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Programa Minha Casa Minha Vida: relevância para o município de Lajeado/RS
Minha Casa Minha Vida Program: relevance to the city of Lajeado/RS
Programa Minha Casa Minha Vida: relevancia para el municipio de Lajeado/RS
Programa Minha Casa Minha Vida: relevância para o município de Lajeado/RS
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 27, 2022
Universidade de Santa Cruz do Sul
Recepción: 18 Mayo 2021
Aprobación: 11 Mayo 2022
Resumo: O artigo aborda o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, lançado no Brasil, no ano de 2009, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento. Tem como objetivo investigar a relevância do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, para o município de Lajeado, Rio Grande do Sul. Possui uma abordagem quanti-qualitativa, através de pesquisa bibliográfica, levantamento de dados demográficos em agências especializadas e entrevistas com três agentes locais sobre a implementação do Programa no município de Lajeado. Os dados levantados trazem uma visão sistêmica sobre o cenário regional, pautando questões acerca da viabilidade de implementação de empreendimentos habitacionais em Lajeado, bem como pontos positivos e dificuldades encontradas na gestão do Programa. O estudo tem sua relevância para melhoria do Programa no que se refere à prestação de contas do gasto público para a população, a distribuição de renda a partir do setor de construção civil e a melhoria do fluxo de seu processo administrativo. A pesquisa indica que há preocupação, por parte do poder público municipal, em garantir que as moradias apresentem padrões mínimos de infraestrutura e habitabilidade, através de uma melhor qualidade urbanística no entorno desses empreendimentos. Também se coloca em xeque a sustentabilidade do Programa, frente a um cenário econômico em constantes mudanças. Com o estudo realizado, conclui-se que o Programa possui grande relevância para Lajeado, com relação à provisão de moradias em um município com crescimento demográfico, devido, principalmente, à migração em busca de trabalho, contribuindo para a inclusão social dos beneficiários no cenário regional.
Palavras-chave: Política pública, Programa habitacional, Minha Casa Minha Vida, Desenvolvimento regional.
Abstract: The article discusses the Minha Casa Minha Vida Housing Program, launched in Brazil in 2009, under the Growth Acceleration Program. It aims to investigate the relevance of the Minha Casa Minha Vida Housing Program for the city of Lajeado, Rio Grande do Sul. It has a quantitative and qualitative approach, through bibliographic research, survey of demographic data in specialized agencies and interviews with three local agents about the implementation of the Program in the city of Lajeado. The data collected bring a systemic view of the regional scenario, guiding questions about the feasibility of implementing housing developments in Lajeado, as well as positive points and difficulties encountered in the management of the Program. The study has its relevance for improving the Program with regard to the accountability of public spending to the population, the distribution of income from the civil construction sector and the improvement of the flow of its administrative process. The research indicates that there is concern, on the part of the municipal public power, in ensuring that the houses present minimum standards of infrastructure and habitability, through a better urban quality in the surroundings of these enterprises. The sustainability of the Program is also put in check, in the face of a constantly changing economic scenario. With the study carried out, it is concluded that the Program has great relevance for Lajeado, in relation to the provision of housing in a city with demographic growth, mainly due to the migration in search of work, contributing to the social inclusion of the beneficiaries in the scenario regional.
Keywords: Public policy, Housing program, Minha Casa Minha Vida, Regional development.
Resumen: El artículo analiza el Programa de Vivienda Minha Casa Minha Vida, lanzado en Brasil en 2009, bajo el Programa de Aceleración del Crecimiento. Tiene como objetivo investigar la relevancia del Programa de Vivienda Minha Casa Minha Vida para la ciudad de Lajeado, en el estado de Rio Grande do Sul. Tiene un enfoque cuantitativo y cualitativo, a través de la investigación bibliográfica, levantamiento de datos demográficos en agencias especializadas y entrevistas a tres agentes locales sobre la implementación del Programa en el municipio de Lajeado. Los datos recolectados aportan una visión sistémica del escenario regional, orientando preguntas sobre la factibilidad de implementar desarrollos habitacionales en Lajeado, así como puntos positivos y dificultades encontradas en la gestión del Programa. El estudio tiene su relevancia para mejorar el Programa en cuanto a la rendición de cuentas del gasto público a la población, la distribución de los ingresos del sector de la construcción civil y la mejora del flujo de su proceso administrativo. La investigación indica que existe preocupación, por parte del poder público municipal, en lograr que las viviendas presenten estándares mínimos de infraestructura y habitabilidad, a través de una mejor calidad urbana en el entorno de estos emprendimientos. La sostenibilidad del Programa también se pone en jaque, ante un escenario económico en constante cambio. Con el estudio realizado se concluye que el Programa tiene gran relevancia para Lajeado, en relación a la dotación de vivienda en un municipio con crecimiento demográfico, principalmente por la migración en busca de trabajo, contribuyendo a la inclusión social de los beneficiarios en el escenario regional.
Palabras clave: Políticas públicas, Programa de vivienda, Minha Casa Minha Vida, Desarrollo regional.
1 Introdução
Este artigo aborda o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, lançado no Brasil, no ano de 2009, dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Tem por objetivo investigar a relevância do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, para o município de Lajeado, Rio Grande do Sul (RS).
A moradia é um direito social, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, do ano de 1948, e assegurada pela Constituição brasileira, de 1988. O impacto da industrialização, embora positivo para os cofres do país, trouxe a população, que até então vivia no campo, para habitar cidades despreparadas para atender tal demanda. Essa situação fez com que os governos buscassem políticas de urbanização, capazes de concentrar a população próxima aos seus locais de trabalho. Na década de 1960, com a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), foi dada a largada à implementação de políticas públicas de habitação, promovidas através de programas governamentais. Essas políticas objetivam a provisão de moradias às pessoas de baixa renda no país, visando uma melhor qualidade de vida para os cidadãos. Nesse sentido, com o mesmo propósito social, mas também buscando intensificar as atividades econômicas do setor da construção civil, o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, no ano de 2009, criou o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida.
No cenário regional do Vale do Taquari/RS, o constante crescimento da indústria foi um fator importante na caracterização do Vale como uma região de oportunidades. E nesse contexto, busca-se discutir a importância da implementação de políticas públicas destinadas à habitação, com foco no município de Lajeado. A escolha desse município se deve ao fato de Lajeado apresentar o maior número de habitantes da região do Vale do Taquari e ser caracterizado como um centro regional de grande influência econômica (RIO GRANDE DO SUL, 2015). Dessa forma, a questão de pesquisa é qual a relevância do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida para o município de Lajeado/RS?
Para atingir o propósito deste trabalho, realizou-se uma pesquisa com abordagem quati-qualitativa, através de estudo bibliográfico, levantamento de dados estatísticos e entrevistas com agentes locais, que possuem envolvimento com o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, em função de sua ocupação profissional.
A introdução deste artigo é seguida pela caracterização do cenário regional do Vale do Taquari/RS. Na seção 3, apresenta-se o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, enquanto política pública de habitação. A seção 4 aborda a metodologia do estudo e a seção 5 discute os resultados obtidos através da pesquisa bibliográfica e das entrevistas realizadas com agentes locais. Por fim, a seção 6 traz as considerações finais acerca de toda a pesquisa realizada.
2 Cenário regional do Vale do Taquari
Situada na região central do RS, a região do Vale do Taquari é formada por 36 municípios que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), totalizam 4806,48 km² de área total (IBGE, 2010). Distante cerca de 120 km da capital Porto Alegre, apresenta localização estratégica. Dispõe dos modais rodo, ferro e hidroviário para circulação de mercadorias e do modal rodoviário para circulação de passageiros, com importantes conexões a outras regiões do estado, país e exterior. A Figura 1 mostra a localização dos 36 municípios na região do Vale do Taquari.
Segundo o Conselho Regional de Desenvolvimento - COREDE (RIO GRANDE DO SUL, 2015), a região conta com 327.723 habitantes, com a proporção aproximada de 74% desses vivendo em áreas urbanas e 26% em áreas rurais, resultando numa densidade demográfica de 68,18 habitantes/km², superior à média do RS, que é 39,79 habitantes/km² (IBGE, 2010).
A região possui um Centro Sub-Regional (Lajeado), seis Centros de Zona (Arvorezinha, Muçum, Encantado, Arroio do Meio, Estrela e Teutônia) e os demais vinte e nove municípios classificados como Centros Locais. Os municípios de Lajeado, Taquari, Bom Retiro do Sul, Fazenda Vilanova, Tabaí e Paverama, localizados na porção sul da Região, possuem Porto Alegre como ligação principal. Lajeado, por sua vez, influencia os municípios centrais. As localidades ao norte são atraídas pelos Centros de Zona de Encantado e Arvorezinha. (IBGE, 2007 apud RIO GRANDE DO SUL, 2015, p. 9).
Conforme dados do IBGE (2010), o Vale do Taquari concentra 3% da população do RS e apresenta o terceiro maior saldo migratório do RS. Esse alto índice de migração, aliado às taxas de crescimento populacional, indicam que a população rural está se dirigindo para um centro urbano mais próximo, dentro da própria região. Nesse cenário, os dois maiores municípios do Vale, a saber, Lajeado e Estrela, concentram 31% da população total e exercem centralidade na região, conforme o Quadro 1. Esses dois municípios também concentram importantes instituições de pesquisa e de ensino, centros de formação de mão de obra, comunicações e serviços de saúde.
Município | População | % | Área (km²) | Densidade (hab./km²) | ||
1º | Lajeado | 71445 | 21,80 | 91,31 | 782,41 | |
2º | Estrela | 30619 | 9,34 | 184,27 | 166,17 | |
3º | Teutônia | 27272 | 8,32 | 178,52 | 152,76 | |
4º | Taquari | 26092 | 7,96 | 349,97 | 74,56 | |
5º | Encantado | 20510 | 6,26 | 140,01 | 146,49 | |
6º | Arroio do Meio | 18783 | 5,73 | 157,58 | 119,20 | |
7º | Cruzeiro do Sul | 12320 | 3,76 | 154,96 | 79,50 | |
8º | Bom Retiro do Sul | 11472 | 3,50 | 102,33 | 112,11 | |
9º | Roca Sales | 10284 | 3,14 | 208,63 | 49,29 | |
10º | Arvorezinha | 10225 | 3,12 | 270,24 | 37,84 | |
11º | Paverama | 8044 | 2,45 | 171,86 | 46,80 | |
12º | Progresso | 6163 | 1,88 | 256,04 | 24,07 | |
13º | Anta Gorda | 6073 | 1,85 | 242,26 | 25,07 | |
14º | Santa Clara do Sul | 5697 | 1,74 | 86,75 | 65,67 | |
15º | Muçum | 4791 | 1,46 | 111,25 | 43,07 | |
16º | Putinga | 4141 | 1,26 | 205,12 | 20,19 | |
17º | Tabaí | 4131 | 1,26 | 94,75 | 43,60 | |
18º | Ilópolis | 4102 | 1,25 | 118,14 | 34,72 | |
19º | Marques de Souza | 4068 | 1,24 | 125,43 | 32,43 | |
20º | Fazenda Vilanova | 3697 | 1,13 | 84,79 | 43,60 | |
21º | Dois Lajeados | 3278 | 1,00 | 133,54 | 24,55 | |
22º | Nova Bréscia | 3184 | 0,97 | 102,99 | 30,91 | |
23º | Imigrante | 3023 | 0,92 | 73,59 | 41,08 | |
24º | Westfália | 2793 | 0,85 | 43,64 | 64,00 | |
25º | Capitão | 2636 | 0,80 | 73,97 | 35,64 | |
26º | Forquetinha | 2479 | 0,76 | 93,48 | 26,52 | |
27º | Colinas | 2420 | 0,74 | 58,03 | 41,70 | |
28º | Travesseiro | 2314 | 0,71 | 80,68 | 28,68 | |
29º | Sério | 2281 | 0,70 | 99,74 | 22,87 | |
30º | Relvado | 2155 | 0,66 | 123,35 | 17,47 | |
31º | Doutor Ricardo | 2030 | 0,62 | 107,98 | 18,80 | |
32º | Poço das Antas | 2017 | 0,62 | 67,57 | 29,85 | |
33º | Vespasiano Correa | 1974 | 0,60 | 113,62 | 17,37 | |
34º | Pouso Novo | 1875 | 0,57 | 105,36 | 17,80 | |
35º | Canudos do Vale | 1807 | 0,55 | 82,29 | 21,96 | |
36º | Coqueiro Baixo | 1528 | 0,47 | 112,44 | 13,59 | |
Totais | 327723 hab. | 100% | 4806,48 km² | 68,18 hab./km² |
Nos últimos anos, a densidade demográfica da região do Vale do Taquari tem superado o crescimento e a evolução do estado gaúcho. Com a maior concentração de população, encontra-se o município de Lajeado, com 782,41 habitantes/km². Na segunda posição, aparece Estrela com 166,17 habitantes/km². Registra-se que 26 dos 36 municípios do Vale têm densidade demográfica inferior a 50 habitantes/km².
O Vale do Taquari apresentou uma evolução média de 1% ao ano nos últimos 15 anos. Verificou-se um crescimento fora do normal no ano de 2009, onde a densidade cresceu 3,64%. Ainda de 2000 a 2015, Fazenda Vilanova aumentou sua densidade em 44,7% e Teutônia em 31,8%. Santa Clara do Sul, Tabaí e Lajeado são outros municípios que incrementaram em mais de 20% sua densidade demográfica. Em avaliação do período de 2000 até 2015, verificam-se 5 municípios com crescimento populacional superior a 20%, sendo Fazenda Vilanova com 44,69%, seguido de Teutônia (31,80%), Santa Clara do Sul (28,65%), Tabaí (25,18%) e Lajeado (22,38%). (AGOSTINI, 2017, p. 23).
Na economia regional, predominam as indústrias de transformação, com o maior número de estabelecimentos e de trabalhadores formais. Dentre os segmentos desse grupo, destacam-se a fabricação de produtos alimentícios, artefatos de couro, metalurgia, produtos de madeira e confecção de artigos de vestuário. De acordo com Agostini (2017), nos pequenos municípios se destaca o setor de agropecuária, enquanto nos municípios maiores, sobressaem-se as atividades ligadas à indústria e ao setor de comércio e serviços. Conforme dados da Federação de Economia e Estatística (FEE)1, o Vale do Taquari ocupa a 10ª posição no ranking estadual de maior renda per capita2, entre as 28 divisões setoriais do RS, provido, majoritariamente, pela indústria (6ª posição no ranking estadual), agropecuária (10ª posição) e comércio e serviços (9ª posição). (RIO GRANDE DO SUL, 2015).
Nesse cenário regional, integra-se o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, uma política pública nacional, que começa a impactar nos municípios brasileiros a partir do ano de 2009, conforme tratado na seção seguinte.
3 Programa habitacional Minha Casa Minha Vida
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) é um Programa do Governo Federal, lançado no Brasil, no ano de 2009, dentro do PAC, cuja finalidade é criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos, destinando-se, no momento de seu lançamento, a famílias com renda mensal de até R$ 5.000,00 (BRASIL, 2009). Para a definição dos beneficiários do PMCMV, são respeitadas, além das faixas de renda, as políticas estaduais e municipais de atendimento habitacional, priorizando-se, entre os critérios adotados, o tempo de residência ou de trabalho do candidato no município e a adequação ambiental e urbanística dos projetos apresentados (BRASIL, 2009).
A gestão administrativa do Programa é de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Regional, iniciado pelo extinto Ministério das Cidades, e operacionalizado por instituições financeiras autorizadas, como a Caixa Econômica Federal (CAIXA). Entre as premissas básicas do Programa estão: redução do déficit habitacional que, de acordo com o Ministério das Cidades, em 2008, superava os cinco milhões de residências, estando 89% do déficit entre famílias que possuem renda de até três salários mínimos; distribuição de renda e inclusão social; e dinamização do setor de construção civil e geração de trabalho e renda (BRASIL, 2011).
O modelo adotado pelo Programa foi inspirado em políticas habitacionais que já vinham sendo implementadas no Brasil e em outros países da América Latina, desde a década de 1960, e representou uma grande mudança no padrão instituído pelas políticas habitacionais do passado, como o “modelo BNH”, por exemplo. O Banco Nacional da Habitação (BNH) foi criado no ano de 1964, logo após o início do regime militar, com o objetivo de financiar a aquisição de casa própria para famílias de baixa renda. Não distante das premissas que regem o PMCMV, o modelo BNH foi desenvolvido com o intuito de sanar o déficit habitacional existente, que crescia com o processo de urbanização acelerado (ARRETCHE, 1990; AZEVEDO; ANDRADE, 1982 apudLOUREIRO; MACÁRIO; GUERRA, 2013).
Para que o PMCMV pudesse atingir seus objetivos, fez-se necessário viabilizar a produção de uma quantidade expressiva de novas moradias, num curto espaço de tempo. Essa decisão influenciou diretamente sobre o padrão de inserção dos empreendimentos no perímetro urbano dos municípios, devido à urgência do poder público e das construtoras em popularizar o Programa, desconsiderando-se aspectos importantes referentes à qualidade urbanística no entorno dos empreendimentos (ROLNIK et al., 2015).
De modo geral, essas políticas de habitação promoveram um modelo de inclusão pelo consumo, em que a moradia destinada à população de baixa renda seria alcançada por meio de relações de mercado, e uma oportunidade de negócio para empresas privadas. Assim, como no PMCMV, as políticas habitacionais tiveram como características fundamentais a produção em grande escala, por empresas privadas, e a concessão de subsídios governamentais diretos ao comprador, para viabilizar a compra dos imóveis por grupos que, historicamente, estariam fora do mercado (RODRIGUEZ; SUGRANYES, 2005 apudROLNIK et al., 2015). Constituem-se em diretrizes do Programa:
a) fomento à oferta de unidades habitacionais por meio da construção de novas moradias; b) integração a outras intervenções ou programas das demais esferas do governo; c) integração e outras ações que possibilitem a sustentabilidade do projeto e promovam a inclusão social dos beneficiários; d) reserva de 3% das unidades habitacionais para atendimento a idosos, em atenção ao Estatuto do Idoso; e) atendimento aos portadores de deficiências físicas, através da adoção de projetos e soluções técnicas que eliminem barreiras arquitetônicas e urbanísticas; f) compatibilização de projetos com a área de intervenção quando estes sejam destinados a atender comunidades tradicionais como os povos indígenas ou quilombolas; g) adoção de padrões mínimos de habitabilidade e salubridade, devendo estar assegurados o acesso por via pública, acesso a equipamentos e serviços públicos, soluções de abastecimento de água e esgotamento sanitário e ligação de energia elétrica; h) observância à legislação urbanística; e i) atendimento prioritário à mulher responsável pelo domicílio (BRASIL, 2009, texto digital).
A meta inicial do Programa era produzir um milhão de moradias. Segundo UN-Habitat (2013 apudGONÇALVES JUNIOR et al., 2014), mais de 40% dos contratos firmados pelo PMCMV, durante o primeiro ano do Programa, ocorreram em cidades de porte médio3, com população entre 100 e 250 mil habitantes. Essas cidades têm características importantes para o sucesso do Programa, como demanda por residências, disponibilidade de terrenos a preços mais acessíveis, além de possuírem o setor da construção civil, relativamente bem estruturado (GONÇALVES JUNIOR et al., 2014). Nesse cenário, pode-se considerar que o PMCMV estimula a economia, não só nas grandes cidades, o que contribui para a descentralização do crescimento.
Atualmente, o PMCMV atende quatro faixas de renda distintas, com metas, mecanismos de contratação e subsídios financeiros diferentes. O Quadro 2 sintetiza as quatro faixas de financiamento do Programa:
Renda Familiar Mensal | Faixa do PMCMV | Característica |
Até R$ 1.800,00 | Faixa 1 | Valor do imóvel subsidiado em até 90%. Pago em até 10 anos com prestações de, no máximo, R$ 270,00, sem juros. |
Até R$ 2.600,00 | Faixa 1,5 | Subsídio de até R$ 47.500,00, com juros de 5% ao ano. |
Até R$ 4.000,00 | Faixa 2 | Subsídio de até R$ 29.000,00, com juros de 6% a 7% ao ano. |
Até R$ 9.000,00 | Faixa 3 | Financiamentos com juros de 8,16% ao ano. |
A Faixa 1 é destinada ao atendimento de famílias com renda mensal de até R$ 1.800,00 e a indicação da demanda para empreendimentos imobiliários é feita pelo governo local. Nessa faixa, os valores pagos pelos beneficiários correspondem a uma parcela muito pequena do custo individual das unidades e as famílias beneficiadas responsabilizam-se por efetuar pagamentos mensais ao longo de um período de 10 anos. A construtora contratada para realizar a execução do projeto é remunerada diretamente pelo Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que recebe subsídio do Orçamento Geral da União (OGU), para arcar com os custos do Programa. Dessa forma, a construtora não se sujeita ao risco de inadimplência dos beneficiários e não participa da negociação dos imóveis. Para essa faixa de renda há também a modalidade “Entidades”, em que as organizações representativas de movimentos de moradia, como por exemplo, cooperativas habitacionais, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos, responsabilizam-se pela construção dos empreendimentos e pela indicação dos beneficiários. Nessa modalidade, o financiamento é feito pelo Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). (ROLNIK et al., 2015).
A Faixa 1,5 do Programa é destinada às famílias com renda de até R$ 2.600,00. A Faixa 2 do PMCMV atende às famílias com renda mensal de até R$ 4.000,00, e a Faixa 3, famílias com renda mensal de até R$ 9.000,00 (SISHAB, 2020). Nessas faixas, que integram o chamado “mercado popular”, em que são comercializados imóveis como fundos de investimentos e não somente como uma necessidade básica de moradia, a construtora figura como incorporadora da operação, responsabilizando-se pela comercialização das unidades e firmando os contratos de compra e venda com os beneficiários. O financiamento para a compra das unidades é concedido pela CAIXA, com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) (ROLNIK et al., 2015).
Registra-se que o presidente Jair Messias Bolsonaro sancionou a Lei nº 14.118, em 12 de janeiro de 2021, substituindo o PMCMV pelo Programa Casa Verde e Amarela, para financiar a construção e pequenas reformas de residências para famílias com até R$ 7.000,00 de renda mensal, na área urbana, e com até R$ 84.000,00 de renda ao ano, na área rural.
Depois de conhecer um pouco mais sobre o PMCMV, descreve-se o procedimento metodológico empregado durante a investigação.
4 Metodologia do estudo
O primeiro passo foi definir o objeto da investigação, ou seja, o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida e, a partir desse, o problema de estudo: Qual é a relevância do PMCMV para o município de Lajeado/RS? Para atingir o objetivo de investigar a relevância desse Programa em Lajeado, realizou-se uma pesquisa com abordagem quanti-qualitativa, pois consistiu-se na análise de dados estatísticos acerca do desenvolvimento econômico da região do Vale do Taquari, bem como, da exploração de particularidades acerca do tema e sua representatividade nesse cenário. Dal-Farra e Lopes (2013, p. 71), elucidam que:
[...] os estudos quantitativos e qualitativos possuem, separadamente, aplicações muito profícuas e limitações deveras conhecidas, por parte de quem os utiliza há longo tempo. Por esta razão, a construção de estudos com métodos mistos pode proporcionar pesquisas de relevância com corpus organizado de conhecimento, desde que os pesquisadores saibam identificar com clareza as potencialidades e as limitações no momento de aplicar os métodos em questão.
Nesse sentido, um dos procedimentos adotados foi a pesquisa bibliográfica, através da qual se buscaram informações atualizadas sobre o tema, em legislação específica, teses, dissertações e artigos, de referências nacionais e internacionais. Portanto, utilizou-se de materiais já publicados, conforme Gil (2017). Além disso, fez-se um levantamento de dados sobre a temática, em sites de agências especializadas.
Também foram realizadas entrevistas com três agentes locais, para deliberar sobre a relevância do PMCMV, no que tange a questões econômicas, políticas e sociais, sob a perspectiva do cenário regional. De acordo com Gil (2017, p. 117), a entrevista “é a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obter dados que lhe interessam à investigação”. Para serem consideradas válidas e seguirem o método protocolizado, as entrevistas foram realizadas em quatro etapas: 1) seleção das pessoas, que deveriam ser pessoas-chave e informantes-líderes; 2) elaboração do roteiro de entrevista; 3) coleta de informações (com o uso do gravador, com a autorização prévia e garantia do anonimato e da fidelidade na reprodução das palavras do entrevistado no trabalho final) e 4) análise dos resultados (interpretação, análise e comparação).
Então, inicialmente, foram definidos cinco potenciais entrevistados, escolhidos pelo critério de representatividade no município de Lajeado, seja pela prestação de serviços ou pela participação na gestão pública municipal. Todavia, em função da pandemia da covid-19, foi necessário reduzir o quantitativo de agentes locais para entrevista, de cinco para três. O perfil dos entrevistados e as datas das entrevistas realizadas estão descritos no Quadro 3:
Entrevistado | Formação | Tipo de agente | Cargo | Data da entrevista |
E1 | Arquiteto Urbanista | Público | Secretário Municipal de Planejamento | 18/11/2020 |
E2 | Direito | Privado | Registrador de Imóveis Emérito | 19/11/2020 |
E3 | Assistente Social | Público | Secretário Municipal de Habitação | 07/12/2020 |
Para preservar a identidade dos três entrevistados, estes foram identificados como E1, E2 e E3, neste artigo. A aplicação das entrevistas, com questões semiestruturadas e de caráter exploratório, ocorreu de forma presencial, no período de 18 de novembro a 7 de dezembro de 2020, respeitando-se todos os protocolos de segurança necessários e impostos pela pandemia da covid-19. Segundo Gil (2017, p. 120), numa entrevista semiestruturada, "o entrevistador permite ao entrevistado falar livremente sobre o assunto, mas, quando este se desvia do tema original, esforça-se para a sua retomada”. Nesse sentido, foi elaborado um roteiro de entrevista base, conforme descrito no Quadro 4:
Entrevistado | Questões prévias |
E1 | 1) Qual a sua percepção sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e os maiores benefícios deste para a sociedade em geral? 2) O programa cumpre a função de política habitacional de forma plena, principalmente no que condiz ao direito à moradia de todos cidadãos de Lajeado? 3) Nos grandes polos regionais, como por exemplo os municípios de Caxias do Sul e Passo Fundo, os empreendimentos do Programa enfrentam problemas de implementação, tais como construção de empreendimentos em áreas periféricas sem acesso a infraestrutura de transportes, escolas, lazer, etc. Você percebe isto aqui no município? |
E2 | 1) Qual a sua percepção sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e os maiores benefícios deste para a sociedade em geral? 2) Na sua opinião, qual a relevância do Programa Minha Casa Minha Vida sob a perspectiva do Direito? |
E3 | 1) Qual a sua percepção sobre o Programa Minha Casa Minha Vida e os maiores benefícios deste para a sociedade em geral? 2) Como você avalia a implementação do Programa no Município de Lajeado e no cenário regional? |
Após descrever os procedimentos metodológicos empregados durante a pesquisa, na próxima seção são analisados e discutidos os dados estatísticos levantados e os resultados obtidos nas entrevistas com os três agentes locais do PMCMV, à luz do referencial teórico deste artigo.
5 Análise e discussão dos resultados
Os dados da pesquisa quanti-qualitativa revelam que o Vale do Taquari, região localizada a 120 km da capital Porto Alegre, engloba 36 municípios e apresenta uma densidade demográfica superior à do RS, ou seja, 68,18 habitantes/km². O estudo realizado indica que há uma alta taxa de migração populacional direcionada aos centros urbanos e Lajeado se caracteriza como um importante centro regional, sendo a cidade com maior número de habitantes, seguida dos municípios de Estrela, Teutônia, Taquari e Encantado. Esses municípios representam grande parte da economia regional, em que predominam as indústrias de transformação, com o maior número de estabelecimentos e trabalhadores formais.
Nesse cenário surge o PMCMV, no ano de 2009. Esse Programa do Governo Federal trouxe reflexos aos municípios brasileiros e, neste artigo, aborda-se a relevância desse Programa no município de Lajeado. As três entrevistas realizadas, com agentes públicos ou privados, contribuíram para discutir a relevância do PMCMV, acerca da implementação de projetos habitacionais em Lajeado, no sentido de observar a funcionalidade do Programa em relação à oferta de moradias e à demanda de trabalho na região do Vale do Taquari.
Ao ser questionado sobre a importância da implementação do Programa e seus benefícios para a sociedade em geral, o E1 considera o PMCMV um recurso importante para a provisão de moradias às famílias de baixa renda, que não teriam condições de investir em imóvel próprio, através da iniciativa privada. Aponta ainda que o Programa vem ao encontro de uma demanda existente e que há uma preocupação muito grande em assegurar que esses imóveis apresentem um padrão de construção com qualidade. Essas considerações coadunam com os propósitos do Programa, no sentido de garantir que sejam respeitados padrões mínimos de habitabilidade e salubridade na execução dos empreendimentos (BRASIL, 2009). O posicionamento de E2 também se relaciona com o de E1 e com a legislação federal sobre o tema, quando diz que o Programa consolida o direito fundamental à moradia, indica a possibilidade do acesso à casa própria como um ponto positivo e reitera sua importância, citando o princípio da dignidade da pessoa humana, garantido constitucionalmente (BRASIL, 1988).
Já o E3 afirma que o maior benefício social do Programa é a oferta do imóvel próprio e que a referência de pertencimento a um espaço territorial individual contribui para a eficácia do espaço coletivo. Essa opinião vai ao encontro da manifestação do E2, quando diz: “[...] não dá para esquecer o aspecto cultural, especialmente na nossa região, que é ter a propriedade. Ser proprietário da sua casa ou apartamento. Isto culturalmente diz muito. Tem outras culturas que o direito de propriedade não tem essa relevância que tem para nós [...]. ”
Com o objetivo de compreender o Programa enquanto política pública de habitação, foi questionado aos entrevistados qual sua interpretação acerca desse assunto e suas considerações gerais a respeito, considerando sua percepção em relação ao cenário regional. O E1 afirma que, de forma geral, o Programa entrega o que se propõe, que é a provisão de moradias a um custo acessível, disponível para os cidadãos de baixa renda. Aponta certa dificuldade na gestão desses empreendimentos, especialmente quando se tratam de condomínios com muitas famílias. Porém, afirma que o valor desses empreendimentos se torna imensurável quando comparado ao benefício social entregue aos seus residentes.
No Brasil, o direito à moradia é garantido no artigo 6º da Constituição brasileira, cuja redação foi alterada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, p. 18). Esse direito social, garantido constitucionalmente, somado à intenção de promover o desenvolvimento urbano e o direito à cidade a todos os cidadãos através da inclusão de setores até então excluídos pela sociedade, foi a premissa para a criação do Ministério das Cidades, no ano de 2003. Sua missão era:
Melhorar as cidades, tornando-as mais humanas, social e economicamente justas e ambientalmente sustentáveis, por meio de gestão democrática e integração das políticas públicas de planejamento urbano, habitação, saneamento, mobilidade urbana, acessibilidade e trânsito de forma articulada com os entes federados e a sociedade. (BRASIL, 2003, texto digital).
O E2 considera o PMCMV uma iniciativa bastante positiva, no entanto, questiona sua sustentabilidade no sentido de que, para se ter sucesso, o beneficiário seja capaz de honrar o seu compromisso até que seja quitada sua dívida. “Se a economia não andar bem e o beneficiário ficar impossibilitado de pagar, ele acabará perdendo o seu direito de propriedade”. Nesse sentido, o E2 entende que, sob uma perspectiva socializante, o Estado teria de bancar uma parte significativa dessas habitações, para quem não tem condições de pagar. Dados do Sistema de Habitação (SISHAB) do Ministério do Desenvolvimento Regional ratificam o pensamento do E2, no que condiz à preocupação com a sustentabilidade do Programa, pois entre os anos de 2009 e 2020 foram entregues 1,5 milhão de unidades habitacionais na Faixa 1, enquanto as demais faixas somaram 3,8 milhões de unidades (SISHAB, 2021).
Esses valores não seguem a mesma proporcionalidade quando se compara os dados referentes aos distratos contratuais. De acordo com o SISHAB (2021), quase 100 mil beneficiários da Faixa 1 interromperam seu processo de obtenção da casa própria, enquanto são registradas apenas pouco mais de 5 mil ocorrências referentes às contratações nas Faixas 1,5; 2 e 3. Ainda sobre a sustentabilidade do Programa, o E2 cita a estratégia governamental de estímulo da economia promovida através da primeira fase do PAC 1, que reduziu os tributos para diversos setores e encorajou o investimento da população em diversos bens de consumo. Nesse sentido, o E2 afirma que:
[...] além do acesso a casa própria, as pessoas foram estimuladas ou tiveram linhas de crédito para adquirir bens, automóvel novo, geladeira, fogão...O que aconteceu? As pessoas acharam que estavam no paraíso, por que passaram a ter acesso a bens que antes não tinham, mas, por outro lado, elas se endividaram demasiadamente e quando veio a crise econômica isso atingiu em cheio a possibilidade, a capacidade dessas pessoas pagarem, cumprirem as obrigações que assumiram.
O E2 ainda complementa que:
[...] a Caixa Econômica Federal tem um mecanismo jurídico, que é próprio da alienação fiduciária, que se a pessoa não pagar até tal data, se não purgar a mora, a Caixa vai lá e tira o imóvel e vende num leilão para outra pessoa. Aí nós estamos falando do direito de propriedade. A pessoa quando ela adquiriu a casa, financiada pelo Programa, ela financiou se valendo do sistema e deu em garantia pra Caixa via alienação fiduciária. O que significa isso: ela comprou, se tornou proprietária, ela alienou pra Caixa. É como se ela estivesse, entre aspas, vendendo pra Caixa para o banco ter a propriedade desta casa ou apartamento enquanto ela tiver pagando. Concluindo o pagamento, a Caixa devolve o direito de propriedade então para esta pessoa. Se a pessoa não consegue pagar, a Caixa fica com esse imóvel, faz o leilão e vende adiante.
Diante desse contexto, vale destacar a importância da implementação de políticas públicas destinadas ao incentivo à geração de emprego junto à economia local, pois, dessa forma, o beneficiário terá sua fonte de renda próxima ao seu lugar de moradia. Além disso, com a garantia de emprego também há a garantia da posse do imóvel, pois os beneficiários terão condições de arcar com o compromisso jurídico, firmado junto ao agente financeiro, no ato de assinatura do contrato de financiamento, assegurando assim, o direito de propriedade, observado na fala do E2. Ainda que o processo de financiamento do bem próprio, às famílias de baixa renda, seja facilitado, é preciso ponderar que se torna necessária uma revisão no PMCMV, a fim de reduzir incompatibilidades entre o acesso ao Programa e o deferimento do financiamento pelas partes interessadas.
O E3 entende que o Programa gerou um impacto extremamente positivo, visto que, só no município de Lajeado, 448 famílias de baixa renda foram contempladas com a moradia própria e que no cenário regional foi igualmente positivo, pois viabilizou a oferta do bem próprio. Em levantamento datado de março de 2018, conforme dados da Caixa Econômica Federal4, 288 famílias enquadradas na Faixa 1, receberam seu imóvel no Residencial Novo Tempo I (Bairro Santo Antônio), enquanto 160 famílias foram alocadas no Residencial Novo Tempo II (localizado no mesmo bairro), totalizando um montante de R$ 26.880.000,00, em investimentos na execução desses empreendimentos, em Lajeado. Esse expressivo valor de investimento vai ao encontro de uma das diretrizes do PMCMV (BRASIL, 2011), que é o estímulo ao setor da construção civil, gerando emprego e renda para o município de Lajeado e para a região do Vale do Taquari.
Os dois empreendimentos imobiliários estão situados na divisa com os bairros Santo Antônio e Jardim do Cedro, bairros tradicionalmente operários da cidade de Lajeado, em terrenos doados pela prefeitura. São 28 prédios, com 16 apartamentos cada, totalizando 448 unidades habitacionais verticais. Todos os blocos são idênticos e a tipologia é a mesma para todas as unidades: 40 m², dois quartos, um banheiro e uma sala-cozinha (SY, 2018). Os dois conjuntos habitacionais foram objetos de dois contratos para a construção entre a administração municipal, a Caixa Econômica Federal e a construtora ALM Engenharia, de Venâncio Aires/RS, vencedora da licitação.
O Residencial Novo Tempo I está integralmente cercado, possui área verde e conta com um salão de festas, duas pracinhas com brinquedos, dois quiosques com churrasqueiras, duas áreas de estacionamento, uma guarita e um portão de entrada. Já o Residencial Novo Tempo II é cercado e conta com uma guarita, uma pracinha com brinquedos, um salão de festas de aproximadamente 30m², um espaço com churrasqueiras, um espaço verde em ambos os lados da rua pavimentada e uma rua central que serve de estacionamento, distribuída entre os diferentes blocos (SY, 2018).
Como Lajeado é considerado um município de grande representatividade econômica para a região do Vale do Taquari, que recebe anualmente um contingente de famílias que buscam melhores condições de trabalho nessa cidade, foi questionado ao E1, enquanto representante da secretaria municipal de planejamento, seu entendimento acerca das condições de infraestrutura para a recepção de projetos habitacionais, considerando o território do município e seu desenvolvimento urbano. Nesse sentido, o E1 diz:
A busca por terrenos mais econômicos, de tamanhos adequados para a implementação dos empreendimentos, ela naturalmente leva um pouco mais para os arredores da cidade. Dificilmente se vai conseguir implementar o Minha Casa Minha Vida em bairros mais nobres e com valores de terrenos muito altos [...].
A fala do E1 coincide com a percepção do E2, quando este afirma que:
Nos grandes centros, os grandes conglomerados do Programa Minha Casa Minha Vida foram construídos além da periferia, sem serviço público, infraestrutura, sem observar necessariamente as questões ambientais. Portanto foram criadas, de certa forma, novas cidades em que estas pessoas foram estimuladas a ir para lá, e chegando elas não tinham transporte público e uma série de serviços que em vez de melhorar a vida delas, sob alguns aspectos, piorou. Se por um lado elas tiveram onde morar, por outro tiveram dificuldades de locomoção, encareceu, pois, necessitavam utilizar dois ou mais meios de transporte e assim por diante [...].
Portanto, ambos os entrevistados demonstram preocupação com o desenvolvimento desses empreendimentos no perímetro urbano do município de Lajeado, porém, acreditam que a implementação dos mesmos na região não sofra tanto com os problemas encontrados em grandes centros urbanos, conforme destacado por E2. Nesse sentido, cabe ressaltar a percepção de ROLNIK et al. (2015, p.128) sobre essas dificuldades, observadas, principalmente, na implementação de empreendimentos próximos a regiões metropolitanas:
[...] o programa não levou em conta a dimensão territorial como um aspecto relevante de uma política habitacional orientada para a universalização do acesso à moradia em condições adequadas, tendo negligenciado o enfrentamento do problema da segregação sócio espacial em função da renda nas cidades brasileiras. Pelo contrário, verificou-se que a sistemática do programa, atribuindo um protagonismo na concepção das operações às construtoras privadas, que geralmente se incumbem da elaboração de projetos e da escolha de terrenos, incentivou a proliferação de grandes conjuntos em lugares onde o custo da terra é o mais baixo possível – uma condição fundamental para a rentabilidade das operações –, reiterando um padrão histórico de ocupação do território onde o assentamento da população pobre é feito prioritariamente em periferias precárias e mal equipadas.
Ainda sobre essa questão, o E1 salienta que com o novo plano diretor5 de Lajeado, vigente desde 2020, buscou-se a valorização das áreas periféricas através do incentivo à instalação de pontos de comércio e serviços, fazendo com que as pessoas valorizem o espaço e busquem soluções cotidianas, sem a necessidade de deslocamento ao centro, como é feito atualmente.
Os entrevistados indicam que, além das questões territoriais acerca da implementação dos projetos de habitação, também há uma relevância social e cultural do Programa, visto que a oferta de moradias traz aos beneficiários uma sensação de pertencimento ao lugar, o que é corroborado na fala do E1:
[...] é um trabalho que não é simplesmente de uma secretaria de planejamento ou de uma secretaria de obras, que envolve muito a questão social e cultural e essa relação ela é muito importante, tu preparares as pessoas que vão receber este benefício de maneira a elas entenderem que, sim, elas estão recebendo, mas que isso teve seu valor e que ela tem de entender que para elas aquilo também tem um valor muito forte [...].
O senso de pertencimento de lugar é um conceito amplamente discutido na área de Arquitetura e pode ser definido como um processo de ligação psicológica do indivíduo com o espaço onde está inserido (TUAN, 1983). Esse autor aborda a importância dessa questão em sua obra intitulada Espaço e Lugar – A Perspectiva da Experiência, afirmando nela que:
[...] a experiência implica a capacidade de aprender a partir da própria vivência. Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele. O dado não é conhecido em sua essência. O que pode ser conhecido é uma realidade que é um constructo da experiência, uma criação de sentimento e pensamento. (TUAN, 1983, p. 10).
Ante o exposto, é possível afirmar que os três entrevistados concordam que o PMCMV é de grande relevância para o município de Lajeado. Todos enaltecem a grandiosidade do Programa, apontam suas qualidades e suas deficiências, mas são unânimes em afirmar que o PMCMV atende seu maior objetivo, que é a provisão de moradias de modo acessível à grande parcela da população do município.
6 Considerações finais
Este artigo se propôs a investigar a relevância do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, para o município de Lajeado/RS. O Vale do Taquari se apresenta como uma região de oportunidades, trazendo cada vez mais a população do campo para habitar os centros urbanos. Lajeado se estabelece nesse cenário como um polo regional de grande relevância para a economia do RS, abrigando grandes centros de produção, logística privilegiada, mão de obra qualificada e instituições acadêmicas reconhecidas nacionalmente. A procura por melhores oportunidades gera uma expressiva demanda por imóveis na cidade, fato que, por si só, torna-se positivo para a implementação de empreendimentos habitacionais no município.
O estudo tem sua relevância para melhoria do Programa no que se refere à prestação de contas do gasto público para a população, a distribuição de renda a partir do setor de construção civil e a melhoria do fluxo do seu processo administrativo. O PMCMV é um programa social criado para diminuir o déficit habitacional e estimular o crescimento da indústria da construção civil, gerando emprego e renda. Suas diretrizes se propõem a implementar estratégias de desenvolvimento social, através de ações que visam o crescimento econômico do país. Nesse sentido, é possível afirmar que o Programa trouxe inúmeros benefícios à sociedade, sendo o principal deles a possibilidade de acesso à casa própria pelas famílias de baixa renda e, por consequência, o sentimento de pertencimento a um lugar, ou seja, a possibilidade de inclusão social dos beneficiários.
É notória a baixa efetividade do Programa no que condiz aos imóveis acessíveis aos beneficiários correspondentes à Faixa 1. Há apenas dois empreendimentos no município de Lajeado, Residencial Novo Tempo I e Residencial Novo Tempo II, que atendem à demanda de famílias que dependem, exclusivamente, do subsídio governamental para aquisição do imóvel próprio. Nesse caso, vale salientar que o PMCMV não cumpriu com o seu pleno propósito, permitindo que famílias com maior poder aquisitivo fossem beneficiadas em um número mais expressivo do que as que realmente necessitam do Programa.
A preocupação com a localização dos empreendimentos na malha urbana, principalmente, no que diz respeito às condições de infraestrutura e de acesso desses empreendimentos no município, também se mostrou relevante nesta pesquisa. Nas entrevistas com agentes locais públicos, pode-se verificar que há uma forte preocupação da municipalidade em garantir as melhores condições para os beneficiários do Programa, especialmente com o novo plano diretor de Lajeado, buscando-se oferecer condições mínimas de habitabilidade e salubridade, por meio de uma melhor qualidade urbanística no entorno dos empreendimentos do PMCMV.
O tema surgiu a partir de uma inquietação dos pesquisadores acerca da implementação dos empreendimentos e evoluiu para uma análise do cenário econômico da região do Vale do Taquari, observando-se que Lajeado tem requisitos para ofertar moradia adequada aos seus munícipes, de forma ordenada e com condições de infraestrutura favoráveis ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, indicam-se como estudos futuros, a investigação da relevância do PMCMV, ouvindo-se beneficiários diretos do Programa, e a análise comparativa do PMCMV entre regiões do RS.
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Notas
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