Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na Região do Jalapão-TO
Social Capital and Sustainable Development in the Region of Jalapão-TO
Capital social y Desarrollo Sostenible en la Región de Jalapão-TO
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 27, 2022
Universidade de Santa Cruz do Sul

Artigos


Recepción: 20 Septiembre 2021

Aprobación: 02 Junio 2022

DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v27i1.17011

Resumo: O capital social refere-se a atributos sociais, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para a eficiência da sociedade e é apontado por diversos pesquisadores como um dos possíveis determinantes das disparidades nos níveis de desenvolvimento entre regiões, bem como uma ferramenta para a consecução deste. Neste contexto, o objetivo desta pesquisa foi verificar se o capital social, presente na região do Jalapão-TO, pode ser considerado como uma das causas para o baixo nível de desenvolvimento dos municípios. Para tanto foi feito um estudo qualitativo baseado em pesquisa bibliográfica, documental e entrevistas semiestruturadas junto aos atores-chave da região elencados no Zoneamento Ecológico e Econômico do estado do Tocantins. Os resultados mostram que há debilidade no capital social na localidade, pois a confiança entre eles tem diminuído nos últimos anos, bem como seu interesse em participar da gestão e dos projetos governamentais, enquanto eles mesmos pouco se organizam para agir coletivamente. Entretanto, o atual estado dos indicadores de capital social na região é resultado de anos de projetos infrutíferos e pouco orientados, assim, ainda é possível incluir e integrar os sujeitos da região, lhes ampliando as oportunidades econômicas e sociais.

Palavras-chave: Capital social, Desenvolvimento Sustentável, Jalapão, Participação Política.

Abstract: Social capital refers to social attributes, such as trust, norms and systems, which contribute to the efficiency of society and mentioned by several researchers as one of the possible determinants of disparities in levels of development between regions, as well as a tool for achieving this. In this context, the objective of this research was to verify if the social capital, present in the region of Jalapão-TO, could be consider as one of the causes for the low level of development of the cities. Therefore, a qualitative study was conducted based on bibliographical research, documentary and semi-structured interviews with key actors in the region listed in the Ecological and Economic Zoning of the state of Tocantins. The results show that there is a weakness in social capital in the region, as trust between them has diminished in recent years, as well as their interest in participating in government management and projects, while they themselves are few organized to act collectively. However, the current state of social capital indicators in the region is the result of years of fruitless and poorly oriented projects, thus, it is still possible to include and integrate the subjects of the region, expanding their economic and social opportunities.

Keywords: Social capital, Sustainable development, Jalapão, Political Participation.

Resumen: El capital social se refiere a atributos sociales, como la confianza, las normas y los sistemas, que contribuyen a la eficiencia de la sociedad y es señalado por varios investigadores como uno de los posibles determinantes de las disparidades en los niveles de desarrollo entre regiones, así como un herramienta para lograr esto. En este contexto, el objetivo de esta investigación fue verificar si el capital social, presente en la región de Jalapão-TO, puede ser considerado como una de las causas del bajo nivel de desarrollo de las ciudades. Por ello, se realizó un estudio cualitativo a partir de la investigación bibliográfica, documental y entrevistas semiestructuradas con actores clave de la región enumerados en la Zonificación Ecológica y Económica del estado de Tocantins. Los resultados muestran que existe una debilidad en el capital social en la región, ya que la confianza entre ellos ha disminuido en los últimos años, así como su interés en participar en la gestión y proyectos gubernamentales, mientras que ellos mismos están poco organizados para actuar colectivamente. Sin embargo, el estado actual de los indicadores de capital social en la región es el resultado de años de proyectos infructuosos y mal orientados, por lo que aún es posible incluir e integrar a los sujetos de la región, ampliando sus oportunidades económicas y sociales.

Palabras clave: Capital social, Desenvolvimiento sustentable, Jalapão, Participacion politica.

1 Introdução

A concepção do desenvolvimento esteve atrelada, durante muito tempo, ao crescimento econômico, sendo este tido como o processo de aumento da renda dos países e seus habitantes, ou seja, incremento do produto nacional bruto e per capita. Contudo, esse arcabouço não considera um fator importante: crescimento não gera automaticamente distribuição de renda. O entendimento de que era necessário atingir o crescimento para então galgar o desenvolvimento, ‘primeiro fazer crescer o bolo para depois dividir as fatias’, ocasionou uma série de problemas políticos, ambientais e sociais. Diante do aumento da pobreza e da desigualdade social, passou-se buscar a integração entre os conceitos de desenvolvimento econômico e qualidade de vida, a fim de escapar do “reducionismo economicista”. (SACHS, 2004, p.72).

Deste modo, nos últimos anos, o desenvolvimento tem deixado o tradicional viés que o equipara ao crescimento econômico, passando a incorporar novos elementos como fatores sociais, culturais e políticos que não se regulam exclusivamente pela mão invisível do mercado. Para Boisier (1997), a sociedade civil é o principal agente da transformação socioeconômica de uma região. Para este autor é necessário pensar o desenvolvimento para dentro e para fora, ou seja, as estratégias de desenvolvimento devem conciliar os processos de alocação de recursos exógenos, as políticas macroeconômicas e ser voltadas para o aproveitamento do capital social e recursos produtivos locais a fim de torná-los competitivos no mercado. O desenvolvimento regional resulta da capacidade de uma região internalizar e distribuir os excedentes gerados pelo crescimento econômico. A capacidade de organização é o fator que transformaria impulsos de crescimento econômico em desenvolvimento econômico (BOISIER, 1989).

O capital social, neste âmbito, refere-se às "conexões entre as redes sociais dos indivíduos e as normas de reciprocidade e confiabilidade que deles surgem," mas “à diferença de outras formas de capital, geralmente tem que ser gerado como subproduto de outras atividades sociais” (PUTNAM, 2000, p. 180). Ele é necessário para a formação e existência de empreendimentos solidários é reforçado e expandido em caso de novas conexões sociais. “Na Itália contemporânea, a comunidade cívica está estreitamente ligada aos níveis de desenvolvimento social e econômico. De modo geral, as regiões que hoje são cívicas são também prósperas, industrializadas e têm boas condições sanitárias” (Putnam, 2000, p. 162). Desta forma, uma região dotada de capital social ou estrategicamente orientada para desenvolvê-lo teria melhores condições de atingir um desenvolvimento sustentado e equilibrado.

Segundo Arraes e Barreto (2011) a importância do capital social como medida que avalia como os indivíduos estão dispostos a cooperar através de relações de confiança e reciprocidade tem ocupado significativo espaço nos estudos especializados que pretendem compreender os níveis de confiança existentes numa sociedade influenciam na eficiência institucional, produtiva e no desempenho das relações econômicas e sociais. Putnam (2000), demonstra que há forte correlação entre associações cívicas e instituições públicas eficazes. Quanto melhor o desempenho do governo regional numa dada região, maior a qualidade de seus governos locais, sendo, assim, possível afirmar que o desempenho governamental é determinado pelas tradições cívicas e pelo capital social. “Para a estabilidade política, para a boa governança e mesmo para o desenvolvimento econômico, o capital social pode ser mais importante até do que o capital físico ou humano [...]” (PUTNAM, 2000, p.192).

Neste contexto, a região objeto de estudo escolhida foi o Jalapão-TO, composta por 8 municípios, localizados no leste do estado do Tocantins, limítrofe a Bahia, Piauí e Maranhão. Ao longo dos anos foram executados diversos projetos de desenvolvimento na região, contudo seus indicadores socioeconômicos são baixos; há poucas pessoas empregadas e o número de famílias (não indivíduos) que recebe bolsa-família é superior ao total de pessoas que possuem trabalho (BRASIL, 2021), por exemplo. Assim, partindo-se do pressuposto que os obstáculos ao processo de desenvolvimento estão em boa medida relacionados à debilidade do capital social, cabe o seguinte questionamento: O capital social pode ser apontado como uma das causas para o atual nível de desenvolvimento da região do Jalapão-TO? Desta forma, esta pesquisa busca contribuir numa melhor compreensão acerca do binômio capital social e desenvolvimento regional sustentável, bem como na orientação de políticas públicas na região voltadas a promoção de um ambiente cooperativo entre os atores locais, pois assim como como assinala Bowles (2000, p. 420, tradução nossa): "Talvez o capital social, como o “Deus de Voltaire”, tivesse que ser inventado, se ele não existisse”.

2 A importância do Capital Social para o Desenvolvimento Regional Sustentável

O capital social é um elemento importante para o desenvolvimento regional? Do ponto de vista teórico, Sen (2013), ao atribuir importância as características cívicas, abre margem as teorias de capital social como contributivas ao processo de desenvolvimento, através da ampliação das capacidades humanas. Assim, a partir desta abordagem, este que também decorre da interação de atores ou agentes num ambiente de respeito as liberdades individuais, de grupos e institucionais que favorece a confiança e cooperação entre os agentes. Sen (2013, p.34) reforça que a concepção plural que coloca o ser humano enquanto “alguém que age e ocasiona mudanças” no processo de desenvolvimento.

Na concepção de Sachs (2004) o desenvolvimento regional sustentável é aquele capaz de conciliar a gestão ecológica prudente com os objetivos econômicos e sociais, ou seja, é voltado a qualidade de vida, desta e das futuras gerações, sendo que os mecanismos que favorecem esse processo são formas eficazes de atuação dos atores econômicos, ambientais, políticos e sociais (SACHS, 2004). Tapia (2005) ressalta que o sucesso do desenvolvimento dependente da articulação de forças do próprio território, do fator endógeno ligado à sociabilidade, “o "desenvolvimento a partir de dentro" é a melhor, se não for a única, oportunidade para o desenvolvimento [...]” (SACHS, 2004, p.70)

Francis Fukuyama (1995) corrobora ao afirmar que as nações e regiões mais prósperas em um futuro de livre mercado serão aquelas melhor preparadas para formar cidadãos e instituições mais dispostas a trabalhar colaborativamente. “A organização da sociedade local pode transformar o crescimento advindo dos desígnios centrais em efeitos positivos, ou melhor, em desenvolvimento para a região” (OLIVEIRA; LIMA, 2003, p.36). Por esta perspectiva, o desenvolvimento regional, de forma sustentável, requer o fortalecimento desses atores em determinada região, através de propostas que promovam, não apenas o indivíduo, mas a comunidade. O protagonismo dos atores, como pressuposto a teoria do desenvolvimento endógeno, que ao interagirem em laços de cooperação territorial, constituem o capital social de uma região (PIACENTI, 2016).

O capital social depende da confiabilidade do ambiente social, na extensão em que as obrigações realizadas são mantidas (COLEMAN, 1988). A confiança é o elemento básico de ethos e responsável pelo desempenho governamental, pois “a desconfiança generalizada no interior de uma sociedade impõe uma espécie de ônus sobre todas as formas de atividades econômicas, ônus que as sociedades de alto nível de confiança não têm de pagar” (FUKUYAMA, 1996, p. 43). Uma sociedade que pode contar com a reciprocidade entre seus membros é mais eficiente e pode realizar mais do que uma comunidade desconfiada, afinal “a confiabilidade lubrifica a vida social” (PUTNAM, 2015, p.17).

O desenvolvimento regional é um processo que envolve transformações econômicas, sociais e políticas e mudanças estruturais. Para que hajam estas mudanças é necessário que o ambiente de cooperação entre os atores seja organizado entorno do bem coletivo; “os objetivos são comuns, as ações são compartilhadas e os benefícios são distribuídos com equilíbrio por todo o sistema” (ARROYO, 2008, p.78). A cooperação visando a atingir objetivos propostos, a melhorar as relações sociais e a criar uma democracia verdadeira, mais inclusiva, é a chave para um processo de desenvolvimento sustentável.

Para Coleman (1994), Putnam (2000) e Bourdieu (1998), o capital social é produto das relações sociais entre diferentes grupos, organizações e instituições. Essas relações sociais precisam ser baseadas na confiança mútua, normas e hábitos e na capacidade de os indivíduos cooperarem entre si. Putnam (2000), demonstrou que há forte correlação entre associações cívicas e instituições públicas eficazes. Quanto melhor o desempenho do governo regional numa dada região, maior a qualidade de seus governos locais, sendo, assim, possível afirmar que o desempenho governamental é determinado pelas tradições cívicas e pelo capital social. “Para a estabilidade política, para a boa governança e mesmo para o desenvolvimento econômico, o capital social pode ser mais importante até do que o capital físico ou humano [...]” (PUTNAM, 2000, p.192). Lima Filho (2010) afirma que o capital social é:

[...] a argamassa que liga as instituições entre si e as vincula ao cidadão, visando ao desenvolvimento da localidade. É compreendido como um fator endógeno com fortes ligações entre pessoas, comunidades e instituições, além de ser primordial para o desenvolvimento das áreas que apresentam fortes indicadores de desigualdades sociais e econômicos (LIMA FILHO, 2010, p. 17).

Bandeira (1999, p.10) elenca alguns argumentos, inter-relacionados, para destacar “a importância da participação da sociedade civil e da articulação de atores sociais nas ações voltadas para a promoção do desenvolvimento, seja em escala nacional, seja regional ou local”, como a necessidade de consultar a comunidade nos projetos de promoção ao desenvolvimento, como forma de assegurar sua assertividade; a importância da sociedade civil atuante na vida pública e o papel desempenhado pela participação no processo de formação e consolidação das identidades regionais, que facilitam a construção de consensos básicos entre os atores sociais que são essenciais para o desenvolvimento. “O empoderamento das comunidades e a abertura de espaços para a democracia direta constituem a chave para as políticas de desenvolvimento” (SACHS, 2004, p. 62)

Neste contexto, ter um planejamento como ferramenta para desenvolvimento local é essencial, pois, a falta de envolvimento da comunidade configura um empecilho a adequada gestão e consecução de resultados. “ Para serem eficazes, estas estratégias devem dar respostas aos problemas mais pungentes e às aspirações de cada comunidade, superar os gargalos que obstruem a utilização de recursos potenciais e ociosos e liberar as energias sociais e a imaginação” (SACHS, 2004, p.61). Desta forma, fica evidente que uma estratégia política de desenvolvimento regional sustentável não pode ser voltada apenas para ações de cunho ortodoxo, ela deve procurar incentivar a formação e manutenção do estoque de capital social, com o Estado procurando reconhecer as competências regionais e fomentando a inovação por meio da cooperação (DINIZ; CROCCO, 2006).

A cooperação é condição essencial para a eficiência do processo produtivo garantindo trabalho e renda às populações vulnerabilizadas econômica e socialmente. O desenvolvimento regional sustentável se realiza a partir de estratégias endógenas, a capacidade de cooperação é um atributo capaz de assegurar a sustentabilidade através da redução da pobreza por meio da ampliação das opções econômicas, por exemplo. Assim, o capital social é desproporcionalmente importante para o bem-estar de comunidades pobres, dado que estas enfrentam obstáculos na aquisição de capital humano (educação) e na eficiência econômica (PUTNAM, 2015).

Do ponto de vista empírico, algumas pesquisas apontam a relação positiva entre e capital social e desenvolvimento regional. Rodrigues (2018), através de dados secundários, ao criar o Índice do Capital Social (ICS) e em todos os municípios brasileiros, verificou que o nível de capital social é baixo, porém com correspondências positivas entre o capital social, capital humano e desenvolvimento humano. Já Pizzio (2018) ao estudar a organização das mulheres indígenas Masehual Siuamej Mosenyolchikauanij em Cuetzalan del Progreso, no México, concluiu que o capital social étnico é um recurso importante para o desenvolvimento das comunidades na região, diminuindo as desigualdades em termos de status social, e ampliando o campo das oportunidades econômicas. Ribeiro et. al. (2020) analisaram os fatores determinantes do capital social no Brasil. Entre os resultados obtidos, constatou-se que a variável que mais tende a contribuir para a formação de capital social é a educação. Como principal recomendação os autores apontaram à expansão e à qualidade da educação no Brasil, uma vez que esse é o principal fator contribuinte para a formação de melhores níveis de capital social no país.

Especificamente no estado do Tocantins, dois estudos abordam a relação entre capital social e desenvolvimento regional merecem destaque. Rodrigues et. al. (2012) ao estudar a região Sudeste do estado do Tocantins, verificou através de dados primários e secundários, que o capital social é relevante para a melhoria dos indicadores de desenvolvimento regional. Rodrigues e Neves (2017) verificou a relação entre capital social e desenvolvimento regional, tendo o Estado do Tocantins. O capital social no Tocantins e nas suas microrregiões é baixo. Foi comprovado pela pesquisa, que os níveis de capital social têm relação com a elevação da qualidade de vida e a redução da pobreza.

3 Metodologia

A pesquisa qualitativa é marcada pela análise da realidade social através da perspectiva dos atores nela envolvidos, ou seja, é “um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou humano” (CRESWELL, 2010, p. 43). Desta forma, esta pesquisa, é marcada pelo cariz qualitativo, sendo composta por revisão bibliográfica, análise documental e entrevistas com os atores-chave da região selecionada.

O roteiro de entrevista foi feito com inspiração no questionário integrado para medir capital social (QI-MCS) do Banco Mundial (GROOTAERT et al, 2003), em consonância com o referencial teórico e o objetivo de pesquisa, assim o mesmo versa sobre aspectos do capital social, como a existência de uma cultura de reciprocidade, a participação dos habitantes nas redes sociais e outras dimensões propostas por Robert D. Putnam, além das causas para o atual estado de desenvolvimento da região e perspectivas dos atores quanto a projetos que poderiam alterar o curso desse desenvolvimento. Antes de serem realizadas as entrevistas foram feitos três pré-testes junto a moradores da região, visando verificar se o vocabulário utilizado e as questões eram de fácil entendimento, bem como a apresentação dos conceitos.

Gerhardt e Silveira (2009), a definem entrevista como uma técnica de interação social, uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca obter dados, e a outra se apresenta como fonte de informação. As entrevistas podem ser de diversos tipos, como, por exemplo, em grupos ou individuais, seja com perguntas fechadas ou abertas. Aqui adota-se o tipo semiestruturado, onde “o pesquisador organiza um conjunto de questões (roteiro) sobre o tema que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre assuntos que vão surgindo como desdobramentos do tema principal” (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 72).

A seleção dos entrevistados foi feita de acordo com a caracterização dos atores sociais elencados no Zoneamento Ecológico e Econômico do Estado do Tocantins do ano de 2016 (ZEE-TO) elaborado pela Secretaria de Planejamento e Orçamento (Seplan-TO). O ZEE-TO é um relatório técnico que visa estabelecer as bases para investimentos que promovam o desenvolvimento sustentável através da conciliação entre as esferas sociais, econômica e de proteção ambiental. Assim, a escolha pelo uso do ZEE-TO atendeu a necessidade de estabelecer contato com atores sociais da região através dos dados telefônicos e de e-mail, disponíveis no documento, além de estar em consonância com a perspectiva de desenvolvimento sustentável e participação cívica proposta neste trabalho, pois a “identificação e o envolvimento de atores sociais, ou seja, a participação democrática, é um dos princípios fundamentais do ZEE” (SEPLAN-TO, 2016, p.1).

Os atores sociais apresentados no relatório são os grupos, instituições ou pessoas que podem influenciar na elaboração ou são impactadas pela implantação do Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Tocantins, como membros de secretarias, órgãos, prefeituras, institutos, população em geral, representada por lideranças sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs), associações, entre outros. A região do Jalapão é identificada no ZEE-TO a como a Região Administrativa (RA) XII - Novo Acordo. Foram listados 30 atores sociais relevantes (quadro 1), sendo a maior parte deles advinda do Terceiro Setor/Sociedade Civil (15), seguida do setor Público/Governo Municipal (9), Estadual (3) e do Federal (3).

Quadro 1
Atores sociais relevantes para os municípios do Jalapão segundo o ZEE-TO

Fonte: SEPLAN-TO, 2016. Organização: Os autores.

Ao todo foram entrevistadas 21 pessoas, cada qual reconhecida pelos pares, no órgão, associação, quilombo, etc. como referência por seu trabalho, ou como melhor dito nas palavras de Moscovici “a pessoa no grupo à qual foi atribuída, formal ou informalmente, uma posição de responsabilidade para dirigir e coordenar as atividades relacionadas ao grupo” (MOSCOVICI, 2001, p. 126). Nas prefeituras foram entrevistados os prefeitos e na indisponibilidade destes recorreu-se aos secretários de desenvolvimento, turismo e meio ambiente. As entrevistas ocorreram durante os meses de novembro do ano de 2020 a março de 2021, através de ligações telefônicas. As chamadas tiveram uma duração média de 25 minutos, elas foram gravadas, com autorização dos participantes, em gravador simples e posteriormente foram transcritas integralmente mantendo expressões e gírias. Com base no referencial teórico, os dados coletados na entrevista foram tabulados e categorizados com o uso da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2016).

A fim de facilitar e tornar mais eficiente o tratamento dos dados foi feita com auxílio do software de analise textual o IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Visando manter a identidade dos participantes em sigilo suas falas são apresentadas com os seguintes símbolos, por grupo: prefeituras, com denominação de PREF de 01 a 08, Associações com ASS de 01 a 04, Governo Estadual com GOVE de 01 a 03; Governo Federal com GOVF de 01 a 02; e Quilombos com QUIL de 01 a 04. Exemplo: a fala do primeiro prefeito entrevistado aparecerá com a denominação “PREF01”, o segundo “PREF02” e assim sucessivamente.

3.1 Área de Estudo

A região do Jalapão no Tocantins, o principal ponto turístico do estado e componente do território da cidadania de mesmo nome é composta pelos seguintes municípios: Lagoa do Tocantins, Lizarda, Mateiros, Novo Acordo, Ponte Alta do Tocantins, Rio Sono, Santa Tereza do Tocantins e São Félix do Tocantins. Localizados no leste do estado do Tocantins, limítrofe aos estados da Bahia, Piauí e Maranhão (ICMBio, 2013).


Figura 1
Localização Região do Jalapão-TO
Extraído de: Caderno Territorial Jalapão/TO, MDA, 2015.

Esses municípios contam ainda com 10 comunidades quilombolas e 7 Unidades de conservação ambiental (UCs). A região apresenta baixa densidade demográfica, tendo 34.050 habitantes em uma área de 34.284 Km², com em média 1,9 habitante por Km², sua população representa 2% da população do estado enquanto a área é de 12% do território do Tocantins. Nenhum dos municípios da região apresenta população igual ou superior a 10.000 habitantes, sendo que somente Ponte Alta do Tocantins e Rio Sono possuem população estimada superior a 5.000 habitantes, respectivamente: 6478 e 8039 habitantes (IBGE, 2021)

Ao longo dos anos, esta região foi objeto de diversos projetos de desenvolvimento, que versam sobre manutenção, monitoramento e gestão das unidades de conversação são inúmeros, com destaque para o investimento de US$ 1,3 milhão fornecido pelo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) entre meados dos anos 1990 e 2000 (Fonseca; Rodrigues, 2015). No ano de 1998, o BID, também financiou o Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (PROECOTUR) na região do Jalapão, com pré-investimentos no valor de U$ 13.800.000,00 e investimentos estimado em U$ 200 milhões e prazo de implementação de três anos (MMA, 1998) A primeira fase era para ser finalizada em 2003, mas só foi 5 anos depois, em 2008, impactando nos valores investidos.

Através do Apoio a Projetos de Infraestrutura e Serviços em Territórios (Proinf) - projeto que visava a dinamização econômica por meio de ações de gestão social e inclusão produtiva – a região recebeu diversas ações de melhoria. Somente na esfera do Proinf, foram executados 33 projetos, entre os anos de 2004 a 2014, contemplando desde recuperação de estradas vicinais ao fortalecimento de empreendimentos da agricultura familiar (MDA, 2015).

Um dos grandes desafios presentes na região é a questão do acesso, devido aos solos predominantes arenosos. Dada à falta de aeroportos para voos comerciais, a única maneira de se chegar é por via terrestre, preferencialmente, em veículos 4x4. Já houve um projeto para a construção de um aeroporto no município de Mateiros-TO, em meados de 2012, entretanto ainda não foi (ou há previsão) para que seja executado. Assim, a principal via de acesso para o Jalapão, a partir de Palmas, é a TO-030 até Santa Tereza do Tocantins, a TO-130 até Ponte Alta e o trajeto para quem vai até Mateiros, continua pela TO-255 (SANTANA, 2018).

Também foram/são realizados projetos para o desenvolvimento turístico da região, com destaque para o Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável – PDITS, criado pelo Governo Federal no âmbito do Ministério do Turismo, em 2012 com intuito de “empreender ações que acelerem o desenvolvimento dos segmentos de ecoturismo e de turismo de aventura e induzam à melhoria do produto, com qualificação dos empreendimentos atuais e captação de novos” (GOVERNO DO TOCANTINS, 2017, p.1). Por meio da Agência do Desenvolvimento do Turismo, Cultura e Economia Criativa (Adetuc), financiado pelo Banco Mundial é desenvolvido desde 2014 em São Félix e Mateiros, nas comunidades do Prata e Mumbuca, respectivamente, o projeto de fomento ao Turismo de Base Comunitária através do Programa de Desenvolvimento Regional Integrado e Sustentável (PDRIS).

A dinâmica econômica da região gira entorno do setor público, da agricultura e do turismo. Segundo dados do Ministério do Trabalho – MTE (2020), no ano de 2018, 66% dos empregos gerados na região foram referentes ao setor público, 15% Agropecuária, 7% Comércio, 5% serviços, 5% indústria e outros setores 2%. Em relação ao PIB, de acordo com a Sefaz (2017), o setor de serviços é responsável por 61,4% do total da região, agropecuária 32% e indústria e impostos são responsáveis por 3,3% cada. Os municípios com maior PIB na região são Mateiros e Ponte Alta do Tocantins, juntos são responsáveis por 47% do PIB da região. São Félix do Tocantins apresenta o menor PIB, R$ 18.405,00. Mateiros, que desde sua fundação, é orientado a agricultura, deve 68% da composição de seu PIB a este setor, sendo um dos polos de produção do Estado do Tocantins de soja, milho e algodão (SEPLAN, 2016a).

Entretanto, no Jalapão há poucas pessoas empregadas e o número de famílias que recebe bolsa-família é superior ao total de pessoas que possuem trabalho (gráfico 1): um total de 3.076 famílias, sendo que destas 987 encontrar-se-iam em situação de extrema pobreza sem o programa. Ademais, 35% da população total da região é afetada diretamente pelo programa (BRASIL, 2021).


Gráfico 1
Número de Empregos em relação aos beneficiários do Bolsa-família, 2020
Fonte: MTE - Relatórios de Informações Sociais (2020); Ministério da Cidadania – Bolsa-família e Cadastro Único (2020).

A dificuldade de se conseguir emprego constitui, segundo Amartya Sen (2013), uma privação de liberdade e esses programas de transferência de renda tentam amenizar. O emprego é a primeira chave para o envolvimento formal com a comunidade (PUTNAM, 2015, p. 104), desta forma este cenário ressalta a demanda por iniciativas de conciliação do potencial da localidade com iniciativas de ampliação de emprego e renda e superação da informalidade trabalhista, a fim de se construir um desenvolvimento orientado para a valorização da dignidade e liberdade.

4 Resultados e Discussões

A caracterização do capital social envolve diversos planos; o individual, o coletivo e o institucional; cada qual expresso através de indicadores interligados e que se influenciam mutuamente. Confiança e reciprocidade fazem parte do plano individual, enquanto coesão social, cooperação e valores éticos fazem parte do âmbito social e, por fim, a participação e o engajamento cívico são componentes da esfera institucional (NAZZARI, 2006). Dada a dificuldade de se mensurar quantitativamente o capital social, não só pelo próprio conceito, conforme ressaltado por Durston (2000), mas dadas as especificidades da pesquisa, a seguir são elencadas características qualitativas que representam o capital social na região.

4.1 Confiança e Reciprocidade

Para Putnam (2000) a confiança é essencial para a constituição de uma comunidade cívica, participativa e competitiva, afinal para que as pessoas cooperem entre si é preciso mais do que apenas “boa vontade”, é necessário ter confiança, esta que advém, geralmente, de expectativas positivas em relação ao outro (ROUSSEAU et al, 1998). No Jalapão, segundo os entrevistados, os moradores da região confiam uns nos outros em diversos aspectos, pois, acreditam que podem contar uns com os outros em caso de necessidade (gráfico 1): “Sempre ajudam né, quando tem uma pessoa precisando faz reunião, faz vaquinha, uma ajuda a outra. ” (QUIL03) afinal “as pessoas se conhecem bastante aqui, por conta de ser uma região pequena, em número de habitantes. ” (GOVE01); “Aqui, assim, porque todo mundo conhece todo mundo, assim que precisa um do outro, ajuda” (ASS01).


Gráfico 2
Probabilidade de ajuda mútua na comunidade – Região do Jalapão, 2021.
Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa, 2021.

Os entrevistados apontam que há solidariedade entre os moradores, sendo que Putnam (2000) aponta que a reciprocidade é uma das formas para estabelecer a confiança social. A este respeito, para 23,8% dos respondentes o nível de confiança, nos últimos cinco anos, entre os moradores na região aumentou; 28,6% acreditam que este grau permaneceu o mesmo; e 47,6% acreditam que diminuiu. O número dos respondentes que acreditam que o grau de confiança se manteve poderia ser uma informação ambígua, mas, em conjunto com as falas que ressaltam que se pode contar com outrem em caso de necessidade, deixa de ser. De qualquer forma, em termos absolutos, a maioria acredita que diminuiu e atribuem tal fato a ganhos financeiros, como expresso nas seguintes falas:

Eu acredito assim, antes não tinha dinheiro aqui não. Não tinha dinheiro. E agora corre dinheiro, corre um dinheirinho do artesanato, de aculá. E gente, ser humano, vou te falar moça. Qualquer dinheirinho a pessoa quer ser mais que o outro. Aí acontece de desunião. Falta de amor, né? (QUIL01)

Sim, geralmente, existe aquela desconfiança, né? Mas só é, quanto a questão financeira mesmo. Por exemplo, a associação quando tinha, foi feito essa questão de financiamento, aí é, teve uma dificuldade com essa questão de avalista, as pessoas, é ... avaliavam uns aos outros, chegou a ponto que, só essa questão da falta de confiança porque, às vezes nem conhecia o próximo direito tal, pra avalizar, aí...Então é assim, nessas cidadezinha sempre tem, né, a confiança num é total, principalmente quando o pessoal é fraco de condição, fica com medo do outro não assumir, né? Aí fica difícil. (PREF01)

Uma outra causa apontada para a diminuição da confiança entre os moradores é o dilema da ação coletiva. “A confiança promove a cooperação. Quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de haver cooperação. E a própria cooperação gera confiança. [..]”. (Putnam, 2000, p. 180). Todavia, quando essas relações cooperativas são improfícuas ou desvantajosas para o indivíduo ele deixa de cooperar e amparar os outros o que, consequentemente, gera um ciclo de desconfiança entre os indivíduos:

Olha, eu acredito que confiança mesmo ela tem diminuído bastante. Ah, o ser humano é tão complicado, entende, eu apostei em fulano e ele me traiu, eu confiei em fulano e ele fez isso comigo. Eu acredito que a confiança em si mesmo ela diminuiu bastante. (PREF06)

Para Putnam (2015, p.45), as atividades de associação são as que mais incorporam o capital social, entretanto também são as mais propensas ao parasitismo. Mas nem tudo são dissabores, afinal, para os respondentes que acreditam que o nível de confiança aumentou destaca-se como motivo o estabelecimento de relações cooperativas: “Porque começaram a buscar mais parceria um no outro. A partir da hora que você passa a buscar mais parceria você passa a confiar mais no seu companheiro. Então acredito que a parceria fez essa diferença” (PREF02).

Eu acredito que tem bastante confiança umas nas outras, as pessoas ainda, não é uma parte... maioria, só que as pessoas acreditam muito no potencial do outro, nas coisas que o outro faz, quando faz junto. Tem muita gente que reforça naquilo ali. (PREF07)

“Eu acredito que por causa dessas associações. Por questão do turismo, mais a tentativa da prefeitura em investir no turismo, investir nessas áreas, nas associações pra trabalhar com turismo” (PREF04).

A existência de confiança é facilitada pelo compartilhamento de normas e valores entre as pessoas. De forma geral, a população da região é muito similar, pois, “em qualquer lugar que tu encontrar com um tu fala que é do Jalapão, que é quase tudo do mesmo jeito.” (PREF02). Ainda assim, os entrevistados apontaram que na região existem certas diferenças em relação ao posicionamento político, a posse de terras e ao nível educacional. Quanto ao primeiro, relataram que brigas e desavenças são pontuais – geralmente, findam junto com o termino das eleições -, mas quanto aos demais há geração de conflitos e desconfiança. A questão fundiária é um tema antigo e que gera insegurança entre os moradores que ficam receosos quanto a possibilidade de alguém de fora (ou da região, mas com um grau maior de escolaridade) os enganem para tomar posse de suas terras.

A mudança social é resultado da combinação de dois processos: a mudança simultânea de gostos e hábitos da população em geral e a mudança geracional, quando gerações têm gostos diferentes e o ciclo da vida faz seu trabalho (PUTNAM, 2015). É evidente que no Jalapão, de acordo com os inquiridos, há, em geral, confiança entre os moradores, mas esta têm diminuído ao longo dos anos. A que se trabalhar neste quadro para que a desconfiança não mude a sociedade jalapoeira e se torne a regra, afinal há espaço para isto:

Eu acho que poderiam se ajudar mais. Com certeza. Acho que poderia ser incentivado um sentimento coletivo aqui no Jalapão maior né. De reconhecer que é importante para todo o desenvolvimento da região, de um modo geral. Não gerar conflitos internos com os vizinhos, mas sim promover um desenvolvimento geral da região do Jalapão que vai beneficiar todos os municípios envolvidos (GOVE03).

As características do capital social constituem um bem público, sendo assim de responsabilidade de todos. De acordo com Putnam (2015) os laços de confiança recíproca constituem a legitimidade e o respeito à coletividade, mas para se constituir a confiança mútua, é necessário fortalecer o sistema de participação e cooperação entre instituições e comunidade. Quanto mais houver cooperação, mais capital social é gerado.

4.2 Ação Coletiva na região do Jalapão

“A associação oficial em organizações formais é apenas uma faceta do capital social, mas é geralmente considerada como um barômetro útil de envolvimento comunitário” (PUTNAM, 2015, p. 50). Outrossim, a formação e sobrevivência de empreendimentos coletivos, como associações e cooperativas, carecem de relações de confiança, reciprocidade e demais valores altamente relacionados a configuração do capital social; “a participação em organizações cívicas desenvolve o espirito de cooperação e o senso de responsabilidade comum para com os empreendimentos coletivos” (PUTNAM, 2000, p. 104).No Jalapão, os respondentes foram unânimes ao considerar que as associações, cooperativas e demais empreendimentos comunitários contribuem para melhorar a região:

Eu acho que esse tipo de iniciativa existe e é importante e deve ser fomentado. Deve ser incentivado o desenvolvimento de novas associações e fortalecimento das já existentes porque isso gera a possibilidade de trazer benefícios a todos os envolvidos como por exemplo os pequenos produtores rurais, famílias extrativistas, então eu acho extremamente importante que haja essas associações e cooperativas. ” (GOVE01)

“Se for... se a associação for participativa contribui muito.” (PREF08)

Acredito que sim, porque para que algo aconteça de forma mais rápida e para mais pessoas tem que tá organizado. De qualquer forma, seja associação, seja cooperativa. Eu penso dessa forma. Mas também ressalto que as organizações civis do Jalapão ainda não se apropriaram assim, do que realmente precisa ser feito [...] (PREF05).

Como motivos para se juntar a empreendimentos coletivos, os entrevistados pontuaram que elas auxiliam na ampliação de serviços, como o acesso ao crédito; a posição social dentro de grupos, como a alcançar o patamar de liderança; benefício a comunidade, através de ações em prol dos associados, como a disponibilização de internet para os estudantes e, majoritariamente; através do aumento da renda:

Eu acho que é o benefício à comunidade porque a gente unido, a gente é capaz de um conseguir mais alguma coisa do que sozinha. Nós já conseguimos recursos pra melhorar... nós assim menos, mas uma outra comunidade já conseguiu casa pra por família. E o benefício da comunidade que não fica tanto dependendo duma prefeitura, porque tem gente que depende muito, igual transporte (ASS01).

“Eu considero né que traz mais renda pro nosso povoado e tem um desenvolvimento grande aqui também a questão do capim dourado né. Eu acho que é bem fundamental aqui pra nossa região.” (QUIL03)


Gráfico 3
Beneficio em participar de empreendimentos coletivos no Jalapão - 2021
Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2021.

Segundo Putnam (1993) a confiança diminui os custos de transações e maximiza os resultados das interações humanas, esta advém de regras de reciprocidade, dos sistemas de participação cívica e das regras de constrangimento social a quem não coopera. Contudo, apesar dos respondentes apontarem que a ajuda mutua é comum no território, a maioria (52%) acredita que caso alguém deixe de auxiliar ou participar de alguma atividade comunitária ela não será criticada ou punida, o que abre margem para a deserção dessas atividades e prejudica o estabelecimento de relações cooperativas.

Quanto o número de associações e cooperativas presentes na região; para 38% dos atores pesquisados, o número de associações aumentou nos últimos cinco anos, seguido por 33% que acreditam que esse número diminuiu e 29% que acham que a quantidade permaneceu a mesma. Para o aumento no número das associações, os entrevistados elencaram dois motivos-chave, um refere-se ao aumento da movimentação turística na região:

Eu acredito que essa explosão turística que aconteceu na nossa região, por que antes a gente era bem apagada. Aí depois de ter aquela novela e tudo, já, eles tem uma visão diferente. Na realidade agora eles sabem que com o turismo virou uma fonte de renda pra eles. Então se tornou bem mais fácil a aceitação, em associação, cooperativa, essas coisas (PREF04).

E o outro destaca o aumento do incentivo do setor público, como, por exemplo, através de exigências de CNPJ para a firmação de parcerias e contratos. Entretanto, este fato é contraditório em si, primeiro porque “mais organizações não significam mais membros” (PUTNAM 2015, p.54) e “um indivíduo que “pertença” a meia dúzia de grupos comunitários pode na verdade não ser ativo em nenhuma. [...] o que realmente importa é um sócio ativo e envolvido” (PUTNAM, 2015, p. 61). Em segundo lugar, conforme Putnam (2015, p. 52) destaca, há uma onda de organizações centradas nos interesses profissionais e não em seus membros em si:

Eu não sei se foi estimulo, não sei porque quando criava esses programas do governo federal eles queriam criar tinha que ser através de associação né. Aí criaram, compraram seus lotes e aí viraram as costas pra eles. [...] Eles criaram as associações por... pra criar a associação em prol deles depois deixar pra trás, aí às vezes fica sem estímulo nenhum, às vezes não sabe nem quem é o presidente da associação. [...] criou uma associação fez tudo que tinha que fazer, fizeram tudo, tudo, ganharam tudo de graça e depois acabou, não teve nada, então teve rejeição. Não foi pra frente. Aí não tem, era pra ter no mínimo, uma associação de cento e poucos associados e não tem, tem três, se tiver.” (GOVE02)

“Olha, aqui no nosso município nós tinha muitas associações, hoje se você falar assim: tem alguma associação assim ativa? Não tem. Infelizmente, não sei, igual eu te falei, o coletivo não é fácil de trabalhar com eles” (GOVE03)

Quanto aos motivos para a diminuição do número de associações, os entrevistados relatam como principal motivo o desânimo. Putnam (2000, p. 104) afirma que ao estabelecer empreendimentos cooperativos “quanto maior o seu número maior o entusiasmo, ” entretanto a participação decai depois do boom de entusiasmo inicial, a menos que esteja enraizado na organização de um modo mais abrangente (PUTNAM, 2015):

Olha, no momento, agora, nós não temos… aqui, é, a associação tinha, teve aqui umas duas associações, mas no início, o pessoal tava muito empolgado tudo, conseguiu bastante orçamento, (combustível?), essas coisas assim, e ultimamente, não está funcionando nenhuma das duas. Tá fechado (PREF01).

“Já fiz parte. Hoje não faço mais porque a nossa associação aqui acabou. Justamente por esse motivo, falta de interesse dos associados em levar adiante essa associação” (PREF08)

Essa questão de falta de ânimo é costumeira pela forma como são estabelecidas a maioria das associações: com forte intervenção do governo. Segundo Putnam (1996) o estabelecimento adequado de associações gera externalidades positivas e contribuem para a estabilidade e a eficácia dos governos e da sociedade. A dificuldade na criação e manutenção de empreendimentos comunitários, sinalizado pelos entrevistados, reforça a debilidade na mobilização e no capital social presente na região. As “organizações locais “implantadas” de fora apresentam elevado índice de fracasso. As organizações locais mais bem-sucedidas representam iniciativas autóctones participativas em comunidades locais relativamente coesas” (PUTNAM, 2000, p. 104). Os entrevistados relatam que é comum o setor público apresentar propostas para a formação de associações, como uma oferta, enquanto deveria ser uma demanda. Principalmente quando se leva em consideração a desconfiança que os moradores apresentam em relação a administração pública:

Acho que alguns participam de mais porque foi através deles que se promove o desenvolvimento dentro da região. E também tem aqueles que participam menos como desacreditado que pode dar certo. Dentro da região nós temos muito disso né. Às vezes tem um projeto, a gente tá desenvolvendo ele, mas às vezes que é através do governo, o governo dá uma quietada. Aquilo fica parado um período e quando volta não tem a mesma credibilidade” (PREF05)

4.3 Participação Política

Putnam (2000, p.128) relacionou maior desempenho nas regiões da Itália onde os cidadãos se sentiam mais “aptos a participar da deliberação coletiva sobre as opções públicas e onde essas opções melhor se traduzem em políticas públicas efetivas”. “Numa comunidade cívica, a cidadania se caracteriza primeiramente pela participação nos negócios públicos” (PUTNAM, 2000, p.101). No jalapão, em geral, as pessoas estão cansadas de se envolverem em “negócios” públicos, pois não têm o retorno esperado ou acreditam que não são ouvidas.

A comunidade sempre participava, mas participava....mas é aquela coisa que não tem resultado. Tem interesse em participar, mas a questão governamental não resolve nada do que a comunidade necessita. Eles apresenta muito projeto, mas se apresenta projeto é aquele projeto que não sai do papel. (QUIL03)

[...] antigamente tinha mais. Hoje eu acho que tá menos. Eu te falo assim porque eu participava de tudo, hoje ninguém convida pra nada. Sei nem se tá tendo. Mas já houve muita participação da sociedade. (GOVE02)

Em síntese, hoje os cidadãos jalapoeiros não veem a coisa pública como algo deles, mas como um fator externo, sendo que “em uma comunidade rica em capital social, o governo é “nós” e não “eles” (PUTNAM, 2015, p. 406). A situação pode ser sintetizada na seguinte fala:

Na verdade a população nem participa do... até porque quando a gente tem algum projeto que a gente comunica pra população eles não participa porque tudo aqui no município do interior é voltado a política. Então a gente tem essa dificuldade com a população. Na verdade, o interesse é maior quando parte da comunidade e a prefeitura vai como convidada. Quando a prefeitura faz em si, a aceitação é menos. [...] O povo se ajuda bastante. Eles entre si são bons pra se ajudar. A gente tem essa dificuldade quando a gente entra como órgão público (PREF04).

O cinismo em relação ao governo pode causar desengajamento, e o desengajamento pode piorar o desempenho real do governo (PUTNAM, 2015):

O engajamento civil importa tanto do lado da demanda quanto do lado da oferta do governo. Do lado da demanda, os cidadãos em comunidades civis esperam um governo melhor, e (em parte através de seus próprios esforços) eles recebem. [...] se os decisores esperam que os cidadãos cobrem deles responsabilidade política, eles estarão mais inclinados a segurar seus impulsos ao invés de enfrentar protestos públicos. Do lado da oferta, o desempenho do governo representativo é facilitado pela infraestrutura social das comunidades civis e pelos valores democráticos de funcionários e cidadão” (PUTNAM, 2015, p. 404)

Destarte, outra forma de se conferir a confiança entre as pessoas é através da percepção de honestidade que eles têm uns dos outros, pois a “a honestidade, o engajamento cívico e a confiança social reforçam-se mutuamente” (PUTNAM, 2015, p. 155). A este respeito, foi pedido aos entrevistados que atribuíssem notas de 0 a 10 ao aos membros e funcionários de algumas agências da região, onde quanto mais próximo de zero mais desonesto e mais próximo de dez mais honesto. No quadro a seguir é possível ver uma média das notas obtidas.

Quadro 2
Grau de honestidade no Jalapão por entidade - 2021

Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa de campo. *nota estimada nas respostas de 11 pessoas, as demais relataram que não conheciam nenhuma ONG.

As notas revelam certa desconfiança em relação ao governo local, estes foram os únicos que receberam nota 0 (inclusive mais de uma). Mas, com as falas como complemento, percebe-se que essa desconfiança se propaga as demais as esferas dos governos:

eu não sei de nenhuma participação do governo federal, tem assim por causa dos convênios. Tem os convênios da região do Jalapão, que vem do governo federal. Do governo do estado eu não vejo muito não porque deveria entrar com a parte do acesso aí, mas tudo é ruim (GOVE02).

Estadual digamos que é.... a maioria das obras que são realizadas no município são mais de deputados né, eu acho que o governo estadual faz parte também né. Só que deixa a desejar assim, porque a gente tem pontes que não terminou, tem estradas que dariam acesso a capital [...] (PREF06)

A falta de confiança na política mina a participação civil (PUTNAM, 2015), o que pode ser verificado no gráfico 4, através das solicitações feitas em prol da coletividade.


Gráfico 4
Número de vezes as pessoas nesta localidade se reuniram para entregar conjuntamente uma petição a membros do governo, nos últimos 12 meses* - 2021.

*Antes da pandemia

Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa de campo, 2021.

A maior parte dos respondentes afirma que a solicitação de serviços públicos por parte da comunidade “dificilmente acontece, ultimamente cobra muito individualmente o gestor, vereador, […] de secretaria, entendeu? Individualmente, de acordo com a necessidade de cada um” (PREF01). Nas regiões com mal desempenho as pessoas estão insatisfeitas “aparentemente o que diferencia esses governos não é tanto o interesse particulares a que eles servem, e sim quão bem eles servem ao interesse comum” (Putnam, 2000, p. 90) “uma busca perseverante do bem público à custa de todo interesse individual e particular” (Putnam, 2015, p. 101).

Eu acho que as pessoas perdem o interesse pelas coisas que a prefeitura faz pelo interesse particular e interesse político, porque se talvez não é do mesmo lado então ah, não interessa aquilo ali, não pensa no município como um todo, só pensa na particularidade, é isso que eu penso (PREF07).

Certo que o grosso dos entrevistados acredita que a população, em geral, não tem interesse em participar da tomada de decisão, mas “temos que abordar tanto a oferta de oportunidades para o engajamento civil quanto a demanda por essas oportunidades” (PUTNAM, 2015 p. 469) e neste quesito os respondentes apontam que os governos também têm deixado a desejar:

ainda não tem uma ampla participação da sociedade para desenvolvimento desses projetos. Falta interesse da população e falta essa parte do poder público também estar buscando e envolvendo a sociedade. Eu acho que é uma via de mão dupla, né? (PREF08)

Bom, quando são convocados sempre aparece, né? Quando são convocados, mas quando são voluntários mesmo assim...se você não convocar as pessoas, aparece um lá, (à base do seu interesse). [...] a falta de participação da população é uma das coisas que dificulta também, que a grande parte da população aqui é da zona rural, então se for convocado lá pessoalmente aparece alguém, se não, se for só através do rádio outro meio de comunicação, dificilmente…A falta de motivação é grande também, tem muita gente muito desmotivada, não acredita que as coisas possam acontecer (PREF01)

[...] Uns tem interesse, outros não tem interesse, acho que também não teve a oportunidade de participar, sabe? Porque aqui, na verdade, menina, projetos pro desenvolvimento aqui não tem, pro Jalapão não tem. E a prefeitura que é responsável por isso tudo, entendeu? E ela acaba não compartilhando com a comunidade, com as pessoas o que acontece (ASS02)

O conhecimento sobre os assuntos públicos e prática em competências civis diárias são pré-requisito para a participação efetiva” (PUTNAM, 2015, p. 471). “A comunicação é a base, o alicerce, o fundamento radical e a raiz sobre os quais toda comunidade se situa, cresce e prospera.” (PUTNAM, 2015, p, 196). No jalapão, as fontes de informação elencadas foram o WhatsApp, o Facebook, Youtube, Rádio, Televisão, Amigos e vizinhos e carro de som que divulga na rua. Nos últimos anos o acesso a informação melhorou muito na região: “Na realidade melhorou 100%. Há 5 anos atrás aqui só pegava uma... só a vivo. Hoje não, a gente pega a vivo, a claro. E o acesso à informação é bem diferente de 5 anos atrás.” (PREF04); “A informação melhorou né. Porque não tinha informação quase aqui não. Vivia como caboco mesmo.” (QUIL04).

acho que ultimamente o acesso à informação tem melhorado, porém, tem o problema das fake news que as pessoas as vezes não estão vendo a fonte da informação, a veracidade. Mas por outro lado o acesso a informação está facilitado nos últimos anos devido ao acesso às mídias digitais (GOVE03).

Nesse quesito, a falta de informações sobre os trabalhos públicos não pode ser considerada um empecilho a participação, exceto caso haja omissão ou falta de divulgação deliberadamente, quer por parte do governo ou da própria comunidade:

Tem uma pessoa aqui, a [...], que se representa aí. Mas ela não traz pra cá, pra comunidade a informação e quando a pessoa, o governo as vezes manda secretaria, ainda quer impedir, de uns tempos pra cá tá desse jeito. Não quer aceitar a proposta, não quer aceitar o projeto. E aí tá sendo uma dificuldade muito grande por causa disso. A gente não pode nem só culpar o governo, nessa questão. Mas também pessoas aqui fica impedindo. Coisa, pessoas que não é daqui que quer ser maior, aí impede de chegar em nós né, nas reunião. Chegar ao público. As coisas chega e fica por lá, não fica público, pra todo mundo ver, pra todo mundo conhecer. Muito difícil (QUIL01).

De qualquer forma, a (pouca) participação da sociedade civil na tomada de decisões no jalapão, ocorre, principalmente através de conselhos deliberativos e das associações “Acho que por meio das associações, por meio de reuniões, por meio de debates. Através das associações normalmente.” (GOVE01); “Acho que com as associações e cooperativas as pessoas se interessam mais, participam mais, eu acho que ela se sente mais valorizada através das associações e cooperativas” (PREF07).

Normalmente é através das associações. Até pra criar conselhos nós tamo tendo, nós tivemos dificuldade com a população, a gente precisa da população... até pra criar um conselho nós tivemos dificuldade. Às vezes não é nem falta de interesse. É implicância mesmo com o órgão público. Aqui no interior, tudo gira, todos esperam do órgão público. Então, às vezes, muitos acham que a falha é do setor público. E às vezes nem sempre é dessa maneira. Então uma forma de represália é não participar quando envolve o órgão público, quando é responsabilidade do órgão público. (PREF04)

“acho que teve mais desenvolvimento, porque de início de cooperativas, de associações, as pessoas ficam ainda um pouco com o pé atrás e depois viram que dava certo aí sim, elas participam mais” (QUIL01).

Entretanto, essa parcela que ainda participa hoje é composta pelas mesmas pessoas e para que as estratégias de desenvolvimento sejam eficazes elas devem incorporar o máximo de atores, a fim de ter mais pontos de vistas que atendam as aspirações e necessidades das comunidades (SACHS, 2004)

aqui você participa dos conselhos, você vai num conselho é as mesmas pessoas, você vai no outro conselho é as mesmas pessoas, não é por falta de você convidar. Não é, você faz o convite mas as pessoas não vão. As pessoas não tem aquele hábito de trabalhar coletivo, as pessoas fica muito individual. É muito difícil aqui trabalhar o coletivo. Eu falo assim porque eu trabalho com muitas associações e não é fácil não. Por exemplo, você quer fazer algum programa coletivo, não vai, não vai, não vai, não vai. Já implantei vários programas aqui quando é coletivo não vai, morre. Vai enquanto você tá lá dentro vai, quando você vira as costas acaba. (GOVE02)

4.4 Desenvolvimento no Jalapão

A caracterização da região e dos projetos de desenvolvimento nela realizados evidenciam aspectos mensuráveis que formam um quadro na cabeça de qualquer pessoa que nunca visitou a região, mas este quadro também é o que os moradores, empresários, servidores públicos etc. da região têm em mente quando pensam no lugar onde vivem? A seguir nas figuras 2 e 3, através de nuvens de palavras, pode-se observar os principais pontos fortes e fracos da região segundo os atores sociais entrevistados.


Figura 2
Pontos Fortes da Região do Jalapão
Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa, 2021.

A nuvem consiste numa apresentação de frequência com que as palavras são citadas; as que tem maior representatividade aparecem centralizadas (CAMARGO; JUSTO, 2013). Conforme é possível observar, os principais pontos fortes, de acordo com os entrevistados na pesquisa, giram entorno da atividade turística, como o meio ambiente, o capim dourado, as comunidades e o povo acolhedor.


Figura 3
Pontos Fracos da Região do Jalapão
Fonte: Elaboração própria, dados da pesquisa, 2021.

Quanto aos pontos fracos destacam-se a questão da dificuldade de acesso à região, pois este ponto frequentemente influencia demais, como o custo de vida, dificulta o acesso a saúde e ao turista, que é uma fonte de renda para muitos moradores da região. A respeito do turismo, os entrevistados também se queixam da sinalização dos atrativos turísticos e a fragilidade ambiental.

A respeito das principais motivos para o baixo desenvolvimento da região a causa mais citada, pelos respondentes, foi a falta de estradas adequadas e de difícil acesso, inclusive foi apontado que caso se resolvesse esta questão as outras seriam sanadas como consequência.

É só, continua sendo as estradas, porque tudo que chega aqui é super alto, superfaturado, não tem estrada, quebra carro. Tudo com preço alto, você não pode se locomover sozinha, depende dos outros, o transporte coletivo para de andar. Se chove para de andar, se fica muito tempo seco para de andar, é areia! Quando não é inverno é chuva. Enquanto não tiver estrada aqui é muito difícil de ter um desenvolvimento melhor (ASS01).

Há também a problemática quanto a questão turística, “os moradores, impossibilitados de ter melhorias de vida devido o descaso público, e não possuem técnicas ou recurso financeiro para administrar ou realizar a manutenção dos pontos turísticos para a recepção de turistas” (XAVIER, 2019, p. 117)

eu acho que o turismo é bem valorizado, mas eu acho que deveria conscientizar, um projeto pra conscientizar as pessoas que o nosso Jalapão, é além do turismo, acho que as pessoas que moram na região investir em qualidade de restaurante, por exemplo, de dormitórios, essas coisas assim, que às vezes na região... a não ser no município, porque o município é menor. Falta muito isso, alimentação. [...].” (PREF07)

Conseguinte, em paralelo com o estudo nas regiões italianas de Putnam, ressalta-se a importância da união entre os municípios, pois no jogo italiano as “batalhas um contra um” resultaram em derrotas as autoridades locais versus ao governo central, mas nas “batalhas todos contra um atingiram um clímax favorável as regiões” (PUTNAM, 2000, p. 38)

Então, existe uma certa rivalidade que é comum de se observar, né. Por assim dizer, cada um quer puxar a sardinha pra o seu lado, mas eu acho que isso deveria ser esquecido pela população jalapoeira e deveria se pensar num desenvolvimento regional do Jalapão, envolvendo todos os municípios, porque o Jalapão ele não compete entre si, Mateiros não compete com São Félix, que não compete com Ponte Alta. A competição com Jalapão é Chapada das Mesas, Serras Gerais, é a Chapada dos Veadeiros. (GOVE01)

eu acredito sim que exista essa vontade de se desenvolver da região. Ela acontece de forma mais pontuais, de município a município, mas esse contato onde cada um tem, essa necessidade que cada um tem e o outro pode suprir, de fato contribui pra esse desenvolvimento da região (PREF05).

Outro ponto destacado é a questão do desemprego, onde as opções têm sido escassas. O trabalho na prefeitura, geralmente, é esporádico, pois acontece a convite do prefeito e finda com o mandato deste, sendo que o comprometimento com algum político encerra suas oportunidades com concorrentes deste.

Desemprego. Porque em município pequeno que não tem uma indústria é difícil pra família porque vai, se você não trabalha no estado, trabalha na prefeitura e quem não trabalha no estado nem na prefeitura faz uma diária, uma senhora faz uma faxina. Então é a falta de emprego mesmo, precisava né. Cada município ter uma indústria, que seja de óleo, seja de açúcar, seja de álcool, pra poder gerar emprego. (PREF06)

Adjunta a questão do desemprego há reclamações quanto a burocracia e barreiras para conseguir crédito para investir em atividades economicamente produtivas, o que se relaciona com a condição da rede de recepção ao turista, aos agricultores familiares e até mesmo as prefeituras

[...] Mas os bancos, agências dificultam muito, atendimento muito demorado, faz um projeto... a gente fez um projeto aqui ano passado, 2018, ele foi aprovado agora. [...]. Você faz linha de crédito pra um valor quando é aprovado não dá nem pra comprar o que... quando sai. A agência, ela tem que ser mais ágil, mais incentivo. Não tá tendo incentivo não. (GOVE02)

No que se refere a participação e a mobilização popular, “geralmente aqui o pessoal não temo hábito de trabalhar junto, ainda não tem o hábito de trabalhar em grupo.” (PREF01) “Às vezes sim, às vezes sim. Às vezes a gente precisa dessa participação e ela não acontece. Tem tempo né, é de suma importância a participação da população a gente sempre acontece. E isso pode de fato se um dos problemas para o baixo desenvolvimento” (PREF05); “eu acho que a população tem que participar mais das pessoas de linha de frente, saber o que que a população necessita, querem reivindicar” (PREF07)

É porque assim, quando a pessoa não faz parte, não se interage, o desenvolvimento não busca, e não procura a melhoria, não ajuda a procurar a melhoria. A maioria espera receber em casa sentado, uns corre atrás e outros senta.” (ASS01)

“Eu falo que foi a união, porque foi lá no coletivo, aqui teve um projeto muito bom de apicultura e foi um fracasso, é tanto que a casa de mel aqui valeu mais de um milhão e pouco e tá fechada, por falta dos próprios produtor[...] (GOVE02)

É muito importante sim, trabalhando junto a gente consegue mais. É muito importante, mas agora a conscientização desse povo aí, [...]às vezes não tem aquele, aquela, curso de associativismo não, às vezes são muito individualistas, a gente nas coisas, são muito individualistas...às vezes fica mais difícil por isso, né?! Cada qual mais, é cada qual por si. (PREF01)

De fato, a maioria destes empecilhos ao desenvolvimento da região são interconectados e podem ser solucionados através de ações orientadas. Por exemplo, através de programas de aprendizagem bem planejados, que “melhoraram o conhecimento civil, aumentam a eficácia dos cidadãos, aumentam a responsabilidade social e autoestima, ensinar habilidade de cooperação e liderança [...]” (PUTNAM, 2015, p. 471)

5 Considerações Finais

Minado por políticas públicas e iniciativas infrutíferas, o atual nível de capital social pode ser considerado como um impeditivo ao desenvolvimento do Jalapão. Verificou-se que os elementos que caracterizam o capital social estão presentes na região, mas encontram-se deteriorados e pouco mobilizados para a promoção do desenvolvimento regional sustentável. Os cidadãos jalapoeiros, através da sua herança humilde, construíram uma sociedade pacifica onde esses fatores sempre estiveram presentes entre seus membros, contudo a quantidade de projetos inacabados ou infrutíferos por parte dos governos vem corroendo a confiança dos cidadãos bem como a esperança de que a região vá se desenvolver.

A desconfiança política mais a ausência de grandes projetos coletivos convincentes é uma pedra nas tendências de participação social e civil. Para solucionar este problema, o ideal é integrar as esferas comunitária, do trabalho e social, assim como é necessário criar estruturas e políticas públicas e privadas que facilitem o engajamento civil. Quanto maior a confiança e possibilidades de associação entre os cidadãos, maior é o volume de capital social. Este, influencia no funcionamento institucional, nas oportunidades econômicas e no bem-estar coletivo, assim o investimento em capital social possibilita a integração e a inclusão dos atores sociais nos projetos de desenvolvimento e amplia as possibilidades socioeconômicas, mas não é tarefa fácil, pois para ser bem-sucedido “demanda tempo e esforço objetivo” (Putnam, 2015 p. 99).

O reconhecimento dos problemas de uma região é apenas o primeiro passo de um desafio mais amplo que ficará a cargo da comunidade, das instituições nacionais, locais e dos governos, com ênfase nas ações deste último. O Jalapão está imerso em um mosaico de áreas de preservação ambiental, mas o setor público não pode esquecer que a sustentabilidade deve atender critérios sociais, culturais, ecológicos, ambientais, territoriais e econômicos (Sachs, 2004); então, não devem relegar os moradores a meros ocupantes, mas se voltar para as demandas da comunidade com políticas públicas orientadas em consonância com dinâmicas e processos que auxiliem no aumento da confiança e de ações coletivas entre os moradores. Isto, caso os governos atuantes na região desejem deixar de empenhar um papel paternalista e pouco producente como tem sido nos últimos anos.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA, Pedro S. Participação, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional. Brasília, IPEA, 1999. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2758/1/td_0630.pdf. Acesso em 13/04/2020.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016.

BOISIER, S. Política econômica, organização social e desenvolvimento regional. In: HADDAD, P. R. (Org.). Economia regional: teorias e métodos de análise. Fortaleza: BNB/ETENE,1989.

BOISIER, Sergio E. Sociedad civil, participacion, conocimiento y gestion territorial. Santiago de Chile, ILPES, 1997

BOURDIEU, Pierre. O Capital Social: notas provisórias. In; NOGUEIRA, Maria Alice & CATANI, Afranio. Escritos de Educação. Petrópolis, 1998: Vozes.

BOWLES, Samuel; GINTIS, Herbert. Social capital and community governance. Economic Journal. Vol. 112. 2000.

BRASIL. Ministério da Cidadania. Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. Cadastro Único – conhecer para incluir. 2021. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/bolsafamilia/index.html. Acesso em 08 de fev de 2021.

COLEMAN, J. S. Social Capital in the Creation of Human Capital. The American Journal of Sociology. 94 (supplement), 1988, p. S95-S120.

CRESWELL, J. W. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

DURSTON, John. Qué es el capital social comunitario? Santiago de Chile: CEPAL, 2000. (Serie Políticas Sociales, 38).

FUKUYAMA, F. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Tradução de Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco. 1996.

GOULET, D. Desenvolvimento autêntico: fazendo-o sustentável. In: CAVALCANTE, C. Meio Ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. São Paulo: Cor-tez ; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997.

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Universidade Aberta do Brasil - ;UAB/UFRGS. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2009. A pesquisa científica; p.120. Available from: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em 20/03/2020

GROOTAERT, Christiaan et al. Questionário integrado para medir capital social (QI-MCS). Washington: Banco Mundial, 2003.

IBGE. Cidades. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 13/05/2021.

ICMBIO. Istituto Chico Mendes se Biodiversidade. Relatório do projeto corredor ecológico da região do Jalapão: Subsídios para o plano estratégico mosaico do Jalapão, –, 2013. [online]. Disponível em: http.www.icmbio.gov.br/projetojalapao. Acesso em 13/04/2020.

MDA. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Caderno Territorial do Jalapão, Perfil Territorial, 2015. Disponível em: sit.mda.gov.br/download/caderno/caderno_territorial_107_Jalap%C3%83%C2%A3o%20-%20TO.pdf. Acesso em: 02/022/2020.

MTE. Relação Anual de Informações Sociais, 2017. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/rais/. Acesso em: 15/04/2020.

MOSCOVICI, F. Desenvolvimento Interpessoal. 10 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. 276 ff.

NAZZARI, Rosana. Capital Social, Cultura e Socialização Política: a juventude brasileira. In: BAQUERO, Marcelo; CREMONESE, Dejalma (Orgs). Capital Social: teoria e prática. Ijuí: UNIJUÍ, 2006.

OLIVEIRA, Gilson B. de; LIMA, José E. de S. Elementos endógenos do desenvolvimento regional: considerações sobre o papel da sociedade local no processo de desenvolvimento sustentável. Rev. FAE, Curitiba, v. 6, n. 2, p. 29-37, maio/dez. 2003.

PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia: A Experiência da Itália Moderna. 2ª ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2000.

PUTNAM, Robert D. Jogando Boliche Sozinho: Colapso e Ressurgimento da Coletividade Americana. Tradutor – Marcelo Oliveira da Silva. 1 ed. Curitiba: Instituto Atuação, 2015.

ROUSSEAU, Denise M.; SITKIN, Sim; BURT, Ronald S.; CAMERER, Colin Farrell. Not so different at all: across-discipline view of trust. Academy of Management review, n. 23, p. 393-404, 1998. Disponivel em: https://www.researchgate.net/publication/50313187_Not_So_Different_After_All_A_Cross-discipline_View_of_Trust. Acesso em 01 de abril de 2021.

SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

SANTANA, Jesuino. Governo destaca evolução nas obras do Projeto de Desenvolvimento Regional Integrado e Sustentável em todo o Tocantins. Governo do Tocantins, 2018. Disponivel em: https://ruraltins.to.gov.br/noticia/2018/2/6/governo-destaca-evolucao-nas-obras-do-projeto-de-desenvolvimento-regional-integrado-e-sustentavel-em-todo-o-tocantins/. Acesso em 18/04/2020.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. 2. reimpr. São Paulo, Companhia das Letras, 2013.

SEPLAN. Zoneamento Ecológico-Econômico / Caracterização dos Atores Sociais, 2016 (b). Disponível em: https://central3.to.gov.br/arquivo/443561/. Acesso em 20/03/2020.



Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por