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Contexto histórico das formas de organização da produção: repercussões organizacionais e sociais
Historical context of production organizational forms: organizational and social repercussions
Contexto histórico de las formas de organización de la producción: repercusiones organizativas y sociales
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 28, 2023
Universidade de Santa Cruz do Sul

Artigos


Recepción: 05 Octubre 2022

Aprobación: 18 Mayo 2023

DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v28i1.17928

Resumo: O presente ensaio tem como objetivo analisar o contexto histórico das formas de organização da produção como elemento fundamental e estruturante de todas as dinâmicas das organizações e da sociedade, bem como fator que influenciou as relações organizacionais, com repercussões sociais e no estilo de vida das pessoas. Este constructo analisa as formas de organização da produção – desde as pré-industriais, passando pela massificação da sociedade industrial até chegar às possibilidades diversificadas, denominadas neste ensaio de pós-industriais, entendendo as contradições de cada macroperíodo histórico, sem nenhuma pretensão de definir esses períodos como “caixas” fechadas.

Palavras-chave: Organização da produção, Organizações, Sociedade.

Abstract: This essay aims to analyze the historical context of the forms of organization of production as a fundamental and structuring element of all the dynamics of organizations and society, as well as a factor that influenced organizational relationships, with social repercussions in people's lifestyle. This construct analyzes the forms of organization of production from the pre-industrial, through the massification of industrial society until reaching the diversified possibilities, called post-industrial in this essay –, understanding the contradictions of each historical macroperiod, without any pretension to define these periods as closed “boxes”.

Keywords: Production organization, Organizations, Society.

Resumen: Este ensayo tiene como objetivo analizar el contexto histórico de las formas de organización de la producción como elemento fundamental y estructurante de toda la dinámica de las organizaciones y de la sociedad, así como un factor que influyó en las relaciones organizacionales, con repercusiones sociales y en el estilo de vida de las personas. Este constructo analiza las formas de organización de la producción – desde lo preindustrial, pasando por la masificación de la sociedad industrial hasta llegar a las posibilidades diversificadas, denominadas postindustriales en este ensayo –, comprendiendo las contradicciones de cada macroperíodo histórico, sin pretensión alguna de delimitar estos períodos como “cajas” cerradas.

Palabras clave: Organización de la producción, Organizaciones, Sociedad.

Introdução

Em uma visão sociológica, as formas de organização da produção, em sentido amplo, tiveram forte influência no desenvolvimento histórico da humanidade, em todas as questões de organização social. O elemento central de toda a infraestrutura, seja na sociedade da pedra lascada, seja na sociedade pós-industrial, é o que o marxismo chama de processo de produção. Em outras palavras, o que verdadeiramente explica o direito, a moral, a religião, a educação, a filosofia e qualquer coisa na sociedade é a maneira como ela produz bens materiais (Barros; Dainezi 2014). “Todo processo de produção, dirá Marx no livro I de O capital, é constituído por dois elementos: processo de trabalho e relações de produção” (BARROS; DAINEZI 2014, 28).

As formas de organização da produção mais remotas foram basicamente a escravidão antiga, o feudalismo, a visão da economia clássica vinculada à propriedade e, atualmente, a predominante produção capitalista. Este ensaio, sem pretensão de maiores aprofundamentos históricos propriamente ditos, irá destacar os principais efeitos pós-feudalismo, com predominância do artesanato e início da produção industrial, bem como o contexto atual das formas de atuação como forma de organização da produção.

Para Marx (1985), tudo o que existe na sociedade, em uma visão materialista-histórica, é explicado em função das formas de organização da produção. Autores mais contemporâneos, como Marcuse (1973), Horkeimer (1974), Horkeimer e Adorno (1985), se debruçaram a estudar os efeitos de uma sociedade industrial, em todos os aspectos materiais e cognitivos, assim como seus impactos, que criaram um caminho unidimensional nas relações, chegando Morgan (1996) a mencionar que as pessoas desenvolveram um taylorismo/ fordismo de espírito.

Para organizar a discussão, sem querer delimitar “caixas” fechadas e as contradições que o termo “pós” carrega, identificam-se neste estudo os três principais macroperíodos do desenvolvimento: o macroperíodo artesanal, o industrial e, por último, o mais polêmico – o pós-industrial. Como fechamento, à guisa de uma conclusão, o ensaio vai discorrer sobre tendências atuais e pontos cegos, parafraseando Ramos (1989), das dinâmicas organizacionais e do pensamento limitado às dicotomias unidimensionais da sociedade na atualidade. Tudo isso por não se entender, em linhas gerais, toda a multidimensionalidade das formas de organização da produção e suas repercussões, inclusive na cognição humana.

Os macroperíodos do desenvolvimento

A análise epistemológica do desenvolvimento das organizações e dos mercados pressupõe uma compreensão sobre os macroperíodos de organização da produção. Nesse sentido, identifica-se que a organização da produção, ao longo do tempo, foi influenciada pelo sistema econômico de acumulação do capital e, também, pelo desenvolvimento das organizações, de acordo com macroperíodos históricos de organização da produção.

Marx (1974) e autores das escolas econômicas clássicas, como Ricardo (1982), Malthus (1982) e Smith (1996), contribuíram para a análise da relação entre o capital e o trabalho. Os economistas clássicos preocuparam-se com a noção de riqueza centrada nos fatores tangíveis de produção, sendo que Marx focou-se nas relações de trabalho e nas classes sociais, contribuindo para a visão atual de “fenonomias” (RAMOS 1996).

Para entender o desenvolvimento organizacional e as formas de organização da produção, partindo-se de uma ontologia não positivista, o entendimento dos modelos econômicos figura como aspecto fundamental de partida, visto que, nos dias de hoje, é inegável a crise do sistema de acumulação rígida do capital (HARVEY 1992; TOFFLER 1995; TENÓRIO 2007). As organizações capitalistas não estão imunes às crises ocasionadas por questões regionais, territoriais, culturais e sociais. Independente do porte, as empresas não desenvolveram uma estrutura de gestão preparada para competir com as possibilidades pós-industriais. A gestão, hegemonicamente, foca-se na eficiência e na eficácia baseadas na contribuição weberiana, apesar de Weber ser um autor que analisou a sociedade e influenciou as organizações, atrelado, também, às teorias externas e aos mercados massificados.

As economias externas dependiam do desenvolvimento da indústria, bem como as economias internas dependiam dos recursos e da gestão da própria empresa, da eficiência da sua administração, enfim, da sua atuação no mercado, que estimula processos novos e acirradas dinâmicas de concorrência. As relações de produção, assim como o DO (desenvolvimento organizacional), tiveram uma evolução histórica com inúmeras contradições, principalmente porque as organizações e as teorias organizacionais tendem ao unidimensionalismo e à alienação nas relações.

O desenvolvimento organizacional ocorreu historicamente influenciado pelo surgimento da sociedade industrial, apresentando características unidimensionais e ligadas ao modelo de produção industrial (MARCUSE 1973; HORKHEIMER; ADORNO 1985; HORKHEIMER 1974). Nesse contexto, a visão de mundo positivista não só influenciou os modelos de produção, mas predominou no comportamento e na organização da sociedade como um todo, desenvolvendo uma espécie de “taylorismo do espírito” que também influenciou as escolas e as teorias da administração (MORGAN 1996; RAMOS 1989).

Entretanto, no final do século XX, a globalização e a inovação passaram a ser protagonistas de um novo ciclo dito “de desenvolvimento”, entendido como apenas crescimento econômico, com alguns traços de flexibilização em alguns casos. As novas tecnologias nos transportes, nas comunicações e no acesso às informações fortaleceram processos de interação entre organizações, aumentando a complexidade interativa e a necessidade de se criarem ambientes que privilegiassem relações interempresariais. Assim, cidades e regiões passaram a dar respostas estratégicas aos desafios gerados pela nova dinâmica concorrencial, não apenas através da oferta de novos produtos e serviços, mas pela criação de ambientes complexos e interativos alinhados ao Desenvolvimento Regional territorializado. Contudo, Harvey (1992, 1) adverte que:

[...] essas mudanças, quando confrontadas com as regras básicas de acumulação capitalista, mostram-se mais como transformações de aparência superficial do que como sinais do surgimento de alguma sociedade pós-capitalista, ou mesmo pós-industrial inteiramente nova.

Apesar da crítica de Harvey (1992), em função da necessidade de revisão de paradigmas organizacionais baseados no crescimento, utiliza-se o termo “possibilidades” pós-industriais ao se mencionar mercados, face às mudanças aceleradas dos ambientes e das organizações e o desenvolvimento embrionário de teorias e de ações de desenvolvimento organizacional, considerados como alternativas para o Desenvolvimento Regional1, conforme pode ser observado através de aspectos abordados no Quadro 1.

Quadro 1
Passado e presente dos sistemas organizacionais

Fonte: Elaborado pelos autores com base em: Bell (1977); Marx (1974); Harvey (1992); Tofller (1995); Barquero (2001); Agostinho (2003); Etges; Degrandi (2013).

Tendo em vista a elaboração de reflexões e a proposição de alternativas para o desenvolvimento, envolvendo as interações entre o global e o regional, mencionam-se elementos da gestão social e da empresa social como alternativas de resposta à organização flexível. O termo “social” refere-se à organização da produção, bem como às análises que justificam a discussão e a necessidade de revisão do paradigma industrial para o pós-industrial ou, pelo menos, neotaylorista e neofordista, considerado um estágio transitório. O modelo industrial, como modelo econômico e de organização da produção sob o patrocínio do capital, está em declínio, visto que cada vez mais nota-se um alinhamento para estratégias de flexibilização com foco em ambientes de customização. Assim, Toffler (1995, 253) afirma que:

[...] mesmo enquanto as grandes empresas se expandem, a importância das empresas, como instituição, se retrai. Ainda é demasiado cedo para que qualquer um de nós entenda plenamente os mosaicos de poder que agora se formam com rapidez e o destino a longo prazo da empresa. Mas uma coisa é certa: a ideia de que reduzido número de companhias gigantes irá dominar a economia do amanhã é uma caricatura da realidade ao estilo das histórias em quadrinhos.

Há consenso quanto ao reconhecimento da existência de transformações no ambiente social e organizacional, ao se analisar os efeitos do modelo positivista imbuído nas organizações através de padrões tayloristas, baseados na organização burocrática. Inclusive, segundo Toffler (1995), as organizações baseadas em modelo neotaylorista e neofordista ou até pós-industrial também vêm sofrendo com a emergência de novas crises organizacionais:

[...] com o surgimento da organização pós-industrial [...] pode-se dizer que as crises organizacionais tendem a aumentar e os métodos que partem da premissa de que as empresas são máquinas tendem a não se adequar à atual complexidade organizacional. O que vemos é uma crise que brota no coração da burocracia. A mudança à alta velocidade não apenas sobrecarrega a sua estrutura de cubículos e canais, mas ataca o mais profundo pressuposto no qual se baseava o sistema. Este pressuposto é a teoria de que é possível pré-especificar que, na companhia. Precisa saber que é um pressuposto baseado na ideia de que as organizações são essencialmente máquinas e que funcionam em um ambiente metódico. (TOFFLER 1995, 195)

Identifica-se a existência de reflexão sobre as formas e as dinâmicas organizacionais adotadas predominantemente na sociedade industrial, hegemonicamente orientada para o consumo e a acumulação do capital, bem como para modelos mecanicistas voltados para um “desenvolvimento” baseado no crescimento. Segundo Toffler (1995, 16):

[...] a aceleração da mudança não se limita a afetar indústrias ou nações, é uma força concreta que se infiltra profundamente na vida pessoal, que nos obriga a representar novos papéis e nos coloca frente a frente com o perigo de uma nova e muitíssimo perturbadora doença psicológica. [...] O que está a acontecer agora, segundo tudo indica, é mais profundo e mais importante do que a revolução industrial. Na realidade, um número crescente de opiniões dignas de crédito afirma que o momento presente representa nada menos do que a segunda grande cisão da história humana, só comparável em magnitude à primeira grande ruptura da continuidade histórica, que foi a passagem do barbarismo para a civilização.2

Toffler (1995) apresenta afinidades conceituais e epistêmicas, devido a sua terminologia racional, convergentes às críticas proferidas por autores como Harvey (1992), Etges e Degrandi (2013), Barquero (1999) e Bell (1977). Nesse sentido, justifica-se a discussão sobre o desenvolvimento organizacional de forma inter e multidisciplinar e não apenas voltada para a visão da eficiência e da eficácia operacional, baseada nos padrões essencialmente lineares, embora ainda sejam predominantemente utilizados nas ciências sociais aplicadas. Algumas características básicas reforçam esse pensamento referente à possível sociedade pós-industrial descrita por Bell (1973)3, quando o mesmo retrata a emergência de novas tecnologias e inovação, revolucionando novos paradigmas do desenvolvimento.

O Quadro 2 resume as características dos macroperíodos de organização da produção, partindo do modelo pré-industrial, caracterizado pelo período artesanal, e tendo como proprietário o artífice, com formação baseada nas demandas locais e com o conhecimento restrito ao domínio familiar passado de geração para geração. Já a organização neotaylorista/neofordista descreve as características dos regimes de acumulação com os principais focos organizacionais e territoriais, inclusive com possibilidades pós-industriais. Acredita-se que os elementos referidos contribuem para a análise dos regimes de acumulação, das mudanças nos ambientes organizacionais e territoriais, além de favorecer a realização de um contraponto à teoria organizacional, hegemonicamente positivista.

O termo neotaylorista/neofordista, na verdade, não seria sinônimo de pós-industrial, mas considerado um estágio de transição com algumas características de acumulação flexível e gestão social, sendo o termo pós-industrial mais amplo e apresentando uma leitura econômica e de organização da produção propriamente dita, fomentada pelas alterações sociais e por seu impacto nas dinâmicas regionais do desenvolvimento.4

A empresa taylorista/fordista possui conhecidas características citadas por Harvey (1992), Etges (2005) e Tenório (2004; 2007), com predomínio de elementos como o aumento da produção em massa e o aumento dos lucros, alinhadas às patologias sociais e organizacionais ligadas à motivação do trabalhador e à organização do trabalho industrial. As organizações neotayloristas/neofordistas ou pós-industriais poderiam ser identificadas como organizações alinhadas ao desenvolvimento de uma região. Elas são abordadas neste estudo como voltadas à sustentabilidade econômica, social, cultural e ambiental, com ações em múltiplas direções, como contrarresposta ao modelo econômico hegemônico capitalista. Contudo, essa ainda não é a realidade que se observa genericamente na atualidade, conforme será descrito nas considerações finais, fazendo uma primeira crítica da crítica do termo pós-industrial, como já mencionado por Harvey (1992), usando o termo pós-capitalista.

Quadro 2
Macroperíodos do desenvolvimento

Fonte: Adaptado de Fontoura (2019); Harvey (1992); Toffler (1995); Etges; Degrandi (2013); Barquero (2001); Bell (1977, 1973); Tenório (2004); Marcuse (1973)

No próximo tópico, são apresentadas características do macroperíodo pré-industrial ou artífice.

Macroperíodo pré-industrial ou artífice

O desenvolvimento com foco na origem das organizações teve forte influência dos arranjos territoriais e da formação socioespacial, com base inicialmente em organizações artesanais, a exemplo das ferrarias, das sapatarias e das alfaiatarias. Estas apresentavam formações com características essencialmente rudimentares e carentes de processos planejados; o próprio artífice era quem planejava, executava e definia seus meios de produção.

Para Toffler (1995), as sociedades pré-industriais eram baseadas em uma agricultura em que se produziam praticamente todos os bens de consumo (alimentos, roupas e materiais para a moradia). Com a industrialização, esse cenário mudou, surgindo um sistema dependente do capital e do consumo massificado. A abordagem dos macroperíodos de organização da produção ocorreu em todas as escalas, envolvendo o cenário internacional, caracterizado pela fragmentação dos processos de produção, a partir da migração de uma fase pré-industrial para uma organização industrial. Ou seja, os períodos de organização da produção foram se desenvolvendo sob influência do próprio desenvolvimento do capitalismo, passando de uma organização pré-industrial para uma industrial.

Toffler (1995) contribui com uma análise histórica dos fluxos de capital e da formação da riqueza, como referido pela Escola Clássica da Economia, salientando que a terra foi o primeiro fator de poder econômico. Com a revolução das chaminés, ou revolução industrial, o capital continuou sendo considerado material, consolidando-se através dos investimentos físicos das empresas. Na perspectiva pós-industrial, evidenciam-se outras formas de fluxos de riqueza, baseados fortemente na informação.

À luz do Desenvolvimento Regional, pode-se observar que, no macroperíodo pré-industrial, as relações de produção e as interorganizacionais eram mais territorializadas, muitas vezes, apresentando ações de cooperação entre as empresas, que tinham também relações com as famílias que as administravam. Silveira (2007) menciona o exemplo de Santa Cruz do Sul, no seu principal segmento (produção fumageira), que passou por um processo de revolução tecnoindustrial e de transnacionalização a partir de 1960, migrando de um macroperíodo do desenvolvimento – sistema pré-industrial (envolvendo cooperação entre famílias detentoras das empresas) – para um sistema tecnoindustrial globalizado. Com o desenvolvimento da sociedade industrial, o taylorismo e o fordismo se desenvolveram como modos de organização da produção e como visão de mercados baseados no crescimento, com aposta nos ganhos de escala. Assim, Tenório (2011, 145) enfatiza que

[...] descrever o fordismo como paradigma de organização da produção e do trabalho não mencionando o taylorismo é relatar parcialmente este paradigma, uma vez que o fordismo tem uma relação quase que umbilical com o taylorismo. Na realidade, historicamente, antes de Taylor e Ford, outros momentos e outros autores contribuíram para o desenvolvimento de formas de gestão organizacional. Um texto clássico da literatura econômica mundial e que contribui para reforçar a ideia de que antes de Taylor já se escrevia sobre formas gerencias de produção é o livro de Adam Smith (1723-90), A Riqueza das Nações, publicado em 1776. No Livro Primeiro desse texto, Smith discute a divisão do trabalho, dando como exemplo o já conhecido caso da fábrica de alfinetes [...].

O macroperíodo pré-industrial antecede o industrial, também descrito na literatura com viés mais sociológico, tendo recebido várias denominações, como industrial, tecnoindustrial e sociedade do consumo. Independentemente do termo utilizado, observa-se que o macroperíodo industrial desenvolveu uma forma de organização da produção que muito influenciou a sociedade e a própria cognição humana (em termos econômicos, para um raciocínio de crescimento), bem como os ambientes organizacionais, conforme descrito no próximo tópico.

Macroperíodo industrial

Após o período artesanal ou pré-industrial, surgiram as organizações manufatureiras. Essas organizações eram responsáveis pela implementação das linhas de produção, tendo-se em vista o aumento da produtividade através da produção em série, com base na tríade planejamento, burocracia e controle, embora os processos fossem, na época, orientados para determinadas especificidades de diferentes contextos, mercados ou produtos. Segundo Harvey (1992, 124),

[...] a tecnologia de linha de montagem para produção seriada, implantada em muitos pontos nos Estados Unidos, tinha um desenvolvimento muito fraco na Europa antes da metade dos anos 30. A indústria de automóveis europeia, com exceção da fábrica da Fiat em Turim, permanecia em sua maior parte uma indústria artesanal de alta habilidade, (embora organizada corporativamente), produzindo carros de luxo para consumidores de elite, sendo apenas ligeiramente influenciada pelos procedimentos de linha de montagem na produção em massa de modelos mais baratos antes da Segunda Guerra Mundial.5

A administração científica, de acordo com Harvey (1992) e Schumpeter (1982), inserida em todas as facetas da atividade corporativa sob o “guarda-chuva” da matriz positivista, voltada à divisão e à especialização do trabalho, influenciou a organização do trabalho e as formas de organização da produção. Essa matriz deu sequência ao modelo cartesiano dos séculos XVII e XVIII, fundamentado pela racionalidade e pela divisão das partes, que também foi ápice do modelo de organização da sociedade, e na formação de pessoas especializadas em busca de um determinismo factual.

As diferentes facetas das atividades sociais, como médico, dentista, advogado, administrador, contador, além das divisões do ambiente organizacional no local de trabalho, incluindo as áreas básicas da Administração: Marketing, Produção, Materiais, Finanças, Recursos Humanos e Desenvolvimento de Produtos, basearam suas estratégias em feudos com o objetivo de alcançar a racionalidade corporativa burocrática (Harvey 1992).

Marx (1985), em sua obra O capital: crítica da economia política, faz a seguinte afirmação relativa ao impulso da manufatura e da divisão territorial do trabalho:

[...] a divisão territorial do trabalho ganha impulso com a manufatura, a qual explora todas as suas particularidades e que a origem da manufatura e sua formação, a partir do artesanato, precisava de várias profissões diferentes para produzir uma mercadoria. Por outro lado, ela parte da cooperação de profissionais do mesmo tipo e divide o trabalho deles em várias operações particulares, que serão desempenhadas por trabalhadores específicos. Mas qualquer que seja seu ponto particular de partida, sua figura final é a mesma, um mecanismo de produção, cujos órgãos são seres humanos. Não importa se a execução da manufatura é composta ou simples, continua dependo da habilidade manual dos trabalhadores. (MARX 1985, 278).

Este modelo de produção, vinculado às teorias da Administração Científica, proporcionou a emergência de novos mercados a partir da produção em série, enaltecendo empresas de manufatura baseadas no modelo de produção e de consumo em massa. Harvey (1992) menciona o ano de 1914 como data inicial simbólica, quando Henry Ford introduziu o “dia de oito horas e cinco dólares como recompensa” para os trabalhadores na linha automática de montagem. Já Tenório (2007) destaca o fordismo, entre 1900 e 1985, como forma de organização hegemônica da produção capitalista. Com o domínio taylorista/fordista[6], baseado nos pressupostos da Administração Científica, os estudos organizacionais e do DO se afastaram dos aspectos territoriais do desenvolvimento, baseando-se no processo de acumulação e de consumo em massa. Nesse sentido, Tenório (2004, 31) declara que

A ação racional com relação a fins tem merecido, principalmente a partir do taylorismo/fordismo, uma busca constante de paradigmas que justifiquem o agir instrumental dentro dos sistemas sociais formalmente organizados. Essa procura, no entanto, não tem permitido que os agentes do processo, administradores e administrados, desenvolvam suas funções de forma emancipadora.

A afirmação de Tenório (2004) possui relação com a defesa do pensamento dialético de que as organizações hegemonicamente baseadas em modelos positivistas já não possuem condições de se manter, eis que suas dinâmicas cotidianas, muitas vezes, sustentam posicionamentos ingênuos à capacidade de entender todas as relações da sociedade atual. Esse processo gera impactos no meio organizacional, os quais impedem, inclusive, a utilização de estratégias eficazes para o tão sonhado resultado econômico com fim unidimensional, além do que o espectro de fatores multidimensionais do desenvolvimento da organização dos modos de produção lhes faz reféns de uma “miopia epistemológica”, de uma cultura organizacional ditada por mitos organizacionais frágeis e inconsistentes à realidade contemporânea do mercado.

Nos anos 1980, no Brasil, ganha força a denominada Escola do Posicionamento Estratégico (Porter 1986), amplamente discutida no meio acadêmico e disseminada nas organizações com foco na estratégia e na competitividade. Nessa escola, a competividade das organizações estaria baseada no posicionamento destas em relação ao ambiente concorrencial, a partir de uma leitura econômica e mercadológica.

A Escola do Posicionamento Estratégico parte da premissa de que, se uma empresa não se focar em um posicionamento estratégico e deliberar sua gestão e planejamento em função dele, poderá ficar vulnerável e fragilizada quanto ao seu desenvolvimento. Para Porter (1986), a estratégia é um assunto amplo, podendo ser entendida como uma análise da concorrência e um posicionamento, ou seja, como um plano, um padrão de comportamento, na perspectiva de mercado ou alinhada à competitividade duradoura (Ferraz; Kupfer; Haguenauer 1997).

Nessa escola, além das cinco forças competitivas, Porter (1986) defende a existência de três estratégias competitivas como forma de posicionamento: liderança em custos, posicionamento pela diferenciação e enfoque. As três perspectivas definem basicamente que uma empresa tem que se posicionar no mercado concorrencial, sendo a liderança em custos, diferenciação ou enfoque as possibilidades de seu posicionamento de mercado.

Pode-se inferir que a estratégia de liderança em custos estaria intimamente alinhada ao modelo de acumulação taylorista/fordista, pois aposta na produção massificada e na redução dos custos totais, visando à competição de mercado. Entretanto, Yunos (2008) defende a estratégia de custos, não com viés para o consumo massificado, mas como uma possibilidade de atender classes sociais com menor renda dentro de um planejamento com “objetivo social” para a empresa, considerada como uma nova forma de dinâmica organizacional envolvendo fortemente a perspectiva social. Yunus contribui para uma análise além da simples menção à tríade econômico, social e ambiental. Nesse prisma, a dimensão socioambiental também deve constar na meta da empresa, possibilitando novos contornos para um capitalismo mais flexível.

A estratégia de diferenciação baseia-se na customização, influindo em diferenciais e aumento nos preços. No posicionamento de enfoque, a empresa investiria em “nichos” de mercado, quando produtos podem estar associados a ambientes flexíveis de produção com a inclusão da diferenciação para distintos mercados, em contraponto à produção em série (Tenório, 2005). Segundo Harvey (1992) e Tenório (2005), a empresa que busca diferenciação pode já estar em um processo de flexibilização, com investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com disseminação de tecnologia, mesmo que de forma embrionária – não se concentrando apenas no capital fixo.

Segundo os autores Ferraz, Kupfer e Haguenauer (1997), a competitividade e a estratégia relacionam-se com a eficiência técnica nas características de desempenho da empresa, tendo como indicador a participação no mercado (market-share). Os autores definem a competitividade associada ao espaço e ao tempo, na medida em que a mesma passa a ser considerada como “[...] a capacidade da formular e implementar estratégias concorrenciais, que permitam à empresa ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado”7 (FERRAZ; KUPFER; HANGUENAUER 1997, 1).

Observa-se que a estratégia organizacional deve ser vista num sentido ampliado, não somente focada na participação de mercado e na estratégia de flexibilização e de customização, mas especialmente no modelo de produção em massa defendido pelo taylorismo/fordismo. A partir do final século XX, a estratégia se embasa em fatores contextuais inter-relacionados e dinâmicos devido à

[...] intensiva troca que ocorre na interação empresa-ambiente, fazendo com que o conhecimento gerado seja considerado um insumo que abastece a elaboração das estratégias organizacionais. O mesmo também serve como referência para que o meio também se atualize e se modifique, promovendo mudanças para que o fluxo de vida dos sistemas econômicos siga se transformando e evoluindo num ciclo contínuo e ininterrupto de mudança a partir de novos construtos organizacionais. (WITTMANN; LUBECK; NELSIS 2013, 132)

As interações existentes entre as organizações e o ambiente, motivadas pelo processo de organização industrial baseado na acumulação rígida do capital, apesar de terem possibilitado uma série de avanços tecnológicos, provocaram também uma dependência de sistematização e de mecanização organizacional, ocasionando reflexo em toda a sociedade.

Benko (1999) desenvolve a análise de que o modelo de organização industrial hegemônico, baseado no taylorismo/fordismo com foco no aumento da lucratividade e na acumulação do capital, dificultava as políticas coerentes com o Desenvolvimento Regional, devido a uma série de problemas multidimensionais, pois, segundo ele,

Havia problemas de rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo, em sistemas de produção em massa, que impediam muito a flexibilidade e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho. (BENKO 1999, 135)

Essas afirmações já evidenciavam os efeitos de uma visão baseada unicamente no crescimento econômico, na medida em que se compreende que organizações fundamentadas exclusivamente no acúmulo do capital e nos cálculos de custos, desde o projeto de localização até o planejamento geral de suas atividades empresariais, apresentam dificuldades de efetivarem o desenvolvimento de processos flexíveis e complexos. Nessa perspectiva, Harvey (1992, 140) ressalta:

[...] a acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um contraponto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápida mudança dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de serviços”. (Grifo no original)

De acordo com Tenório (2004), as organizações passaram a atuar em função das demandas diversificadas, relativizando a especialização excessiva do trabalhador para valorizar uma qualificação versátil e multifuncional, bem como substituindo a gestão tecnoburocrática por uma perspectiva de gerenciamento colaborativo. Etges (2005) ressalta que, no período da acumulação flexível, a divisão internacional do trabalho adquire novos contornos, evidenciados pelos investimentos em grandes complexos produtivos localizados nos “melhores territórios”, de forma verticalizada. Entretanto, o processo de globalização e a crise no sistema taylorista/fordista trouxeram a necessidade de a sociedade buscar novas alternativas de desenvolvimento voltadas a ambientes de sustentabilidade, não apenas a partir de uma perspectiva econômica, mas também ambiental e social.

Com o surgimento de organizações pós-fordistas ou pós-industriais, urge a necessidade de uma revisão ampla nos modelos positivistas de gestão e do DO. O desenvolvimento endógeno, a abordagem da gestão territorial e a socialização das organizações são alternativas apresentadas na literatura estudada, com impacto significativo para as dinâmicas e estratégias organizacionais, como já mencionado por Harvey (1992) e exemplificado pela indústria automobilística. Nesse contexto, discute-se a possibilidade de uma organização da produção pós-industrial e dos impactos para o desenvolvimento organizacional territorializado, sabendo da incompletude cognitiva do termo e da polêmica da utilização do termo “pós” em linhas gerais.

Macroperíodo pós-industrial ou neotaylorista/neofordista

Na literatura nacional e na internacional, este macroperíodo é denominado de várias formas: pós-industrial, pós-fordista ou até pós-capitalista (Bell 1977; Harvey 1992; Toffller 1995; Tenório 2004; Ramos 1989; Morgan 1996). Neste ensaio, utiliza-se o termo pós-industrial ou neotaylorista/neofordista, por se compreender que os processos fordistas e tayloristas ainda são dominantes e para se evitar desvio do foco da desindustrialização ou do término do taylorismo e do fordismo. Por outro lado, reconhece-se que há uma crise nesse modelo de produção e no seu unidimensionalismo teórico-metodológico, ao se analisar as dinâmicas organizacionais do século XXI (MARCUSE 1973).

O neofordismo pode ser entendido como uma transição entre o taylorismo e o fordismo característico do macroperíodo industrial, com possibilidades de arranjos organizacionais mais flexíveis e territorializados. Entretanto, Tenório (2011, 141) adverte sobre alguns conceitos pós-fordistas arraigados ainda ao sistema fordista:

[...] conceitos que o modismo da contemporaneidade flexível não permite que sejam percebidos, escondendo indicadores da permanência de um fazer fordista travestido, muitas vezes, de moderno, atual. A tese proposta é que o pós-fordismo contém o fordismo. Ou seja, o fordismo não é substituído pelo pós-fordismo, visto que este último contém, de acordo com a unidade dos contrários, lei da dialética, elementos fordistas, substâncias que serão representadas por meio de um continuum. Assim, a aparente situação antitética não ocorre, uma vez que o pós-fordismo compreende seu oposto, o fordismo.

O macroperíodo pós-industrial é o mais difícil de ser caracterizado, em função de ser um processo econômico e social ainda em formação, com dificuldade de entendimento em função dos paradigmas sociais, culturais e psicológicos de uma organização da produção pré-industrial e industrial massificada, com pressupostos positivistas de linearidade, de cartesianismo, de unidimensionalismo, de unicausismo, evidenciados pelo determinismo factual e pelo pensamento mecanicista e homogeneizador. (FONTOURA;2019).

Tenório (2011) ressalta que é através da visão dialética da unidade dos contrários que o pós-fordismo se apresenta como uma alternativa para uma possível organização da produção pós-industrial. O autor refere que modelos rígidos de produção e de gestão já não atendem mais demandas diversificadas e alterações sociais e mercadológicas do século XXI, pois,

[...] o pós-fordismo, ou modelo flexível de gestão organizacional, caracteriza-se pela diferenciação integrada da organização da produção e do trabalho sob a trajetória de inovações tecnológicas em direção à democratização das relações sociais nas organizações. Concepção que contraria a fordista na medida em que esta se baseia na previsão de um mercado em crescimento, o que justificava o uso de equipamentos especializados a fim de obter economia de escala. Agora surgem equipamentos flexíveis cuja finalidade é atender a um mercado diferenciado, tanto em quantidade quanto em composição. (TENÓRIO 2011, 162)

Na era pós-industrial, a sociedade apresenta descontinuidades polimórficas e policêntricas envolvendo a organização da produção e os diversos ambientes sociais, inclusive com aspectos culturais e na organização familiar. Toffler (1995, 253) discorre sobre os efeitos da revolução industrial na família e nas empresas, enfatizando que a mesma

[...] tirou muitas das funções da família tradicional, outra instituição-chave da sociedade. A educação foi para as escolas, o cuidado dos idosos foi para o estado, o trabalho foi transferido para a fábrica, e assim por diante. Hoje, já que muitas das suas funções podem ser executadas por pequenas unidades armadas de uma tecnologia de informação de alta potência, a empresa grande está sendo igualmente despojada de algumas de suas tradicionais razões de ser. A família não desapareceu depois da revolução industrial, mas tornou-se menor, assumiu uma responsabilidade mais limitada e perdeu muito de seu poder, se comparada com outras instituições da sociedade. O mesmo está acontecendo à grande empresa, enquanto saímos da era das chaminés dominadas por empresas brobdingnagianas.

Toffler (1995) refere que há algumas características organizacionais importantes na perspectiva pós-industrial que integram esta nova forma de organização da produção e da economia, tais como: a utilização da tecnologia da informação e da biotecnologia; a acumulação flexível; a utilização de mercados de nicho; as mudanças no ambiente e na jornada de trabalho; e a desmassificação dos meios de comunicação. Apesar da organização da produção ser um processo econômico e social que ainda está em formação, percebe-se que há várias características descritas por Toffler (1995) em análises dialéticas realizadas por Tenório (2004), especialmente no que se refere aos processos organizacionais mais flexíveis, muito embora existam críticas quanto à mercantilização da diversidade, a partir de Boltanski e Chiapello (2009).

Nessa perspectiva, o desenvolvimento organizacional consiste em um processo contraditório, com reflexos nas formas de acumulação e de organização da produção e na sociedade, sendo que sua complexidade não é considerada quando baseada em análises positivistas pautadas em uma visão fragmentada e unidimensional. Há que se reconhecer os avanços obtidos pelo positivismo a partir de Auguste Comte, especialmente em termos tecnológicos e produtivos intraorganizacionais, mas salienta-se a possibilidade de se lançar um olhar multidimensional para o DO, tangenciando discussões sobre estrutura e superestrutura com a possibilidade de territorialização das organizações através de um processo de mudanças disruptivas em termos operacionais, táticos e estratégicos.

A análise dos macroperíodos de organização da produção possibilita a contextualização histórica e a compreensão das principais mudanças sociais e organizacionais ocorridas, com características predominantes em cada período, a partir de uma perspectiva dialética e de totalidade. Tenório (2011) refere que o pós-fordismo contém características do fordismo e que esses elementos são interativos, inclusive com as possibilidades pós-industriais de análise sobre o desenvolvimento organizacional e os mercados, com tendências para economias de escopo, inclusive com produção familiar, de baixa escala e até artesanal. A importância da análise dos macroperíodos do desenvolvimento é descrita por Ramos (1989), mencionando os efeitos psicológicos dos modos de produção, além da caracterização histórica e dos impactos da organização direta da produção já descrita por Marx:

Há mérito tanto nos trabalhos de Horkheimer, quanto nos de Habermas, na medida em que se esforçam por demonstrar o erro básico do ponto de vista de Marx sobre a razão como um atributo do processo histórico. Ambos questionariam o pressuposto de que o desdobramento das forças produtoras, por si só, conduziria ao advento de uma sociedade racional. Horkheimer parece demostrar que, desde o momento em que a razão é deslocada da psique humana, onde deve estar, e é transformada num atributo da sociedade, fica perdida a possibilidade da ciência social. Habermas enfatiza a circunstância de que, nas sociedades industriais avançadas, as próprias forças produtoras, em última análise, são compulsões políticas modeladoras de toda a vida humana. (RAMOS 1989, 19)

A contextualização histórica consiste em um aporte crítico e reflexivo que pode influenciar as dinâmicas e os estudos organizacionais, bem como o desenvolvimento das empresas. Gurgel e Justen (2015, 199) evidenciam a importância de se reconhecer a historicidade dos fenômenos ao analisarem o contexto histórico do desenvolvimento das teorias organizacionais na perspectiva de “[...] procurar dar respostas que garantam o atendimento das necessidades do sistema a cada ciclo histórico. Buscam atender às determinações do capitalismo, oferecendo soluções, no nível da empresa, a cada desafio colocado”.

Nesse contexto histórico de desenvolvimento do capitalismo internacional, originaram-se os estudos organizacionais alinhados ao desenvolvimento da sociedade e às formas de organização da produção, em termos epistemológicos, vinculados à acumulação rígida e ao positivismo unidimensional, devido à instrumentalidade evidenciada nas teorias e nas dinâmicas das organizações (Fontoura e Wittmann, 2016; Fontoura 2019; Fontoura; Tenório 2020), Tenório, 1998).

À guisa de uma conclusão

Como descrito no decorrer deste ensaio e em uma visão de estudos críticos, é de fundamental importância entender o contexto histórico no caso do desenvolvimento das organizações e seus impactos na sociedade, visto que influenciaram a própria forma de organização da produção, principalmente no macroperíodo industrial, apresentado no presente estudo.

Nessa caminhada, fica evidente um declínio na forma de estruturação das organizações, que hegemonicamente se basearam na produção em massa, necessitando, principalmente na atualidade, cada vez mais, de novas formatações adaptativas, aceleradas com o advento da pandemia de Covid-19.

Essas novas formações incluem ampliar os processos de inovação, de flexibilização, de atendimento às demandas regionais, de gestão de pessoas. Equilibrar a visão econômica e as externalidades das organizações no que se refere ao social e ao ambiental também são desafios cada vez mais prementes, o que exige o desenvolvimento de novos conceitos de competitividade e de visão de mundo multidimensionais nas organizações e nas pessoas.

Como desenvolver uma visão mais holística, focada na sociedade e não nos modelos rígidos enraizados por uma dinâmica industrial massificadora de décadas de desenvolvimento histórico? Configura-se aqui uma tensão em relação às formas de organização da produção que parece ser uma agenda de pesquisa para os estudos organizacionais críticos e para a ciência do Desenvolvimento Regional, visto que as escolas de gestão ainda são basicamente positivistas.

Essa análise é de difícil entendimento em uma sociedade dicotomizada em termos gerais, inclusive em termos políticos e essas questões se disseminam em todos os aspectos de dificuldade de compreensão de fatores estruturantes, como descrito nos relatórios da Cepal, por exemplo, a obra Pactos para igualdade (2014), questionando a importância de uma visão de desenvolvimento que abrigue cada vez mais o econômico, mas também o social e o ambiental, na linha da difícil questão de pensar o bem comum.

Ou seja, essa miopia de uma análise estruturante, que aparece nas formas de organização empresarial, aparece também no âmbito da sociedade em geral, pela cedência ao pensamento unicamente econômico e focado nas necessidades idealizadas e não nas possibilidades diversas e adaptativas. Com efeito, predominam as visões dicotômicas, muitas vezes rasas, demasiadamente simples e unidimensionais para questões complexas, multidimensionais, multifatoriais e multifacetadas da sociedade.

Na tentativa de não entrar em modismos, este ensaio estimula o pensamento através de uma contextualização histórica inicial, evidenciando a ruptura do modelo hegemônico industrial, sem defender logicamente o fim da indústria, apenas a necessidade de não haver um pensamento industrial em todas as relações como única possibilidade.

Nessa senda, surge o termo pós-industrial, sem delimitação de “caixas” fechadas, mas como um movimento de não ficar criando termos a todo momento, como modismos, visto que as alterações citadas neste estudo são evidenciadas na literatura internacional, como destacado neste ensaio, desde os anos 2000, apenas alguns processos se aceleram em função da evolução humana, da tecnologia e do momento que vivemos em função de todo o contexto político, econômico e sanitário, no âmbito mundial, com reflexos na demanda internacional e nas relações de produção, em que os manuais tendem a ser cada vez menos eficazes.

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Notas

1 Apesar de usar a expressão “neotaylorista e neofordista. como forma de organização da produção.
2 A citação reforça o aspecto de crise no sistema de acumulação iniciado fortemente na década de 1970, de acordo com a literatura estudada.
3 O conceito foi introduzido pelo sociólogo e professor emérito da Universidade de Harvard Daniel Bell, na sua obra The coming of post industrial society: a venture in social forecasting (1973).
4 A literatura nacional e internacional, na atualidade, discute também a quarta revolução industrial como novo paradigma histórico e social, mencionando os avanços tecnológicos e cognitivos na organização social e do trabalho, com destaque para a sociedade conexionista e avanços na área da nanotecnologia, produção agroindustrial, entre vários segmentos de produção. Este ensaio não se preocupa com classificações fechadas e nomenclaturas classificativas definindo pós-industrial, industrial ou quarta revolução industrial, não desprezando a bibliografia sobre o tema. Para uma abordagem crítica, importa reforçar que o pré-industrial contém o seu contrário que é o industrial, em algum período histórico, o industrial contém o seu contrário, que é o artífice, em alguns processos e também possibilidades pós-industriais com início de processos de flexibilização, e o pós-industrial ou sociedade da informação, como definido por Boltanski e Chiapello (2009), contém contradições das mais variadas, visto que o próprio Harvey (1992) já advertia para a utopia da sociedade pós-industrial plena. Por estas rações, este estudo apresenta os macroperíodos como contexto histórico, sem grandes preocupações com definições “caixas”, o que seria uma contradição em relação aos objetivos da pesquisa.
5 O texto tem ligação com a escola do posicionamento, defendida por Porter (1986).
6 Harvey (1992) é esclarecedor ao apresentar o modelo taylorista, “estudos de tempos e movimentos”, aliado ao modelo de produção fordista, que pode ser entendido também como um modelo econômico, um estilo de vida baseado na acumulação de lucros, customização em massa e consumo. Tenório (2004, 61) explica que o fordismo pode ser estudado como um modelo de organização da produção ou como sistema de acumulação de capital.
7 A competitividade empresarial já não está somente atrelada a questões de mercado, participação de mercado. Mas, na visão de longo prazo, a empresa tem que pensar em todas as possibilidades de desenvolvimento e na região em que está inserida. Essa visão está alinhada também à escola do posicionamento defendida por Porter, (1986). O termo sustentável foi utilizado de forma dialética, não se trata de sustentabilidade ambiental, mas representa uma série de questões, inclusive ambientais, dentro de uma visão social e territorial.


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