Resumo: Diante da escassez de indicadores que permitam análises comparativas entre países e regiões o objetivo deste artigo é propor um índice multidimensional de proteção trabalhista utilizando dados de 152 países. Busca-se, assim, instrumentalizar o debate sobre a proteção versus flexibilização. A metodologia para construção do IMPT foi inspirada em Sartoris (2003) e Hoffmann (1998) e o índice – IMPT - varia entre zero e um e permite ranquear os países a partir das legislações trabalhistas vigentes. Os resultados mostram que o IMPT oscilou entre 0,182 para a Suazilândia e 0,729 para a Eslovênia. Os EUA, geralmente considerado um exemplo de mercado flexível, ficou na posição 143, com um IMPT de 0,243 e o Brasil obteve índice de 0,583, que caracteriza um país com proteção/flexibilidade média.
Palavras-chave: Índice de proteção, Mercado de trabalho, Flexibilidade.
Abstract: Given the scarcity of indicators for comparative analyses between countries and regions, the aim of the present article is to propose a multidimensional index of labor protection based on data from 152 countries. Thus, we seek to instrumentalize the debate on protection versus flexibility. The methodology selected to develop the MLPI was inspired by Sartoris (2003) and Hoffmann (1998). MLPI ranges from zero to one, and it allows ranking countries based on current labor legislations. According to the results, MLPI ranged from 0.182 (in Swaziland) to 0.729 (in Slovenia). The United States, which is often considered a flexible market example, ranked the 143rd position in this ranking (MLPI = 0.243) and Brazil recorded index of 0.583; it was featured as country presenting average protection/flexibility.
Keywords: Protection index, Labor market, Flexibility.
Resumen: Dada la escasez de indicadores que permitan realizar análisis comparativos entre países y regiones, el objetivo de este artículo es proponer un índice multidimensional de protección laboral utilizando datos de 152 países. Así, buscamos instrumentalizar el debate sobre protección versus flexibilidad. La metodología para la construcción del IMPT se inspiró en Sartoris (2003) y Hoffmann (1998) y el índice - IMPT - varía entre cero y uno y permite clasificar a los países con base en la legislación laboral vigente. Los resultados muestran que el IMPT fluctuó entre 0,182 para Suazilandia y 0,729 para Eslovenia. EE.UU., generalmente considerado un ejemplo de mercado flexible, quedó en la posición 143, con un IMPT de 0,243 y Brasil obtuvo un índice de 0,583, que caracteriza a un país con protección/flexibilidad media.
Palabras clave: Índice de protección, Mercado laboral, Flexibilidad.
Artigos
Índice Multidimensional de Proteção Trabalhista (IMPT): uma proposição metodológica
Multidimensional Labor Market Protection Index (MLPI): methodological proposition
Índice Multidimensional de Protección Laboral (IMPT): una propuesta metodológica
Recepción: 17 Agosto 2022
Aprobación: 03 Diciembre 2022
O mercado de trabalho é o local onde são estabelecidas as relações institucionais que influenciam os níveis de emprego e os consequentes desdobramentos causais – econômicos e sociais. O modo como os países regulam e organizam seus mercados de trabalho são relevantes para a produção da riqueza, a geração de bem-estar social, o desenvolvimento humano e a promoção da dignidade do ser humano.
Numa perspectiva ampla, pode-se considerar que os mercados de trabalho dos diferentes países se organizam entre duas perspectivas que, genericamente, podem ser denominadas de flexível ou protetora. Os mercados considerados mais flexíveis são aqueles em que a força de trabalho é tratada como uma mercadoria regulada pelas leis de oferta e demanda. Consequentemente, nesses mercados, a intervenção legislada estatal é menor ou inexistente. Por sua vez, os mercados de trabalho considerados mais protetores são aqueles nos quais a presença da intervenção legislada é mais forte por entender que o trabalho não é uma simples mercadoria.
As estruturas dos mercados de trabalho são muito diferentes e variam de país para país, observando-se graus de flexibilidade e de proteção muito distintos em todos os continentes e em todos os níveis de desenvolvimento dos países. Existem países ricos com elevado grau de desenvolvimento cuja legislação trabalhista é protetora, mas também há países com tais características socioeconômicas cuja legislação é flexível. Da mesma forma, existem países pobres e com baixo grau de desenvolvimento que adotam tanto legislações protetoras quanto flexíveis. Portanto, não há clareza quanto ao modelo de legislação trabalhista a ser adotado, a fim de favorecer o crescimento econômico em conjunto com o desenvolvimento humano e social. Não obstante, não é claro o estabelecimento de padrões comparativos de níveis de proteção ou de flexibilidade entre países que possibilite análises comparativas com informações socioeconômicas.
Diante de tal cenário, o presente artigo tem como objetivo propor um Índice Multidimensional de Proteção Trabalhista (IMPT) a partir da construção de uma base de dados compatibilizada para 152 países. A coleta de dados buscou viabilizar a construção de um índice que permitisse classificar os países de acordo com os seus níveis de proteção/flexibilidade do mercado de trabalho.
A denominação de “índice multidimensional de proteção” foi definida ao considerar que, para flexibilizar, é necessário uma realidade de proteção, ou seja, o argumento favorável à flexibilização surge a partir do entendimento de que existe uma proteção que é colocada em debate mediante a existência de falhas de mercado, em especial do mercado de trabalho. Por esse motivo, não se denominou indicador de flexibilização, e sim de proteção. Com base em uma realidade observável, as escolhas se deram por aspectos passíveis de mensuração que permitam, por intermédio de um índice sintético, ordenar os países.
O índice proposto busca contribuir para preencher uma lacuna no debate sobre flexibilidade/proteção e se constitui em um instrumento para realização de análises comparativas entre países e com os demais indicadores de desenvolvimento social e econômico.
Além desta introdução, o presente artigo está organizado em mais quatro partes. Na próxima seção, são apresentados os critérios e procedimentos para coleta e organização dos dados. Na seção três, é detalhado o processo de construção do indicador. A quarta seção destina-se à apresentação e discussão dos resultados, e o trabalho é finalizado com as considerações finais apresentadas na seção cinco.
O emprego como forma de utilização do trabalho é tratado em diversas abordagens. A seguir, são apresentadas as duas principais abordagens teóricas da literatura econômica que embasam os argumentos pró e contra a necessidade de intervenção governamental no mercado de trabalho.
No entendimento da teoria clássica, conforme observamos na primeira seção, o trabalho é entendido como um bem ou uma mercadoria de comercialização, sendo que a pessoa vende sua mão de obra por um determinado preço, dado pelo equilíbrio de mercado, a fim de prover seu sustento. Nessa concepção, o mercado de trabalho deve ser regido pelas leis de oferta e demanda como qualquer outra mercadoria. Esse entendimento pressupõe, naturalmente, uma legislação flexível ou até mesmo a inexistência de uma legislação específica de regulamentação laboral. Essa liberdade de comprar e vender conforme as necessidades dos compradores e vendedores permite os ajustes necessários de mercado e propicia oportunidades para todos (ROMITA, 2003).
Segundo Pedroso (2003), “o mercado livre cria oportunidades para todos os indivíduos, desde que estes estejam dispostos a renunciar determinados direitos, se conformarem com remunerações aquém das desejadas e estiverem dispostos a mudar de lugar e ocupação” (PEDROSO, 2003, p. 145). Essa concepção, também conhecida como liberal, entende que o emprego deve seguir as leis de mercado de oferta e demanda e não deve sofrer intervenções para que o equilíbrio não seja comprometido. Somente no equilíbrio é possível o pleno emprego com ganhos coletivos, em que os mercados de todos os bens serão beneficiados, inclusive o mercado de trabalho.
Essa teoria é ratificada por Simonsen (1963), ao argumentar que o nível de emprego está vinculado ao salário real. Se há crescimento do salário real, as pessoas aumentam a oferta de mão de obra e diminuem o tempo de lazer. Nessa concepção, quanto maior o salário real, maior será a oferta de trabalho; e abaixo de certo nível de salário real, as pessoas tendem a optar por não trabalhar. Essa realidade pressupõe um ambiente livre e flexível.
Essa concepção de que quanto maior o salário real maior será a oferta de mão de obra está de acordo com a teoria do salário de subsistência de David Ricardo. De acordo com Stirati (1992), quando o salário de subsistência for maior que o salário real, haverá aumento da oferta de mão de obra, uma vez que a qualidade de vida do trabalhador será melhorada.
Dessa forma, o pleno emprego é um dos pilares da macroeconomia neoclássica, determinada pelo equilíbrio no mercado de trabalho. Segundo essa teoria, a interseção (ponto de equilíbrio) existe e deve ser única de tal forma que, descartando qualquer patologia ou intervenção, existirá um único produto real e um único salário real compatíveis com o pleno emprego. Nessa situação, a economia estará em equilíbrio e não haverá desemprego, assim como as preferências dos trabalhadores entre lazer e trabalho também estarão equalizadas (SIMONSEN, 1983).
Essa abordagem do trabalho como mercadoria também foi defendida por Yazbek e Silva (2001), que afirmam que o trabalho e o bem-estar social pertencem ao foro privado de indivíduos, famílias e comunidades. A intervenção do Estado no atendimento das necessidades dos cidadãos é pouco recomendada. Se a remuneração do trabalho for advinda do nível de equilíbrio do mercado, a renda para consumo dos produtos dos demais mercados de bens estará em equilíbrio. Portanto, é fundamental que o emprego e a remuneração total do trabalhador sigam as leis de equilíbrio de oferta e demanda.
Todavia, existe o contraditório a esse polo teórico no que se refere à abordagem do mercado de trabalho. A ambiguidade é observada na teoria keynesiana, que discorda da teoria liberal. De acordo com Keynes (1982), o equilíbrio econômico pode ocorrer fora do pleno emprego, contrariando o polo teórico liberal, que afirma que o equilíbrio se daria apenas no pleno emprego.
Dessa forma, o equilíbrio com o desemprego aparece como ponto central na discussão da teoria keynesiana, que justifica as intervenções corretivas. O nível de emprego não é determinado pelo salário, diferindo-se, mais uma vez, da teoria clássica. O nível de emprego, de acordo com Keynes (1982), é determinado pela demanda agregada. Assim, seria um equívoco admitir que o livre mercado vai proporcionar o pleno emprego, bem como que o pleno emprego é um estado natural de equilíbrio da economia. Ao contrário, o subemprego e o subinvestimento são, provavelmente, o estado natural de equilíbrio. Dessa forma, as medidas ativas para correção seriam altamente recomendadas. Do contrário, a convivência com o desemprego, por vezes elevado, seria recorrente na economia.
Alinhado com o pensamento keynesiano, Sussekind (2004) afirma que a geração de emprego e renda só pode ser garantida por meio do progresso e do crescimento econômico. Esse deve ser o foco do Estado, que deve ter como objetivo as garantias sociais advindas da dinamização econômica, e não do assistencialismo. Assim, o Estado deve ser o indutor do crescimento como caminho para a superação do desemprego e dos problemas sociais.
Em linhas gerais, portanto, temos dois polos teóricos: o liberal, afirmando que a economia estará em equilíbrio no pleno emprego, e o keynesiano, colocando que o equilíbrio pode se dar fora do pleno emprego. O primeiro nega a intervenção, enquanto o segundo a recomenda. No centro dessa discussão está o mercado de trabalho, e no centro do mercado de trabalho está o trabalhador.
Os estudos sobre flexibilidade versus proteção vêm recebendo atenção crescente na literatura com diferentes perspectivas de análise. Dentre os aspectos investigados, cabe destacar o significativo número de trabalhos recentes focando atenção na relação entre flexibilização e velocidade de ajuste às crises econômicas e redução do desemprego (ALEMAYEHU; TVETERAAS, 2020; LEE, 2019; LIOTTI, 2020; GURVICH; VAKULENKO, 2018; FRANKLIN; LABONNE, 2019; DOMÉNECH; GARCÍA; ULLOA, 2018; PISÁR; HUŇADY; ĽAPINOVÁ, 2018).
Em Lee (2019), por exemplo, que utilizou dados das regiões da Índica, não são encontradas evidências significativas de que as contratações e os ajustes do mercado de trabalho sejam mais rápidos em regiões com maior flexibilidade. Por outro lado, o autor destaca que nas regiões com menor flexibilidade, as contratações são voltadas ao preenchimento das vagas existentes, não sendo observadas novas contratações.
O trabalho de Liotti (2020), por sua vez, analisa os efeitos da flexibilidade do mercado de trabalho sobre a pobreza em 15 países europeus no período 2005-2016. Os resultados sugerem que uma maior flexibilidade do mercado de trabalho está positivamente correlacionada com uma maior pobreza entre as pessoas empregadas. Tal resultado não se altera significativamente quando o autor avalia o efeito da crise econômica.
Cabe também destacar a relevância dos trabalhos voltados a entender o impacto da flexibilização no bem-estar e nas políticas de proteção social. Nessa temática, foi investigado o efeito da flexibilidade sobre a pobreza monetária (LIOTTI, 2020); a relação entre financeirização e perdas de participação do trabalho e os efeitos das flexibilizações sobre os trabalhadores (PARIBONI; TRIDICO, 2019); a relação entre flexibilidade do mercado de trabalho e os gastos governamentais com proteção social (JALÓN AYMERICH, 2019) e como a flexibilidade do trabalho afeta a escolha de políticas ótimas e decisões de aposentadoria (PARK; LEE; SHIN, 2021).
Os retornos dos investimentos, a produtividade do trabalho e a eficiência do mercado são também tema de diversos estudos empíricos sobre flexibilidade e proteção, assim como a existência de relação positiva entre flexibilização e retorno das ações e mercado de trabalho (LEUNG et al., 2018). De acordo com os autores, tais resultados são consistente com uma maior mobilidade laboral e concorrência em mercados de trabalho flexíveis, tornando o investimento de capital organizacional mais arriscado do ponto de vista dos acionistas.
O efeito da flexibilização da redução das desigualdades regionais foi analisado por Poggi (2019) para o caso da Espanha. Os resultados sugerem que a reforma de 2010, que tornou o mercado mais flexível, parece ter melhorado a eficiência do mercado de trabalho, mesmo que as diferenças regionais persistam ao longo do tempo. O artigo também investigou a importância da democracia local para o mercado de trabalho, constatando que a democracia local influencia positivamente a eficiência regional.
Outros aspectos, como os efeitos da flexibilização na melhoria da produtividade (BJUGGREN, 2018) e na melhor alocação das vagas (LEE; LEE, 2020), também foram investigados. Aspectos mais específicos, como, por exemplo, o setor de entrega de alimentos por meio de plataformas, têm atraído o interesse nos estudos recentes (PIASNA; DRAHOKOUPIL, 2021; SUN; YUJIE CHEN; RANI, 2021). O efeito da flexibilização do mercado de trabalho na atração de investimento estrangeiro foi investigado em países de diferentes níveis de investimento (OLIVEIRA; FORTE, 2021; RONG et al., 2020). Além disso, o efeito da flexibilização no estímulo ao comércio (LEE; PARK, 2018) e a relação entre flexibilização e gastos com proteção (MINA, 2021) também atraíram esforço de investigação.
Cabe destacar ainda a existência de estudos questionando a qualidade das medidas de flexibilização ou proteção e destacando a necessidade e importância de avanços nessa perspectiva (ROY; DUBEY; RAMAIAH, 2020; BHATTACHARJEA, 2021).
A diversidade de aspectos e a falta de clareza, na visão de Oliveira (2015), fazem com que nas crises econômicas a discussão da flexibilização versus proteção renasça com relativa força, mediante a necessidade de geração de empregos. Nesses contextos, é natural aflorar o questionamento de qual a melhor forma de proteger o trabalhador. De acordo com o autor, a literatura que rejeita a proteção afirma que o paternalismo estatal autoritário configura uma pseudoproteção, por desfavorecer o investimento gerador de empregos. Enquanto a literatura favorável à proteção coloca que é exatamente na crise que o trabalhador, sendo ele a parte mais fraca na relação laboral, necessita de proteção.
Plá Rodriguez (2000) afirma que essa discussão não é nova. Sua origem remonta o advento da revolução industrial, quando a relação entre empregado e empregador começou a se apresentar como um problema social. Diante de tal controvérsia, Martins (2010) afirma que urge investigar os argumentos de cada corrente de pensamento, pois embora pareça ser uma discussão meramente econômica, há impactos diretos na vida de cada indivíduo e no desenvolvimento social das nações.
De acordo com Torres e Ferreira (2003), a criação de índices e indicadores é relevante para a sociedade. Em tese, a utilização dessas ferramentas advindas de dados empíricos expressam uma realidade sintetizada e podem ser utilizadas como referenciais nas tomadas de decisões. As intervenções que levam em conta os indicadores e índices são normalmente providas de mais eficiência, portanto atingem seus objetivos mais rapidamente. O autor afirma ainda que os índices e indicadores contribuem para o consenso social sobre as difíceis escolhas diante da escassez de recursos.
Esta seção apresenta mais detalhadamente como foi construída a base de dados desta pesquisa.
A coleta dividiu-se em duas fases: a primeira buscou identificar como se constituem e quais são os principais direitos trabalhistas que os países estabelecem para regular seus mercados de trabalho; e a segunda procurou coletar os dados mais recentes disponíveis para o maior número possível de países. Sendo assim, essa coleta de dados objetivou fornecer subsídios que possibilitem análises comparativas da relação entre proteção versus flexibilização via direitos trabalhistas.
Os dados de direitos trabalhistas, quando existe legislação específica, como é o caso do Brasil e da França, foram tirados diretamente da legislação. Quando os países não têm legislação específica, sendo os direitos e os deveres frutos de acordos coletivos ou de negociações entre empregados e empregadores, como, por exemplo, na Alemanha, a opção foi pelo que se tem em comum nesses acordos e o que é praticado de fato no referido país, desde que chancelado pelo governo.
A coleta de dados obedeceu a dois critérios básicos: (1) foram considerados os indicadores divulgados oficialmente pelos países pesquisados, independentemente da metodologia interna de cada um deles, sendo necessário que tal indicador fosse reconhecido oficialmente pelos órgãos governamentais; (2) foram coletadas as informações mais recentes, preferencialmente divulgada em um período inferior a 24 meses. De tal forma, foi utilizado o último dado divulgado oficialmente, desde que sua divulgação tenha sido inferior a 24 meses da data da coleta.
Predominantemente, as informações foras coletadas em documentos e órgãos que divulgam dados em língua inglesa, o que representou uma dificuldade quando se buscou informações de legislações em países muçulmanos. Em alguns casos, os documentos estavam disponíveis apenas na língua árabe. Nesses casos, recorreu-se às embaixadas e aos consulados desses países no Brasil. Por fim, em países muito fechados, como, por exemplo, a Coreia do Norte e Bielorrússia, não foi possível encontrar dados que permitissem incluir os países na análise, sendo estes, portanto, desconsiderados.
Dessa forma, dos 195 países reconhecidos pela ONU, incluindo o Vaticano e os territórios palestinos, foram desprezados 44 países, basicamente por dois motivos: em primeiro lugar, por não possuírem ou não divulgarem informações minimamente suficientes para análise e, em segundo, por sua representatividade muito baixa no que tange à população, como é o caso de São Marino e de Santa Lucia, ambos com menos de 200 mil habitantes. Assim, no total, foram considerados 152 países no processo de construção e análise do indicador. A coleta dos dados para compor o indicador de proteção deu-se entre os meses de janeiro e maio de 2016.
Para compor o IMPT, foram escolhidas oito variáveis: seguro-desemprego, décimo terceiro salário ou semelhante, férias remuneradas, jornada de trabalho, limite máximo de jornada de trabalho, licença-maternidade, licença-paternidade e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou semelhante. A escolha dessas variáveis seguiu três critérios: i) possibilidade de algum tipo de mensuração, como ocorre, por exemplo, com a licença-maternidade, que habitualmente é contada em semanas em todo o mundo, sendo, portanto, mensurável; ii) acesso aos dados ou possibilidade de coleta; iii) recomendação da OIT. É importante salientar que existem indicadores de proteção cujos dados são acessíveis, porém de difícil mensuração e comparação, como é o caso das regras de exposição à insalubridade e de estabilidade no emprego. Devido a essa dificuldade de mensuração, não compuseram a nossa base de dados.
Os aspectos institucionais de proteção ou as variáveis que protegem o trabalhador são muito diferentes entre os países, variando conforme cultura, religião e aspectos regionais. No entanto, existem algumas que são muito conhecidas e recomendadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e por outras instituições internacionais. Na última coluna do Quadro 1, a seguir, é apresentada a justificativa da escolha.
Após a seleção e justificativa dos indicadores para a construção do IMPT, são apresentados nesta seção os procedimentos utilizados na construção do índice para os 152 países em que foi possível coletar os dados. A metodologia para a construção do IMPT foi inspirada em Sartoris (2003) e Hoffmann (1998) e será detalhada a seguir.
As seguintes variáveis foram utilizadas para a composição:
i. licença-maternidade em semanas (Lm);
ii. licença-paternidade em dias (Lp);
iii. férias remuneradas em dias (Fe);
iv. carga de Trabalho (em horas semanais) (Ct);
v. limite de horas extras semanais (Lh);
vi. 13º salário ou semelhante (1=sim 0=não) (Ss);
vii. seguro-desemprego (1=sim 0=não) (Sd);
viii. fundo de garantia (FGTS) ou semelhante (1= sim 0 =não) (Fg).
Para a construção do índice, foi necessário normalizar os indicadores que não estavam no intervalo zero e um. Para essa normalização, o valor coletado de cada indicador (Ixi) para cada país (xi) foi dividido pelo valor máximo do respectivo indicador na amostra dos 152 países. Sendo que Ix = Lm; Lp; Fe; Ct e Lh. O valor de “i” é o valor real coletado para cada um dos 152 países.
Por exemplo, a licença-maternidade na Itália1, que é de 22 semanas (Lm=22), foi dividida pelo número máximo de semanas de licença-maternidade da amostra Lmax=58, que é o número de semanas de licença-maternidade concedida na Croácia. Dessa forma, o indicador de licença-maternidade da Itália equivale a 0,3793 num intervalo de zero a um. A Croácia, por ser a que possui o maior número de semanas de licença, assume o valor de um nessa variável, representando a maior proteção relativa em termos de licença-maternidade. Esse mesmo procedimento foi utilizado para todas as variáveis que precisam de normalização.
Ao analisar as informações da variável licença-maternidade, tem-se que, quanto maior o número de semanas, maior é a proteção oferecida, conforme segue:
Uma vez calculado o valor normalizado para cada uma das variáveis em cada país, passa-se à construção do índice de proteção, com base na média aritmética dos indicadores normalizados. O objetivo do IPMT é identificar países com legislação mais protetora ou menos protetora, sem atribuir juízo de valor ao número encontrado. Ou seja, o objetivo não é atribuir graus de importância subjetivos às variáveis, mas somente identificar países flexíveis e países protetores que permitam análises e comparações entre países. Esse método está demonstrado na equação abaixo, criada para o cálculo do IP de cada país:
Contudo, diante da elevada heterogeneidade na densidade populacional, foi construído um IMPT regional e um IMPT mundial ponderados pela densidade populacional de cada país. Esse procedimento teve como finalidade identificar possíveis alterações comparativas nos IMPTs, levando em conta a densidade populacional. Com o IMPT ponderado também é possível identificar se a maior parte da população mundial vive em regiões flexíveis ou protetoras em termos de legislação trabalhista.
Na próxima seção, são apresentados os resultados gerais e por região, lembrando que o indicador varia entre zero e um, sendo um (1) proteção máxima e zero (0) mercado de trabalho totalmente livre da interferência governamental, regulado única e exclusivamente pelas forças do mercado.
Após normalizar as variáveis para cada país, foi possível calcular o IMPT de cada um. Os resultados e a posição no ranking dos países com IMPT mais elevado encontram-se na Tabela 1, e daqueles com IMPT mais baixo são apresentados na Tabela 2.
Com base nos resultados apresentados, é possível observar que o país com legislação trabalhista mais protetora do mundo, considerando-se a amostra dos 152 países, é a Eslovênia, com IMPT de 0,729. Já o país com legislação mais flexível, ocupando o último lugar no ranking, é a Suazilândia, com IMPT de 0,182.
Como é possível visualizar no Gráfico 1, a maior concentração de países ocorre nas faixas de proteção de 0,38 a 0,512, ou seja, um nível de proteção intermediária. Com exceção da Eslovênia, que se descola dos demais países, a proteção máxima fica na faixa entre 0,644.
Com o Gráfico 1, é possível notar que predominam países que adotam proteção abaixo de 0,51, faixa na qual se encontram 126 dos 152 países. Cabe destacar, no entanto, que o indicador mostra a posição relativa dos países em relação ao que é verificado na amostra de países estudados, sem qualquer pretensão de emissão de juízo de valor e/ou proposição de nível ideal e ou adequado de proteção.
Buscando compreender se as diferentes regiões do mundo adotam níveis distintos de proteção, são apresentados os resultados do IMPT para as regiões mundiais. As comparações são realizadas de duas formas: primeiramente, usando a média simples, em que se somaram todos os IMPTs e se dividiu o resultado pelo número de países e, posteriormente, com médias ponderadas, pela densidade populacional. O objetivo do uso da ponderação populacional é identificar níveis de proteção das regiões demográficas onde se encontra o maior percentual da população mundial. Outro objetivo é realizar análises comparativas com base no ranking entre regiões protetoras e flexíveis, com e sem ponderação.
Observamos, na Tabela 3 que as três regiões mais protetoras são a América do Sul, com 0,518, seguida da Europa ocidental, com 0,503, e da Europa Oriental, com 0,479, todas com significativos desvios acima da média mundial. A Europa ocidental e a América do Sul apresentam desvios acima de 20% em relação à média mundial, que, conforme metodologia aplicada, ficou em 0,414.
Tratando-se de flexibilidade, as regiões mais flexíveis são a América do Norte, com 0,340, seguida da África do Sul, com 0,360, e, por fim, da Ásia Oriental, com 0,369. Essas regiões apresentam desvios de 20% abaixo da média mundial, sendo que o maior desvio se encontra na América do Norte, com 18% abaixo da média.
No Gráfico 2, apresentam-se os IMPTs por região, ponderada pela população. A Ásia Oriental é a região mais populosa e apresenta uma das menores médias de proteção trabalhista no mundo. Considerando os dados do Gráfico 2, é possível identificar que, das dez regiões selecionadas, praticamente metade da população mundial concentra-se em três delas (Ásia Oriental, Ásia Ocidental e África do Sul), sendo que, em duas delas (Ásia Oriental e África do Sul), o IMPT está abaixo da média mundial, enquanto a Ásia Ocidental tem IMT de 0,43, próximo da média mundial de 0,41.
É possível, portanto, afirmar que, ao somar a população da América do Norte com as regiões acima indicadas, a maior parte da população mundial vive e trabalha em locais com legislações trabalhistas que podem ser consideradas flexíveis, por estarem abaixo da média mundial.
Considerando essa realidade, observam-se, na Tabela 4, os IMPTs das regiões com média ponderada pela população dos países (a descrição do cálculo consta na metodologia, apresentada na seção 3).
A análise dos indicadores da Tabela 4 permite constatar que não houve alterações na ordem das regiões flexíveis e protetoras. As alterações significativas visualizadas nessa tabela ficam por conta dos desvios em relação à média, em especial na América do Sul, que saltou de 25% para 38% mais protetora em relação à média mundial, e na Europa, que aumentou seu desvio para 26% mais protetora em relação à média mundial. Da mesma forma, a América do Norte alterou seu desvio de 18% para 34% mais flexível em relação à média mundial ponderada.
Observa-se também, com os dados das Tabelas 3 e 4, que não é possível estabelecer relação entre regiões desenvolvidas e em desenvolvimento com níveis de proteção trabalhista, pois existem regiões desenvolvidas com características protetoras e outras com características flexíveis, da mesma forma que existem regiões em desenvolvimento protetoras e flexíveis. Esses resultados corroboram os achados de Lee (2019).
A Figura 1 ilustra o nível de proteção nos países, divididos em quatro partes proporcionais. Os países de cor azul-escura são os países do primeiro quartil (os mais protetores do mundo, com indicadores de proteção acima de 0,48).
Os países com cor azul-clara são os países do segundo quartil, considerados de média proteção, e apresentam indicadores entre 0,42 e 0,48, dispersos em todos os continentes.
Os países em cor laranja representam o terceiro quartil, considerado de média flexibilidade por estarem próximos e abaixo da média mundial, com indicadores entre 0,35 e 0,42, destacando-se, nesse grupo, grande concentração no continente asiático.
Os países em cor vermelha são os mais flexíveis do mundo, com indicadores entre 0 e 0,35, cabendo dois destaques para esse grupo: os EUA, maior potência econômica mundial, e uma concentração significativa no continente africano.
Por fim, os países em cor verde são aqueles sobre os quais não foi possível coletar informações para construir seu IMPT, representando, portanto, IMPT inexistente.
Podemos observar ainda, com base na Figura 1, que os países mais próximos da média mundial do indicador de proteção (azul-claro e laranja) estão bem dispersos no mundo, porém com pouca variação em termos de IMPT, enquanto os extremos apresentam relativa concentração visual, mas ampla variação no IMPT. A maior frequência dos países flexíveis (vermelho) encontra-se no continente africano. Por outro lado, no extremo superior, a maior frequência de proteção (azul-escuro) encontra-se na América do Sul e Europa.
Assim, conclui-se nesta exploração geográfica de dispersão das regiões que:
§ a maior parte dos habitantes do globo vive em regiões cuja proteção trabalhista está próxima ou abaixo da média mundial;
§ da Europa Oriental, esperava-se um nível de proteção maior em relação à Europa Ocidental, por sua tradição socialista, mas tal expectativa não se confirmou. Ao contrário, a Europa Oriental é a parte mais flexível em termos de legislação trabalhista do continente europeu;
§ a América do Sul, continente com países predominantemente em desenvolvimento, caracteriza-se como uma região continental protetora;
§ a China, segunda maior economia mundial e o país mais populoso do mundo, está entre os países de média proteção, muito próxima da média mundial;
§ os EUA, maior economia do mundo, pode ser considerado um país de legislação flexível;
§ o continente africano, considerado o mais pobre do mundo, tem apenas três países considerados protetores.
Adicionalmente, é possível comparar o IMPT com os indicadores socioeconômicos importantes e tradicionalmente utilizados nas análises do desenvolvimento dos países. Para fins de ilustração, na Tabela 5 são apresentados os dez países com melhor e pior posição no IMPT em comparação com IDH, índice de Gini, PIB per capitae desemprego.
Como é possível perceber, a partir dos indicadores socioeconômicos, os países mais protetores são os países mais ricos, com PIB per capita mais elevado e com melhor desempenho em termos de IDH. No entanto, a relação da proteção com o desemprego e a desigualdade não fica clara quando são analisados os países com maiores e menores IMPTs. Isso mostra que as opções por proteção ou flexibilidade não estão sendo capazes de atender aos pressupostos teóricos das escolas clássicas e keynesianas. Ou seja, nem a maior flexibilidade nem a intervenção tem conseguido levar os países ao pleno emprego.
Isso pode ser decorrente do tipo de intervenção. Por exemplo, é possível que as proteções adotadas nos países sejam eficazes para dar melhores condições aos trabalhadores que são absorvidos pelo mercado, não tendo o objetivo keynesiano de reduzir o desemprego. Por outro lado, naqueles países que optam por um mercado mais flexível, é possível que a estrutura do mercado seja suficientemente falha para permitir que o mecanismo de oferta e demanda seja capaz de promover o equilíbrio. Por ter como principal propósito a construção de um novo indicador e seus potenciais usos, poderá haver um aprofundamento dessas relações em estudos futuros.
O provimento das necessidades humanas é obtido, predominantemente, por intermédio do trabalho. O espaço para a realização desse trabalho dá-se, sobretudo, no que se denominou chamar de mercado de trabalho, ambiente em que se estabelecem as relações laborais institucionalizadas. Tais relações podem dar-se sem a intervenção estatal, de forma liberal e flexível, ou com a presença de leis estabelecidas a partir do entendimento de que existem falhas e desigualdade nas relações do mercado de trabalho que precisam ser atenuadas por meio de regulamentação e intervenção. Assim como não existe convergência entre as abordagens teóricas, os estudos disponíveis na literatura explicitaram a inexistência de consenso sobre o debate proteção versus flexibilização. Diante das argumentações contrárias e favoráveis à flexibilização e a partir do índice multidimensional de proteção trabalhista apresentado neste artigo, é possível algumas reflexões.
O ranking do IMPT mostra que existem tanto países desenvolvidos quanto em desenvolvimento entre aqueles que possuem legislações mais protetoras. Da mesma forma, o indicador mostra que a proteção está heterogeneamente distribuída nas diferentes regiões do mundo. Apesar disso, é interessante notar que os países mais desenvolvidos estão, predominantemente, entre os mais protetores (acima da média). Uma vez que a proteção tem sido defendida teoricamente como uma necessidade decorrente das falhas de mercado, o resultado não deveria ser o contrário? Países desenvolvidos, a princípio, possuem mercados mais eficientes. As legislações protetoras têm, efetivamente, sido uma medida governamental utilizada para promover uma melhor alocação da mão de obra disponível no país e a geração do pleno emprego? Ou tem sido apenas decorrente da organização dos trabalhadores em sindicatos, associações etc. que buscam proteger aqueles que, efetivamente, conseguem se inserir no mercado de trabalho?
A resposta para tais questionamentos demanda estudos futuros. O presente estudo buscou contribuir construindo o indicador e propondo potenciais usos em estudos futuros e políticas públicas. Por exemplo, as análises comparativas constataram que, das nove variáveis socioeconômicas correlacionadas com o indicador de proteção, oito indicaram ser recomendada a legislação protetora e apenas uma a legislação flexível. Dessa forma, sob o ponto de vista do desenvolvimento humano e do crescimento econômico, os critérios comparativos adotados nessa tese indicam a legislação trabalhista protetora como a mais adequada.
Por fim, o IMPT abre possibilidades de ampliar a compreensão da relação do mercado de trabalho com outros indicadores sociais e econômicos. Em trabalhos futuros, o indicador pode ser confrontando com a remuneração dos trabalhadores, produtividade do trabalho e níveis de bem-estar. Além disso, cabem análises relacionadas com a estrutura de mercado vigente na economia do país, tais como liberdade econômica e fatores relacionados com as políticas macroeconômicas predominantes.