Migrações contemporâneas: desafios para os territórios e os direitos humanos
Recepción: 22 Febrero 2022
Aprobación: 08 Agosto 2022
DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v27i1.17377
Resumo: As migrações sempre se fizeram presente na história mundial. Os processos migratórios influenciaram a evolução de vários territórios e relacionam-se com a dinâmica de desenvolvimento destes. Hoje, com conflitos territoriais, religiosos e políticos, as migrações ganham forte dinâmica. Com isso e percebendo que as migrações podem influenciar mudanças significativas nas economias dos países, este estudo teve como objetivo reunir conceitos e criar categorias que sejam de importância para esclarecer a relação entre a migração e o desenvolvimento. O método de pesquisa caracterizou-se como um levantamento bibliográfico, no qual a coleta de dados foi do tipo secundária, nas principais plataformas de pesquisas acadêmicas. Após a análise nos documentos selecionados, foram criadas cinco categorias que dizem respeito a conexão entre as migrações e o desenvolvimento, são elas: crescimento econômico, remessas, tendências demográficas, benefícios excludentes e diversidade cultural. Pode-se concluir que as migrações possuem benefícios positivos e auxiliam no processo de desenvolvimento dos países receptores e emissores de migrantes. Sugere-se a elaboração de futuras pesquisas que abordem a questão da migração e do desenvolvimento a partir da ótica das categorias criadas, visto que há poucos estudos práticos relacionando essas duas temáticas.
Palavras-chave: Migração, Desenvolvimento, Fluxo migratório, Desenvolvimento Regional.
Abstract: Migrations have always been present in world history and today, with religious and political conflicts, are becoming more and more accentuated. In this context, and realizing that migrations can influence significant changes in the countries, this study aimed to gather concepts and create categories that are important to clarify the relationship between migration and development, through a bibliographical research. The research method was did characterized like a bibliographic survey, in which the data collection was of the secondary type and, consequently, the analysis was the content analysis. After analyzing the documents selected, four categories were did created that relate to the connection between migration and development: economic growth, remittances, demographic trends and exclusionary benefits. Finally, it can be concluded that migrations have positive benefits and help in the development process of the countries receiving and emitting migrants. Finally, after analyzing and achieving the objective proposed in this study, it suggest that future research be developed that addresses the issue of migration and development from the perspective of the categories created, since there are few practical studies relating these two themes.
Keywords: Migration, Development, Migration Flows, Regional Development.
Resumen: Las migraciones siempre han estado presentes en la historia mundial. Los procesos migratorios han influido en la evolución de diversos territorios y están relacionados con su dinámica de desarrollo. Hoy, con los conflictos territoriales, religiosos y políticos, las migraciones cobran una fuerte dinámica. Con eso y comprendiendo que las migraciones pueden influir en cambios significativos en las economías de los países, este estudio tuvo como objetivo recopilar conceptos y crear categorías que son de importancia para aclarar la relación entre migración y desarrollo. El método de investigación se caracterizó como un levantamiento bibliográfico, en el que la recolección de datos fue de tipo secundario, en las principales plataformas académicas de investigación. Luego del análisis de los documentos seleccionados, se crearon cinco categorías en torno a la conexión entre migraciones y desarrollo, a saber: crecimiento económico, remesas, tendencias demográficas, beneficios excluyentes y diversidad cultural. Se puede concluir que las migraciones tienen beneficios positivos y ayudan en el proceso de desarrollo de los países receptores y emisores de migrantes. Se sugiere la elaboración de futuras investigaciones que aborden el tema de la migración y el desarrollo desde la perspectiva de las categorías creadas, ya que existen pocos estudios prácticos que relacionen estos dos temas.
Palabras clave: Migración, Desarrollo, Flujo Migratorio, Desarrollo Regional.
Introdução
As migrações fazem parte da história humana e de suas mudanças. Desde o início das civilizações, nas grandes guerras e nas mudanças significativas da estrutura econômica, a migração já se fazia presente. Nas Guerras Mundiais as migrações serviram como fator crucial como alternativa de recomeço para refugiados dos conflitos e para as pessoas que buscavam melhor qualidade de vida. Analisando o cenário mundial contemporâneo, percebe-se intuitivamente a importância do migrante no desenvolvimento de cidades, agricultura, comércio e nas mudanças culturais das regiões onde se inseriram.
A migração continua sendo um fenômeno atual e intenso. Os migrantes seguem buscando alternativas em outros territórios para fugirem de conflitos políticos e religiosos e para modificar situações de carência e miséria em que vivem nos seus territórios de origem. Segundo a United Nations (2017), em 2017 o número de migrantes chegou a 258 milhões de pessoas.
Para citar exemplos, nos últimos anos, o constante conflito no Oriente Médio deslocou milhões de pessoas para a Europa. Sobre o tema, em junho de 2018 o Jornal El País publicou a notícia de que pela primeira vez o Conselho Europeu irá incluir em suas discussões a ideia de criar um campo de refugiados e imigrantes para as chegadas ilegais (EL PAÍS, 2018). Também, pela primeira vez os Estados-membros das Nações Unidas concordaram em criar um pacto Global com o objetivo de enfrentar positivamente as migrações globais, fortalecendo os direitos dos migrantes e contribuir para o desenvolvimento sustentável (ONU, 2018).
Por outro lado, os Estados Unidos vêm tratando o tema de forma mais excludente. O Supremo americano apoiou o veto migratório do Presidente Donald Trump, proibindo a entrada de imigrantes de vários países de maioria muçulmana (CARAZZAI, 2018). Também nos Estados Unidos adota-se uma política de separação de famílias quando migrantes ilegais são presos (EL PAÍS, 2018).
Neste contexto, é necessário considerar-se que os países trabalham de forma interdependente no mercado mundial. Não existe uma única nação bem-sucedida e desenvolvida que não tenha realizado algum tipo de troca com outros países. Por outro lado, as migrações podem ser caracterizadas como um tipo de troca entre os mercados mundiais, gerando conexão econômica, podendo gerar impulso para o desenvolvimento (FGV, 2012).
Dentro deste contexto, o questionamento que emerge relaciona-se a potencial existência de vínculos entre o fenômeno migratório e o desenvolvimento das regiões, compreendendo que estes movimentos podem ser, em parte, responsáveis pelo desenvolvimento dos lugares no qual essas pessoas que chegam em busca de novas oportunidades, tendo em vista a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015), que reconhece a contribuição dos fluxos migratórios para o desenvolvimento dos países, ressaltando a importância de uma migração segura, ordenada e que respeite os migrantes e seus direitos. Sendo uma investigação inicial e exploratória, o objetivo mais específico dessa pesquisa é, através da revisão bibliográfica, reunir conceitos e criar categorias que esclareçam esta relação.
A importância deste estudo está relacionada ao fato de que há um aumento do número da migração no mundo com previsão de que esse fenômeno mantenha a tendência. A Organização Internacional para as Migrações afirma que a projeção para o ano de 2050 é de que haja 405 milhões de pessoas deslocadas de seus territórios originais (OIM, 2017). Deste modo, compreender de que forma as migrações podem auxiliar no desenvolvimento da região é importante até mesmo para o desenvolvimento de políticas públicas específicas para o trato do fenômeno.
Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental (CERVO; BERVIAN, 2007; GIL, 2009), que usa alguns elementos de bibliometria para a seleção dos materiais a serem analisados. Assim, para alcançar o objetivo da pesquisa, foi realizada uma busca nas plataformas Web Of Science, Scopus e Google Acadêmico por meio da identificação de palavras-chave, relacionadas ao objetivo deste estudo, foram elas: desenvolvimento, migração, impacto da migração no desenvolvimento, development and migration. Justifica-se a escolha destas bases visto que, a Web Of Science e Scopus abrangem outras bases relevantes para a comunidade científica, como: Science Citation Index Expanded, Social Sciences Citation, Arts & Humanities Citation Index, Conference Proceedings Citation Index (Science), Conference Proceedings Citation Index, Social Science & Humanities, Emerging Sources Citation Index, Current Contents Connect, Derwent Innovations IndexSM, KCI, Russian Science Citation Index, SciELO Citation Index, Cambridge University Press, Elsevier, Springer, Wiley-Blackwell, Nature Publishing Group, Taylor&Francis Group, SAGE, Wolters Kluewer, Emerald, Oxford University Press, Cambridge University Press, Oxford University Press, Inder Science Publishers, Bentham Science e IEEE Xplore (SCOPUS, 2017; CLARIVATE ANALYTICS, 2018) e o Google Acadêmico por permitir uma aproximação ampla com o tema, visando identificar as palavras-chave e áreas do conhecimento onde a temática está sendo trabalhada.
Inicialmente foi criado um banco de dados com os vinte principais documentos coletados nas plataformas, selecionados por relevância em relação ao tema, número de citações do artigo e relevância do periódico, considerando a sua classificação na qualis e/ou instituição de publicação, entre os anos de 2010 e 2020.
Logo após, foi realizada uma análise mais detalhada em todos os documentos que compuseram o banco de dados e através dos objetivos, das contribuições para a temática do estudo e identificação do conteúdo com o objetivo deste estudo, escolheu-se os documentos a serem analisados. Esta seleção fez com que se selecionassem onze documentos que abordam a questão da migração e do desenvolvimento, sobre os quais foi feita uma análise de conteúdo, exploração e codificação do material coletado e posteriormente, o desenvolvimento de categorias a posteriori que foram apresentadas neste estudo.
Para a escolha dos demais materiais bibliográficos e documentais que compuseram as demais seções do artigo, utilizou-se como base a revisão sistemática de literatura, que segundo Biolchini et al. (2007), possibilita a identificação, mapeamento e análise das pesquisas relevantes de um problema ou tópico de pesquisa específico, oportunizando discussões com maior rigor. Desta forma, realizou-se o download do resultado das buscas nas duas plataformas de pesquisa e com o auxílio do Software VOSviewer, ferramenta de software especificamente projetada para a construção e visualização de mapas bibliométricos (JEYASEKAR; SARAVANAN, 2015), foi realizada uma análise de cocitação, que segundo Small (1973) possibilita identificar a frequência com que dois autores da literatura científica são citados de maneira simultânea por um outro autor, caracterizando-se assim na identificação dos documentos basilares sobre o tema e de impacto na comunidade científica.
A Figura 1 foi elaborada com auxílio do software VOSviewer através da análise “co-citation”, com unidade de análise “cited-references”, além disso determinou-se a quantidade mínima de vinte citações por referência o que resultou em quatro autores.
Para dar mais propriedade a discussão, utilizou-se neste estudo os quatro autores, citados na Figura 1 e considerados referências na temática, no referencial teórico sobre Migrações e a História Humana e na sustentação das categorias desenvolvidas.
Para apresentar esta pesquisa o artigo foi organizado em quatro seções, sendo a introdução a primeira. Na segunda seção apresenta-se o referencial teórico através do Fenômeno das Migrações e das Migrações e a História Humana. A terceira seção aborda as Migrações e o Desenvolvimento, trazendo a análise dos documentos pesquisados com as categorias desenvolvidas e, por fim, apresentam-se as considerações finais do estudo.
2 O fenômeno das migrações
Migração é o movimento de pessoas para o território de outro Estado ou, até mesmo, dentro do mesmo na qual elas já estão inseridas, seja qual for o tamanho e suas causas, podendo incluir a migração de refugiados, de pessoas deslocadas, desarraigadas e migrantes econômicos (OIM, 2006).
Existem três tipos de migrações, de acordo com o World Economic Forum (2017). Elas podem se classificarem em: a. fronteiras políticas, que diz respeito à migração interna realizada dentro do próprio país ou para outros países; b. padrões de movimento, que se caracterizam em migrações realizadas em etapas, de um pequeno local para outro maior, migrações circulares influenciadas pelos ciclos sazonais e as migrações em cadeia que consistem quando um pequeno grupo toma a iniciativa de migrar para outro local e é seguido por mais pessoas; e c. abordagem decisória, que incluem as migrações voluntárias, impulsionadas por emprego, melhor qualidade de vida e as migrações involuntárias que ocorrem através de situações ambientais, políticas, econômicas, como por exemplo, os refugiados e os asilados, como se pode ver no Quadro 1 (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017).
Neste momento, é importante deixar claras as diferenças entre os termos imigração e emigração. A Organização Internacional para as Migrações, classifica o termo emigração como o abandono ou a saída de um Estado com a finalidade de se instalar em outro, já a imigração se caracteriza no processo no qual os estrangeiros se deslocam para determinado país com a finalidade de estabelecer moradia e trabalho, sendo visto a partir da perspectiva do país que o acolhe (ONU, 2016).
E as causas das migrações são várias, podem ocorrer através dos fatores econômicos, relacionadas ao mercado de trabalho, como melhores oportunidades de emprego e maiores salários, como se vê nos últimos anos os venezuelanos atravessando a fronteira com o Brasil em busca de emprego, dos fatores sociopolíticos, como conflitos familiares ou guerras, como a Primavera Árabe, conflito político no Oriente Médio que deslocou milhares de pessoas, e através dos fatores ecológicos, que inclui alterações climáticas e disponibilidade de recursos naturais (WORLD ECONOMIC FORUM, 2017).
De acordo com o International Migration Report, publicado em 2017 pela United Nations, o número de migrantes internacionais cresceu rapidamente nos últimos anos, alcançando 258 milhões no ano de 2017, a maior parte deles está dividida entre a Ásia e a Europa. O número de migrantes que são considerados refugiados e asilados no mundo é de aproximadamente 26 milhões. Através destas estatísticas, deve-se perceber a importância que os estudos sobre as migrações possuem.
Evidenciando esta importância, em 1994 foi adotado o Programa de Ação na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, nele contem a questão da migração internacional e sua relação com o desenvolvimento. Naquele período, no entanto, o movimento não foi suficiente para que o tema da migração e do desenvolvimento se tornasse pauta nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (UNITED NATIONS, 2017).
No segundo Diálogo de Alto Nível sobre Migração Internacional e Desenvolvimento, em 2013, a Assembleia Geral da ONU reconheceu a contribuição da migração para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a importância da mobilidade humana para o desenvolvimento sustentável. Com isso, na Agenda de 2030 para o Desenvolvimento Sustentável foram inclusas várias metas e objetivos relacionados à migração, apelando para que os países garantam o processo migratório com segurança para que respeitem os direitos humanos dos migrantes (UNITED NATIONS, 2017).
A próxima seção foi elaborada para tratar de forma geral a questão das Migrações e Desenvolvimento.
2.1 Migrações e a história humana
Ao longo dos anos, os deslocamentos populacionais ocorriam do campo para os centros industriais, caracterizando as pessoas que moravam distante dos centros culturais como as mais dispostas a integrarem os fluxos migratórios (RAVENSTEIN, 1885). Um dos movimentos migratórios mais reconhecidos na história da humanidade é relatado por Rémond (2004) através do fenômeno do êxodo rural, classificado como a emigração do campo para as cidades. O crescimento demográfico do século XIX gerou consequências sociais como desemprego e queda nos salários, que incentivaram os europeus a procurar uma saída na emigração na tentativa de conquistarem terras, emprego e moradia. Nessa época, os países que mais contribuíram para a migração e sofreram perdas demográficas foram os países mais atingidos pela miséria.
Para Hobsbawn (1995) os anos anteriores à Primeira Guerra Mundial foram um dos períodos de maior migração em massa registrada na história, porém esses fluxos acabaram e foram trocados pelas guerras e restrições políticas voltando a ocorrer somente após o fim das duas Guerras Mundiais, na qual foi possível visualizar o grande número de pessoas que foi obrigada a deixar seu país. Esse fato contribuiu para um fenômeno que durante muitos anos ficou adormecido, a diversificação étnica e racial na classe operária, ou seja, entre os trabalhadores.
Além do aumento da diversidade multiétnica (HOBSBAWM, 1995), a migração pós-guerra em muitas partes do mundo foi patrocinada pelos Estados com o objetivo de sanar a escassez de mão de obra, dando a possibilidade para os imigrantes de trabalharem no mesmo mercado que os nativos e com os mesmos direitos, entretanto ainda existia a noção de que eles eram trabalhadores inferiores e poderiam ocupar as vagas dos que realmente mereciam o emprego, no caso os nativos do país. Por exemplo, segundo Massey et al. (1993), países como o Japão, que na década de 80 enfrentava uma taxa de natalidade baixa, o envelhecimento da população e o alto padrão de vida, se tornou um dos países que mais recebiam migrantes de locais pobres para comporem a mão de obra.
Para Lee (1966) existem fatores que atuam mantendo as pessoas no seu local de origem como também atraem outras pessoas para o mesmo local ou até mesmo as dispersam. Determinar esses fatores que atraem e repelem as pessoas tem sua complexidade, visto que cada indivíduo possui um motivo particular que desencadeia a vontade de migrar, sendo essa decisão nunca totalmente racional, mas sim influenciada por outros fatores determinantes dos processos migratórios.
As decisões que influenciam na migração podem estar relacionadas na visão de Taylor (1999) a estratégias familiares para o aumento da renda e em alguns casos, ao potencial das remessas que geram uma dinâmica de desenvolvimento e diminuem as restrições de investimentos enfrentadas pelas famílias em países pobres. As remessas (HAAS, 2010) é a geração de capital por meio dos migrantes que são enviadas para os membros das suas famílias que ficaram na sua comunidade de origem. A diversificação da renda, a melhoria do bem-estar e a geração das remessas são consideradas umas das razões das migrações (TAYLOR, 1999; HAAS, 2010). Assim, as migrações podem ocorrer como consequência estrutural das economias industriais modernas e como fruto da globalização econômica e relações empresariais que transpassam as fronteiras nacionais (MASSEY et al., 1993).
Percebe-se a força que as migrações possuem em transformar, criar e alterar as relações mundiais, “a relação entre migrações e desenvolvimento é clara, haja vista o nexo causal existente entre a desigualdade nos níveis de desenvolvimento entre os países e a opção por migrar como alternativa para se buscar melhores condições de vida” (FARIA, 2015, p. 201).
A seguir, apresentam-se as abordagens recentes sobre a migração e o desenvolvimento.
3 Abordagens recentes sobre migração e desenvolvimento
Nesta seção objetivou-se desenvolver categorias relacionadas à ligação da migração com o desenvolvimento encontrada através dos documentos analisados. Foram analisados onze documentos selecionados por meio dos seus objetivos, das contribuições relevantes e da sua relação com o objetivo desta pesquisa. Para melhor esclarecimento, o Quadro 2 traz as informações dos documentos analisados.
A apresentação da análise sobre os estudos selecionados será feita em dois momentos: primeiro fazendo uma apresentação geral do conteúdo dos mesmos, depois organizando-os dentro das categorias definidas para a relação entre migração e desenvolvimento. Na subseções que foram organizadas para esta parte da análise são adensados alguns dados que ajudam a compreender a relação e os impactos que já foram dimensionados.
Indicadores do Impacto da Migração sobre o Desenvolvimento Humano e Vice-versa foi desenvolvido por Melde (2012), autora encarregada dos estudos do Observatório ACP das Migrações, iniciativa do Secretariado do Grupo dos Estados da África, Caraíbas e do Pacífico e financiado pela União Europeia. O documento traz alguns indicadores para que se possa realizar a medição do impacto da migração no desenvolvimento humano, visto que não existe uma lista comum de indicadores para serem aplicados em pesquisas. Os indicadores criados por Melde (2012) avaliam desde a economia, saúde, educação, demografia, gênero, governança, direitos humanos até o nível ambiental.
A autora Mendola (2012) desenvolveu sua pesquisa com intuito de rever as questões sobre a migração mão-de-obra rural e suas relações com a economia, através de uma análise do cenário socioeconômico na literatura sobre a relação entre a migração nacional e internacional e o desenvolvimento dos países receptores, com foco principal nas migrações de áreas rurais pobres nos países em desenvolvimento.
A pesquisa da Careja (2013) realizada na Romênia, utilizou como base a teoria institucional do desenvolvimento e através de entrevistas com prefeitos, especialistas em migração e representantes de autoridades nacional, investigou como os governos dos países de origem podem transformar a emigração em desenvolvimento econômico.
Wise, Covarrubias e Puentes (2013) fornecem informações relevantes para a reformulação do debate sobre migração, desenvolvimento e direitos humanos com ênfase em uma abordagem abrangente e uma agenda de pesquisa centrada no ser humano. Os autores acreditam que a participação de organizações e da sociedade é necessária para impulsionar a transformação dessa estratégia de desenvolvimento centrada nos direitos humanos.
O livro publicado por Faria (2015), inicialmente extraído da sua tese, chama a atenção para a relevância do debate sobre as políticas migratórias e analisa criticamente o processo de negociações sobre as migrações internacionais, desde a criação da Comissão Global sobre Migrações Internacionais, esclarecendo sua função já que há escassez de bibliografias que abordem suas questões, inclusive no Brasil.
Para Nizamutdinov e Malaev (2015), a migração populacional é um problema global que requer uma análise séria e profunda de como lidar causas da migração e suas consequências socioeconômicas, já que elas estão intimamente relacionadas com a questão do desenvolvimento econômico. Os autores argumentam que existem diversas teorias e abordagens metodológicas distintas que examinam os efeitos da migração na mão de obra, mas ainda não existe uma teoria geral que seja utilizada por todos os pesquisadores e especialistas, sendo assim, a análise da migração através de várias ciências, como a sociologia e economia pode auxiliar a responder diversas questões e alterar os níveis de desigualdade e pobreza na economia.
Oltmer (2015) publicou um estudo através do Institute for Migration Research and Cross Cultural Studies que diz respeito a segunda publicação da série “Sobre o futuro das relações globais”, para contribuir com a discussão sobre o desenvolvimento e a migração. O autor afirma estar ciente que o estudo poderá desencadear reações controversas, já que o tema muitas vezes é tratado com interesse pessoal, porém o documento pretende de forma científica trazer considerações em relação a temática.
Em 2017 o International Fund For Agricultural Development – IFAD publicou um relatório cujo objetivo foi analisar as remessas e as tendências da migração para o desenvolvimento dos países, suas conclusões foram baseadas em uma série de estudos e pesquisas encomendados pelo IFAD e de análises realizadas no banco de dados do Banco Mundial. O relatório Sending Money Home, analisou os fluxos de remessas e as migrações em 144 países fornecendo ainda, uma análise regional, durante os anos de 2007 a 2016 (IFAD, 2017).
O estudo realizado por Ferreira (2017), Migrações e Desenvolvimento, surgiu com a iniciativa da União Europeia e os Estados membros em garantir a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) como um compromisso político e obrigação legislativa no Tratado de Lisboa. Assim, a autora faz alguns questionamentos como, por exemplo, se as instituições e os países europeus estarão preparados a seguir políticas que contribuam de forma sustentável para o desenvolvimento, se as políticas e as medidas implantadas são coerentes e potencializam as contribuições para as migrações e o desenvolvimento, respeitando a dignidade dos migrantes e os direitos fundamentais. Através dessas questões, Ferreira (2017), desfaz alguns mitos sobre a relação entre migração e desenvolvimento e analisa as políticas da União Europeia. Em geral, identificou-se que é necessário reforçar a ligação entre migração e desenvolvimento, através do reconhecimento e incentivo da contribuição dos migrantes para o desenvolvimento dos países de origem e de destinos, através de políticas a nível global, nacional e regional.
O International Migration Report, da United Nations (2015) foi desenvolvido para fornecer a comunidade dados demográficos e informações sobre o desenvolvimento dos países através de estudos regulares da população, contemplando os três fatores de mudança populacional: fertilidade, mortalidade e migração.
Tendo em vista o fluxo migratório que está acontecendo na Europa e suas dimensões e até mesmo conflitos, Batsaikhan, Darvas e Raposo (2018) perceberam que o entendimento público em relação as migrações, muitas vezes é distante da realidade, com isso os autores procuram avaliar o desafio da imigração que a União Europeia enfrenta. Para eles, a chegada de um grande número de pessoas em um curto período de tempo criou uma rede de proteção administrativa e dificuldades financeiras em vários países receptores, porém, também existem razões econômicas e políticas para permitir a imigração de trabalhadores, estudantes e famílias.
Com base nestes estudos e fatores em comum sinalizados por eles que caracterizam de alguma forma a conexão entre a migração e o desenvolvimento, foram estabelecidas as seguintes categorias: Crescimento Econômico, Remessas, Tendências Demográficas, Benefícios Excludentes e Diversidade Cultural. Nas explicações é sinalizado o que de cada estudo leva à categoria organizada.
3.1 Crescimento econômico
Para Batsaikhan, Darvas e Raposo (2018), a migração pode impactar o PIB de três maneiras: 1ª Aumento da população em idade ativa; 2ª Maior demanda por bens e serviços; 3ª Aumento na produtividade do trabalhador médio. Como exemplo, de acordo com McKinsey Global Institute (2016), em 2015, os migrantes contribuíram com cerca de US $ 6,4 trilhões do produto interno bruto (PIB) mundial. Isso ocorre porque os imigrantes começam a trabalhar logo após sua chegada ao país, com isso o impacto na produção agregada geralmente é positivo, contribuindo para a produção, além disso, o consumo dos imigrantes aumenta a demanda no país estimulando a produção em curto prazo (BATSAIKHAN; DARVAS; RAPOSO, 2018).
Para Ferreira (2017) se 5% da população dos países pobres migrassem para países mais desenvolvidos o PIB mundial cresceria consideravelmente em um ano. Isso significa que as migrações são benéficas para a economia mundial. Um exemplo disso, são os Estados Unidos, é possível demonstrar com facilidade a importância que os trabalhadores imigrantes possuem no crescimento da economia e na capacidade de inovação.
Batsaikhan, Darvas e Raposo (2018) dizem que grande parte da teoria considera o impacto fiscal da imigração irrelevante, porém ele pode ser visto de duas formas: direto e indireto. O impacto direto diz respeito aos impostos pagos e benefícios recebidos que se percebe através dos registros fiscais e das despesas governamentais. O impacto fiscal indireto é mais difícil de mensurar visto que se caracteriza sobre os resultados do mercado de trabalho em relação aos nativos.
O impacto fiscal líquido é comumente descrito como a diferença entre as contribuições que os imigrantes fazem às finanças públicas por meio de impostos e outras contribuições sociais e os benefícios recebidos. Há divergências no pensamento sobre considerar apenas o bem-estar ou também o uso de serviços públicos e de incluir as transferências diretas em dinheiro (BATSAIKHAN; DARVAS; RAPOSO, 2018).
Além disso, para Careja (2013) os aspectos econômicos envolvem a cooperação entre os indivíduos que investem recursos econômicos e o Estado que cria o ambiente para o investimento. Com isso, o crescimento econômico atrelado a fluxos migratórios é uma das iniciativas que deve ser observada pelo governo para criar políticas de desenvolvimento.
3.2 Remessas
Outra das formas que a migração reflete no desenvolvimento e também no crescimento econômico dos países, segundo IFAD (2017), é através das remessas. As remessas se caracterizam em uma parte dos salários dos trabalhadores migrantes que é enviada para seu país de origem para auxiliar a família que ficou para traz. Cerca de 200 milhões de migrantes de países de baixa e média renda enviam dinheiro para suas famílias em casa. Esse pode ser um dos motivos que influenciam as migrações, para Haas (2010), visto que as remessas possuem o poder de aumentar os investimentos das famílias dos migrantes e geram a diversificação da renda e a melhoria do bem-estar.
Geralmente 15% dos salários dos migrantes são enviados como remessa, esse valor reflete em aproximadamente 3% do PIB em 71 países receptores. As famílias que recebem esse dinheiro conseguem se manter acima da linha da pobreza o que consequentemente, reflete em melhorias na saúde, educação e moradia. Este é um dos momentos que se percebe o reflexo da migração no desenvolvimento (IFAD, 2017).
A forte ligação dos migrantes com seus países de origem, na visão de Mendola (2012) é uma característica importante no processo de migração, visto que eles possuem a oportunidade de moldar o desenvolvimento econômico nessas regiões. De acordo com Ferreira (2017) a Índia e a China são os países que recebem o maior valor de remessas, auxiliando países como o Nepal e a Libéria no aumento do PIB, excedendo os valores da ajuda pública ao desenvolvimento.
A estimativa é que entre os anos de 2015 e 2030 serão enviados aproximadamente US$ 6,5 trilhões em remessas para os países de baixa e média renda. Esse recurso em sua maioria é essencial para elevar o número de pessoas que estão acima da linha da pobreza, auxiliando no aumento da renda, na melhora da saúde, educação, habitação, saneamento e também da redução da desigualdade já que ela representa cerca de 60% do rendimento total das famílias (IFAD, 2017). Entretanto, Taylor (1999) ressalta a importância em analisar de que forma o recebimento da remessa contribui para o consumo das famílias, pois a sua distribuição é realizada de forma desigual e os impactos gerados pelo seu recebimento podem ser percebidos somente em algumas localidades.
Oltmer (2015) afirma que inicialmente o valor que é enviado para a família cobre gastos com a saúde e educação e custos regulares como os bens de consumo e impostos, outras formas de investimentos como aquisição de bens são raras já que nos países receptores de remessas os bens geralmente são superfaturados.
O financiamento da educação e da saúde gerado pelas remessas se torna o aspecto relevante sobre a consequência da migração no desenvolvimento. O aumento da escolaridade suporta profissões que antes eram afetadas pela emigração de pessoas profissionalizadas, de acordo com Oltmer (2015). E isso impacta na última classificação desenvolvida nesta pesquisa, que são os benefícios excludentes e o brain drain, ou seja, a fuga de cérebros. Então, futuramente poderá ver-se um número de pessoas mais qualificadas que foram beneficiadas pelas remessas e que irão contribuir para evitar ou diminuir o brain drain.
As remessas, para Ferreira (2017), são importantes para os países de origem dos migrantes já que tendem a serem menos voláteis do que, por exemplo, o investimento direto estrangeiro (IDE), que se caracteriza como um fluxo de financiamento do desenvolvimento e possui importância principalmente nos países com maior instabilidade e fragilidade econômica. As famílias dos imigrantes já esperam o valor das remessas, segundo Oltmer (2015), para consolidar ou melhorar o seu desenvolvimento social e econômico, assim elas são influentes nas economias regionais e até mesmo nacionais. Porém, Mendola (2012) afirmam que a quantidade e dispersão dos valores das remessas somente influenciarão no momento em que atingirem não só os membros familiares do migrante, mas sim a economia local.
Apesar de as remessas serem importantes para o desenvolvimento, elas geram custos muito altos (FERREIRA, 2017). É por isso, que é necessário facilitar o fluxo do dinheiro e diminuir os seus custos de envio. Um dos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é estabelecer uma diminuição que 3% dos custos das remessas. Estima-se que os países poderiam receber mais US$ 16 milhões a diminuição dos custos das remessas. “Uma maior redução dos custos de transação e a criação de um enquadramento mais favorável para as remessas exigirá uma atuação concertada e de colaboração entre governos, setor privado e comunidade internacional” (FERREIRA, 2017, p. 45).
Entretanto, como as remessas são caracterizadas como uma fonte voluntária e privada de recursos, elas não cumprem o papel de função formal ou oficial de promoção ao desenvolvimento, não sendo excludente aos investimentos governamentais. Com isso, elas não são utilizadas unicamente para o desenvolvimento local, já que serve a interesses individuais não substituindo políticas nacionais para a promoção do desenvolvimento (FARIA, 2015).
3.3 Tendências demográficas
Ferreira (2017) acredita que a migração possui impacto para o país de origem, mas também para o de destino. Nestes países as migrações possuem um papel de suprir suas carências de mão de obra, estimular o empreendedorismo e aliviar a pressão dos sistemas de proteção social nos países que possuem sua população envelhecida. Hobsbawm (1995) já afirmava que em um momento da história os países incentivaram a migração com o objetivo de sanar a escassez de mão de obra.
Sendo assim, segundo Ferreira (2017) a migração é vista com importância na questão do impacto demográfico, pois além de aumentar a população do país ela muda as faixas etárias dos países já que os migrantes, em sua maioria, são pessoas mais jovens e economicamente ativas.
De acordo com Faria (2015) o crescimento populacional se concentra em populações com níveis mais baixos de renda e de escolaridade, nos países da África, Ásia, Oceania e América Latina. A estimativa é que nesses países a população deverá triplicar entre 2011 e 2100, já os países mais desenvolvidos terão uma queda populacional de 20%. Percebe-se a importância dos fluxos migratórios como inibidor da defasagem populacional nestes países, para Massey et al. (1993) o Japão quando se encontrava com uma baixa taxa de natalidade e envelhecimento da população foi beneficiado pelo recebimento de imigrantes para sanar a escassez na mão de obra.
Segundo a United Nations (2017), a migração contribui para o crescimento populacional em várias partes do mundo e reverte o declínio da população em certos países, por exemplo, entre os anos de 2000 e 2015 a migração contribuiu com 42% do crescimento populacional na América do Norte e 31% na Oceania e na Europa, o tamanho da população teria diminuído se não tivesse uma quantidade significativa de migrações.
Além disso, para IFAD (2017), os países anfitriões também são beneficiados pela presença dos migrantes através do trabalho e da renda, na moradia, alimentação, transporte e outras necessidades, além de necessitarem de mão de obra ativa para preencher empregos na construção, agricultura, energia, saúde, visto que grande parte da sua população é de pessoas mais velhas.
Percebe-se então o impacto demográfico da migração, já que elas possuem o poder de alterar as pirâmides etárias dos países que recebem o imigrante. Os imigrantes se caracterizam como um grupo de pessoas jovens e que fazem parte da população ativa, reduzindo a taxa de dependência dos países que possuem em sua população um maior número de pessoas mais velhas (FERREIRA, 2017). Isso ocorre, pois, de acordo com Haas (2010) em muitos casos os membros das famílias que migram são os mais jovens, já que eles podem ter a possibilidade de se estabelecerem por mais tempo no país.
Desta forma, como os migrantes representam um grupo de pessoas em idade ativa em comparação com a população em geral, a migração ajuda a reduzir a taxa de dependência dos idosos, já que ela seria maior na ausência da migração (UNITED NATIONS, 2017).
3.4 Benefícios excludentes
Contudo, de acordo com Faria (2015), o debate internacional acerca das migrações e do desenvolvimento possui visões negativas e positivas do impacto das migrações nos países de origem e nos países receptores. Ravenstein (1885) afirma que há o processo de contracorrente da migração, visto que cada fluxo migratório pode gerar uma contracorrente que compense as perdas sofridas pelas cidades que abasteceram outros locais em algum momento.
Uma questão utilizada com frequência como um impacto negativo, para Ferreira (2017) é o brain drain, ou seja, a fuga de cérebros, mas ela não pode se tornar um argumento válido já que a emigração de um membro de uma família pode aumentar a capacidade da família de investir futuramente em educação, nos outros membros.
Faria (2015) afirma que existe ainda a noção de que os benefícios da migração seriam excludentes, contribuindo somente com o país receptor, já que a visão era de que o brain drain beneficiaria somente os países de destino e impossibilitaria a prosperidade dos países de origem. Esse pensamento restrito e excludente sobre os impactos das migrações impedia o desenvolvimento de uma abordagem que reconhecesse realmente os benefícios causados pelas migrações mundiais, em ambos os países.
Segundo Batsaikhan, Darvas e Raposo (2018) existe a visão de que os imigrantes ocupam as vagas de emprego dos nativos, e ela foi bastante citada durante as campanhas eleitorais na Europa em 2017. Na visão de Hobsbawm (1995), os trabalhadores imigrantes eram vistos como pessoas inferiores que poderiam ocupar as vagas de emprego dos nativos.
Mas, autores como Nizamutdinov e Malaev (2015) defendem a visão de que o processo de migração pode vir a atrair mão de obra qualificada sem ter sido necessário utilizar recursos próprios para desenvolvê-la, além de que uma política migratória de sucesso proporciona estabilidade no país, amplia a influência internacional do país nas relações exteriores e contribui para as políticas industriais locais.
Por isso que se torna importante debater os impactos da migração para criar políticas que maximizem os efeitos positivos, minimizando os negativos e esclareçam as questões menos conhecidas sobre as migrações, como o emprego, mobilização de recursos e os direitos dos imigrantes (FERREIRA, 2017).
3.5 Diversidade cultural
Viu-se até aqui diversas formas de contribuição das migrações para o desenvolvimento e ressalta-se que os migrantes não contribuem somente no desenvolvimento econômico, mas também possuem influência no desenvolvimento humano e cultural das regiões na qual ele se insere.
De acordo com Nizamutdinov e Malaev (2015) os migrantes podem possuir cultura, religião e costumes diferentes dos encontrados no país receptor que pode contribuir para a diversidade cultural através da formação de um sentimento de compreensão, respeito e conhecimento das diversas culturas existentes. Para Hobsbawn (1995) após o fim da Segunda Guerra Mundial muitas pessoas foram obrigadas a saírem dos seus países e isso fez com que as pessoas voltassem a conviver com diversas culturas e etnias, inclusive no contexto organizacional.
Mesmo identificando a importância da diversidade para o desenvolvimento dos países, para Wise, Covarrubias e Puentes (2013) muitas vezes o preconceito toma forma e faz com que os migrantes sejam discriminados na sociedade e até mesmo tratados como criminosos. Por isso torna-se importante inseri-los na sociedade através de políticas públicas, educação, emprego e renda.
De acordo com, Careja (2013), o Estado é o ator principal e responsável na promoção de medidas que protejam os trabalhadores migrantes, mesmo muitas vezes não se portando como tal. No estudo prático realizado por Careja, as políticas e os programas identificados partiam de instituições públicas e privadas e muito pouco pelo governo. Percebe-se às vezes a falta de interesse do Estado na migração e sua relação com o desenvolvimento.
A maioria dos países se não convivem diariamente com sociedades diversas estão propensos a conviver em um futuro próximo com sociedades multiétnicas por conta das migrações, segundo Massey et al. (1993). Assim, para Wise, Covarrubias e Puentes (2013) a nova agenda de pesquisas e estudos deve servir para recuperar a importância do desenvolvimento social e garantir os direitos humanos fundamentais para os migrantes e suas famílias eliminando as discriminações e todas as formas de exploração, independentemente da raça, cultura, gênero e condição social.
Após a conclusão desta seção, vê-se a importância dos estudos que demonstrem os reais impactos da migração no desenvolvimento dos países, já que ao longo da história da humanidade a migração sempre se fez presente e nos dias atuais continua em crescimento através, em grande parte, dos conflitos religiosos e políticos em países do Oriente e dos fluxos migratórios de venezuelanos, cubanos e haitianos, que faz com que as pessoas busquem em outros países melhores condições de vida.
4 Considerações finais
A presente pesquisa buscou realizar um debate teórico sobre as migrações e seu impacto no desenvolvimento das regiões. Foram escolhidos através de uma pesquisa nas plataformas Scielo, Google Acadêmico, Web Of Science, Scopus e Spell, onze documentos de acordo com sua relevância para o tema, suas contribuições, número de citações, autores e instituições de publicação.
Para identificar se as migrações afetam os locais na qual ela ocorre, através do desenvolvimento da região, foi realizado um estudo bibliográfico com o objetivo de reunir conceitos e criar categorias que expliquem a relação entre a migração e o desenvolvimento. Através da análise realizada nos onze documentos investigados, pode-se criar cinco categorias que dizem respeito à conexão entre as migrações e o desenvolvimento, são elas: crescimento econômico, remessas, tendências demográficas, benefícios excludentes e diversidade cultural.
O crescimento econômico é um fator de comum acordo entre os documentos investigados que é uma variável influenciável pela migração e que impacta no desenvolvimento da região. Ele pode ser percebido através do crescimento do PIB, visto que os imigrantes logo que entram no país procuram emprego e assim contribuem também nas políticas fiscais do país.
Aliado ao crescimento econômico encontram-se as remessas. As remessas consistem em valores que é enviado pelo imigrante para o seu país de origem, geralmente para auxiliar financeiramente a família que ele deixou para trás. As famílias conseguem se manter acima da linha da pobreza e começam a investir mais em educação, saúde e moradia, influenciando assim o desenvolvimento do local em que estão inseridas. Então, pode-se afirmar que as remessas contribuem para o desenvolvimento do país de origem do imigrante, seu único fator negativo é os custos de transações que são relativamente altos e que se diminuídos, ajudariam um maior número de pessoas.
Os países desenvolvidos possuem sua taxa de crescimento populacional em queda, enquanto os países mais pobres estão entre os que possuem um maior crescimento populacional. Assim, o imigrante que busca melhor qualidade de vida através da migração para países desenvolvidos auxilia, nestes países, uma diminuição da defasagem populacional. Sendo assim, a tendência demográfica é uma grande demonstração da influência da migração no desenvolvimento.
Foram verificados os benefícios excludentes da migração no desenvolvimento, que é identificado através da questão do brain drain, ou seja, a fuga de cérebros. Afirma-se que a migração beneficiaria somente os países receptores dos imigrantes, visto que os países emissores estariam impossibilitados de se desenvolverem já que a sua população educada e economicamente ativa migra para países desenvolvidos. Porém, seguindo este pensamento, percebe-se que as remessas são importantes e beneficiam os países de origem dos imigrantes, assim como o brain drain beneficiaria os países receptores. Assim, ambos os países são atingidos positivamente na questão do desenvolvimento ocasionado a partir das migrações.
Por fim, identificou-se a diversidade cultural como um benefício ocasionado pelas migrações, já que através do deslocamento de pessoas com cultura, religião e costumes diferentes para várias regiões do mundo faz com que as relações se tornem cada vez mais diversas entre si e essa diversidade auxilia na desmistificação de preconceito em um relacionamento mais harmonioso entre diversas culturas.
Após, concluída a análise e alcançado o objetivo proposto neste estudo, propõe-se futuras pesquisas que abordem a questão da migração e do desenvolvimento a partir da ótica das categorias criadas, visto que há poucos estudos práticos sobre essa temática no Brasil. Bem como, voltar a discussão para uma abordagem epistemológica humanista radical (BURREL; MORGAN, 1979) para compreender como a influência dos arranjos sociais e estruturais podem vir a influenciar os fluxos migratórios e a inserção destes imigrantes no país de destino, com destaque ao acesso a políticas públicas, saúde, moradia, trabalho e educação.
Também cabe projetar o futuro das migrações (PEIXOTO, 2019) para uma possível continuidade da tendência atual ou por possíveis alterações do paradigma migratório, visto que pode ocorrer o enfraquecimento dos fluxos migratórios em massa ocasionado por fatores estruturais, falta de oportunidades de trabalho, desigualdades, mudanças demográficas e dinâmicas de poder e por motivações e estratégias individuais dos/das migrantes, deixando evidente que existe um outro lado das migrações, que podem ocasionar em empregos de baixa qualificação, caracterizados pelo abandono de sua carreira anterior para melhor inserção no novo país (WEHRLE, KIRA, KLEHE, 2018), por salários desiguais e falta de oportunidades no desenvolvimento de sua carreira (KNAPPERT, et al., 2018), transformando-os em trabalhadores vulneráveis e precarizados.
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