalismo mergulhou novamente a região em novo quadro depressivo (FURTADO, 2005).

A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, alinhado às nações aliadas vencedoras, incluiu negociações compensatórias que vieram possibilitar, finalmente, o salto tecnológico há muito sonhado pelas elites urbanas. Tal desejo se dirigia à industrialização de fato, ou seja, à implantação de infraestrutura e à produção de bens de capital. Ao contrário da importação do maquinário obsoleto responsável pela industrialização inicial do país (RICCI, 2003), a região recebia, em 1946, a Companhia Siderúrgica Nacional CSN, implantada na seção fluminense do Vale do Paraíba. Poucos anos depois seria criada a agência nacional de prospecção, extração e refino de petróleo, a Petrobras (1953). Assim, estavam criados os principais marcos da moderna industrialização brasileira, elemento essencial ao modelo do Nacional Desenvolvimentista.

Para se entender o contexto urbano vivenciado pelos municípios valeparaibanos no período do Nacional Desenvolvimentismo, chamado por alguns de Antigo Desenvolvimentismo, como citou Lauro Mattei (2011), é preciso voltar aos fatores que levaram Taubaté a conduzir a ocupação inicial da região ainda no século XVII e a liderar todo o processo de seu desenvolvimento até a primeira metade do século passado. Em seguida, será analisada a transição para o modelo do Nacional Desenvolvimento com atenção aos elementos que influenciaram a ação da produção capitalista no desenvolvimento do espaço, somada às mudanças da paisagem urbana e da vida social dos habitantes da região com o deslocamento dessa liderança para São José dos Campos.

2 Taubaté e a antiga ordem regional

As características geomorfológicas do Vale do Paraíba em forma de canal constituem, mais que fatores de ordem econômica, condicionantes propícias às formações urbanas encadeadas. As vantagens competitivas naturais da região facilitaram o sistema de locomoção e transporte, que acompanharam o curso do rio Paraíba do Sul, conectando as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, enquanto, pelas gargantas das serras, permitiu a ligação entre o sul do estado de Minas Gerais com o litoral norte paulista (Figura 01). Nos séculos XVII e XVIII, período de afirmação da colonização portuguesa no sudeste brasileiro, o município de Taubaté atuou como um centro irradiador de monções e bandeiras até que, no século XIX, desempenhou, junto com outros municípios do Vale, forte influência no período cafeeiro, fator que promoveu o crescimento e a diversificação dos centros urbanos (MÜLLER, 1969).


Figura 1
Taubaté como irradiação da ocupação valeparaibana no século XVIII
Fonte: Elaboração dos autores, 2020

Na década de 1870, a construção de ferrovias que integravam São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, conjunto mais tarde chamado de Estrada de Ferro Central do Brasil, constituiu um importante vetor de ordenamento territorial que possibilitou melhores relações entre os centros urbanos e as trocas comerciais com o escoamento de produtos da região vale-paraibana e do sul de Minas Gerais, com o café se destacando como principal item de exportação. Concomitante a este momento, a depressão econômica nos Estados Unidos em 1893, devido ao financiamento exacerbado para a construção de estradas de ferro, chegou a falir alguns bancos e contribuiu no declínio dos preços do café no mercado mundial. Este fato refletiu na necessidade da adoção de políticas para a recuperação da taxa de câmbio no Brasil (FURTADO, 2005).

Como forma de lidar com essa situação, em 1906 foi criado o Convênio de Taubaté, ação que, de certa forma, demonstrou como a importância política desse município, que se manteve ainda em princípios do século XX. O objetivo do Convênio era a promoção de uma política de valorização do café a partir da intervenção do governo na compra da produção excedente, cujo financiamento aconteceu por empréstimos estrangeiros pagos com a criação de novos impostos sobre a exportação, além disso, desencorajava-se a expansão das produções cafeeiras como medida a longo prazo (FURTADO, 2005). Neste período, também aconteceu um “reordenamento da produção capitalista nos países do centro” que “implicou na transferência da fabricação de bens de consumo não duráveis a países periféricos” (Ribeiro-Moreira, 2010, p. 7). Dessa forma, o cenário econômico brasileiro, no final do século XIX, foi marcado pela instalação das primeiras manufaturas, sobretudo aquelas ligadas ao setor têxtil.

Na região do Vale do Paraíba, as primeiras indústrias ocuparam preferencialmente as margens da ferrovia, em municípios onde as atividades urbanas já esboçavam uma perspectiva de desenvolvimento, conceito então entendido como dinamização das atividades urbanas - Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, São José dos Campos e Jacareí. A acumulação de capital oriunda da liberação dos recursos antes destinados à aquisição de mão de obra escrava possibilitou às elites locais, até aquele momento centradas nas atividades do setor terciário, se projetarem na aventura industrial.

Segundo Nice Lecocq-Müller (1969), o Vale do Paraíba passou por três fases do processo industrial, divididas de forma temporal conforme a predominância do modo de produção. A primeira fase compreendeu o período de 1881 a 1914, marcada pela presença de pequenos estabelecimentos industriais, de caráter tradicional, com predominância de produtos oriundos de matérias-primas locais, tais como o xisto betuminoso e argila, a produção de gás e óleos minerais em Taubaté; produção e beneficiamento de arroz em Pindamonhangaba; engenhos e destilarias em Taubaté e Jacareí; cervejarias em Taubaté, São José dos Campos, Pindamonhangaba e Cachoeira Paulista; e indústrias têxteis na maioria das cidades do Vale (MÜLLER, 1969).

No início do processo de industrialização da região, o Médio Vale era considerado como um todo potencialmente homogêneo, cujos atrativos não se limitavam apenas ao ambiente natural, como citado anteriormente, mas às vantagens competitivas ligadas ao ambiente construído. A localização privilegiada entre a cidade de São Paulo e a Capital Federal já estava contemplada pela estrada de ferro e agora, devido ao capital acumulado pela exportação do café, achava-se disponível para novos investimentos (RIBEIRO-MOREIRA, 2010, p. 7). As primeiras indústrias a se implantarem no vale foram aquelas do setor chamado tradicional, como citado, da transformação de produtos do campo como beneficiadoras de alimentos e tecelagens, ou, da transformação de minerais não metálicos, como as de cerâmica e louças.

Na segunda fase, entre 1914 e 1943, aumentou consideravelmente a população urbana da região. Devido ao êxodo rural provocado pela crise econômica que atingiu o meio agrário (1929), ocorreu uma ruptura no país, até então basicamente agroexportador, ao que se opõe o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que passou a dirigir atenção e investimentos para a promoção da industrialização como meio de desenvolvimento da economia nacional. Em um contexto global, o início do século XX foi marcado por guerras mundiais e depressões financeiras que desestabilizaram a economia na maioria dos países, principalmente os subdesenvolvidos, época em que o conceito de desenvolvimento era pautado apenas pelo crescimento econômico, ou seja, pelo aumento do Produto Interno Bruto, PIB. Em razão dos estímulos artificiais recebidos pela política do Convênio de Taubaté, a produção de café cresceu fortemente, chegando a quase cem por cento entre 1925 e 1929.

Ainda na década de 1920, a infraestrutura viária foi reforçada com a abertura da rodovia entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Mais que uma simples ligação, a obra do governo do presidente Washington Luís já indicava, obedecendo o lema de seu governo1, o novo modal que então se projetava. Neste contexto, Taubaté se reforçou como principal centro urbano da região.

Apesar do impacto inicial do colapso da Bolsa de Nova Iorque (1929) e da crise mundial que se seguiu, a economia brasileira se contraiu pouco nas depressões, mas também pouco se expandiu nas etapas de grande prosperidade, porque “não obstante a grande elevação da renda real, ocorrida nos países industrializados” no início do século XX, essa “prosperidade em nada modificaria a dinâmica própria da procura de café, a qual cresce lenta mas firmemente com a população e a urbanização” (FURTADO, 2005, p. 178).

Paralelo a este momento, em 1935, Taubaté cooperava ativamente na produção nacional de café, atingindo em termos regionais seu auge em plena crise. Na tabela 1 é possível notar esse momento de destaque da cidade de Taubaté em 1935 em comparação a outros municípios que haviam dominado a produção em 1854, como Bananal, Areias e Pindamonhangaba.

Tabela 1
Produção de Café, Vale do Paraíba, Arrobas e Porcentagem

Fonte: MILLIET, 1946, p.41 (apud. RICCI, 2006, p. 26). A produção de Bananal relativa a 1886 está somada a Areias

Embora a produção interna de São José dos Campos fosse significativa, no cenário regional era ínfima. Nesse município, o café era produzido por pequenos proprietários em contexto diverso. Sua importância se dava mais pelo entroncamento de caminhos, o do vale, ligando São Paulo ao Rio de Janeiro e os das montanhas, conectando o vale ao litoral ou às terras da Mantiqueira e Minas Gerais. Já Taubaté se destacou como centro de comércio e serviços desde sua origem.

O primeiro sinal notado de uma provável alteração na hierarquia regional ocorreu em 1935. Paradoxalmente, justo no ano em que Taubaté atingiu o auge da produção de cafeeira, o município de São José dos Campos se consagrou como referência no tratamento à tuberculose, ao ser promovido à categoria de Estância Climática Hidromineral. Mais que a categoria de estância, o novo título alçou São José dos Campos à possibilidade de diversificação das atividades urbanas em modelo ainda não experimentado na região. Ao possibilitar o município a receber recursos do governo estadual para investir em infraestrutura, aplicada no saneamento básico, permitia-se a configuração de uma diretriz específica de uso e ocupação do solo que passaria a diferenciar São José dos Campos dos demais municípios veleparaibanos (ZANETTI, 2010).

3 Transição e modernização na industrialização do Vale do Paraíba Paulista

Luiz Carlos Bresser Pereira (2011) apontou que, tanto o Brasil como outros países da América Latina, aproveitaram da fragilidade dos países do centro, durante a década de 1930, para formular estratégias nacionais de desenvolvimento com proteção às indústrias nascentes pelo modelo de substituição de importações e pela promoção de uma poupança forçada pelo Estado, que deveria investir diretamente em infraestrutura e indústrias de base. Essa estratégia, que marcou os anos entre 1930 e 1970, ficou conhecida como “nacional-desenvolvimentismo” e preconizava que o objetivo básico da política era promover primeiramente o desenvolvimento econômico, tendo como principal instrumento de ação coletiva, o Estado.

A adoção de uma estratégia nacional de desenvolvimento foi evidente em países de desenvolvimento tardio apesar de que nunca se caracterizaram por uma efetiva dependência. Tais eram os casos da Alemanha e do Japão, diferentemente de nações periféricas, como os países latino-americanos que passaram pela experiência colonial e que continuaram ideologicamente dependentes do centro, onde as elites locais se encontravam subordinadas às elites dos países centrais.

Cientistas sociais da linha estruturalista que participaram da estratégia do nacional desenvolvimentismo na América Latina, consideravam o fenômeno específico da subordinação entre os países e acreditavam que o desenvolvimento econômico se caracterizava por “uma divisão entre a elite progressista ou nacionalista associada à industrialização e a elite conservadora associada ao modelo de exportação de produtos primários que prevaleceu antes de 1930” (BRESSER-PEREIRA, 2011, p.5). Estes cientistas eram considerados nacionalistas porque,

reconheciam a existência do imperialismo econômico, caracterizado pelas pressões dos países ricos para impedir a industrialização dos países em desenvolvimento ou, quando a industrialização havia se tornado um fato consumado, para se apoderarem dos mercados internos para suas empresas manufatureiras multinacionais por meio da exploração financeira e ­do câmbio desigual nos mercados internacionais. Além disso, seu nacionalismo era a ideologia para fortalecer a capacidade do Estado e formar Estados nacionais genuinamente autônomos; era a afirmação de que, para se desenvolverem, os países precisavam definir suas próprias políticas e instituições, suas próprias estratégias nacionais de desenvolvimento (BRESSER-PEREIRA, 2011, p.5).

O nacional-desenvolvimentismo era, segundo Bresser-Pereira, uma estratégia patrocinada “pelos industriais, pelas burocracias públicas e pelos trabalhadores urbanos” que sofreu oposição intelectual “dos economistas neoclássicos e oposição política tanto das classes médias liberais como da velha oligarquia, cujos interesses se baseavam na exportação de bens primários” (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 7). A “oposição intelectual”, mencionada por Bresser-Pereira, refletiu-se no Vale do Paraíba. Ademir Pereira dos Santos (2006), afirmou ter ocorrido “uma ruptura no processo de industrialização, até então sob a liderança política das oligarquias agroexportadoras, lideradas pelos cafeicultores” (SANTOS, 2006, p.27).

Tendo em vista este cenário, a partir de 1930, o Estado brasileiro se preocupou com o desenvolvimento do progresso industrial e material do país, com elaboração de políticas setoriais para a industrialização. Nesse modelo, o Estado assumiu para si as tarefas de planejamento, financiamento e produção de insumos básicos, além de infraestrutura nas áreas de energia, transportes e comunicações (MATTEI, 2011).

A terceira fase da industrialização no Vale do Paraíba ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, no contexto da elaboração da estratégia do nacional-desenvolvimentismo, identificada com a inauguração da Rodovia Presidente Dutra (1950) e com a construção da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em 1946, em Volta Redonda, o que contribuiu para a base do desenvolvimento industrial da região, principalmente para os municípios de São José dos Campos, Taubaté, Jacareí, Pindamonhangaba, Caçapava, Cruzeiro e Guaratinguetá, onde se instalaram indústrias modernas, do setor de metalurgia e mecânica (RICCI, 2006).

Dentre outras medidas adotadas ainda na chamada Era Vargas (1930-1945), destacaram-se a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; assim como a legislação trabalhista criada em 1933 e consolidada dez anos depois. Nesse momento, foi estabelecido o monopólio do Estado sobre os recursos hidrominerais e criadas empresas estatais para garantir os investimentos estratégicos e a infraestrutura. Muitas empresas estrangeiras instaladas no país foram nacionalizadas (SANTOS, 2006). Portanto, nesse período, “o governo adotou um afastamento progressivo do liberalismo econômico, trazendo para o Estado a responsabilidade na definição do planejamento econômico global como regulador de atividades (RIBEIRO-MOREIRA; MELLO, in ZANETTI; PAPALI, 2010, p. 72).

As medidas adotadas durante o governo Vargas influenciaram diretamente na industrialização de São José dos Campos. Em 1942, ainda durante o Estado Novo, foi criado o Ministério da Aeronáutica e a cidade “foi escolhida, em 1946, para sediar o Centro Técnico da Aeronáutica, CTA, um projeto considerado fundamental para a afirmação das atividades do setor no país” (SANTOS, 2006, p. 28). Assim, São José dos Campos doou uma área de aproximadamente quatorze quilômetros quadrados para a instalação do CTA, catalizador primordial do desenvolvimento do município, que diversificou suas funções e começou a atrair, para o seu território, importantes segmentos de indústria de base.

Milton Santos (1996) e Maria Encarnação Sposito (2004) observaram que o espaço é socialmente construído, enquanto as cidades são formas espaciais produzidas socialmente e que, por sua vez, sustentam as transformações estruturais do modo de produção capitalista. Para Sposito (2004), a indústria provoca um impacto sobre o ambiente urbano. Esse axioma foi comprovado na dinâmica histórica dos municípios valeparaibanos, ao se perceber, sobretudo, que o Médio Vale do Paraíba presenciou alterações na sua paisagem urbana decorrentes das instalações das indústrias na região. Para essa análise, registra-se especial atenção à terceira fase da industrialização, que se inicia na segunda metade do século XX.

4 Fordismo tardio e a terceira fase de industrialização no Vale do Paraíba Paulista

Na década de 1950, em grande parte do país, houve uma brusca mudança na paisagem urbana. No Vale do Paraíba, as indústrias, que até então localizavam-se às margens da ferrovia, passaram a ocupar o entorno da rodovia presidente Dutra. Os municípios do Alto Vale do Paraíba, que não foram contemplados com a construção da rodovia, - alguns já preteridos desde o século XIX quando da implantação da ferrovia - começaram a se distanciar daqueles do Médio Vale nas questões da melhoria do quadro social. Observa-se, nesse momento, uma inversão da posição dominante que esses municípios possuíam durante a fase cafeeira e a sua dependência econômica crescente em relação aos principais centros do eixo rodoviário da região, municípios que passam a ter franco processo de desenvolvimento econômico e expansão urbana.

Os transportes modernos facilitaram o deslocamento das relações entre as cidades, o qual Michel Rochefort (2002) afirmou ser o processo inicial de formação das redes urbanas. Maria Encarnação Sposito (2004) ressaltou que, a partir do desenvolvimento das comunicações e dos transportes, a divisão territorial do trabalho tornou-se mais efetiva e possível. Tal processo mostrou-se de maneira bastante clara ao se observar a implantação da rodovia Presidente Dutra, fator principal para o desenvolvimento das atividades urbanas nas cidades valeparaibanas do Médio Vale e, consequentemente, promoção da divisão territorial do trabalho.

Naquele momento, não se configurava mais o processo de acumulação do capital regional de origem rural, mas sim a entrada de novos capitais vindos dos grandes centros econômicos do país e de filiais de empresas estrangeiras que passaram a assumir o controle acionário das principais manufaturas existentes (RIBEIRO-MOREIRA & MELLO in ZANETTI & PAPALI, 2010). Em uma análise sobre a teoria de François Perroux, relacionada aos polos de desenvolvimento, Vilmar Nogueira Duarte (2015) afirmou que esses têm uma forte identificação geográfica, “por ser produto das economias de aglomerações geradas pelos complexos industriais” (DUARTE, 2015, p. 199).

Esses complexos industriais contribuem tanto para o crescimento global da produção como também induzem no ambiente que estão instaladas, por gerarem “efeitos de encadeamento em direção à inovação, através de um processo de imitação, causando, por conseguinte, impulsos significativos sobre o desenvolvimento local e regional” (PERROUX, 1955, apud. DUARTE, 2015, p.199). Com isso, segundo Müller (1969), foram verificadas íntimas relações entre a indústria e o crescimento demográfico, criando-se um ciclo vicioso, em que a indústria atrai mais indústrias, incidindo no aumento da população, cujas necessidades almejam mais serviços e novas organizações industriais. A partir dessa dinâmica é possível identificar, no Gráfico 1, a evolução da população do Vale do Paraíba entre os anos de 1934 e 1964, cuja relação entre a população urbana e a população rural foi inversamente proporcional; ao mesmo tempo em que a densidade do meio rural diminuiu, cresceu consideravelmente a população dos centros urbanos.


Gráfico 1
Evolução da população (1934-1964) no Vale do Paraíba Paulista
Fonte: MÜLLER, 1969, p. 91

Com a dinâmica do deslocamento da população rural do Alto Vale Para o Médio Vale, os municípios do eixo Rio-São Paulo se industrializaram na nova base, a fordista, que concorreu para expressivo aumento do número de habitantes. Taubaté e São José dos Campos foram os municípios que mais se beneficiaram com o processo de industrialização, tornando-se os maiores polos de crescimento da região. Vale ressaltar, segundo Duarte (2015) que, apesar do notável crescimento e desenvolvimento de uma região, ele não ocorre de maneira igual e simultânea. Evidenciam-se, assim, ainda mais, as diferenças locais e regionais, cujas “vocações” foram voltadas para os setores mais dinâmicos da economia, ou seja, àquela época, o setor industrial.

Percebe-se, no Gráfico 2, a diferença no crescimento populacional dos municípios de São José dos Campos e Taubaté de 1900 a 2010. A partir de 1960, Taubaté aumentou gradualmente sua população, enquanto o crescimento demográfico em São José dos Campos fooi exponencial, fato este que impactou não apenas o forte adensamento populacional em São José dos Campos, mas também a concentração das atividades produtivas, levando à inversão nos conceitos das potências valeparaibanas.


Gráfico 2
Crescimento populacional de São José dos Campos e Taubaté (1900-2010)
Fonte: IBGE, 2010. Elaborado pelos autores, 2017.

Além do marco da transição rural-urbano nas cidades que compõem o eixo da Rodovia Presidente Dutra é notável a ascensão do município de São José dos Campos como um novo polo regional, gerado a partir das indústrias metal/mecânicas, que se aproximaram mais do modelo teórico de Perroux. O crescimento populacional gerou problemas no ambiente urbano, principalmente na efetivação da produção capitalista em larga escala, o que tornou a terra uma mercadoria, aumentando o adensamento habitacional e provocando o processo de segregação socioespacial (SPOSITO, 2004). Um exemplo desse efeito perceptível em São José dos Campos foi que a alta na demanda pelo local encareceu o valor do solo, desencadeando a dispersão territorial da população de baixa renda, operária, para a periferia da cidade. Sobre esse exemplo, Ademir Pereira dos Santos (2006) destacou:

Simultaneamente, loteamentos para moradia de luxo aproveitam as últimas faixas de solos apropriados próximos à área central. Loteamentos populares e clandestinos surgem em plena zona rural, afastados da Via Dutra. Nessa década foram aprovados 88 loteamentos pela municipalidade. Por outro lado, foram identificados cerca de 24 loteamentos clandestinos e a formação de uma favela na área central, no leito da antiga linha férrea, a Santa Cruz II. No final do período surgem na área central os primeiros edifícios, iniciando o processo de verticalização (SANTOS, 2006, p. 66).

A forte base no desenvolvimento industrial resultou em dinâmicas socioespaciais na escala intraurbana e na escala regional, com a articulação entre os centros urbanos, permitindo a constituição de uma rede que provocou a subordinação de uma cidade à outra, efeito analisado como hierarquia na rede urbana. Dessa constatação é possível identificar os municípios que exerceram, no conjunto das relações de sua região, um importante papel polarizador como, por exemplo, Taubaté, São José dos Campos e os seus municípios adjacentes.

Segundo estudo realizado por Müller (1969), a partir do método Rochefort sobre a escalação da hierarquia urbana no Vale do Paraíba entre o período de 1950-1960, Taubaté encontrava-se ainda em primeiro lugar, mantendo uma posição ímpar em relação aos outros municípios, sendo considerado “capital regional”, seguido dos municípios considerados “centros de sub-região”, sendo eles Guaratinguetá, Lorena e São José dos Campos.

A partir da análise sobre o crescimento demográfico e dos estudos de Müller (1969), percebe-se que o município de Taubaté exerceu o papel de capital do vale até 1960, desempenhando funções agrárias e industriais, principalmente em relação às chamadas indústrias tradicionais. No entanto, Taubaté se manteve enquanto polo terciário, principalmente no que tange aos serviços de educação e saúde que, em termos de polarização regional, se insere na organização proposta por Rochefort reforçando ainda, por algum tempo, sua função de capital regional. A partir desta década, São José dos Campos ultrapassou Taubaté em dados de população, fator que contribuiu para a visualização do município como nova “capital” do vale. Distanciando-se do modelo de Taubaté, a urbe joseense se apoiava nas políticas do Nacional Desenvolvimentismo primordiais para a efetivação dessa transição hegemônica entre os municípios, considerados polos regionais.

Taubaté se destacou, desde a sua fundação até a decadência da produção cafeeira no Vale do Paraíba, em todo o processo do desenvolvimento agrário da região. Sua subsequente passagem para as fases iniciais da industrialização, ao depender de matéria-prima local, geralmente produtos advindos do campo, implicou em uma continuidade, sem rupturas ou mudanças bruscas em sua economia. Assim, Taubaté manteve uma trajetória linear, atrelada às tradições e referências do campo.

O momento que legitimou o modelo fordista no Brasil foi o lançamento do Plano de Metas, proposto por Juscelino Kubitschek (1955-1960), quando o conceito de planejamento foi tomado como um instrumento sistemático da política econômica. Apoiado na abertura de investimentos ao capital estrangeiro, este programa trouxe mudanças radicais a todo o sistema produtivo brasileiro tendo, como um dos seus pilares, a definição da moderna indústria de base, iniciada com Vargas, agora como apoio estratégico para a nova produção. Eixo de ligação entre as duas principais metrópoles do país, São Paulo e a então capital, Rio de Janeiro, a região do Vale do Paraíba estava no centro dessas transformações:

Os primeiros efeitos do programa de metas do plano federal seriam logo percebidos com a perda de dinamismo das indústrias tradicionais relacionadas à fabricação de bens não duráveis, substituídas pelo novo setor dinâmico, as indústrias modernas, vinculadas a bens de consumo duráveis, servindo-se em parte considerável dos insumos produzidos pela CSN (RIBEIRO-MOREIRA; MELLO in ZANETTI; PAPALI, 2010, p. 74).

A regulamentação do porto de São Sebastião, por decreto federal em julho de 1957 e efetivada em 1969, também constituiu um atrativo importante para a instalação dos grandes empreendimentos na região do Vale do Paraíba. Em Taubaté ocorreu a implantação da Mecância Pesada (1957) e a Willys Overland do Brasil SA (1958, incorporada à Ford em 1968). Em São José dos Campos, a Rhodosá (1949, ligada ao grupo químico e farmacêutico de origem francesa Rhône-Poulenc, fabricante de fibras de rayon), e novas instalações fabris, como a Jhonson & Jhonson (1953), a Ericson (1954), a General Motors (1957) e a Eaton (1957). Ao setor têxtil, foram acrescentadas a Kanebo (1957); ao setor de vestuários e calçados, a São Paulo Alpargatas (1959); e ao setor metalúrgico, a Bendix (1960) (SANTOS, 2006).

Apoiando-se nas classificações propostas por Syrquin e Chenery (1989), é interessante notar que a Rhodosa, Jhonson&Jhonson e Kanebo, apesar de ligadas ao segmento tradicional da tecelagem, já se inseriam nas chamadas indústrias intermediárias, ou seja, aquelas que produziam bens cuja matéria-prima, como o algodão, vinham do campo, porém mesclados ou produzidos ora com fios sintéticos, ora já no ramo farmacêutico, de maior valor agregado. A São Paulo Alpargatas também se insere, de certo modo, neste grupo posto que, apesar de se pertencer à tradicional produção de vestiário, igualmente incluíam processos de fabricação sofisticados, resultantes em maior valor agregado. Em outras palavras, o parque industrial joseense apontava desde então, para maior diversificação. As demais, do ramo metal/mecânico e eletro/eletrônicos, eram nitidamente modernas.

Um marco diferencial para São José dos Campos, além do complexo do CTA, foi a instalação, em 1961, da indústria bélica e aeronáutica Avibras e a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Neste momento, o perfil industrial da cidade caracterizou-se por três grandes setores: metalúrgico (automotivas), bélico-aeronáutico e das telecomunicações. Segundo Ademir Pereira dos Santos, “esse tripé ainda forma a base da economia industrial joseense” (SANTOS, 2006, p. 30).

Após o golpe de estado civil-militar de 1964, houve uma mudança no sistema tributário por meio da criação do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM), do qual coube 20% aos municípios, de acordo com a arrecadação de cada um. Com isso, São José dos Campos teve seu orçamento elevado consideravelmente, devido ao grande número de indústrias instaladas o que, segundo Agê Junior (1981) proporcionou, ao município, invejável volume de recursos para obras públicas. A nova repartição de impostos possibilitou novas obras de infraestrutura, expansão das redes de água e esgoto, coleta de águas pluviais e extensão da iluminação pública aos bairros mais distantes da periferia. Como é possível notar, na Figura 2, o adensamento industrial no eixo da Ferrovia (1ª e 2ª fase de industrialização) e da Via Dutra (3ª fase de industrialização), marcou a configuração fragmentada da cidade.


Figura 2
Territorialização da Industrialização no município de São José dos Campos
Fonte: SANTOS, 2006, p. 77.

5 O Nacional Desenvolvimentismo e a inversão hegemônica da “capital regional”

No período do nacional desenvolvimentismo destacaram-se algumas características centrais, que foram evidenciadas pelo comportamento frente às políticas industriais no Vale do Paraíba Paulista. Segundo Paula & Oreiro (2009), uma das características diz respeito ao ''protecionismo tarifário generalizado destinado ao setor industrial durante a vigência do MSI2” (PAULA & OREIRO, 2009 apud. MATTEI, 2011, p.9). O crescimento econômico promovido no governo JK, concentrou-se no investimento da atividade industrial de bens de consumo duráveis e de infraestrutura. Edson Trajano Vieira (2009) citou as principais produções desse período, onde grande parte coincidia com os produtos de São José dos Campos:

entre 1955 e 1962, o setor de material de transporte apresentou um crescimento de 711%; materiais elétricos de comunicações, 417%; têxtil, 34%; alimentos, 54%, e, bebidas, 15%. Observa-se que os setores de bens de consumo não duráveis apresentam um crescimento bem inferior aos primeiros. Esse resultado é consequência do processo de substituição de produtos antes importados (VIEIRA, 2009, p. 61).

Nesse período, os municípios de São José dos Campos e Taubaté apresentaram um crescimento industrial destacado pela política de desenvolvimento urbano-regional, que também atraiu investimentos associados à política nacional desenvolvimentista, principalmente devido ao segundo Plano Nacional de Desenvolvimento. No período conhecido como milagre econômico brasileiro (1968-74), São José dos Campos se consolidou como centro do crescimento econômico regional, ainda que apresentasse condições de localização semelhantes às de outras cidades, como Taubaté e Jacareí privilegiadas pelo vetor da Rodovia Presidente Dutra. De acordo com o Censo Industrial de 1970, “Jacareí, Caçapava e Taubaté possuíam 385 estabelecimentos industriais que empregavam 14,2 mil pessoas. Em São José dos Campos, na mesma data, havia 275 estabelecimentos, com 17,8 mil pessoas ocupadas” (FIBGE, apud. COSTA, 2007, p. 60), o que indicou maior poder de compra dos cidadãos joseenses e, consequentemente, uma economia mais movimentada.

Vale destacar que o Estado atuou simultaneamente nas tarefas de planejamento, financiamento e produção de insumos básicos, além da infraestrutura. No entanto tais políticas exigiram do Estado “grandes somas de capital, levando à deterioração financeira do mesmo nos anos de 1980 quando eclodiu a crise da dívida externa'' (MATTEI, 2011, p.10). No caso de São José dos Campos, a presença da administração pública se deu desde 1958, quando foi aprovada uma nova legislação urbanística, pelo decreto n. 250/58, que estabeleceu diretrizes para a elaboração de uma política urbana que incentivava a implantação de indústrias de grande impacto físico e social. Dessa forma, foi iniciado ''um novo padrão de urbanização, associado a dois tipos específicos de indústria de grande porte, a transnacional e a estatal, no caso, produto do investimento direto do governo federal” (SANTOS, 2006, p. 66).

Sobre a inversão dos polos regionais, ficou evidente o crescimento populacional de São José dos Campos em relação à Taubaté, bem como a quantidade de pessoas empregadas no setor industrial, no período entre as décadas de 1950 e 1970. Se no plano demográfico o incremento da população joseense se impôs sobre os números mais modestos de Taubaté, tal quadro teria equivalente representação na percepção de recursos financeiros e monetários. Estes, igualmente, viram suas posições invertidas na participação regional, como notou Daniel Andrade:

Para o ano de 1975, o município de São José dos Campos apresentou um PIB no valor de R$ 2.907.373,18 bilhões, para os setores econômicos primário, secundário e terciário, correspondendo à aproximadamente 43% (da participação regional). O município de Taubaté, com o PIB no valor de R$ 921.750,46 milhões, cerca de 13,58% e Jacareí com R$ 918.609,10 milhões, o que equivaleu a 13,53%, completam os municípios de índices econômicos mais elevados do Eixo (ANDRADE, 2019, p. 113).

Ultrapassado Taubaté, a partir do final dos anos de 1970 tal situação só veio a se reforçar, evidenciando a progressiva polarização regional em torno de São José dos Campos. Se no plano econômico os dados apresentados por Andrade são já bastante contundentes, em termos de população e espaço o que se nota é a extensão do crescimento joseense que vai prosseguir pelos anos seguintes. A Figura 3 mostra o quanto a mancha urbana de São José dos Campos sobressaiu sobre o conjunto da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte. No novo contexto, constrangido entre as áreas de proteção de mananciais e as várzeas do rio Paraíba, o município esgotou seu território urbanizável extrapolado para domínios de municípios limítrofes, como Jacareí, conformando aglomerações conurbadas típicas das metrópoles regionais.


Figura 3
Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte
Fonte: Elaboração dos autores (2020) sobre MELLO; TEIXEIRA (2012).

6 Considerações Finais

Com base no que foi apresentado percebe-se que, tanto Taubaté como São José dos Campos tiveram aparentemente as mesmas condições que impulsionaram o desenvolvimento industrial, porém, São José dos Campos teve maior diversidade ao abrigar em seu território os equipamentos de saúde especializados no tratamento de doenças pulmonares, instituições vinculadas à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, bem como à produção bélica e aeronáutica após à instalação do CTA, em 1950.

Cada município teve o seu momento de destaque na economia brasileira. Taubaté teve mais influência na primeira e segunda fase de industrialização, cuja produção se desenvolvia a partir de matéria-prima local, características do setor manufatureiro e agrário. Já São José dos Campos se projetou na terceira fase da industrialização, apoiado na produção maquinofatureira fordista. Neste processo, o Estado atuou como empresário e teve um papel importante no desenvolvimento da região do Vale do Paraíba. A partir de incentivos fiscais e de programas de desenvolvimento para descentralizar a economia das grandes capitais. São José dos Campos se beneficiou com as políticas do nacional desenvolvimentismo devido à instalação de empresas de grande porte, em especial com a instalação do CTA, um importante catalizador para o desenvolvimento econômico e social desse município, como pretendia a política nacional desenvolvimentista, pois, ajudou na promoção de uma dinâmica socioespacial diferente das demais cidades da região.

Nesse ponto, é de se perguntar se a origem tradicional da economia taubateana não teria condicionado, em uma espécie de path dependency, a linearidade de seu desenvolvimento futuro. É evidente que o Estado teve influência na inversão dos polos regionais, devido aos programas de desenvolvimento, pois, além da implantação de instituições complexas como a base do então Centro Técnico da Aeronáutica CTA e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica ITA. Mais tarde tais ações foram fundamentais no desenvolvimento da indústria aeronáutica e incidiu, por exemplo, em incentivos fiscais e a mudança no sistema tributário com a criação do ICM – Imposto de Circulação de Mercadorias, pelo qual São José dos Campos muito se beneficiou por abrigar no período analisado um alto número de empresas dos setores em ascensão econômica, diferencial considerável em relação a outros municípios.

Em São José dos Campos também não houve propriamente uma ruptura. De certa forma, seu desenvolvimento tardio, decorrente de sua letargia na produção cafeeira, teria levado o município às bases iniciais da industrialização, configuração que, mais tarde, o permitiu ofertar sofisticados serviços de saúde, premiados com investimentos de outras esferas de governo. Assim, a própria história de São José dos Campos, aliada aos anseios nacionais, direcionaram o município a um atalho para alcance da moderna industrialização.

Material suplementario
REFERÊNCIAS
AGÊ JUNIOR. São José dos Campos de 1900 a 1980. São José dos Campos-SP: Editora Santuário, 1981.
ANDRADE, D. J. A Rodovia Presidente Dutra como elemento estruturador e a desarticulação da urbanização do Vale do Paraíba. 2019, 267 pp. (Tese de doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Universidade do Vale do Paraíba. São José dos Campos – SP, 2019. Disponível em: https://biblioteca.univap.br//dados//000045/00004500.pdf. Acesso em: mar. 2020.
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DUARTE, V. N. Desenvolvimento equilibrado versus desenvolvimento desequilibrado: uma breve revisão das principais teorias. Revista de Desenvolvimento Econômico, v.17. n. 31. p. 194-205. Salvador – BA, 2015.
FURTADO, C. Formação Econômica do Brasil. 32ª edição. São Paulo – SP: Companhia Editora Nacional, 2005.
MATTEI, L. Gênese e agenda do “novo desenvolvimentismo brasileiro”. IV Encontro Internacional da Associação Keynesiana Brasileira (AKB). Rio de Janeiro-RJ, 2011.
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MÜLLER N. L. O Fato Urbano na Bacia do Rio Paraíba - Estado de São Paulo. Rio de Janeiro-RJ: Instituto Brasileiro de Geografia, 1969.
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VIEIRA, E. T. Industrialização e políticas de desenvolvimento regional: O Vale do Paraíba Paulista na segunda metade do século XX. 2019. (Tese de Doutorado em Ciências (História) Universidade de São Paulo. São Paulo – SP, 2009.
ZANETTI, V; PAPALI, M. A. Fase Sanatorial de São José dos Campos: Espaço e Doença. São Paulo-SP: Intergraf. 2010.
Notas
Notas
1 O presidente do Brasil, Washington Luís (1926-1930), tinha como lema “Governar é construir estradas”.
2 MSI: Modelo de Substituição de Importações, “que tinha a finalidade básica de industrializar a região, livrando-a de sua dependência histórica em relação aos países centrais” (MATTEI, 2011, p. 9)

Figura 1
Taubaté como irradiação da ocupação valeparaibana no século XVIII
Fonte: Elaboração dos autores, 2020
Tabela 1
Produção de Café, Vale do Paraíba, Arrobas e Porcentagem

Fonte: MILLIET, 1946, p.41 (apud. RICCI, 2006, p. 26). A produção de Bananal relativa a 1886 está somada a Areias

Gráfico 1
Evolução da população (1934-1964) no Vale do Paraíba Paulista
Fonte: MÜLLER, 1969, p. 91

Gráfico 2
Crescimento populacional de São José dos Campos e Taubaté (1900-2010)
Fonte: IBGE, 2010. Elaborado pelos autores, 2017.

Figura 2
Territorialização da Industrialização no município de São José dos Campos
Fonte: SANTOS, 2006, p. 77.

Figura 3
Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte
Fonte: Elaboração dos autores (2020) sobre MELLO; TEIXEIRA (2012).
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