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Agroindústrias rurais, políticas públicas e desenvolvimento regional: um perfil da agroindustrialização brasileira com base nos dados do Censo Agropecuário 2017
Rural agroindustries, public policies and regional development: a profile of the brazilian agroindustrialization based on the 2017 agricultural census data
Agroindustrias rurales, políticas públicas y desarrollo regional: perfil de la agroindustrialización brasileña en base a los datos del censo agrícola 2017
Agroindústrias rurais, políticas públicas e desenvolvimento regional: um perfil da agroindustrialização brasileira com base nos dados do Censo Agropecuário 2017
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 27, 2022
Universidade de Santa Cruz do Sul
Recepción: 21 Junio 2021
Aprobación: 22 Agosto 2022
Resumo: O objetivo deste trabalho foi analisar os dados da agroindústria rural (AGR) do Censo Agropecuário 2017, de forma a construir um perfil das experiências no Brasil, nas macrorregiões e nos dois tipos de agriculturas (familiar - AF e não familiar - ANF). A metodologia utilizada foi quantitativa, se utilizando dos dados sobre agroindústria rural do Censo Agropecuário 2017, obtidos no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir do Sistema Automático de Recuperação de Dados (SIDRA). Os resultados e conclusões apontam para um perfil de AGRs mais presente nos estabelecimentos da AF, embora os maiores valores de produção e de venda estejam na ANF. As AGRs da AF possuem maiores valores de sua produção que é autoconsumida pelas famílias e menores escalas de produção em relação as AGRs da ANF. A Região Nordeste é a que possui maior número de AGRs, nos dois tipos de agriculturas, enquanto o Sudeste possui maiores valores de produção e de vendas e o Sul maior autoconsumo. Dada a importância da atividade das agroindústrias para o fornecimento de alimentos saudáveis e sustentáveis aos consumidores, caberia ao Estado destinar mais apoio com políticas públicas a estas inciativas, no sentido de aumentar sua autonomia de gestão, gerar mais ocupações e renda e construir melhores mercados para as experiências.
Palavras-chave: Alimentação, Agroindústrias rurais, Cadeias curtas e mercados alimentares, Desenvolvimento regional endógeno.
Abstract: The objective of this work was to analyze the data of rural agroindustries from the 2017 Agricultural Census, in order to build a profile of the experiences in Brazil, in macro-regions and in both types of agriculture (family - AF and non-family - ANF). The methodology used was quantitative, using data on rural agroindustries from the 2017 Agricultural Census, obtained from the website of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), from the Automatic Data Recovery System (SIDRA). The results and conclusions point to a profile of AGRs more present in the AF establishments, although the highest production and sales values are in the ANF. AF's AGRs have higher production values that are self-consumed by families and also smaller scales of production compared to ANF's AGRs. The Northeast Region has the highest number of AGRs in both types of agriculture, while the Southeast has higher production and sales values and the South has greater self-consumption. Given the importance of the activity of agroindustries for the supply of healthy and sustainable food to consumers, it would be up to the State to provide more support with public policies for these initiatives, in order to increase their management autonomy, generate more occupations and income and build better markets for the experiences.
Keywords: Food, Rural agroindustries, Short chains and foods markets, Regional endogenous development.
Resumen: El objetivo de este trabajo fue analizar los datos de la agroindustria rural del Censo Agropecuario 2017, con el fin de construir un perfil de las experiencias en Brasil, en las macrorregiones y en ambos tipos de agricultura (familiar - AF y no familiar - ANF). La metodología utilizada fue cuantitativa, utilizando datos sobre agronegocios rurales del Censo Agropecuario 2017, obtenidos del sitio web del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE), del Sistema Automático de Recuperación de Datos (SIDRA). Los resultados y conclusiones apuntan a un perfil de AGR más presente en los establecimientos de AF, aunque los mayores valores de producción y ventas se encuentran en el ANF. Los AGR de AF tienen valores de producción más altos que son autoconsumidos por las familias y escalas de producción más pequeñas en comparación con los AGR de ANF. La Región Noreste tiene el mayor número de AGR en ambos tipos de agricultura, mientras que el Sudeste tiene mayores valores de producción y ventas y el Sur tiene un mayor autoconsumo. Dada la importancia de la actividad de las agroindustria para el suministro de alimentos saludables y sostenibles a los consumidores, correspondería al Estado brindar más apoyo con políticas públicas a estas iniciativas, con el fin de aumentar su autonomía de gestión, generar más ocupaciones e ingresos y construir mejores mercados para las experiencias.
Palabras clave: Alimentación, Agroindustrias rurales, Cadenas cortas y mercados de alimentos, Desarrollo regional endógeno.
1 Introdução
A modernização da agricultura foi o paradigma que orientou a oferta agrícola desde os anos 1970. Baseou-se na tecnologia para aumentar a produtividade das áreas e culturas, contudo, gerou graves problemas sociais (por exemplo, migração rural-urbano) e degradação ambiental com a forma como foi implantada no campo. Já do lado do consumo e distribuição dos alimentos, tem-se um sistema alimentar concentrado em torno de grandes corporações agroindustriais, com cadeias longas de distribuição que fornecem produtos altamente processados (SILIPRANDI, 2015). Estes produtos alimentícios têm gerado várias Doenças Alimentares Não Transmissíveis (DANTs) entre os consumidores e que não se preocupam com a sustentabilidade ambiental de suas práticas, por exemplo, em auxiliar a cumprir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) (PLOEG, 2008; SANTOS, 2008; SILIPRANDI, 2015).
Diante deste quadro questionável por vários ângulos, surgem alternativas de produção - distribuição - consumo que se mostram mais sustentáveis frente aos novos desafios em torno da construção da alimentação e de dietas saudáveis no século XXI. Um exemplo, são as agroindústrias nos espaços rurais, que são entendidas como uma estratégia de reprodução social de agricultoras e agricultores, especialmente familiares, que são predominantes nas experiências. As agroindústrias também espelham a diversidade existente na agricultura e nos processos de desenvolvimento rural e regional brasileiros, dado a vasta gama de receitas, alimentos fabricados, processos de elaboração, modos de fazer artesanais, conhecimentos mobilizados, alimentos regionais comercializados, dentre outros aspectos específicos que são marcantes (SCHNEIDER, 2009; PERONDI; BEAL; GAZOLLA, 2019).
As agroindústrias rurais são iniciativas dos agricultores que produzem alimentos artesanais, elaborados com ingredientes frescos, baseados na culinária local e regional das populações e que possuem formatos ecológicos, em algumas iniciativas. Estes alimentos são comercializados por cadeias curtas1 e mercados alimentares regionais, que diminuem o número de agentes envolvidos na distribuição, encurtando as distâncias percorridas pelos alimentos e aumentando os ganhos dos agricultores. Além disso, essas agroindústrias geram emprego, ocupações e renda nas regiões e espaços rurais, pois o valor que a elaboração agrega aos alimentos possibilita maiores ganhos econômicos para os agricultores (GAZOLLA et al, 2012; BASTIAN et al, 2014).
São por estes papéis que as agroindústrias rurais cumprem para o desenvolvimento regional que as experiências de elaboração de alimentos deveriam ser mais valorizadas pelo Estado. No entanto, o que se observa nos últimos anos é a depreciação e até extinção de várias políticas públicas que apoiavam as agroindústrias, por exemplo, o Programa de Agroindustrialização (PAF), do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e, também, os programas estaduais, como os antes existentes nos três estados do Sul. O que ainda resta são os baixos acessos ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), em suas Modalidades de Agroindústria e Alimentos, a política de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), mas com baixa cobertura entre os agricultores e, em alguns locais, iniciativas de municípios que valorizam a elaboração e venda de alimentos agroindustrializados, mantendo programas de apoio as experiências (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2014; WESZ JUNIOR, 2017).
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019, p. 35) as agroindústrias rurais são formadas por atividades de processamento de alimentos com matérias-primas próprias ou de terceiros, com mão de obra familiar ou contratada e com a destinação do produto final feita pelo agricultor. Waquil et al (2014) destacam que um dos objetivos das agroindústrias é a obtenção de maior valor de troca pelos produtos, a fim de aumentar o nível de renda das unidades de produção. Para Gazolla e Schneider (2017), a agroindústria familiar é uma alternativa para que estas unidades possam se inserir nos mercados consumidores com produtos de boa qualidade que asseguram não só o aumento de renda dos agricultores, mas também a segurança alimentar e nutricional das comunidades locais e regionais.
O objetivo deste trabalho é analisar os dados da agroindústria rural (AGRs) do Censo Agropecuário 2017, de forma a construir um perfil das experiências no Brasil, comparando as AGRs nas cinco macrorregiões e nos dois tipos de agriculturas (familiar – AF e não familiar – ANF). Em menor medida, também se problematiza a falta de políticas públicas que ajudam a fragilizar as agroindústrias e destaca-se sua importância para os processos de desenvolvimento regional nos locais que as agroindústrias operam. Os dados usados são quantitativos e proveem do IBGE, do Censo Agropecuário de 2017. Os diversos indicadores sobre as AGRs foram retirados do banco de dados online denominado Sistema de Recuperação Automática de Dados (SIDRA/IBGE).
Este trabalho está dividido em três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira revisa-se brevemente a literatura sobre os temas do desenvolvimento regional endógeno, políticas públicas para a agroindustrialização e agroindústrias. A segunda apresenta a metodologia da investigação e na terceira são descritos e analisados os resultados das AGRs, em uma abordagem que privilegia o escrutínio dos dados macrorregionais (cinco regiões do Brasil) e pelos dois tipos de agriculturas (AF e ANF).
2 Agroindústrias, desenvolvimento regional endógeno e políticas públicas
As agroindústrias rurais (AGRs) são unidades de processamento de alimentos que utilizam matérias-primas próprias ou de terceiros, podendo ter mão-de-obra familiar ou contratada e que, geralmente, destinam a produção aos mercados de forma autônoma. As agroindústrias com mão-de-obra contratada geralmente têm maior escala de produção devido a disponibilidade de terras e recursos como máquinas e equipamentos. A definição do IBGE sugere que a agroindústria rural pode estar presente tanto em unidades de produção familiares, mas também em unidades de com lógica de gestão e trabalho não familiares.
Em muitos casos, as agroindústrias iniciam-se nas cozinhas das agricultoras elaborando alimentos para autoconsumo da família. Só depois de algum tempo de vida, aumentam escala e passam a construir mercados alimentares para fora das fronteiras das unidades de produção, ganhando os gostos dos consumidores, assumindo os pressupostos da legislação alimentar (prédio próprio, instalações, embalagens) e tornando-se empreendimentos sociais e econômicos para muitos agricultores e regiões (MIOR, 2005).
Para Gazolla e Schneider (2017) a agroindústria familiar é uma alternativa para que a agricultura familiar possa se inserir nos mercados consumidores com alimentos de boa qualidade que asseguram não só o aumento de renda dos agricultores como dietas saudáveis aos consumidores. As agroindústrias da agricultura familiar têm o objetivo de obter maior valor de troca pelos produtos nos mercados, assim como satisfazer as necessidades de consumo da família. Além disso, se a venda destes alimentos ocorrer diretamente aos consumidores, os rendimentos dos agricultores em circuitos curtos tendem a ser mais elevados, pois nas cadeias longas elevam-se os custos de distribuição, intermediações e com terceiros (WAQUIL et al, 2013).
Para os consumidores, a experiência de adquirir alimentos direto das famílias agricultoras é importante para a construção de dietas saudáveis. As tendências de consumo do século XXI demonstram que as pessoas têm se preocupado cada vez mais com a garantia da entrega de um alimento de boa qualidade, rico em nutrientes e que não agrida o meio ambiente. Esta nova geração de consumidores reflexivos e politizados se preocupa com a escolha dos alimentos que compartilhem os valores sociais da região, com a preservação do meio ambiente e produção de acordo com os preceitos de dignidade dos trabalhadores. Além disso, para os alimentos que têm sua matéria prima certificada, o conhecimento da procedência dos alimentos assegura ao consumidor a inexistência de elementos químicos nocivos a sua saúde (salvos casos em que a legislação sanitária exige a adição de conservantes, como é o caso de alguns embutidos) (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017; SONNINO, 2019).
O consumo de alimentos locais ou regionais, comercializados por meio de cadeias curtas, é a resposta de uma parcela da população que não está satisfeita com a proposta do sistema alimentar hegemônico, além de uma oportunidade para promover o desenvolvimento endógeno de uma região ou território. A aglomeração de organizações com interesses e mercados comuns pode gerar um ambiente de cooperação que amplia a produção e consumo regional. A retenção do excedente econômico gerado pela economia local leva a um aumento de emprego, ocupações, produção e renda local e regional, possibilitando o desenvolvimento endógeno (AMARAL FILHO, 2001).
Dentro da noção de desenvolvimento regional endógeno, as agroindústrias desempenham diversos papéis, por exemplo, fomentar conhecimentos, habilidades, serviços, reduzir custos de diversas atividades e aumentar a capacidade de produção e comercialização de alimentos pelas cadeias curtas e mercados locais. As agroindústrias geram movimentação econômica local, emprego, ocupações, renda e abastecem com alimentos de boa qualidade a população consumidora urbana. Assim, as agroindústrias fortalecem as atividades econômicas, sociais e ambientais, gerando processos de desenvolvimento regional endógeno nos locais que elas estão imersas. Em muitos locais e regiões, tamanha é a quantidade de agroindústrias rurais operando que alguns autores têm falado em cluster agroindustrial destes empreendimentos ou mesmo, a existência de Arranjos Produtivos Locais (APLs), por exemplo, como ocorre na Região do Médio Alto Uruguai do Rio Grande do Sul (MALUF, 2004; ADMAU, 2021).
Em função destes papéis que as AGRs possuem para os processos de desenvolvimento regional, especialmente nas duas últimas décadas, várias políticas públicas foram implementadas pelo Estado, nos diferentes níveis territoriais, de forma a fortalecer os empreendimentos. Como exemplos emblemáticos, pode-se citar o Programa de Agroindustrialização (PAF), do extinto Ministério do desenvolvimento Agrário (MDA), o PRONAF Agroindústria e Alimentos, a política de ATER e as iniciativas estaduais no Sul do país, como o Programa Fábrica do Agricultor no Paraná, Desenvolver em Santa Catarina e Programa de Agroindústria Familiar (PAF), no Rio Grande do Sul (WESZ JUNIOR, 2017).
Embora estas políticas públicas tenham recebido várias críticas, por exemplo: serem voltadas as AGRs já sedimentadas e maiores, não criando novas e nem apoiando as mais fragilizadas; destinar os recursos, no caso do PRONAF Agroindústria, a médias e grandes cooperativas, mas também para organizações empresariais; fomentar a inserção das AGRs nos mercados consumidores formais de forma que as mesmas internalizassem processos de padronização de alimentos, aumento desproporcionais de escala (em relação ao tamanho do agregado familiar e as matérias primas produzidas); e endividamento de vários empreendimentos por falta de capacidade de pagamento de empréstimos contraídos, entre outras críticas que estudos têm apontado (GUIMARÃES; SILVEIRA, 2010; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2014).
Mesmo com estes limites, as ações públicas que foram implementadas foram importantes para muitas agroindústrias conseguirem viabilizar as estruturas de fabricação dos alimentos como construção do prédio e aquisição de máquinas e equipamentos. Também para a formalização dos empreendimentos, houve apoio de equipes técnicas, compra de embalagens, reformulação de algumas legislações alimentares restritivas (Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA em nível nacional); no Rio Grande do Sul e Paraná, o Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (SUSAF); a implementação do Selo Arte e a construção de rótulos, selos e marcas locais/regionais, por exemplo, o selo Sabor Gaúcho no RS. Em uma terceira frente de atuação, estas políticas conseguiram realizar a abertura de novos mercados alimentares e canais de comercialização para as agroindústrias, como feiras da agricultura familiar e/ou das agroindústrias, Feira Nacional da Agricultura Familiar e da Reforma Agrária (FENAFRA) e formação de consórcios intermunicipais para apoio as agroindústrias em várias frentes (RAUPP, 2009).
Estes resultados das políticas públicas que ocorreram em algumas regiões evidenciam a importância do Estado em apoiar processos de agroindustrialização dos agricultores, especialmente os familiares, por serem em maior número de iniciativas de agregação de valor neste tipo de agricultura, como os dados dos Censos Agropecuários evidenciam (tanto no de 2006, como no de 2017) e por serem experiências mais fragilizadas socioeconomicamente. Além do fortalecimento das iniciativas serem fundamentais aos agricultores familiares, também o são para os processos de desenvolvimento regional como discutido acima e para os consumidores, que a partir das cadeias curtas e mercados locais, podem ter acesso a alimentos saudáveis para suas dietas.
Atualmente não existem políticas públicas nacionais para as AGRs rurais (com exceção do PRONAF Agroindústria), e nem mesmo as iniciativas estaduais supracitadas estão ativas. Isso representa perda de dinamismo econômico e oportunidades de desenvolvimento para as regiões. O que se tem é o apoio de alguns municípios, que ainda valorizam a agroindustrialização como estratégia de desenvolvimento local, por exemplo, as políticas implementadas em Criciumal/RS, Francisco Beltrão/PR e na Região de Chapecó/SC. Nesta última citada, as ações ocorrem especialmente via a Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO), que criou uma Central de cooperativas específica para apoiar os agricultores nesta estratégia de desenvolvimento agroindustrial regional (a União Central das Cooperativas das Agroindústrias Familiares - UCAF), exemplo de organização coletiva e público-privada de fortalecimento das agroindústrias em várias frentes (APACO, 2021).
3 Metodologia da pesquisa
O Censo Agropecuário denomina de agroindústria rural (AGR) os estabelecimentos agrícolas em que há transformação de matérias-primas, próprias ou adquiridas, em instalações próprias e que o produto final foi destinado (comercializado) pelo agricultor. Para o Censo 2017, a AGR pode estar tanto na agricultura familiar (AF) como na não familiar (ANF).
O Decreto n° 9.064, de 31 de maio de 2017 embasa os conceitos usados no Censo Agropecuário de 2017 (BRASIL, 2017). Segundo este, a agricultura familiar é a que utiliza força de trabalho familiar ou conta com poucos ajudantes contratados; tem área total menor do que quatro módulos fiscais; renda familiar majoritariamente originada das atividades agrícolas realizadas no estabelecimento e a gestão é feita pela própria família. Já a agricultura não familiar possui mão-de-obra contratada e os processos decisórios são coordenados pelo empresário agrícola ou gestores profissionais também contratados (agrônomos, veterinários, administradores). A ANF também utiliza em maiores graus máquinas, equipamentos e outras tecnologias, além de possuírem maiores áreas de terras e escalas de produção.
Compreender as diferenças entre as AGRs nos dois tipos de agriculturas brasileiras é importante e a análise empreendida neste trabalho tem como um dos focos esta comparação. Além disso, o delineamento metodológico e analítico do trabalho, também procura verificar as diferenças dos dados das AGRs entre as cinco macrorregiões brasileiras (Norte, Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul), devido a existência de disparidades regionais em relação as AGRs.
Os dados desta pesquisa foram obtidos do IBGE, mais especificamente do Sistema Recuperação Automática de Dados (SIDRA)2 que é um portal online em que o IBGE disponibiliza várias pesquisas realizadas pelo instituto, sendo uma delas os Censos Agropecuários, a partir da qual o texto explora indicadores da agroindústria rural, conforme indicadores colocados abaixo no texto, contendo o número das tabelas que os dados foram retirados do SIDRA/IBGE:
- Tabela 6960 - Número de estabelecimentos total;
- Tabela 6960 - Valor da produção da agroindústria rural;
- Tabela 6960 - Valor da venda dos produtos da agroindústria rural;
- Tabela 6960 - Número de estabelecimentos da agroindústria rural;
- Tabela 6960 - Valor da produção da agroindústria familiar e não familiar;
- Tabela 6960 - Valor da venda dos produtos da agroindústria familiar e não familiar;
- Tabela 6960 - Condição do produtor em relação as terras;
- Tabela 6960 – Grupos de atividade econômica;
- Tabela 6906 – Grupos de área total;
- Tabela 6961 – Tipos de unidades de beneficiamento;
- Tabela 6961 – Origem da orientação técnica recebida.
Os tópicos apresentam a relação de indicadores que foram selecionados do Censo Agropecuário 2017, devido sua relevância para a análise do perfil das agroindústrias rurais no Brasil, nas macrorregiões e nos dois tipos de agriculturas. A partir dos dados obtidos do SIDRA/IBGE foram organizados no software Microsoft Office Excel, onde foram aplicadas técnicas de análise baseadas na estatística descritiva e construídas as tabelas usadas no texto.
Portanto, a metodologia deste trabalho é baseada na exploração de dados do total de produtos considerados pelo IBGE como provenientes da agroindústria rural, que são em número de trinta e dois ao total (32): aguardente de cana, algodão em pluma, caroço de algodão, arroz, café torrado em grão, café torrado moído, cajuína, creme de leite, doces e geleias, farinha de mandioca, fubá de milho, fumo, legumes e verduras processados, licores, manteiga, óleos vegetais, panificados, polpa de frutas, queijo e requeijão, rapadura, suco de frutas, vinho de uva, carne de bovinos, carne de suínos, carne de outros animais, carne de sol, embutidos, couros e peles, carvão vegetal, produtos de madeira, outros produtos, goma ou tapioca.
4 Agroindústrias rurais: uma análise do seu perfil macrorregional e pelos dois tipos de agriculturas
Nesta seção, apresenta-se a análise dos dados sobre a agroindústria rural. A descrição dos dados e a análise realizada está subdividida em três subseções. Na primeira se desenvolve a análise das AGRs nas cinco regiões. Na segunda entre os dois tipos de agriculturas, a AF e a ANF. E na terceira subseção dos resultados, discute-se indicadores das AGRs em torno dos grupos de atividades econômicas que as agroindústrias estão presentes, tipos de instalações, área de terras e a ATER recebida.
4.1 As AGRs nas cinco macrorregiões brasileiras
Na Tabela 1 se tem o número de estabelecimentos agropecuários com AGRs nas cinco macrorregiões. O Censo de 2017 identificou a presença de 852.639 estabelecimentos que trabalham com elaboração de alimentos, que representam 16,8% dos estabelecimentos do país. A Região Nordeste tem destaque com o maior número de unidades de produção, representando 37,3% dos estabelecimentos do país. As Regiões Sul e Norte representam, respectivamente, 23,8% e 22,2%, ficando em segundo posto e formando, se somadas, quase 50% das agroindústrias brasileiras. Enquanto isso, a Região Centro-Oeste tem o menor número de estabelecimentos com agroindústrias, apenas 3,7% do total.
Brasil e regiões | Estabelecimentos (Un.) | % |
Brasil | 852.639 | 100,00 |
Nordeste | 318.402 | 37,34 |
Sul | 203.560 | 23,87 |
Norte | 189.677 | 22,25 |
Sudeste | 109.442 | 12,84 |
Centro-Oeste | 31.558 | 3,70 |
Esta distribuição espacial das AGRs concentradas nas Regiões Nordeste e Sul, segue a distribuição macrorregional da AF no território nacional. Segundo dados do Censo Agropecuário (IBGE, 2017) dos 3.897.408 estabelecimentos totais da AF (correspondendo a 76,83% do total de estabelecimentos em nível nacional), os mesmos estão distribuídos predominantemente na Região Nordeste (47,18%), seguida pelas Regiões Sudeste (17,6%) e Sul (17,08) com valores muito próximos. Já a região Centro-Oeste tem maior concentração de médios e grandes estabelecimentos agropecuários, fator que pode explicar a menor incidência de agroindústrias na região. Estes valores ficam muito próximos aos evidenciados por Kageyama, Bergamasco e Oliveira (2014) em análise dos dados do Centro Agropecuário 2006.
Já os valores da produção das agroindústrias do Brasil e regiões são apresentados na Tabela 2. Os dados demonstram que apesar da maior concentração de estabelecimentos com agroindústrias estar no Nordeste, esta região fica em segundo lugar quando se trata do valor da produção. Em primeiro lugar está a Região Sudeste, que detém 32% do valor total da produção do país, seguido pelo Nordeste com 21,2%, Centro-Oeste com 18,8%, Sul com 15,6% e Norte com 12,2%.
Brasil e regiões | Valor da produção (R$) | % |
Brasil | 14.826.754,00 | 100,00 |
Sudeste | 4.749.278,00 | 32,03 |
Nordeste | 3.154.384,00 | 21,27 |
Centro-Oeste | 2.797.878,00 | 18,87 |
Sul | 2.314.663,00 | 15,61 |
Norte | 1.810.552,00 | 12,21 |
A escala produtiva média das AGRs brasileiras é de R$ 17,38 mil/estabelecimento, contudo, ela apresenta-se muito randômica entre regiões. Por exemplo, as AGRs do Nordeste são maiores em números, mas menores em escala produtiva dentro dos estabelecimentos de AFs (R$ 9,90 mil/estabelecimento), além de muitas possivelmente terem papel somente para os processos de segurança alimentar dos agricultores, via produção de autoconsumo, sendo pequena a venda de excedentes. Já Região Sudeste têm menos AGRs em números, mas sua escala produtiva é maior (R$ 88,65 mil/estabelecimento) e podem estar mais presentes dentro de estabelecimentos de ANFs que trabalham com mais área, capital, tecnologias e recursos, confirmando o que outros trabalhos de pesquisa já haviam exposto (GAZOLLA; NIEDERLE; WAQUIL, 2012; BASTIAN et al, 2014).
A Tabela 3 apresenta os dados dos valores de produção que foram vendidos pelas AGRs, estando descontados o chamado autoconsumo nos estabelecimentos, se comparado com os dados presentes na Tabela 2, antes descrita. Em nível nacional, tem-se que 73,05% da produção das AGRs vai para a venda nos mercados alimentares, enquanto, em torno de ¼ fica nos estabelecimentos para serem autoconsumidos pelas famílias (26,95%). Estes dados evidenciam que as AGRs se comportam como um novo empreendimento social e econômico como Mior (2005) formulou, pois a maior parte da produção agropecuária é voltada para os mercados alimentares, devido a necessidade das AGRs melhorarem suas condições de renda e de vida dos agricultores nas regiões em que estão presentes, fortalecendo o desenvolvimento regional endógeno, conforme já formulado por Amaral Filho (2001).
Brasil e regiões | Valor de venda (R$) | % |
Brasil | 10.830.769,00 | 100,00 |
Sudeste | 3.602.882,00 | 33,27 |
Nordeste | 2.552.332,00 | 23,57 |
Centro-Oeste | 2.348.797,00 | 21,69 |
Norte | 1.228.858,00 | 11,35 |
Sul | 1.097.900,00 | 10,14 |
Todas as regiões se aproximam deste percentual nacional de produtos que são alocados ao abastecimento dos mercados alimentares, exceção é a Região Sul, em que este percentual de vendas é bem menor (47,44%) e as estratégias de auto provisionamento das famílias são mais efetivas para alimentar o grupo doméstico (52,56% da produção é autoconsumida). No Sul, pouco mais da metade da produção fica interna aos estabelecimentos, servindo para garantir a segurança alimentar e nutricional das famílias, bem como cumprindo outros papéis sociais, simbólicos, de trocas e reciprocidades entre agricultores, como estudos têm ressaltado (GRISA; SCHNEIDER, 2008; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017).
4.2 As AGRs na agricultura familiar e não familiar
Até está parte do texto analisou-se variáveis de estabelecimentos e valores da produção das AGRs entre as regiões. Desta parte em diante, além da análise destas variáveis regionalmente, acrescenta-se a diferenciação pelos dois tipos de agriculturas (AF e ANF). Por exemplo, a Tabela 4 expressa o número de estabelecimentos que possuem AGRs, por regiões e tipos de agricultura. Um primeiro dado que chama a atenção é que a maioria das agroindústrias estão em estabelecimentos da AF (84,52%) e apenas 15,48% estão na ANF, evidenciando a proeminência das formas familiares de produção e trabalho nos espaços rurais na constituição de agroindústrias como atividade de produção e consumo de alimentos artesanais e saudáveis.
Brasil e regiões | Tipologia | |||||
AF e ANF - total | ANF | AF | ||||
Estab. | % | Estab. | % | Estab. | % | |
Brasil | 852.639 | 100 | 131.995 | 15,48 | 720.644 | 84,52 |
Nordeste | 318.402 | 37,34 | 48.990 | 15,39 | 269.412 | 84,61 |
Sul | 203.560 | 23,87 | 29.236 | 14,36 | 174.324 | 85,64 |
Norte | 189.677 | 22,25 | 20.022 | 10,56 | 169.655 | 89,44 |
Sudeste | 109.442 | 12,84 | 25.401 | 23,21 | 84.041 | 76,79 |
Centro-Oeste | 31.558 | 3,70 | 8.346 | 26,45 | 23.212 | 73,55 |
Regionalmente, os dados são muito parecidos com os nacionais, apenas nas Regiões Sudeste e Centro-Oeste os números de AGRs são um pouco menores na AF (76,79% e 73,55, respectivamente) e maiores nos estabelecimentos da ANF (23,21% e 26,45%, respectivamente). Estes dados referendam o que estudos anteriores sobre o tema, inclusive baseados nas informações do Censo Agropecuário de 2006 já haviam verificado, que a maior parte das experiências de AGRs estavam presentes na AF, evidenciando que os AFs são os principais atores sociais ativos nos processos de agregação de valor e transformação de alimentos, a partir da constituição de agroindústrias (WAQUIL et al, 2014; BASTIAN et al, 2014).
Já na Tabela 5, tem-se os dados dos valores totais da produção das AGRs, nas regiões e pelos dois tipos de agriculturas. Os valores de produção das AGRs da ANF, em nível nacional, representam 57,1% do total, enquanto os valores de produção da AF são 42,8% da produção total, demonstrando que as agroindústrias da ANF conseguem aferir maiores valores de produção ao colocar seus produtos e alimentos nos mercados. Em termos regionais e na ANF, os maiores percentuais de produção estão nas Regiões Centro-Oeste (87,38%) e Sudeste (65,72%). Na AF os maiores percentuais de valores de produção são encontrados nas Regiões Norte (76,69%) e Sul (68,39%). O Nordeste é uma região em equilíbrio de valores de produção em torno das duas agriculturas, sendo a ANF um pouco mais predominante (55,65% dos valores de produção estão na ANF e 44,35% na AF).
Brasil e regiões | Tipologia | |||||
AF e ANF – total | ANF | AF | ||||
Valor prod. | % | Valor prod. | % | Valor prod. | % | |
Brasil | 14.826.755,00 | 100,0 | 8.475.259,00 | 57,16 | 6.351.496,00 | 42,84 |
Sudeste | 4.749.278,00 | 32,03 | 3.121.089,00 | 65,72 | 1.628.189,00 | 34,28 |
Centro-Oeste | 2.797.877,00 | 18,87 | 2.444.882,00 | 87,38 | 352.995,00 | 12,62 |
Nordeste | 3.154.385,00 | 21,27 | 1.755.538,00 | 55,65 | 1.398.847,00 | 44,35 |
Sul | 2.314.663,00 | 15,61 | 731.743,00 | 31,61 | 1.582.920,00 | 68,39 |
Norte | 1.810.552,00 | 12,21 | 422.007,00 | 23,31 | 1.388.545,00 | 76,69 |
Novamente, em relação a estes dados contidos na Tabela 5, a explicação perpassa pelas diferentes escalas das AGRs. Por exemplo, em nível de país, as AGRs da ANF possuem escala produtiva de R$ 64,20 mil/estabelecimento, enquanto nas AGRs da AF esta escala é de apenas R$ 8,81 mil/estabelecimento, mais de sete (7) vezes a diferença entre as duas agriculturas (7,28 mil/estabelecimento). Exemplo deste processo social seriam as agroindústrias canavieiras existentes dentro das unidades de produção de São Paulo e cidades de entorno (SANTOS; SANTANA, 2021). De qualquer forma, este achado coincide com outros estudos sobre as escalas das AGRs realizados a partir dos dados do Censo Agropecuário 2006, em que as conclusões foram em torno da menor capacidade produtiva das AGRs familiares em relação as não familiares (GAZOLLA; NIEDERLE; WAQUIL, 2012; BASTIAN et al, 2014).
A Tabela 6 apresenta os valores de produção que foram comercializados pelas AGRs nos dois tipos de agriculturas. Assim como no valor de produção, no valor de venda, as AGRs não familiares têm maior participação sendo 62,35% do valor de venda nacional. As AGRs familiares representam 37,65% do valor de venda total. Percebe-se que na maioria das grandes regiões a agricultura não familiar tem maiores valores de venda, com exceção das Regiões Norte (81%) e Sul (55,57%), em que predominam os estabelecimentos familiares. Sudeste (66,19%), Nordeste (62,41%) e Centro-Oeste (87,46%) são as regiões com maiores valores de venda dos produtos da AGR, sendo a participação da ANF mais representativa.
Brasil e regiões | Tipologia | |||||
AF e ANF – total | ANF | AF | ||||
Valor venda | % | Valor venda | % | Valor venda | % | |
Brasil | 10.830.769,00 | 100,0 | 6.753.233,00 | 62,35 | 4.077.536,00 | 37,65 |
Sudeste | 3.602.881,00 | 33,27 | 2.384.831,00 | 66,19 | 1.218.050,00 | 33,81 |
Nordeste | 2.552.332,00 | 23,57 | 1.592.808,00 | 62,41 | 959.524,00 | 37,59 |
Centro-Oeste | 2.348.797,00 | 21,69 | 2.054.344,00 | 87,46 | 294.453,00 | 12,54 |
Sul | 1.097.900,00 | 10,14 | 487.759,00 | 44,43 | 610.141,00 | 55,57 |
Norte | 1.228.858,00 | 11,35 | 233.490,00 | 19,00 | 995.368,00 | 81,00 |
Possivelmente, nessas três regiões e tipos de agriculturas que possuem maiores valores de venda, isso ocorre devido a maior regularidade da oferta dos produtos durante o ano e acesso a mercados locais e regionais, principalmente construindo canais de comercialização por cadeias curtas para escoar os seus alimentos para os consumidores e centros urbanos. Segundo Waquil et al (2014), tanto as AGRs familiares quanto as não familiares vendem para intermediários e direto para o consumidor, com a diferença que a AGR não familiar vende em maior quantidade para intermediários e a AGR familiar vende em maior quantidade direto para os consumidores.
Pelos dados contidos nas Tabelas 5 e 6, é possível calcular os valores de produção autoconsumidos nos estabelecimentos, pelo valor total de produção (Tabela 5), diminuindo os valores de produção vendidos (Tabela 6), nos dois tipos de agriculturas. Os dados censitários evidenciam que, em nível de país, as AGRs da ANF vendem para os mercados 79,68% da sua produção e consomem em seus estabelecimentos apenas 20,32%. Já as AGRs da AF comercializam 64,20% dos valores da produção e consomem 35,80% dos valores de produção.
O que os dados do Censo mostram é que as agroindústrias da ANF possuem como estratégia principal a colocação da sua produção nos mercados alimentares, enquanto as agroindústrias da AF necessitam de uma maior parcela desta produção para suprir suas necessidades alimentares e alocam menos excedentes para os mercados. Devido possuírem grupos domésticos com maior número de membros em suas famílias, a AF se utiliza destes alimentos como estratégicos no provimento da segurança alimentar e nutricional dos seus membros, que são mais numerosos se comparados aos da ANF, como investigações têm evidenciado (GRISA; SCHNEIDER, 2008; DORIGON et al, 2020).
Regionalmente, as agroindústrias da ANF que mais utilizam-se da estratégia de autoconsumo estão na Região Norte, que possui os menores percentuais de venda da produção (55,32%) e maiores parcelas da produção que fica como aprovisionamento das famílias nos estabelecimentos (44,68%). Esta região é seguida pelo Sudeste em que 76,41% da produção é vendida e 23,59% autoconsumida. Já dentre as agroindústrias da AF, a Região Sul se destaca em relação ao auto aprovisionamento, pois nesta apenas 38,54% da produção é vendida e 61,46% ficam dentro dos estabelecimentos para consumo. O Sul é seguido pelo Nordeste, em que 68,59% da produção é comercializada e 31,41% é autoconsumida.
4.3 Atividades econômicas, tipo de instalações e ATER recebida pelas AGRs
Nesta última subseção dos resultados, apresenta-se e discute-se os indicadores das AGRs em torno dos grupos de atividades econômicas que as agroindústrias estão mais presentes, os tipos de instalações em que ocorre o beneficiamento dos alimentos, a área de terras e as ATER recebida.
A Tabela 7 apresenta os grupos de atividades econômicas em que as AGRs são mais atuantes, para o Brasil e as cinco regiões. As AGRs estão presentes em várias atividades econômicas rurais, entretanto, segundo a metodologia do Censo Agropecuário 2017, são classificadas em apenas nove (9) atividades. No Brasil as lavouras temporárias (50,2%) e a pecuária (36,7%) são as atividades em que as AGRs estão mais presentes; quando somadas estes dois grupos de atividades perfazem quase 90% da presença das AGRs (86,9%). Outras atividades com maior participação são as lavouras permanentes (5,8%), produção florestal de árvores nativas (4,4%) e horticultura (1,1%). Dentre as atividades com menor presença das AGRs estão a produção de sementes e mudas certificadas (0,05%), produção florestal com árvores plantadas (0,82%), pesca (0,34%) e aquicultura (0,34%).
Grupos de atividade econômica | Brasil e Grandes Regiões | ||||||||||||
Brasil | Nordeste | Sul | Norte | Sudeste | Centro-Oeste | ||||||||
Estab. | % | Estab. | % | Estab. | % | Estab. | % | Estab. | % | Estab. | % | ||
Total | 852.639 | 100 | 318.402 | 37,3 | 203.560 | 23,8 | 189.677 | 22,2 | 109.442 | 12,8 | 31.558 | 3,7 | |
Lavouras temporárias | 428.800 | 50,2 | 166.952 | 52,4 | 103.035 | 50,6 | 129722 | 68,3 | 24.481 | 22,3 | 4.610 | 14,6 | |
Horticultura e floricultura | 9.538 | 1,1 | 3.303 | 1,0 | 2.560 | 1,2 | 1.617 | 0,8 | 1.651 | 1,5 | 407 | 1,2 | |
Lavouras permanentes | 50.249 | 5,8 | 17.392 | 5,4 | 7.619 | 3,7 | 13.870 | 7,3 | 10.935 | 9,9 | 433 | 1,3 | |
Sementes e mudas | 394 | 0,0 | 156 | 0,0 | 101 | 0,0 | 39 | 0,0 | 76 | 0,0 | 22 | 0,0 | |
Pec./criação animais | 313.285 | 36,7 | 106.067 | 33,3 | 85.584 | 42,0 | 29.005 | 15,2 | 66.970 | 61,1 | 25.659 | 81,3 | |
Prod.florestal (plantada) | 6.989 | 0,8 | 512 | 0,1 | 3.094 | 1,5 | 253 | 0,1 | 3.041 | 2,7 | 89 | 0,2 | |
Prod.florestal (nativa) | 37.628 | 4,4 | 21.970 | 6,9 | 773 | 0,3 | 12.631 | 6,6 | 2.069 | 1,8 | 185 | 0,5 | |
Pesca | 2.861 | 0,3 | 677 | 0,2 | 73 | 0,0 | 2.064 | 1,0 | 39 | 0,0 | 8 | 0,0 | |
Aquicultura | 2.895 | 0,3 | 1.373 | 0,4 | 721 | 0,3 | 476 | 0,2 | 180 | 0,1 | 145 | 0,4 |
As Regiões Norte e Nordeste têm suas AGRs baseadas em lavouras temporárias, com 68,3% e 52,4% respectivamente. As Regiões Centro-Oeste (81,3%), Sudeste (61,1%) e Sul (42,0%) são as que mais concentram AGRs ligadas a pecuária e criação de animais. As Regiões Sudeste e Sul são também as que mais possuem atividades de horticultura com 1,51% e 1,26%, respectivamente. Além disso, proporcionalmente, a Região Sudeste é a que mais desenvolve atividades ligadas as lavouras permanentes (9,9%) (possivelmente fruticultura e outras plantações perenes), produção de sementes e mudas (0,07%) e produção florestal de árvores plantadas (2,78%).
Os dados variam entre regiões, mas o perfil das AGRs está assentado nas atividades de lavouras temporárias e pecuária e criação de animais. Estes dois tipos de atividades econômicas são vocações históricas do desenvolvimento da agricultura brasileira e são as responsáveis pelo fornecimento das matérias-primas para os processos de elaboração dos alimentos nas AGRs. Estes dois conjuntos de atividades econômicas, desde Censos Agropecuários anteriores, já demonstravam serem lócus do desenvolvimento rural e agropecuário brasileiro (SCHNEIDER; FERREIRA; ALVES, 2014).
Já a Tabela 8 traz os tipos de instalações que é realizado o beneficiamento dos produtos e alimentos pelas AGRs. Regionalmente, o Nordeste apresenta quase 40% das instalações para beneficiamento dos produtos (37,35%). Depois, em segundo posto e com percentuais muito próximos, aparecem as Regiões Sul (23,87%) e o Norte (22,25%). Com menores percentuais em instalações para beneficiar a produção estão a Região Sudeste (12,83%) e o Centro-Oeste (3,70%). Nota-se que estes dados da localização geográfica das instalações, coincidem com a regionalização do número de estabelecimentos dedicados a agroindustrialização, demonstrando que a elaboração dos alimentos ocorre dentro das próprias regiões, corroborando com as ideias em torno do desenvolvimento endógeno proporcionado pelas agroindústrias, enfatizadas na revisão da literatura.
Tipo de instalações de beneficiamento | ||||||||||||
Brasil e Grande Região | Total | % | Instalação do próprio estabelecimento agropecuário | Instalação de beneficiamento comunitária pública | Instalação de beneficiamento comunitária privada | Instalação de beneficiamento de terceiros | ||||||
Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | |||||
Brasil | 852.639 | 100,0 | 682.075 | 80,0 | 36.821 | 4,32 | 8.902 | 1,04 | 124.841 | 14,64 | ||
Nordeste | 318.402 | 37,35 | 193.020 | 60,62 | 25.935 | 8,15 | 7.102 | 2,23 | 92.345 | 29,0 | ||
Sul | 203.560 | 23,87 | 201.694 | 99,08 | 171 | 0,08 | 210 | 0,10 | 1.485 | 0,73 | ||
Norte | 189.677 | 22,25 | 161.850 | 85,33 | 8.984 | 4,74 | 602 | 0,32 | 18.241 | 9,62 | ||
Sudeste | 109.442 | 12,83 | 95.225 | 87,01 | 1.309 | 1,20 | 793 | 0,72 | 12.115 | 11,07 | ||
Centro-Oeste | 31.558 | 3,70 | 30.286 | 95,97 | 422 | 1,34 | 195 | 0,62 | 655 | 2,08 | ||
Os dados do Censo Agropecuário 2017 classificam as instalações de beneficiamento das AGRs em quatro (4) tipos: próprias, comunitária pública ou privada e de terceiros. Em nível nacional, observa-se que 80,0% das instalações de beneficiamento são próprias, 14,6% de terceiros, 4,3% comunitárias públicas e 1% comunitárias privadas. A região com maior quantidade de instalações próprias é a Sul com 99%, seguida pelo Centro-Oeste com 95,9%, Sudeste com 87%, Norte com 85,3% e Nordeste com 60,6%. Os dados reforçam a ideia antes exposta, que o beneficiamento da produção é realizado internamente os estabelecimentos dos agricultores, o que é importante para lhes garantir autonomia nos processos de gestão dos empreendimentos (PLOEG, 2008).
A Região Nordeste possui maior uso de instalações de terceiros (29%), comunitárias pública (8%) e privada (2,23%). As Regiões Norte e Sudeste têm, respectivamente, 9,6% e 11% de uso de instalação de terceiros. As instalações comunitárias privadas são as menos utilizadas em todas as regiões. O que os dados evidenciam é que a grande maioria dos agricultores das cinco regiões possuem instalações no seu estabelecimento para agroindustrializar os produtos e alimentos. Em alguns casos, há um espaço ou até prédio voltado a agroindústria que segue os preceitos da legislação alimentar (construído com recursos próprios ou com empréstimo, por exemplo, do PRONAF Agroindústria ou Mais Alimentos), constituindo o que Mior (2005) chamou de um novo empreendimento social e econômico, pois segue os pressupostos da legislação e há acesso formalizado aos mercados alimentares.
No entanto, na maioria dos casos, é uma parte da casa dos agricultores (por exemplo, a cozinha ou o porão da residência) que são utilizados como instalação própria da agroindústria. Segundo Guimarães e Silveira (2010), neste caso, pode-se denominar esta agroindústria como caseira, por possuir funções de autoconsumo e pequena venda de excedentes para os mercados alimentares, de forma informal frente as regras da legislação. Este seria, por exemplo, o caso das chamadas “carnes verdes”, um dos principais alimentos segundo os dados censitários, em que os animais são abatidos nas unidades de produção visando o autoconsumo pela família e pequenas trocas e doações com vizinhos, parentes ou mesmo com a comunidade rural.
As duas próximas informações constantes nas Tabelas 9 e 10 versam sobre a condição dos proprietários em relação às terras e os estratos de área usados nos estabelecimentos agropecuários que possuem AGRs, respectivamente. Sobre a posse das terras, observa-se que a maioria dos agricultores são proprietários da terra onde produzem. Em nível de Brasil, os dados evidenciam que 78,58% dos agricultores são proprietários da área onde desenvolvem suas atividades, incluindo a AGR. Em segundo posto, aparece a situação de concessionário (6,98%) e de comandatário (4,70%). As demais situações em relação a posse das terras possuem percentuais menores (arrendatário, parceiro, ocupante e sem área).
Condição do produtor em relação as terras | Brasil e Grandes Regiões | |||||||||||||
Brasil | Nordeste | Sul | Norte | Sudeste | Centro-Oeste | |||||||||
Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | |||
Total | 852.639 | 100 | 318.402 | 37,34 | 203.560 | 23,87 | 189.677 | 22,25 | 109.442 | 12,84 | 31.558 | 3,70 | ||
Proprietário | 670.046 | 78,58 | 224.128 | 70,39 | 182.616 | 89,71 | 144988 | 76,44 | 93.714 | 85,63 | 24.600 | 77,95 | ||
Concessionário | 59.545 | 6,98 | 26.066 | 8,19 | 5.399 | 2,65 | 19.802 | 10,44 | 3.554 | 3,25 | 4.724 | 14,97 | ||
Arrendatário | 19.426 | 2,28 | 9.947 | 3,12 | 4.920 | 2,42 | 763 | 0,40 | 2.967 | 2,71 | 829 | 2,63 | ||
Parceiro | 16.912 | 1,98 | 8.668 | 2,72 | 2.842 | 1,40 | 3.473 | 1,83 | 1.614 | 1,47 | 315 | 1,00 | ||
Comandatário | 40.105 | 4,70 | 21.276 | 6,68 | 6.024 | 2,96 | 5.925 | 3,12 | 6.248 | 5,71 | 632 | 2,00 | ||
Ocupante | 29.944 | 3,51 | 16.256 | 5,11 | 1.615 | 0,79 | 10.666 | 5,62 | 1.005 | 0,92 | 402 | 1,27 | ||
Sem área | 16.661 | 1,95 | 144 | 0,05 | 144 | 0,07 | 4.060 | 2,14 | 340 | 0,31 | 56 | 0,18 | ||
Regionalmente, o dado em relação à maioria dos agricultores possuírem a posse da terra se repete, com destaque para as Regiões Sul e Sudeste, que os percentuais superam os valores nacionais, 89,71% e 85,63%, respectivamente. Estes números elevados de agricultores proprietários são explicados pelas políticas de imigração implementadas no Brasil após a abolição da escravidão, tanto de trabalho assalariado nas lavouras de café no Sudeste, depois tornando-se proprietários das áreas, quanto para aumentar a produção de alimentos do país e ocupar o território em disputa com espanhóis, no caso do Sul. Estas políticas facilitavam o acesso à terra para os imigrantes e outras categorias sociais (colonos, caboclos, negros libertos, posseiros), permitindo maiores percentuais de posse própria das áreas nestas duas regiões (RAUTER, 2018).
Outro indicador importante em relação às terras é em relação aos grupos de área total dos estabelecimentos agropecuários que possuem AGRs3. Por esta informação é possível verificar, por exemplo, se as AGRs estão em estabelecimentos de menor porte, médios ou em grandes unidades de produção. Os dados mostram que em nível de país a metade das AGRs estão alocadas em estabelecimentos de 10 ha (50,1%). Se somados a este percentual, os estabelecimentos com grupos de áreas de 10 a 20 ha (15,6%) e de 20 a 30 ha (18,0%), tem-se que mais de 80% (83,7%) dos processos de agroindustrialização de produtos e alimentos no Brasil é desenvolvida em unidades menores de 50 ha de área total.
Nas Regiões Nordeste e Sul está dinâmica se repete, a maioria das AGRs estão situadas em estabelecimentos agropecuários até 50 ha. Já nas Regiões Norte, Sudeste e Centro-oeste, há percentuais significativos de iniciativas de agregação de valor aos produtos e alimentos no grupo de área de 50 a 100 ha: 11,2% no Norte, 10,3% no Sudeste e 12,9% no Centro-Oeste. Nestas mesmas três regiões chamam atenção o número importante de AGRs nos estabelecimentos com áreas maiores, de 100 a 500 ha, em torno de 8% no Norte e Sudeste e 12,9% no Centro Oeste. Nas Regiões Nordeste e Sul esta dinâmica se repete, estando a maioria das AGRs situadas em estabelecimentos agropecuários até 50 ha. Já nas Regiões Norte, Sudeste e Centro-oeste, há percentuais significativos de iniciativas de agregação de valor aos produtos e alimentos no grupo de área de 50 a 100 ha: 11,2% no Norte, 10,3% no Sudeste e 12,9% no Centro-Oeste. Nestas mesmas três regiões chamam atenção o número importante de AGRs nos estabelecimentos com áreas maiores, de 100 a 500 ha, em torno de 8% no Norte e Sudeste e 12,9% no Centro Oeste.
O que os dados do Censo Agropecuário mostram em relação aos grupos de áreas dos estabelecimentos que possuem agroindústrias é que a maioria das iniciativas de agroindustrialização de produtos e alimentos encontram-se em unidades com menores áreas, tanto em nível nacional como nas cinco macrorregiões. Este achado evidencia que os agricultores familiares, que são os que possuem menores áreas de terras, como discutido na primeira subseção de resultados deste trabalho, são os atores sociais que têm conduzido de forma mais protuberante processos de agregação de valor em suas estratégias de reprodução social. Esta afirmação, corrobora com outros estudos já desenvolvidos sobre as AGRs, a partir dos dados do Censo Agropecuário 2006 (GAZOLLA; NIEDERLE; WAQUIL, 2012; BASTIAN et al, 2014).
Na última Tabela (10), tem-se os dados sobre a origem e o recebimento de ATER pelos estabelecimentos que possuem AGRs. Esta informação disponível no Censo Agropecuário é importante, já que permite saber os atores que os agricultores se relacionam no contexto social que vivem, se recebem ou não ATER e qual o tipo de ATER recebida (se do Estado ou de outros). No caso da ATER pública, permite verificar o apoio prestado pela política pública à agroindustrialização, conforme já mencionado anteriormente na introdução e revisão do trabalho.
Os dados contidos na Tabela 10, em nível nacional, evidenciam que quase 80% dos estabelecimentos que possuem AGRs não recebem nenhuma orientação técnica (79,8%). As unidades que recebem orientação técnica são apenas 1/5 das unidades (20,2%), sendo que os principais atores sociais que são responsáveis pelo seu oferecimento: o Estado (7,6%), ATER própria (6,2%), de cooperativas (5,0%) e de empresas integradoras (2,7%). Os demais tipos de ATER fornecidos possuem pequenos percentuais (empresas privadas, ONGs, Sistema S e outros tipos).
Origem da orientação técnica | Brasil e Grande Região | ||||||||||||
Brasil | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-Oeste | ||||||||
Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | Total | % | ||
Total | 5.073.324 | 100 | 580.613 | 11,4 | 2.322.719 | 45,8 | 969.415 | 19,1 | 853.314 | 16,8 | 347.263 | 6,8 | |
Recebe | 1.025.443 | 20,2 | 60.351 | 10,4 | 190.804 | 8,2 | 277.593 | 28,6 | 414.645 | 48,6 | 82.050 | 23,6 | |
Governo | 388.077 | 7,6 | 40.224 | 6,9 | 114.425 | 4,9 | 88.905 | 9,2 | 124.015 | 14,5 | 20.508 | 5,9 | |
Própria | 316.394 | 6,2 | 14.637 | 2,5 | 44.830 | 1,9 | 115.266 | 11,9 | 98.051 | 11,5 | 43.610 | 12,6 | |
Cooperativas | 251.520 | 5,0 | 2.223 | 0,4 | 14.614 | 0,6 | 66.319 | 6,8 | 155.171 | 18,2 | 13.193 | 3,8 | |
Emp. integrad. | 134.950 | 2,7 | 1.625 | 0,3 | 4.050 | 0,2 | 14229 | 1,5 | 110.162 | 12,9 | 4.884 | 1,4 | |
Emp. privadas | 28.302 | 0,6 | 822 | 0,1 | 2.016 | 0,1 | 4.692 | 0,5 | 17.735 | 2,1 | 3.037 | 0,9 | |
ONGs | 8.662 | 0,2 | 797 | 0,1 | 5.757 | 0,2 | 1.012 | 0,1 | 850 | 0,1 | 246 | 0,1 | |
Sistema S | 7.680 | 0,2 | 719 | 0,1 | 1.962 | 0,1 | 1.848 | 0,2 | 1.694 | 0,2 | 1.457 | 0,4 | |
Outra | 52.117 | 1,0 | 2.725 | 0,5 | 13.175 | 0,6 | 17.901 | 1,8 | 15.085 | 1,8 | 3.231 | 0,9 | |
Não recebe | 4.047.881 | 79,8 | 520.262 | 89,6 | 2.131.915 | 91,8 | 691.822 | 71,4 | 438.669 | 51,4 | 265.213 | 76,4 |
Abrindo-se os dados pelas cinco macrorregiões brasileiras, os percentuais de recebimento de ATER não são muito diferentes, destacando-se as Regiões Norte e Nordeste, em que o não recebimento dos serviços de ATER superam a média nacional, 89,6% e 91,8%, respectivamente, sendo as duas regiões mais desassistidas. A Região Sul é onde o percentual de não recebimento de ATER é mais baixo, em torno de 51,4% dos estabelecimentos e, as Regiões Sudeste e Centro-Oeste, figuram próximas a média nacional de não recebimento dos serviços de ATER, 71,4% e 76,4%, respectivamente. A Região Sul é melhor colocada em termos de recebimentos de ATER, com quase a metade dos estabelecimentos com AGRs (48,6%), sendo alcançado pela ATER de cooperativas (18%) e pública do Estado (14,5%). No lado contrário, das regiões que menos recebem os serviços de ATER, estão o Norte (10,4%) e Nordeste (8,2%), predominando nas duas a ATER estatal.
As conclusões que os dados permitem tecer em relação a ATER dos estabelecimentos com AGRs dirigem-se em dois âmbitos: a) primeiro, os serviços de ATER, sejam públicos ou privados (provenientes de outros atores e organizações) não chegam a maioria dos agricultores brasileiros que possuem agroindústrias; b) segundo, nas regiões em que os agricultores são mais vulneráveis historicamente, no Norte e Nordeste, tais serviços são quase inexistentes, especialmente os públicos, que deveriam se preocupar com a inclusão social, produtiva e aos mercados alimentares destes agricultores, de forma a promover processos de desenvolvimento rural e regional entre os agricultores mais pobres, melhorando suas capacitações e qualidade de vida.
Estudo de Deponti, Scarton e Schneider (2014), utilizando-se dos dados do Censo Agropecuário de 2006 já haviam apontado esta realidade, em que 78% dos agricultores brasileiros não recebiam serviços de ATER. Passados onze anos (11) entre os dois levantamentos censitários, este percentual até aumentou levemente, já que no Censo de 2017 são quase 80% dos estabelecimentos com AGRs que estão completamente desassistidos dos serviços de ATER, evidenciando um panorama de desestruturação dos serviços de ATER durante este período no país.
Segundo Deponti, Scarton e Schneider (2014) o baixo nível de escolaridade pode ser um dos fatores que leva aos agricultores a não buscar orientação técnica. Aliado a isto, está o fato de que estabelecimentos com menor área e com agricultores mais pobres têm menos acesso a orientação. No caso da orientação técnica privada, esta não alcança todos os estabelecimentos, sendo seletiva em torno de atividades de seu interesse privado, por exemplo, o caso da integração agroindustrial com empresas (fumo, suínos, aves) que aparece com percentual significativo nos dados do Censo.
A ATER pública, apesar das inúmeras reformulações estruturais dos últimos anos, como a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (ANATER), implementação da nova Lei de ATER, atuação por projetos e chamadas públicas, aparentemente não teve recursos suficientes e efetividade das ações para expandir sua abrangência, especialmente na ponta, não chegando dentro das unidades dos agricultores que mais necessitam. Além disso, estudo aponta que a ATER publica, têm se envolvido nos últimos anos demasiadamente com a elaboração de projetos e execução de políticas públicas, sendo até chamada de “ATER de escritório” (NUNES; GRIGOLO, 2013).
A falta de assistência técnica pode acarretar vários tipos de problemas para os agricultores, como os relacionados não apenas à baixa produtividade, mas também falta de qualidade dos alimentos que são produzidos/elaborados; deficiências na gestão das AGRs; dificuldades de compreender a legislação alimentar para formalizar os empreendimentos; entraves para construir novos mercados alimentares e canais de comercialização; baixo acesso as políticas de crédito rural, programas locais ou estaduais de agroindustrialização como mencionado antes no trabalho e outras políticas, como dos mercados institucionais (PAA e PNAE), que seriam importantes para estimular as vendas dos alimentos das agroindústrias. Dessa forma, a participação mais efetiva do Estado via políticas públicas se mostra fundamental para preencher a lacuna de orientação técnica dos estabelecimentos agropecuários brasileiros com AGRs, principalmente dos mais vulneráveis e das regiões mais deprimidas.
5 Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi analisar os dados da agroindústria rural do Censo Agropecuário 2017, de forma a construir um perfil das experiências no Brasil, nas macrorregiões e nos dois tipos de agriculturas (familiar e não familiar). Os dados analisados permitiram traçar um panorama geral dos estabelecimentos que elaboram produtos e alimentos no Brasil, já que diferenças metodológicas existentes (algoritmo diferente) entre os dois levantamentos censitários, não permitiu ainda uma comparação temporal da evolução e dinâmica das AGRs entre os dois Censos (2006 x 2017).
Em relação às características predominantes do perfil das agroindústrias rurais brasileiras, os dados do Censo Agropecuário 2017 evidenciam que as experiências estão presentes majoritariamente dentro de estabelecimentos da AF. Entretanto, em termos de valores de produção e de venda, predominam as AGRs de estabelecimentos da ANF. Em relação a capacidade de produção, as agroindústrias da ANF possuem maiores escalas, enquanto as existentes em estabelecimentos da AF são menores.
Em relação a produção de alimentos das agroindústrias que não é comercializada, observa-se que na AF esta estratégia é mais acionada para suprir as necessidades alimentares do grupo doméstico, que geralmente é maior na agricultura familiar em relação a não familiar. Este achado da pesquisa evidencia que além das agroindústrias serem de grande importância para a produção de alimentos de boa qualidade, saudáveis e sustentáveis para os consumidores das regiões que atuam, elas também são uma garantia de segurança alimentar das famílias agricultoras.
Em termos regionais, a maior concentração de AGRs, analisando-se o número de estabelecimentos, ocorre na Região Nordeste, tanto de agroindústrias familiares quanto de não familiares, comparativamente com as outras regiões brasileiras. A Região Sudeste é a que tem maiores valores de produção e de venda, enquanto a Região Sul é a que mais utiliza-se da estratégia de autoconsumo dos alimentos fabricados pelas famílias, de forma a suprir as necessidades alimentares e de segurança alimentar e nutricional do grupo doméstico, que são mais extensos na AF.
Além destas características do perfil das AGRs, os dados mostram que as agroindústrias brasileiras desenvolvem suas atividades principalmente baseadas em lavouras temporárias e na pecuária e criação de animais, sendo as estruturas de beneficiamento dos alimentos e as áreas de terras das unidades próprias dos agricultores. Neste sentido, a maioria das AGRs do país, estão alocadas em estabelecimentos menores de 50 ha, o que reforça, pela pequena área de terras existente, seu caráter predominantemente familiar.
Outra característica que chama atenção é a baixa incidência dos serviços de ATER prestados, tanto públicos como privados, pois eles alcançam apenas 1/5 dos estabelecimentos brasileiros com AGRs, sendo menos efetivos nas Regiões Norte e Nordeste, onde há contingentes significativos de AF pobres, que necessitariam deste apoio, especialmente da ATER pública, no sentido de ativar processos mais inclusivos e virtuosos de desenvolvimento rural e regional.
Dada a importância desta atividade de agroindustrialização de alimentos nos espaços rurais, caberia ao Estado apoiar com políticas estas inciativas, que atualmente contam apenas com ações públicas especificas de alguns municípios, afora o crédito rural do PRONAF Agroindústria/Alimentos acessado por algumas experiências, mas que não é suficiente para gerar processos multifacetados de desenvolvimento, como já discutido no trabalho. Seria fundamental promover políticas públicas que aumentassem a autonomia da AGRs, gerassem mais ocupações, empregos e renda e também construção de novos e melhores mercados alimentares para as iniciativas, visto que as agroindústrias são atividades importantes para o abastecimento da sociedade com alimentos saudáveis e sustentáveis por um lado e, de outro, que também garantem a segurança alimentar e nutricional das famílias de agricultores pela prática do autoconsumo. Além disso, as agroindústrias são atividades importantes para a promoção do desenvolvimento regional, pois estimulam a economia local e auxiliam na construção de mercados alimentares baseados em cadeias curtas de abastecimento, que tem menor impacto ambiental, aproximam agricultores e consumidores, fornecendo alimentos que estão de acordo com a ideia de dietas saudáveis.
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