Territórios e transições para a sustentabilidade
Recepción: 22 Julio 2021
Aprobación: 16 Diciembre 2021
DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v26i0.16842
Resumo: Articulando o enfoque teórico-metodológico da Cesta de Bens e Serviços Territoriais (CBST) com a noção de Produção de Novidades (Novelty Production), este artigo visa construir um quadro analítico voltado a situações inovadoras de “efeito cesta”. Parte-se, para tanto, da compreensão do enfoque da CBST enquanto o resultado de contínuos e acumulativos processos de construção social de novidades. Com o intuito de ilustrar a aplicabilidade desse quadro analítico, empresta-se aspectos destacados em quatro estudos de caráter empírico vinculados à configuração da Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona), situada no Oeste do Pará. A conjunção das duas abordagens evidencia no cenário amazônico em questão instâncias de governança por iniciativa de atores sociais capazes de articular atributos diferenciados e de qualidade, o que propicia a configuração de projetos de desenvolvimento que desviam de formas convencionais. Com base nas reflexões aqui suscitadas, é possível compreender a Coomflona como uma novidade organizacional que inter-relaciona distintos atores sociais na constituição de uma CBST, na qual estão imbricados produtos – móveis de madeira de diferentes categorias, biojóias, artesanato de couro vegetal, licores e alimentos - e serviços, com destaque para o turismo.
Palavras-chave: Produção de Novidades, Desenvolvimento Territorial, Floresta Nacional do Tapajós, Cooperativa Mista da Flona do Tapajós.
Abstract: Articulating the theoretical and methodological approach of the Basket of Territorial Goods and Services (CBST) with the notion of Novelty Production, this article aims to build an analytical framework focused on innovative situations of "basket effect". To this end, it starts from an understanding of the CBST approach as the result of continuous and cumulative processes of social construction of novelties. In order to illustrate the applicability of this analytical framework, we borrow aspects highlighted in four empirical studies linked to the configuration of the Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona), located in western Pará. The conjunction of the two approaches evidences, in the Amazonian scenario in question, instances of governance through the initiative of social actors capable of articulating differentiated and quality attributes, which enables the configuration of development projects that deviate from conventional forms. Based on the reflections raised here, it is possible to understand Coomflona as an organizational novelty that interrelates different social players in the constitution of a CBST, in which products - wooden furniture of different categories, bio-jewelry, vegetable leather crafts, liqueurs and food - and services, especially tourism, are intertwined.
Keywords: Novelty Production, Territorial Development, Tapajós National Forest, Cooperativa Mista da Flona do Tapajós.
Resumen: Al articular el enfoque teórico y metodológico de la Cesta de Bienes y Servicios Territoriales (CBST) con la noción de Producción de Novedades, este artículo pretende construir un marco analítico centrado en las situaciones innovadoras de "efecto cesta". Para ello, se parte de la comprensión del enfoque CBST como el resultado de procesos continuos y acumulativos de construcción social de las novedades. Para ilustrar la aplicabilidad de este marco analítico, tomamos prestados aspectos destacados en cuatro estudios empíricos vinculados a la configuración de la Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona), ubicada en el oeste de Pará. La conjunción de ambos enfoques evidencia, en el escenario amazónico en cuestión, instancias de gobernanza a iniciativa de actores sociales capaces de articular atributos diferenciados y de calidad, lo que permite la configuración de proyectos de desarrollo que se apartan de las formas convencionales. A partir de las reflexiones aquí planteadas, es posible entender a Coomflona como una novedad organizativa que interrelaciona diferentes actores sociales en la constitución de un CBST, en el que se entrelazan productos -muebles de madera de diferentes categorías, bio-joyería, artesanía de cuero vegetal, licores y alimentos- y servicios, especialmente el turismo.
Palabras clave: Producción novedosa, Desarrollo territorial, Bosque Nacional del Tapajós, Cooperativa Mista da Flona do Tapajós.
1 Introdução1
Na abordagem do desenvolvimento territorial, a noção de território complexifica o espaço funcional ao considerar como central os atores sociais e sua criação de meios inusitados para o desenvolvimento produtivo de um dado local. Dessa forma, as características do jogo de atores vigente em determinado espaço determinam as potencialidades de seu desenvolvimento (PECQUEUR, 2017). Territórios podem, no entanto, ser palco de conflitos entre distintos projetos, promovidos por coalizões de atores que participam da arena do desenvolvimento (OLIVIER de SARDAN, 1995).
A partir da compreensão de que o desenvolvimento territorial passa, sobretudo, pela criação ou reforço de redes de multi-atores e de intercooperações, Mollard (2001) e Pecqueur (2001) elaboraram o corpus de uma abordagem teórica-metodológica, que se consolidou com a denominação de Cesta de Bens e Serviços Territoriais (CBST). Diante da crise de sistemas agrícolas intensivos e de novas recomposições dos espaços rurais em torno de relações entre produtos, serviços, qualidade e território, a abordagem da CBST foi formulada a partir de análises empíricas de iniciativas de atores locais que articulam ações mercantis e não-mercantis com o propósito de criar uma oferta heterogênea e coerente de recursos territoriais, valorizando, dentre outros quesitos, o saber-fazer, a cultura e o ambiente natural.
Por meio desses recursos, as coalizões de atores consolidam e reinventam as identidades territoriais, que se tornam elementos de valor mercantil e não mercantil associados a bens e serviços territoriais. Para Ploeg (2016), três níveis analíticos devem ser articulados no processo de diferenciação de bens e serviços nos mercados: (a) a definição social de qualidade, que se refere, de um lado, às especificações das expectativas dos consumidores e, de outro, ao aprimoramento das habilidades dos produtores; (b) as trocas materiais, com a definição dos volumes e dos preços; e (c) as trocas simbólicas, pelas quais ocorre o reconhecimento público do diferencial dos produtos e serviços, e corresponde à dedicação e competência dos produtores e prestadores de serviços.
A diferenciação de produtos, serviços e bens públicos territoriais resulta, portanto, da ação coletiva e da cooperação de atores sociais, capazes de gerar qualidade em termos materiais, sociais e simbólicos. A noção de CBST evidencia a existência de uma instância de governança por iniciativa de atores - públicos, privados e associativos - capazes de articular esses atributos diferenciados e de qualidade. Dessa forma, os atores envolvidos com a “Cesta” constroem acessos diferenciados a mercados, renovando e criando instituições e organizações adequadas a seus propósitos. A agência social dos atores sociais torna-se, assim, determinante na configuração de projetos de desenvolvimento que desviam de formas convencionais. Em termos gerais, a noção de agência atribui ao ator, individual ou grupo social, a habilidade de traçar caminhos alternativos para o enfrentamento das situações problemas que estão sob diversificadas formas de coerção. Tal habilidade requer organização, não sendo um resultado simples de certas aptidões cognitivas, poderes persuasivos ou formas de carisma que um indivíduo possa ter (LONG; PLOEG, 1994).
Dado o caráter inovador latente de determinadas estratégias territoriais dos atores sociais, neste artigo articula-se o enfoque da CBST à noção de Produção de Novidades (Novelty Production). Essa noção foi originalmente difundida por meio da publicação de uma compilação de trabalhos elaborados por Ploeg et al. (2004), cuja concepção está associada a duas premissas principais. A primeira se refere ao fato de o paradigma da modernização da agricultura ter formulado um “modelo” de inovações e de desenvolvimento tecnológico externalista, padronizado e globalizado, que induziu à desconexão entre tecnologia e práticas endógenas de agricultores. A segunda corresponde à necessidade de aprofundar o tratamento teórico a respeito de inovação e tecnologia. As novidades, então, são aqui percebidas como “quebras” e “desclassificações” em relação à lógica hegemônica da sociedade e do contexto institucional (WISKERKE; PLOEG, 2004). A articulação entre tais abordagens teóricas, neste texto, visa construir um quadro analítico voltado a situações inovadoras de “efeito cesta”. O pressuposto de partida consistiu em conceber o enfoque da CBST enquanto o resultado de contínuos e acumulativos processos de construção social de novidades.
Aspectos destacados em quatro estudos de caráter empírico vinculados à configuração da Cooperativa Mista da Flona do Tapajós (Coomflona) (ANDRADE et al., 2014; ESPADA et al., 2018; SABLAYROLLES et al., 2011; SOUZA et al., 2019) emprestam elementos de modo a ilustrar a aplicabilidade deste quadro analítico proposto no artigo. A Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, uma Unidade de Conservação (UC) Federal de uso sustentável, que abrange os municípios de Aveiro, Belterra, Placas e Rurópolis, no Oeste do Estado do Pará (Figura 1), tem um amplo histórico de ‘novidades’, com a intervenção concertada entre atores da sociedade civil e de órgãos públicos, desde a sua criação em 1974.
Trata-se da primeira experiência tanto de licitação de floresta pública na Amazônia para empresa madeireira quanto de destinação de floresta pública para o manejo comunitário. A experiência faz parte do Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia (ProManejo) iniciado nos anos 1990, que promoveu alternativas de produção sustentável, com destaque para produtos não madeireiros (óleo de andiroba - Carapa guianensis - e copaíba - Copaifera sp.), turismo comunitário e artesanato de couro vegetal. O ProManejo consolidou o Conselho Comunitário enquanto instância de governança da Flona com o propósito de elaborar, implementar e monitorar os diferentes projetos e apoiou a emergência da Coomflona em 2005. Imbricadas à Coomflona estão um conjunto de iniciativas que congregam desde o manejo sustentável de produtos da floresta, até o artesanato local e de turismo comunitário, todas alicerçadas na conciliação da conservação da biodiversidade com o desenvolvimento socioeconômico (ESPADA et al., 2018).
Nas quatro seções que compõem este artigo, para além desta introdução, estarão, primeiramente, a apresentação, com maior profundidade, dos construtos teóricos de território e desenvolvimento territorial. Na segunda seção, as principais categorias de análise da CBST. Na terceira e na quarta, respectivamente, os elementos da concepção de Produção de Novidades e as especificidades do território da Flona do Tapajós, com destaque à Coomflona, mobilizando a articulação teórico-metodológica da CBST e da Produção de Novidades. E, por fim, na última seção, as considerações finais, evidenciando o enfoque da Cesta de Bens e Serviços Territoriais como uma possível orientação metodológica a ser adotada pelos agentes de desenvolvimento territorial implicados com a geração de novidades na Flona do Tapajós.
2 Território e(m) Desenvolvimento
No final dos anos 1970, os limites do modo intensivo de produção começaram a ser percebidos. No mesmo período, contribuições teóricas fundadas no que se denominou “sistemas territorializados de produção” ganharam destaque. Esse cenário foi reforçado pela redescoberta dos denominados “distritos industriais marshallianos”, cujo conceito original foi elaborado pelo economista Alfred Marshall no início do século XX. O fato de os “distritos” terem adquirido o status de modelo de desenvolvimento influenciou a análise das formas tradicionais de industrialização, inicialmente, em certas regiões italianas, onde predominavam redes de pequenas e médias empresas, especializadas em experiências semelhantes e mão de obra altamente qualificada e tributária de costumes familiares (COLLETIS-WAHL; PECQUEUR, 2001).
Um conjunto de formas desse tipo de industrialização foi observado, mais tarde, na França, Inglaterra, Suíça e Alemanha. Essas situações foram caracterizadas enquanto sistemas produtivos localizados, cujas redes representavam o ponto central de dinâmicas inovadoras. O objetivo do “European Interest Group on Innovative Milieux” (Grupo de Interesse Europeu em Ambientes Inovadores) buscou reconciliar a abordagem dos distritos marshallianos com as teorias schumpeterianas de empreendedor-inovador, por meio da condução de um amplo número de estudos de caso, que permitiriam elucidar os princípios de funcionamento desses ambientes (COLLETIS-WAHL; PECQUEUR, 2001).
A principal fragilidade percebida na época sobre os “distritos industriais” residia na generalização excessiva do território, ao ser representado como parte ativa na criação de dinâmicas tecnológicas, tornando-se um ator de desenvolvimento tanto quanto as organizações produtivas (COLLETIS-WAHL; PECQUEUR, 2001). Uma outra crítica concerne às compreensões em torno das inovações, as quais não são necessariamente fundamentadas em uma base territorial. De acordo com Amin e Thrift (1993), as inovações podem emergir independente de dinâmicas territoriais, sendo somente catalisadas por um fenômeno organizacional. Neste artigo, procura-se romper com essa dicotomia por meio da mobilização de perspectivas teóricas que abordam tanto a construção do território como objeto teórico quanto a compreensão de suas dinâmicas associadas à concepção de novidades.
No caso específico da noção de produção de novidades aqui adotada, esta abordagem evidencia a complexidade dos distintos estilos de agricultura e se opõe à ideia de inovação, que está conectada a fatores como a estandardização, externalização e globalização de práticas e artefatos (WISKERKE; PLOEG, 2004; OOSTENDIE; BROEKHUIZEN, 2008). A perspectiva de inovação, em especial das tecnologias de largo alcance, que buscam a substituição de fatores de produção limitantes por artefatos manufaturados pela indústria, e se adequam a determinados interesses que visam induzir mudanças institucionais, cujo cerne é a acumulação capitalista (VENTURA; MILONE, 2004), não se adequa à análise aqui adotada. O estudo desse tema a partir do recorte empírico da Flona do Tapajós demanda a compreensão da construção complexa do território, fundamentada na contextualização do conhecimento e na operacionalização de práticas, processos e artefatos.
Para tanto, parte-se do conceito de território de Pecqueur (2005), que o concebe enquanto o resultado do encontro e da mobilização de atores sociais de um dado espaço geográfico que procuram identificar e resolver problemas comuns. Esse autor diferencia o “território dado”, compreendido com uma base geográfica de natureza político-administrativa, de “territórios construídos” pela ação intencional de atores sociais que convivem e produzem nesse espaço e, portanto, apresentam uma proximidade geográfica. Assim, a configuração organizacional das diversas instituições e o cruzamento do duplo jogo da concorrência que se estabelece entre distintos atores sociais e entre diferentes territórios são elementos constitutivos da noção de desenvolvimento territorial.
Os “territórios construídos” apresentam cinco características básicas: a) são múltiplos e podem deixar de existir, sendo frequente ocorrer sobreposições de atores e de espaços geográficos; b) seus limites geográficos e organizacionais não são nítidos; (c) buscam valorizar recursos territoriais específicos; (d) são objetos de conflitos e cooperação entre atores que se apropriam de recursos e os integram a projetos de desenvolvimento e (e) apresentam arranjos mais ou menos consolidados de governança territorial a partir de acordos constituídos entre as distintas categorias de atores envolvidas com projetos territoriais. Os recursos territoriais representam fatores a serem explorados, organizados ou revelados e quando isso ocorre tem-se a metamorfose de recursos em ativos territoriais. Tanto em um estado como em outro, recursos e ativos podem ser genéricos e específicos, sendo os primeiros totalmente transferíveis e sem dependência da aptidão do lugar e dos atores que os produzem. Os recursos e ativos territoriais específicos, ao contrário, se distinguem pela difícil transferência, dado que são gerados a partir da interação entre atores sociais implicados com projetos distintos e dotados de diferentes competências (PECQUEUR, 2005). Essa visão conflita com as perspectivas convencionais que homogeneízam os diagnósticos e formatam soluções uniformes independentemente da diversidade de realidades territoriais. O processo de especificação de ativos diferencia um território dos demais e se contrapõe ao regime de concorrência baseada na produção padronizada.
Segundo Pecqueur (2005), a revelação de recursos inéditos representa um potencial inovativo por parte dos atores territoriais. A criação coletiva do território por um grupo de atores em posição de viabilizar seu projeto está associada à ideia de que as transformações das propriedades do território-dado têm capacidade de gerar e maximizar a valorização de diversos recursos – genéricos e específicos - desse espaço. As características de um território construído a partir dessa concepção estão diretamente associadas à sua “densidade institucional”, aos “jogos de poder” e aos compromissos estáveis firmados entre os atores implicados (CARRIÈRE; CAZELLA, 2006). Os aparatos institucionais e de governança das ações de desenvolvimento são variáveis segundo os distintos territórios e, por vezes, representam uma exceção, o que inviabiliza conceber um modelo genérico de desenvolvimento territorial.
Outro aspecto do desenvolvimento territorial reside na tendência de as ações coletivas dissimularem as exclusões socioeconômicas e os conflitos sociais. Em geral, as dinâmicas compartilhadas de valorização de recursos territoriais tendem a reforçar processos históricos de exclusão social e de elitização da apropriação das vantagens diferenciadoras e, em última instância, econômicas. Essa tendência à elitização pode ser agravada em regiões ou países onde as desigualdades sociais são mais profundas. Trata-se, portanto, de um aspecto que merece atenção redobrada, seja de quem estuda seja de quem atua na promoção do desenvolvimento territorial. Tanto pesquisadores quanto profissionais do desenvolvimento têm, nessas situações, o desafio de adaptar e de formular modelos de análises que não escamoteiem ou desconsideram as exclusões sociais (CAZELLA et al., 2020). Por isso, considera-se que essa temática exige um tratamento próprio para analisar territórios-construídos no Brasil, particularmente na Amazônia, e representa um elemento diferenciador que o presente artigo pretende contemplar.
Ainda no que se refere às especificidades em torno dos distintos contextos brasileiros, em regiões nas quais atividades econômicas variadas coexistem a partir de projetos de diferentes atores sociais, como ocorre na Amazônia, a noção de “territorialização” se torna uma categoria de análise pertinente. Essa noção auxilia a compreender a luta pelo domínio e pelo controle sobre os recursos do espaço. O processo de territorialização envolve as capacidades produtivas, organizativas e políticas dos atores, mediante uma construção institucional paralela ao fortalecimento dos seus projetos. Como formula Abramovay (2000, p. 6), “um território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico”. Na maioria dos territórios, portanto, persiste relações sociais que oscilam entre cooperação e conflito, além da coexistência de atores que, de um lado, buscam o fortalecimento de suas identidades territoriais por meio da criação de novidades e, de outro lado, adotam estratégias a-territoriais de exploração de matéria-prima de forma indiferenciada e meramente mercantil.
Nos contextos amazônicos torna-se necessário dar conta da sobreposição de vários processos, todos com elevado potencial de conflitualidade. E ainda, o caráter provisório dos territórios construídos, notadamente nesses contextos, pressupõe conceber a territorialidade “como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a em seu território, ou homeland” (LITTLE, 2002, p.253), e, portanto, como um produto histórico de processos sociais e políticos.
A construção do projeto territorial pode ser por iniciativa de uma minoria de atores e apresentar a sobreposição de três processos: (a) de territorialização com foco no domínio privado ou coletivo sobre os recursos; (b) de integração a mercados via cadeias comerciais diferenciadas, com instituições e organizações específicas; (c) da construção de um sistema de governança territorial, orientada pela coerência de atributos territoriais e pela constituição de redes de parcerias envolvendo a sociedade civil e o Estado. O território é, portanto, uma unidade ativa de desenvolvimento que, para além de uma realidade geográfica, se configura como uma combinação de realidades humana, social, cultural e histórica, e que dispõe de recursos específicos e não transferíveis de uma região para outra. Esses recursos podem ser materiais ou intangíveis, a exemplo de um saber-fazer original ou construído, em geral, associado à história local. A consequência disso é que não se pode valorizar esse tipo de recurso em outro lugar. A especificação de recursos passa, também, por fazer diferente de atores e suas organizações sociotécnicas e produtivas de outros territórios, que dispõem de recursos semelhantes. Isso significa que as mesmas intervenções técnicas e financeiras não geram efeitos idênticos (organizacional e econômico) em dois territórios diferentes.
3 Cesta de Bens e Serviços Territoriais
Com uma lógica de economia territorial, Mollard (2001; 2005) e Pecqueur (2001) centram o olhar sobre a atividade econômica de um determinado espaço. Nessa concepção, o território é claramente definido como lócus de construção de recursos específicos, condição julgada necessária para a criação de bens diferenciados. Um recurso específico territorial não pode ser encontrado, de maneira idêntica, fora de onde foi produzido em função de fatores ecológicos e cognitivos. A especificação consiste, portanto, na qualificação e diferenciação de recursos que os atores locais revelam e constroem mediante processos formais e informais de ação coletiva voltados para a geração da qualidade. Um território construído dotado de uma oferta compósita e coordenada de ativos territoriais gera uma “renda de qualidade territorial” com potencial de superar a renda obtida pelo comércio de produtos e serviços de qualidade desprovidos de uma estratégia coordenada de multi-atores. O território está, dessa forma, incluso nas transações comerciais e essa particularidade representa base do que Pecqueur (2001) concebeu como sendo uma CBST.
Segundo Hirczak et al. (2008), a cesta de bens e serviços territoriais é composta por três elementos: (a) bens e serviços complementares, que possuem uma origem territorial comum e uma imagem coerente associada ao território, dificilmente substituíveis por bens genéricos. Além disso, formas de organização da produção e de garantia de qualidade específica associadas a serviços de qualidade territorial facilitam o acesso dos consumidores à cesta de bens e serviços; (b) um sistema de governança territorial construído a partir de laços de proximidade e de confiança, os quais podem se expressar na venda direta de produtos, na gastronomia e nas visitas aos diversos tipos de patrimônio territorial. A demanda dos produtos está ligada à qualidade, sua garantia, reputação e conhecimento do território e das suas tradições; (c) bens públicos que desempenham um papel de “cenário” e que colocam os produtos e serviços em cena. Esses bens se referem ao ambiente e à natureza (paisagem e biodiversidade), ao patrimônio e à cultura (arquitetura, gastronomia e monumentos), ou ainda à história e às tradições do território.
Sobre a organização institucional da CBST, dois níveis diferentes do ponto de vista dos atores e das lógicas envolvidos devem ser considerados. O primeiro lida com a geração coletiva de qualidade e envolve, em especial, organizações de produtores e prestadores de serviços do território. Em termos funcionais, esses atores participam da definição dos atributos de qualidade dos bens e serviços, estabelecem procedimentos de produção adequados e monitoram sua execução. A existência dessas organizações possibilita a implementação da estratégia do tipo CBST, mas não constitui uma condição suficiente. Para efetivar a CBST, um segundo nível organizativo é necessário, o qual identifica, define e integra as esferas de produção e comercialização de produtos e serviços de qualidade portadores de especificidades territoriais. Trata-se de uma instância de governança, na qual atores públicos, privados e associativos envolvidos no processo da CBST dialogam, adaptam e definem as normas de qualidade e de identidade territorial dos produtos e serviços, visando aportar coerência à Cesta e acessar diversos canais de comercialização.
No que se refere ao primeiro nível, o modelo de análise desenvolvido por Ostrom (2005) pode ser profícuo. Na perspectiva da Nova Economia Institucional, essa autora modeliza os resultados da gestão coletiva dos bens comuns em função de regras e normas implementadas pelos atores. Pode-se considerar os atributos de qualidade de produtos e serviços territoriais como um bem comum construído por atores territoriais. As organizações nesse primeiro nível adotam e consolidam normas e regras, visando a qualidade dos atributos territoriais. O segundo nível organizativo da Cesta, o do sistema de governança territorial, envolve a criação de instâncias e mecanismos de cooperação entre as partes interessadas, públicas e privadas. Trata-se de uma ação coletiva de segundo nível, pois coaliza as organizações produtoras de bens e serviços territoriais com outros atores públicos e privados interessados no território. O sistema de governança da CBST, com efeito, pode gerar novas normas e regras a serem negociadas com os produtores e prestadores de serviços organizados no primeiro nível. Esse sistema é dotado de funções similares à animação de processos de desenvolvimento territorial a partir da criação de um “pacto territorial” (ABRAMOVAY, 2000, p. 10).
A aplicação do enfoque da CBST para a análise de casos empíricos de territórios rurais levou os integrantes do grupo de pesquisa francês a cunharem a ideia de graus diferenciados do “efeito cesta”, dada a diversidade de situações encontradas a campo (HIRCZAK et al., 2008a; PERRON; JANIN, 2014; CAMPAGNE; PECQUEUR, 2014). Em outras palavras, pode-se afirmar que a formulação original do enfoque representa um “tipo ideal” weberiano do qual os territórios rurais se aproximam mais ou menos dos seus componentes. Alguns se destacam por cenários exuberantes associados a uma remarcada preservação ambiental. Outros apresentam situações híbridas, com zonas e atores implicados em sistemas convencionais de produção, que se distanciam dos preceitos da Cesta, mas convivem com outros atores que se diferenciam pela valorização de produtos e serviços de qualidade territorial. Por vezes, o sistema de governança territorial é incipiente e as iniciativas ancoradas nos recursos territoriais são fragmentadas ou justapostas, quase sempre desprovidas de uma estratégia articulada que imprima coerência e informe aos consumidores as especificidades territoriais. Se, por um lado, a territorialização dos bens e serviços é necessária, por outro, se isolada dos demais elementos, ela se torna insuficiente.
4 A Produção de Novidades pelos Atores Sociais
Uma novidade é definida como uma maneira diferente de pensar, que incorpora novas ideias, artefatos e combinações de recursos, procedimentos tecnológicos e diferentes campos do conhecimento, envolvendo constelações específicas de fatores que, presumivelmente, podem funcionar de maneira melhor, a exemplo de um processo de produção, uma rede, combinação de diferentes atividades, etc. (OOSTINDIE; BROEKHUIZEN, 2008).
As novidades, com frequência, não são compreendidas totalmente, pois são desvios às regras que vão além das regularidades existentes, explicadas e aceitas. Por esse motivo, uma novidade não pode ser facilmente transportada de seu contexto de emergência para outros. Dessa maneira, vale ressaltar que, embora as novidades sejam processos inovadores, elas diferem das inovações em seu sentido normativo. Oostindie e Broekhuizen (2008) enfatizam que uma novidade está associada ao conhecimento local e, por isso, apresente fortes vínculos com um determinado contexto.
O termo chave ‘Emergência de Novidades’ deriva de uma tradição de estudos dedicados à compreensão das mudanças tecnológicas (PLOEG et al., 2004) amparados pela Perspectiva Multinível (PMN). De acordo com Geels e Schot (2007), a PMN se configura como um modelo multidimensional de agência, que assume que os atores têm interesses próprios, agem estrategicamente, mas são limitados pelo tempo e por distintos tipos de regras (regulamentadoras, normativas e cognitivas), sejam elas compartilhadas ou não com os demais atores.
Essas ações e estratégias são direcionadas por um conhecimento gerado pelo acúmulo de habilidades e capacidades tecnológicas ao longo de situações dinâmicas na linha do tempo. Esse conhecimento, denominado por Belussi e Pilloti (2000 apud OOSTINDIE; BROEKHUIZEN, 2008) de ‘contextual’, pode ser constituído por quatro importantes processos: a) socialização, que permite trocas de conhecimento local entre os indivíduos por meio de processos de compartilhamento; b) externalização do conhecimento local que se transforma em conhecimento científico e, assim, pode se difundir globalmente; c) recombinação, que implica na reutilização dos vários tipos e fontes do conhecimento local e científico, via redes e outras conexões, para a criação de novos conhecimentos; e d) internalização, processo pelo qual alguns aspectos do conhecimento externo são absorvidos.
Para Oostindie e Broekhuizen (2008), a emergência de novidades está intimamente associada ao conhecimento contextual. Esses autores afirmam, inclusive, que quanto maior a disponibilidade desse conhecimento, maiores serão as chances da emergência de novidades. Nesse sentido, pode-se argumentar que o conhecimento contextual é um ingrediente indispensável aos processos de desenvolvimento rural que valorizam as dinâmicas sociais, técnicas e econômicas endógenas.
Além da associação da novidade ao conhecimento contextual, Oostindie e Broekhuizen (2008) explicam que a emergência de novidades está relacionada à coprodução, a qual é entendida como a reconexão da sociedade com a natureza. Ou seja, trata-se da interação e transformação recíproca do social e do natural. Dessa maneira, nessa reconexão, ao mesmo tempo em que são utilizados os recursos naturais disponíveis localmente, esses são fortalecidos e recriados para novas utilizações, realimentando o sistema de forma cíclica (PLOEG, 2006; OOSTINDIE; BROEKHUIZEN, 2008).
A partir da análise de vários estudos dedicados a investigar processos inovadores endógenos em espaços rurais, os autores propõem um quadro analítico que integra quatro distintas trajetórias na emergência de novidades. A primeira se refere ao “melhoramento dos recursos”, em que a natureza é construída, reconstruída e diferenciada dentro de um longo processo histórico, do qual emergem particularidades que caracterizam o comportamento dos recursos envolvidos. Concretamente, os recursos são resultado da coprodução, sendo moldados e remodelados por intermédio da constante interação humanos - natureza.
A segunda trajetória correlacionada à emergência de novidades diz respeito à “sintonia fina” entre o agricultor e uma extensa lista de fatores de crescimento, continuamente identificados e corrigidos. O que está implícito aqui é que o fator de crescimento mais limitante a uma dada atividade agrícola é também limitante de todo o processo de desenvolvimento da agricultura naquela localidade. Portanto, a sintonia fina no ajuste desse fator limitante, muitas vezes, propicia a emergência de uma novidade. Por se tratar de um processo dinâmico, uma vez que o fator limitante original tenha sido corrigido, outro pode surgir em seu lugar.
Uma terceira trajetória na emergência de novidades está associada à “transposição de fronteiras” com a inclusão de novos domínios e atividades por parte dos agricultores, a exemplo da transformação e comercialização de alimentos, medidas e estratégias relacionadas à proteção da natureza, entre outras. Isso implica na expansão de suas ações para além das unidades de produção, alcançando, assim, organizações e redes sociais bem mais complexas. Dessa maneira, novas experiências são traduzidas em novos conhecimentos que, por sua vez, inspiram novas práticas. Esse processo abre caminho para a quarta trajetória, que se refere ao “reordenamento do uso de recursos”, que pode ser considerado intrínseco à emergência de novidades, sem se restringir aos limites da unidade de produção, tampouco às atividades agrícolas em si mesmas. Reordenar o uso dos recursos significa, primeiramente, conectar elementos de modo inovador. Às vezes, isso pode significar inter-relacionar, inclusive, elementos de setores não agrícolas.
A dinâmica dessas trajetórias, que podem ocorrer de forma concomitante, resulta em novas técnicas, novas abordagens, novos artefatos e novas redes, que precisam ser operadas. Para isso, novos conhecimentos são necessários, particularmente os que combinam conhecimentos tácitos dos agricultores àqueles mais institucionalizados, gerando um novo ambiente para a emergência de soluções criativas contextualizadas localmente, mas relacionadas à construção de novas institucionalidades capazes de provocar mudanças no regime dominante.
As trajetórias associadas à emergência de novidades por parte de agricultores familiares normalmente estão associadas à busca desses agricultores por autonomia que, segundo Ploeg (2009), tem como objetivo e se materializa na criação e no desenvolvimento de uma base de recursos autogerida, envolvendo tanto recursos sociais quanto naturais. Nesse sentido, a emergência de novidades corresponde a um processo gradativo, que acontece aos poucos, seguindo uma trajetória específica, porém associada intimamente ao trabalho agrícola (PLOEG et al., 2004) e à reprodução econômica e social das famílias de agricultores.
Esse conjunto de características leva à constatação de que o caráter radical das novidades se evidencia na possibilidade de romper com padrões produtivistas e puramente econômicos, os quais desconectam a sociedade da natureza e desvalorizam a identidade cultural dos atores sociais. Logo, as novidades são consideradas por Ploeg et al. (2004) como “sementes da transição” para um novo paradigma de desenvolvimento rural que considera o território como principal lócus de ação. As novidades envolvidas no enfoque da Cesta de Bens e Serviços Territoriais, seguindo considerações anteriores, pressupõem novos arranjos produtivos de atores e entre categoriais de atores, novos mecanismos e canais de comercialização, além de formas de governança diferenciadas do modelo dominante, capazes de gerar qualidade e coerência aos componentes da CBST.
5 Dinâmicas territoriais da Flona do Tapajós: a novidade como catalisadora da CBST
No Brasil, talvez mais do que na Europa, uma atenção maior deve ser dedicada ao processo de elaboração das identidades territoriais. Particularmente na Amazônia, o enfoque de CBST deve considerar algumas especificidades, dentre as quais se destacam os processos de territorialização em situações de conflitos, identidades territoriais não estabilizadas e de institucionalidades incipientes no que se refere à diferenciação dos produtos e serviços e das práticas de governança territorial. Alguns contextos amazônicos podem, no entanto, apresentar um potencial promissor para desenvolver novidades na perspectiva da CBST. As Unidades de Conservação (UC) de desenvolvimento sustentável federais e estaduais apresentam características, a priori, mais favoráveis nessa direção decorrente da destinação de recursos de forma minimamente equacionada entre as distintas categorias de atores envolvidos, mediante um zoneamento, segundo o qual os usuários e os usos autorizados de cada área são definidos. A gestão compartilhada dessas unidades por meio de conselhos paritários, que representam institucionalidades de governança, tem entre seus propósitos principais a valorização sustentável de produtos e serviços. As UC podem ser concebidas, portanto, enquanto espaços geográficos nos quais os projetos territoriais de distintas categorias de atores se encontram mais avançados no que se refere à estabilização, mediação de conflitos de uso e capacidade de gestão por instâncias de governança instituídas pelo Estado.
Mais especificamente, a Flona do Tapajós foi criada pelo Decreto nº 73.684 de 19 de fevereiro de 1974, com objetivo de “uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e pesquisa científica” (BRASIL, 1974; BRASIL, 2000). Segundo Carvalho (2017), essa UC ocupa uma área de 527,3 mil hectares, que abriga uma expressiva diversidade sociocultural, representada por 23 comunidades tradicionais e outras três indígenas da etnia Munduruku. A população total da Flona é de 3.438 habitantes, totalizando, aproximadamente, 1.050 famílias, segundo levantamento realizado em 2014 (SOUZA et al., 2019). Dentre os moradores encontram-se, para além dos indígenas, agricultores familiares assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, proprietários de terras e posseiros. As comunidades e aldeias estão localizadas ao longo dos rios Tapajós e Cupari (ICMBio, 2000).
Como indicam Andrade et al. (2014), o manejo florestal para a produção madeireira é a mais importante atividade econômica de uso da floresta realizada pelas comunidades inseridas nessa Flona, ocupando 35 mil hectares, o equivalente a 6% da área total. Essa atividade movimenta em torno de R$4 milhões por ano. O manejo florestal é gerido e executado pela Coomflona, personalidade jurídica responsável pelo Plano de Manejo Florestal Sustentável de Uso Múltiplo.
Essa Cooperativa conta, atualmente, com 206 cooperados, o que corresponde a 6% da população total da unidade de conservação (SOUZA et al., 2019). Nem todos os moradores da Flona são afiliados à Coomflona e a ausência de vínculo formal de parcela significativa dos residentes com a Cooperativa se dá por motivos diversos, que passam pela falta de identificação com a estrutura organizacional da Coomflona até a falta de capacidade operacional dessa organização para integrar mais cooperados. Na maior parte dos casos em que inexiste vínculo formal com a Cooperativa, outras relações socioeconômicas se estabelecem entre cooperados e não cooperados, por meio das quais esses últimos comercializam seus produtos, como óleos vegetais e artesanatos, com a Coomflona (ESPADA et al., 2018).
De acordo com Espada et al. (2018), as principais organizações parceiras da Cooperativa são o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e o Instituto Floresta Tropical (IFT). O SFB e IEB promovem formações voltadas à gestão do empreendimento florestal comunitário. Dentre os resultados dessas ações, a Coomflona logrou, em 2013, certificar sua área de manejo florestal com o selo Forest Stewardship Council (FSC). Com isso, os dirigentes da Cooperativa almejam alcançar novos mercados. O SFB e IEB se beneficiam, por sua vez, com a imagem institucional positiva dessa iniciativa decorrente do apoio sociotécnico aportado a um projeto comunitário de sucesso, além de divulgarem o modelo de manejo florestal comunitário por meio de intercâmbios com outras ações semelhantes na Amazônia.
A Coomflona é também parceira da Associação Intercomunitária de Mini e Pequenos Produtores Rurais e Extrativistas da Margem Direita do Rio Tapajós (ASMIPRUT), sediada na comunidade de Maguari, uma das que compõem a Flona. A particularidade de Maguari reside na existência de mais de 12 mil árvores de seringueiras na comunidade, as quais, junto com as samaúmas (Ceiba pentandra), configuram um cenário propício à economia local, com foco prioritário em produtos não madeireiros e no turismo ecológico (CARVALHO, 2017). O couro vegetal de látex das seringueiras produzido em uma pequena fábrica dá origem a artefatos diversos, como bolsas, sapatos, chinelos e colares. Segundo Carvalho (2017), a fábrica possui o apoio do ICMBio, do SFB, da Coomflona e da UFOPA e a renda proveniente da comercialização desses artefatos é investida diretamente na comunidade. Já no que se refere ao turismo, a “Trilha da Vovó Sumaúma” é uma das atividades mais reveladora dos atributos locais. Em 9 km guiados por moradores locais, turistas de todas as partes do mundo podem apreciar a vegetação amazônica e se surpreender com a estrondosa “Vovó Sumaúma”, uma árvore de mais de 60 m de altura (CARVALHO, 2017).
O caso da Flona do Tapajós evidencia que as relações socioespaciais e identitárias são construídas e mobilizadas por determinadas categorias de atores (populações tradicionais, pesquisadores e mediadores sociais) como estratégias para enfrentar os principais desafios que se apresentam cotidianamente. Seu delineamento se dá tanto pelo modo como os atores se organizam quanto pelo significado que lhe atribuem. Nesse sentido, o território resulta de um construto sociocultural, um sistema de valores que assegura a regulação e a integração dos comportamentos individuais, que se mantêm e se renovam ao longo do tempo (PECQUEUR, 2005).
Uma dinâmica de acumulação coletiva de conhecimento e de saber-fazer (PECQUEUR, 2000) torna o território um lócus de emergência e consolidação de novidades. Dessa forma, a Coomflona é aqui compreendida como uma novidade organizacional que emerge de construções territoriais, que têm por referência o território-dado delimitado pelo perímetro da Floresta Nacional do Tapajós. Essa novidade organizacional pode ser assim entendida, especialmente, por ter como cerne os processos de manejo florestal comunitário, que se inter-relacionam com o tema da conservação da biodiversidade a partir da mobilização do conhecimento contextual dos povos da floresta e de projetos de desenvolvimento socioeconômico. Além disso conta com o aporte de conhecimento técnico-científico de uma rede de atores públicos (estatal e ONG), que atuam no território e que envolve o ICMBio, SFB, IBAMA, UFOPA, IEB e IFT.
O caráter inovador dessa articulação multiatores é reforçado pelas retroalimentações que lhes são intrínsecas, a exemplo da redução de uso de recursos externos à Flona e às unidades produtivas locais e, por conseguinte, da utilização ótima dos recursos territoriais. Ao se conectar com a comunidade de Maguari, onde está sediada a ASMIPRUT e a pequena fábrica de confecção de couro vegetal, a Coomflona catalisa o aproveitamento de recursos naturais, como o látex da seringueira e mesmo o cenário exuberante da paisagem, imprescindível para o turismo ecológico realizado localmente.
O processo de emergência de uma novidade ocorre em época e contexto específicos, estando intrinsecamente conectado ao ambiente cultural, ambiental e socioeconômico no qual se desenvolve (OOSTINDIE; BROEKHUIZEN, 2008). A pesquisa de Medeiros (2017) sobre a construção de projetos não convencionais de desenvolvimento rural no Litoral Norte do Rio Grande do Sul demonstra como uma rede de cooperação capitaneada pela Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas, produzem um conjunto de novidades geradas a partir de ações cooperadas de distintas categorias de agricultores familiares. Os estudos sobre a Coomflona e a pesquisa de Medeiros (2017) apresentam significativas semelhanças, em que pese suas localizações geográficas distintas, sobretudo no que se refere à agência social dos agricultores e agricultoras familiares em torno da edificação de práticas mais sustentáveis de produção e reprodução socioeconômica. As particularidades dos territórios nos quais tais novidades emergem é que garantem as especificidades de cada processo.
No caso analisado neste artigo, a Coomflona apresenta fortes vínculos com os ecossistemas amazônicos, repertórios culturais e processos de trabalho a eles associados. A radicalidade dessa novidade se mostra em seu rompimento com padrões produtivistas e puramente econômicos, sendo que essa especificidade influencia de forma positiva na tomada de decisão da rede de atores territoriais em torno da Cooperativa, em especial no que se refere à utilização dos recursos provenientes da comercialização de madeira, seu produto carro-chefe.
Dado que a madeira comercializada pela Coomflona representa um recurso natural público, ou um bem de uso comum dos moradores da Flona do Tapajós, os atores territoriais membros da Cooperativa e assessores sociotécnicos adotaram uma concepção pouco usual para a gestão dos recursos financeiros auferidos dessa atividade. Essa concepção parte do entendimento que esses recursos são coletivos e não podem beneficiar apenas os cooperados (ESPADA et al., 2017). Assim, esses atores territoriais buscaram formas de propiciar melhorias na qualidade de vida de todas as famílias da Flona a partir da construção de um sistema de gestão financeira que permite investimentos que beneficiam, também, as famílias não cooperadas. Segundo Espada et al. (2017), o caminho encontrado, não sem divergências, foi a criação de diferentes fundos cooperativos que pudessem ser acessados por todas as famílias e comunidades da Flona do Tapajós: Fundo de Cooperados, Fundo de Apoio Comunitário, Fundo de Saúde e a Reserva de Assistência Técnica, Educacional e Social (RATES).
Essa medida representa uma exceção nas ações de desenvolvimento territorial em geral e, em particular, do enfoque da CBST. Conforme apontam Cazella et al. (2020), medidas de solidariedade territorial ou de contrapartidas de atores sociais inseridos nos projetos de desenvolvimento territorial, a favor de habitantes do território menos habilitados do ponto de vista social, figuram como uma das possíveis adaptações a serem operadas nesse enfoque de forma a melhor adequá-lo à realidade socioeconômica brasileira. Tem-se aqui um caso empírico que merece ser aprofundado com novos estudos sobre sua gênese, mecanismos de gestão e evolução no tempo. As análises de Espada et al. (2017) demonstram que, dentre as principais novidades construídas pela Coomflona e organizações parceiras, estão os fundos financeiros destinados, dentre outros aspectos, à qualificação profissional dos cooperados e para o investimento em atividades produtivas. Enquanto a RATES possibilita a formação de moradores locais em cursos técnicos e de graduação, ao fornecer suporte financeiro para a realização de cursos, o fundo de investimento é aplicado na diversificação de atividades produtivas, comercialização e beneficiamento da borracha natural (Hevea brasiliensis), óleo de copaíba e andiroba, além da produção de móveis de madeira.
Se, por um lado, a emergência dessa novidade organizacional tem um impacto significativo sobre a definição ou redefinição da territorialidade da Flona do Tapajós, devido à internalização ou à endogeneidade de práticas envolvidas nessa construção (OOSTINDIE; BROEKHUIZEN, 2008), por outro lado, o território construído influencia diretamente na sua configuração. E é justamente essa inter-relação entre uma nova forma de pensar e agir dos atores territoriais em relação ao meio natural que ratifica tal forma e assegura a estabilização dessa novidade. A análise do caso da Flona do Tapajós permite afirmar que está em curso a constituição de uma CBST, ou do assim chamado “efeito cesta”, apesar dos atores implicados desconhecerem esse enfoque enquanto enfoque metodológico para suas ações de desenvolvimento.
6 Considerações Finais
A articulação teórica dos enfoques da Cesta de Bens e Serviços Territoriais e da Produção de Novidades revelou diversos aspectos complementares. A ideia de uma oferta combinada de produtos e serviços de qualidade de um território pressupõe a construção contínua de diversas novidades por parte dos atores implicados. A especificação de recursos territoriais, elemento central da CBST, representa uma ação criativa, portanto inovadora, que, para lograr sucesso, depende da construção de sistema de governança territorial multiatores. Em outras palavras, o enfoque da CBST pode ser concebido como a resultante de sucessivos e acumulativos processos de construção social de novidades.
O caso da Flona apresenta um primeiro nível organizativo rico e diversificado, com destaque para os associados da Coomflona, os grupos de artesanato e de produção de alimentos, pessoas mobilizadas pelas atividades de turismo comunitário, além de outras organizações de produtores de bens e serviços com forte identidade territorial. Os ativos territoriais e serviços existentes - madeira de diferentes categorias, móveis, biojóias, artesanato de couro vegetal, licores e produtos alimentares, trilhas e acolhimento de ecoturistas - são dotados de qualidade, identidade e especificidade territorial correlacionados às práticas de produção. Uma maior atenção se faz necessária, no entanto, aos dispositivos organizacionais, que garantem a geração da qualidade territorial tão necessários, em um primeiro momento, para a construção de um estilo de desenvolvimento territorial que incorpore os preceitos da CBST.
Ainda que os moradores da Flona adotem e reconheçam as instâncias funcionais de tomada de decisão, as tensões entre inter comunidades de ribeirinhos e indígenas, populações tradicionais, assentados, moradores da Flona em geral e órgãos públicos gestores da UC, inerentes aos processos de desenvolvimento, representam um constante desafio de mediação de conflitos e de mecanismos variados de negociação política. Nesse sentido, a construção e fortalecimento das identidades territoriais têm o potencial de reunir distintos moradores em torno de valores e orientações compartilhadas. Esse processo, por consequência, é capaz de resultar na formulação de uma instância específica de governança nos moldes preconizados pelo enfoque da CBST, definidora de diretrizes a serem implementadas pelos distintos grupos de produtores, assessorados por um conjunto de organizações públicas, para os produtos e serviços diferenciados e de qualidade territorial. Esse sistema de governança territorial, ainda em estágio incipiente de construção, já tem demonstrado sua capacidade de integrar na agenda de discussão o tema da inclusão social de parcela da população da Flona não integrada nas ações formais de desenvolvimento territorial.
Uma outra janela de oportunidade que se abre para futuras ações nesse território, à luz da mobilização do quadro analítico neste artigo proposto, consiste no aprimoramento das estratégias de comercialização definidas com a participação dos potenciais consumidores de feiras e eventos, da mobilização da comunicação digital e parcerias com atores especializados públicos e privados. O cenário apresenta a virtualidade de uma estreita parceria entre os moradores da Flona e os principais atores implicados com as iniciativas cooperadas de valorização de recursos territoriais específicos, de forma a constituir um espaço multi institucional e multidisciplinar capaz de tratar de aspectos técnicos, organizativos e mercadológicos.
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Notas