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Os meios de vida da agricultura familiar: uma análise em painel no sudoeste do Paraná

A family agriculture's livelihoods: a panel analysis in the southwest of Paraná

Los medios de vida de la agricultura familiar: un análisis de panel en el suroeste de Paraná

Ana Paula Schervinski Villwock
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Alessandra Regina Müller Germani
Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil
Alceu Pedrotti
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Carine Dalla Valle
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Marco Antonio Pereira Querol
Universidade Federal de Sergipe, Brasil

Os meios de vida da agricultura familiar: uma análise em painel no sudoeste do Paraná

Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 28, 2023

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 05 Octubre 2020

Aprobación: 23 Marzo 2023

Resumo: O estudo aborda o tema dos meios de vida, tomando por universo empírico agricultores familiares do sudoeste do Paraná. O estudo tem por objetivo identificar e analisar os intitulamentos que compõem os capitais dos meios de vida de unidades de produção familiares (UPF) por meio da comparação temporal nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017, caracterizando uma pesquisa em painel. Para a coleta dos dados, foi aplicado o mesmo questionário semiestruturado nas UPFs em ambos os anos. Assim, constatou-se que os meios de vida expandiram do ano agrícola 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017, mas que, dentre todos os capitais que formam os meios de vida, os capitais físico e financeiro foram mais vulneráveis que os capitais humano, social e natural, pois, comparativamente, os valores encontrados são menores em ambos os períodos estudados. Com isso, pode-se perceber que o nível médio de sustentabilidade dos intitulamentos e, consequentemente, dos meios de vida das UPFs aumentou com o passar do tempo, pois a média harmônica de cada um dos capitais também aumentou, apesar de terem sido encontradas fragilidades nos intitulamentos dos capitais físicos e financeiros.

Palavras-chave: Intitulamentos, Capitais, Unidade de produção familiar.

Abstract: The study addresses the issue of livelihoods, taking family farmers in southwestern Paraná as an empirical universe. The study aims to identify and analyze the entitlements that make up the means of livelihood of family production units (UPF) through a temporal comparison in the agricultural years 2012-2013 and 2016-2017, featuring a panel research. For data collection, the same semi-structured questionnaire was applied in the UPFs in both years. Thus, it was found that livelihoods expanded from the 2012-2013 agricultural year to the 2016-2017 agricultural year, but that, among all the capitals that form livelihoods, physical and financial capital were more vulnerable than capital human, social and natural, because, comparatively, the values found are lower in both studied periods. With this, it can be seen that the average level of sustainability of the titles and, consequently, of the livelihoods of the UPFs increased over time, as the harmonic mean of each of the capitals also increased, despite having been found weaknesses in the titles of physical and financial capital.

Keywords: Entitlements, Capitals, Family production units.

Resumen: El estudio aborda la cuestión de los medios de vida, tomando como universo empírico a los agricultores familiares del suroeste de Paraná. El estudio tiene como objetivo identificar y analizar los derechos que componen los medios de vida de las Unidades de Producción Familiar (UPF) a través de una comparación temporal en los años agrícolas 2012-2013 y 2016-2017, presentando una investigación de panel. Para la recogida de datos se aplicó el mismo cuestionario semiestructurado en las UPF en ambos años. Así, se encontró que los medios de vida se expandieron del año agrícola 2012-2013 al año agrícola 2016-2017, pero que, entre todos los capitales que forman los medios de vida, el capital físico y financiero fueron más vulnerables que el capital humano, social y natural, porque , comparativamente, los valores encontrados son menores en ambos periodos estudiados. Con esto, se puede observar que el nivel medio de sostenibilidad de los títulos y, en consecuencia, de los medios de vida de las UPF aumentó en el tiempo, ya que también aumentó la media armónica de cada uno de los capitales, a pesar de haberse encontrado debilidades en los títulos. de capital físico y financiero.

Palabras clave: Titulaciones, Capitales, Unidad de producción familiar.

1 Meios de vida e intitulamentos

O tema desta pesquisa insere-se no contexto mais geral dos estudos sobre os processos, dinâmicas e transformação do mundo rural e sobre as mudanças nos aspectos sociais, econômicos e ambientais de agricultores familiares. A análise do estudo tem a perspectiva de desenvolvimento focada nos atores, que, de acordo com Nierdele e Grisa (2008), reflete a emergência de perspectivas mais concentradas nos atores sociais, sendo marcado no debate sociológico pelo que vem sendo chamado de retorno dos sujeitos (Touraine, 1994) e da agência humana (Giddens, 1989), os quais haviam sucumbido face aos estruturalismos que predominaram até então na teoria social.

Desse modo, o problema de pesquisa é a lacuna entre a perspectiva da concentração específica na riqueza econômica e a perspectiva em um enfoque mais amplo sobre a vida que as pessoas desejam levar, pois, conforme Sen (2008), não dispor de recursos limita não só as alternativas de meios que de fato se tem, como também os próprios objetivos e preferências que se formam durante a vida. Privações materiais, manifestas em termos de baixos rendimentos e níveis de consumo, encontram-se no cerne do problema e resultam em outros aspectos, como má nutrição e habitação de baixa qualidade. Villwock (2015) contribui quando afirma que as famílias rurais adotam dois caminhos básicos para a geração de renda, os quais não são excludentes entre si e comportam estratégias muito variadas: a elevação da renda agrícola e a da renda não agrícola. Assim, o enfoque deste estudo foi a formação da renda e sua relação com os meios de vida, mais especificamente, os intitulamentos/ativos, baseado na afirmação de Ellis (2000) de que “mais importante do que dar aos pobres comida seria dotá-los de recursos que estimulassem suas capacidades, fortalecendo os meios de que dispõem para realizar suas atividades”.

Esses temas têm sido amplamente discutidos em meio a estudos acadêmicos, por meio dos quais é possível acompanhar as constantes e importantes transformações pelas quais eles vêm passando. Neste artigo, fruto da tese de doutoramento de Villwock (2018), as análises ocorreram a partir do enfoque nas capacitações de Amartya Sen, a qual trata do desenvolvimento como melhorias das condições de vida das pessoas, focando nos indivíduos e em como estes conseguem criar estratégias de sobrevivência a partir de seus intitulamentos. Sen (2000) apresenta o conceito de intitulamentos de acordo com a Abordagem das Capacitações, afirmando que eles fazem parte do meio (contexto) em que os indivíduos se encontram inseridos, tratando-se das condições que estes possuem para se desenvolverem e atingirem determinado objetivo (SEN, 2008; 2000). Isto é, os intitulamentos consistem em um conjunto de recursos e meios - produtivos (ex. disponibilidade de terra e de mão de obra), de troca (ex. renda) ou ainda fatores institucionais (ex. costumes, tradições, leis, políticas públicas) - disponíveis aos indivíduos e que podem influenciar seus modos de vida e seus destinos.".

Ou seja, os intitulamentos representam o conjunto de combinações de bens ou mercadorias que cada pessoa possui ou está apta a possuir, ou, ainda, os meios para atingir determinados fins, as condições para a realização de escolhas, sendo estabelecidos por ordenamentos legais, políticos e econômicos (KAGEYAMA, 2008; WAQUIL et al., 2007). Os intitulamentos são pré-condições para que os indivíduos atinjam suas capacitações (SEN, 2000; 2008). Nas palavras de Sen (2008):

O intitulamento de uma pessoa é representado pelo conjunto de pacotes alternativos de bens que podem ser adquiridos mediante o uso dos vários canais legais de aquisição facultados a essa pessoa. [...] Uma pessoa passa fome quando seu intitulamento não inclui, no conjunto [de ativos que compõem os meios de vida], nenhum pacote de bens que contenha uma quantidade [ou qualidade] adequada de alimento (SEN, 2008, p. 57).

O conceito de intitulamento foi fundado no âmbito da abordagem dos meios de vida de Frank Ellis (2000), e abrange os cinco capitais (ambiental, físico, financeiro, humano e social) que representam os meios de vida e, portanto, os ativos que formam cada capital. Esta abordagem considera que as famílias desenvolvem suas estratégias de reprodução social estabelecendo ligação entre os ativos e as atividades que o grupo familiar possui para sobreviver. Segundo o mesmo autor, “um meio de vida compreende os bens (naturais, físicos, humanos, financeiros e sociais), as atividades e o acesso a estas (mediados pelas instituições e relações sociais) que juntos determinam a vida adquirida pelo indivíduo ou pelo grupo familiar” (ELLIS, 2000, p. 10).

Portanto, os meios de vida são compostos por um conjunto de capitais constituídos por diversos ativos, e a condição em que esses ativos se encontram influencia a forma como, por exemplo, os agricultores familiares os acessarão e mobilizarão na busca pela sustentação da sua propriedade rural e pela autonomia da sua família (SCOONES, 1998; ELLIS, 2000). Os ativos compõem a base que dará vida às alternativas de manutenção e sobrevivência da família, permitindo a reprodução social e agindo sobre as estruturas institucionais que estabelecem relação com esses indivíduos (NIEDERLE, GRISA, 2008).

Diante disso, a semelhança dos ativos com os intitulamentos consiste na eficácia do meio para se atingir o fim almejado, de modo que, para este trabalho, os ativos e os intitulamentos são o meio para atingir os fins, e a disponibilidade de ambos permite aos indivíduos expandir ou restringir suas capacitações. Logo, a proposta de Sen está ancorada numa ideia na qual os indivíduos, por intermédio de seus intitulamentos, constroem condições de alcance de bem-estar. Quando esses recursos ou meios estiverem sob ameaça (risco), pode-se dizer que sua liberdade de escolha estará limitada, distinguindo também as estratégias de sobrevivência. Destarte, pode-se dizer que a abordagem das capacitações de Sen estabelece um diálogo profícuo com a perspectiva dos meios de vida ou livelihoods.

Nessa lógica, salienta-se que os indivíduos e as famílias possuem diferentes formas de acesso aos distintos capitais, o que atribui heterogeneidade a suas estratégias de enfrentamento e adaptação às diversas situações de vida (CHAMBERS, 2006). Essa diferença no acesso e mobilização dos ativos está diretamente relacionada à capacidade individual e à utilização de intitulamentos, diferenciando-os em seu uso e controle (ELLIS, 2000; SEN, 2000; 2008; CHAMBERS, CONWAY, 1992). Assim, torna-se essencial entender quais são os intitulamentos disponíveis e o modo como o seu uso é realizado para cada unidade familiar, visando, segundo Schneider e Perondi (2012), a fortalecer os “meios de vida” para criar estratégias de trabalho e renda.

Neste contexto, surge a necessidade de utilizar ferramentas para mensurar os diferentes tipos ativos que limitam ou potencializam o desenvolvimento de unidades de produção familiar. Neste sentido, o artigo tem por objetivo identificar e analisar os intitulamentos que compõem os capitais dos meios de vida de unidades de produção familiares (UPF) da comunidade Barra do Santana, localizada no município de Verê, no sudoeste do Paraná, mediante a comparação temporal nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017, caracterizando uma pesquisa em painel.

2 Procedimentos metodológicos

Para o estudo empírico da pesquisa, foram realizadas entrevistas com os chefes de 25 unidades de produção familiar na comunidade de Barra do Santana, localizada no município de Verê/PR. Salienta-se que foi importante realizar a pesquisa de campo numa comunidade para garantir o foco sobre o contexto local da unidade de análise (família), o que, por sua vez, justifica que a pesquisa seja executada com base em uma amostragem intencional – não probabilística.

O estudo apresenta como unidade de análise a família ou household, que, conforme Ellis (2000), é a unidade de análise mais apropriada na abordagem dos meios de vida, uma vez que é na família que ocorrem intensas relações sociais e econômicas interdependentes. A família não é formada somente por relações consanguíneas, mas define-se como o grupo social que reside em um mesmo lugar, compartilha as mesmas refeições e toma as decisões sobre o “futuro da família” de forma conjunta, sejam elas decisões sobre a utilização dos recursos e/ou, no caso de famílias de agricultores, sobre a organização da propriedade. Logo, analisar a família permite entender as diversas estratégias de meios de vida adotadas não somente pelo(a) “chefe” da família, mas por todos aqueles que a compõem. Assim, a unidade de análise foi denominada como Unidade Produtiva Familiar (UPF).

A pesquisa ocorreu em interstício de quatro anos, com características de uma “pesquisa em painel”, a qual consiste em uma metodologia que utiliza dados longitudinais. No estudo, a coleta de dados foi realizada em dois momentos: ano agrícola 2012/2013 e ano agrícola 2016/2017, com auxílio de um questionário1, incluindo a variável tempo, determinante na análise dos meios de vida. Essa escolha ocorreu pautada, primordialmente, em dois fatores: (1) permite comparar os mesmos sujeitos no espaço de tempo; (2) e permite que haja uma observação de uma crescente disponibilidade de portfólios alternativos de ativos e atividades no tempo.

Os meios de vida foram avaliados através da mensuração do Índice de Meios de Vida (IMV) para cada família entrevistada, com base em estudos oriundos inicialmente elaborados por Carney (1998) e que sofreram alterações com o decorrer do tempo. Para citar alguns exemplos de estudos realizados no Brasil, têm-se: Perondi (2007), Waquil (2007), Schneider e Perondi (2012), Villwock (2012) e Freitas (2015). O índice de meios de vida foi composto pelos cinco capitais, sendo que ele pode ser utilizado diretamente ou indiretamente, gerando os meios de sobrevivência das famílias.

Capital natural compreende a terra, a água e os recursos biológicos que são utilizados pelas pessoas para gerar modos de sobrevivência. Tais recursos podem estar localizados em espaços de maiores gradientes de diversidade (região de montanha) ou não (planícies) e serem distintos entre ser renovável ou não. Capital físico compreende aquilo que foi criado pelo processo econômico de produção sujeitos à depreciação, como benfeitorias e máquinas. Tais recursos, quando servirem como residência da família, por exemplo, seriam considerados improdutivos, entretanto, passam a ser produtivos se a casa disponibilizar quartos para aluguel. Capital humano é o trabalho doméstico disponível, influenciado pelas variáveis: educação, habilidades e saúde. É um capital que cresce à medida que se investe em educação e capacitação, bem como ao se adquirir habilidades numa ou mais ocupações produtivas. Capital financeiro compreende a liquidez que o grupo doméstico tem disponível para realizar suas estratégias. Este é um capital que pode ser potencializado com o acesso a uma linha de crédito subsidiada ou mesmo a fundo perdido. Capital social, por fim, é um termo que captura os vínculos do indivíduo e do grupo doméstico com a comunidade, em seu sentido social mais amplo, e a possibilidade de pertencer a um virtual grupo social com variada capacidade de inclusão social (ELLIS, 2000, tradução nossa).

Para compor os capitais e então formar o IMV, foi preciso fazer a delimitação dos intitulamentos (Sen, 2000) ou ativos (Ellis, 2000), que é o ponto central desse estudo. De acordo com Ellis (2000), estes ativos/intitulamentos caracterizariam os meios de vida como conjunto de ativos, atividades, formas de acesso e uso que determinam o modo de viver de um indivíduo ou família, ou seja, são os ativos/intitulamentos que formam cada capital que compõe os meios de vida das UPF.

A delimitação dos intitulamentos/ativos foi realizada com base nos trabalhos pautados na elaboração de intitulamentos/ativos no Sul do país, como Perondi (2007), Waquil (2007), Zotti (2010), Schneider (2012), Villwock (2012), Matte (2013), e Freitas (2015). Ressalta-se que, para este estudo, conforme Quadro 1, os intitulamentos do capital físico referem-se à posse de máquinas e equipamentos, a benfeitorias e à quantidade de terra disponível para a realização das atividades produtivas; os do capital financeiro são referentes às diferentes rendas que resultam na renda total das UPA e a mão de obra disponível no estabelecimento familiar; o capital natural refere-se à base de recursos naturais disponível, estando relacionada à conservação de bens naturais, divididos entre: conservação da água, do solos e das matas; ao capital humano estão relacionadas as atribuições individuais, como o nível de escolaridade, acesso à informação, comunicação, trabalho familiar disponível, bem como acesso a transportes, bens de consumo e infraestrutura mínima necessária; e por fim, o capital social reporta-se às relações cotidianas que as famílias estabelecem tanto no seu núcleo quanto com o meio externo, ou seja, comunidade, instituições, etc.

Quadro 1
Descrição dos intitulamentos/ativos que compõem cada capital
CapitaisIntitulamentos/ativos
Físicomáquinas e equipamentos; benfeitorias; quantidade de terra
Financeirorendas; mão de obra
Naturalconservação da água, dos solos e das matas
HumanoEscolaridade; acesso à informação; comunicação; trabalho familiar disponível; acesso a transportes; bens de consumo e infraestrutura
SocialRelações com a comunidade e instituições
Fonte: Elaborado pela autora.

Para mensurar a força de trabalho homem, foram utilizadas as contribuições de Lima et al (1995), indicando que uma Unidade de Trabalho Homem (UTH) representa 300 dias de trabalho, de oito horas diárias de uma pessoa adulta, entre 18 e 59 anos. Como no meio rural é comum a presença de pessoas ativas fora desta faixa etária, consideram-se: crianças de 7 a 13 anos = 0,5 UTH; jovens de 14 a 17 = 0,65 UTH; adultos de 18 a 59 = 1 UTH; e idosos com mais de 60 anos = 0,75 UTH.

Os valores monetários referentes ao ano agrícola de 2012/2013 foram corrigidos a partir do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M)2 da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disponível no site do Banco Central para o período de 2016/2017, que foi de 1,244.

As fontes de renda foram classificadas, segundo Lima et al (1995), como:

A) Renda Agrícola (RA): é o que sobra do produto bruto descontadas todas as despesas da propriedade, ou seja, é a parte do produto bruto que fica com o agricultor para remunerar o trabalho familiar e ampliar o patrimônio;

A) Transferências Sociais (RTS): aposentadorias, pensões, auxílios do governo – é classificada como um auxílio, e não propriamente como uma renda;

B) Outras Rendas do Trabalho (ORT): atividades agrícolas fora da UPF;

C) Renda de Outras Fontes (ROF): relativo às cobranças de arrendamentos de terras, aluguéis, rendas com poupança, doações e aplicações. São rendas não oriundas do trabalho;

D) Renda Não Agrícola (RNA): renda do trabalho de atividades não agrícolas;

E) Renda total (R): é o que sobra do produto bruto (PB) descontadas todas as despesas da propriedade, ou seja, é a parte do PB que fica com o agricultor para remunerar o trabalho familiar e ampliar o patrimônio. A renda total também é a soma das outras rendas, como exemplificado na fórmula: R= RA+RTS+ORT+ROF+RNA.

O cálculo do IMV é representado pela área de um pentágono e levou em consideração, para cada capital, a média harmônica, com resultados entre 0 e 10. Além disso, ressalta-se que a área do pentágono é sensível à ordem dos capitais considerados no gráfico de radar, por isso, a sequência dos capitais na conformação do pentágono é a mesma utilizada por Carney (1998), Perondi (2007), Villwock (2012), e Freitas (2015). A sistematização das respostas em índices ocorreu com auxílio de dois programas computacionais: Microsoft Office Excel e o software SPSS (Statistical Package for Social Science).

Segundo Ellis (2000), os capitais são mais do que os elementos que compõem os vértices do pentágono do Biograma do Índice de Meios de Vida. A própria figura geométrica também é útil, pois o pentágono pode ser utilizado para demonstrar graficamente a variação do acesso de determinados grupos a estes recursos. O ponto central do pentágono, onde as linhas se encontram, representa acesso zero aos recursos, enquanto o perímetro externo é acesso máximo aos recursos. A partir desta base, podem ser desenhadas formas diferentes de pentágonos para as diferentes comunidades ou grupos dentro de uma comunidade, onde foram analisadas cada capital individualmente e também como um ciclo dinâmico. A representação dos resultados por meio de gráficos do tipo radar ou biogramas permite melhor visualização dos valores obtidos, bem como dos desequilíbrios existentes.

3 Identificação e análise dos meios de vida e intitulamentos dos agricultores familiares

Os resultados partem de uma análise geral das médias harmônicas3 dos cinco capitais, verificando quais ampliam e quais restringem as condições de vida dessas famílias. Por conseguinte, dentre os conjuntos ampliadores, explanaram-se os intitulamentos “expansores”; e dentre os conjuntos entendidos como limitantes, analisaram-se os intitulamentos mais “vulneráveis”.

O Gráfico 1 mostra em seus eixos cada capital: Físico, Financeiro, Natural, Humano e Social. Conforme Ellis (2000) e Sen (2000), é importante que a distribuição dos capitais seja uniforme e harmônica, pois quanto mais harmônica for a dilatação do conjunto de capitais, melhores serão suas condições de vida, justificando a ideia de uma teoria multidimensional. Entretanto, o biograma mostra que, tanto no ano agrícola 2012-2013 quanto no ano agrícola 2016-2017, não há uma distribuição harmônica entre os capitais. O que ocorre é uma distribuição harmônica somente entre o capital natural, humano e social, não ocorrendo o mesmo com os capitais físico e financeiro.

Biograma dos Meios de Vida das unidades de produção familiar da comunidade Barra do Santana nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Gráfico 1
Biograma dos Meios de Vida das unidades de produção familiar da comunidade Barra do Santana nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Vale ressaltar que foram analisados os dados das 25 unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017 no intuito de compreender todas as estratégias de renda e de meios de vida das UPFs da comunidade, sem deixar nenhuma delas de fora, mesmo que no âmbito da análise tenham sido encontrados outliers4 em relação à renda e ao capital físico, o que justifica, até certo ponto, os capitais financeiro e físico da comunidade ficarem baixos em relação aos demais.

O Índice de Meios de Vida (IMV) das unidades de produção familiar consideradas na pesquisa, que é representado pela área do pentágono, obteve como valores médios 65,17 e 88,25 nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017, respectivamente. Com isso, infere-se que o nível médio de sustentabilidade dos intitulamentos e, consequentemente, dos meios de vida das unidades de produção familiar, aumentou com o passar do tempo, pois a média harmônica de cada um dos capitais também aumentou, conforme explicitado no parágrafo abaixo.

Em uma escala de 0 a 10, as famílias obtiveram em média harmônica, no ano agrícola 2012-2013, a nota de: 1,18 quanto à disponibilidade de capital físico; 1,81 de capital financeiro; 6,83 quanto aos cuidados com seu capital natural; 7,05 quando a disponibilidade de capital humano; e 4,72 de capital social. Já no ano agrícola de 2016-2017, cinco anos depois do primeiro marco analisado, todos os valores que compõem o pentágono aumentaram, mostrando os valores de: 1,26 quanto à disponibilidade de capital físico; 2,35 de capital financeiro; 7,86 quanto aos cuidados com seu capital natural; 7,26 referentes à disponibilidade de capital humano; e 5,65 de capital social.

Esses valores sugerem que houve um pequeno aumento nos valores médios dos capitais com o passar dos anos e que, apesar da distribuição dos capitais não ser uniforme na esfera do pentágono, deve-se analisar quais são os intitulamentos que permitiram a expansão dos meios de vida e como isso ocorreu com o passar dos anos. Sendo assim, a seguir será analisada quais foram as mudanças que ocorreram em cada intitulamento que compõe cada capital e as causas dessa distribuição não igualitária dos “ganhos” advindos desse processo de modernização no meio rural.

Capital Natural

Apesar de Sen (2000; 2008) não trazer uma definição nítida sobre a questão natural como uma liberdade instrumental, é notável em seus trabalhos a importância dada a esta dimensão como meio de vida. Em relação ao meio rural, essa ligação dos agricultores com o ambiental é indispensável ao desenvolvimento rural, pois, segundo Freitas (2014), o ativo terra (essencial à sobrevivência humana e produtiva na agricultura) depende fortemente da preservação dos arroios, nascentes, rios, matas nativas, solos, entre outros. Assim, o capital natural desse estudo refere-se à base de recursos naturais disponível, estando relacionada à conservação de bens naturais, divididos entre: conservação da água, do solo e da mata.

Em relação à conservação da água, foram analisados dois intitulamentos/ativos: origem da água no estabelecimento e o destino dos dejetos humanos, pois Sabei e Bassett (2013) afirmam que o destino final dos dejetos pode influenciar na qualidade da água para as comunidades rurais. Do ano agrícola de 2012-2013 para o de 2016-2017, não houve alteração da origem da água, que era acessada através de poço artesiano individual ou da própria comunidade para todas as famílias entrevistadas da comunidade Barra do Santana. Em relação ao destino dos dejetos humanos, em 2012-2013 havia 23 famílias em que o destino era fossa simples, e apenas duas famílias em que o destino era direto no solo; já em 2016-2017, todas as famílias possuíam fossa como destino final dos dejetos humanos.

Em relação à conservação do solo, as práticas que compõem esse intitulamento são: rotação de culturas, consórcio de culturas, adubação orgânica, controle alternativo de pragas e doenças, adubação verde e plantio direto. No Gráfico 2, observa-se que do ano agrícola de 2012-2013 para o ano agrícola de 2016-2017, houve um aumento no número de famílias que passaram a realizar todas as atividades de conservação do solo, exceto a prática de controle alternativo de pragas e doenças, pois havia seis famílias que realizavam essa prática no ano de 2012, e em 2017, somente quatro a realizaram.

Nesse sentido, pode-se constatar que a diminuição da prática do controle alternativo de pragas e doenças pode estar ligado ao processo de insumização da lavoura, ou seja, ao aumento do uso de insumos agrícolas (materiais oriundos de fora da propriedade), principalmente agrotóxicos, nas lavouras das famílias da comunidade Barra do Santana. Ademais, é válido ressaltar que o aumento no número de famílias que realizam as práticas de conservação do solo com o passar dos anos contribui para expansão do capital natural, passando a ser um potencializador de um processo de criação de melhores condições de vida.

Práticas de conservação dos solos que compõem o capital natural das unidades de produção familiar dos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Gráfico 2
Práticas de conservação dos solos que compõem o capital natural das unidades de produção familiar dos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Além dessas práticas de conservação do solo, citadas no gráfico acima, foi analisado também o processo de erosão dos solos dos estabelecimentos entrevistados, sendo classificados: (1) os que não possuem problemas com erosã; , (2) os que possuem problemas com erosão, mas adotam a prática do plantio direto; e (3) os que possuem problemas com erosão e não fazem a prática do plantio direto. No ano agrícola 2012-2013, 20 famílias não enfrentaram problemas de erosão de solos em suas unidades de produção familiar. Das cinco que tiveram problemas, três utilizaram plantio direto, e dois, não. Já em 2016-2017, 24 famílias não tiveram problemas de erosão de solo no seu estabelecimento, e somente uma teve, porém, empregou prática de plantio direto.

No que tange à conservação da mata, duas práticas foram analisadas: se o estabelecimento contava com reflorestamento de áreas degradadas, e se possuía mata ou floresta natural. Os dados mostraram que no ano agrícola 2012-2013, sete estabelecimentos, dos 25 pesquisados, realizaram reflorestamento de áreas degradadas, e que, em 2016-2017, apenas cinco famílias fizeram essa prática. Em relação aos números de estabelecimentos que possuíam área de mata ou floresta natural, observa-se que esta se manteve inalterada (21 estabelecimentos) em ambos os anos de análise. Entretanto, com o passar dos anos, o total de área de mata ou floresta natural de todas as famílias diminuiu de 98 hectares, no ano agrícola 2012-2013, para 75 hectares no ano agrícola 2016-2017. Nesse sentido, é válido salientar que essa diminuição da área de mata e floresta natural pode ser relativizada com a diminuição da área total dos estabelecimentos, uma vez que em 2012 a área total dos estabelecimentos das 25 famílias entrevistadas era de 687 hectares, e em 2017 passou a ser de 523 hectares.

Diante disso, pode-se inferir que, segundo os dados, houve diminuição de 14% na área total dos estabelecimentos do ano agrícola 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017, e que essa mesma porcentagem também ocorreu para a diminuição da área de mata e florestas naturais, pois, no ano agrícola 2012-2013, as UPFs arrendavam terras de terceiros para utilizá-las em suas práticas agrícolas, aumentando assim a área total dos seus estabelecimentos. No ano agrícola 2016-2017, as propriedades diminuíram o arrendamento de terras ou deixaram de fazê-lo, diminuindo a área total dos seus estabelecimentos e, consequentemente, das matas e florestas naturais, situação que aumentou a pressão sobre os recursos naturais.

Portanto, segundo o capital natural e os intitulamentos descritos e analisados, pode-se inferir que, entre as famílias, houve um aumento do senso de produção sustentável e conservação dos recursos naturais de seus estabelecimentos com o passar do tempo, os quais são essenciais às boas condições de vida, fundamentalmente no meio rural, onde a sobrevivência e manutenção da família ocorre, também, pela exploração desses recursos naturais. Além disso, segundo o diário de campo, existe uma propensão das famílias a criar estratégias para expansão das condições ambientais por entenderem que a preservação ambiental se tornou necessária à agricultura e à manutenção das famílias no próprio contexto rural.

Capital Humano

Pela abordagem de Sen (2008), o conjunto de intitulamentos humanos é essencial na compreensão das possibilidades de realizar mudanças nas condições de vida das pessoas. Para o autor, intitulamentos como a educação, saúde e informação são aspectos mínimos na vida dos indivíduos para que estes consigam superar determinados contextos de riscos e incertezas. Além do mais, ter bens de consumo e infraestrutura básicas para sobreviver, faz com que os indivíduos não fiquem preocupados com suas necessidades básicas de sobrevivência e consigam promover o empoderamento, implicando diretamente na melhoria das condições de vida.

Nesse trabalho, os intitulamentos/ativos que compõem o capital humano estão relacionados às atribuições individuais, como o nível de escolaridade, informação, comunicação, trabalho familiar disponível, bem como acesso a transportes, bens de consumo e infraestrutura mínima necessária relacionada à moradia.

No que diz respeito ao grau de escolaridade das famílias entrevistadas, os resultados mostram que, no período aqui considerado, a média de escolaridade das famílias da comunidade Barra do Santana não foi alterada. Tanto no ano agrícola 2012-2013 quanto no de 2016-2017, a média de escolaridade das famílias foi a 6ª série. Essa média pode estar relacionada com possíveis dificuldades de acesso ao estudo no período correspondente à infância e adolescência dos entrevistados, bem como a migração dos filhos para fora da propriedade para estudar e trabalhar, de modo que mesmo aqueles que estudaram não agregaram níveis de escolarização aos estabelecimentos analisados. Esse baixo nível de escolaridade dos entrevistados pode vir a causar dificuldade em exercer suas liberdades, especialmente em relação à busca de subsídios para tomada de decisões técnicas de produção (SEN, 2008).

Em relação ao acesso à informações, foi perguntado na entrevista se algum membro da família empregava alguma prática que lhes permitia acesso à informação. Nesse sentido, o Gráfico 3 mostra que o número de participação em demonstração de novos produtos e/ou dia de campo, participação e/ou visita em feiras, exposições agropecuárias e/ou assistir palestra ou apresentação sobre temas agropecuários diminuiu do ano agrícola 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017. Entretanto, a prática de escutar programa de rádio e TV sobre técnicas agrícolas aumentou de 17 para 18 nas UPFs do primeiro para o segundo ano agrícola em análise.

Práticas de acesso  a informação que compõem o capital humano das unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Gráfico 3
Práticas de acesso a informação que compõem o capital humano das unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Observa-se que, no período em apreço, as atividades de informação internas à propriedade aumentaram, mas as externas reduziram. Ou seja, o hábito de escutar rádio e acessar a internet aumentou, mas o de sair da propriedade para fazer um curso, assistir a uma palestra, fazer um dia de campo ou conhecer novos produtos diminuiu. Nessa perspectiva, o que pode justificar a diminuição das saídas dos membros das unidades de produção em busca de informações é o aumento da intensidade das atividades produtivas do ano agrícola 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017, principalmente relacionada à produção de grãos e leite, bem como o acesso a informação através das plataformas de buscas digitais.

Ressalta-se que, para os entrevistados, segundo anotações do caderno de campo da pesquisa, escutar programas de rádio e TV sobre técnicas agrícolas faz parte do seu dia a dia e não demanda um tempo exclusivo para isso (como é o caso das demais práticas de acesso a informação), pois os agricultores fazem essa prática enquanto tomam café da manhã ou da tarde, bem como quando estão no estábulo ordenhando as vacas, como no caso de algumas propriedades produtoras de leite.

Entende-se que, dessa forma, há dificuldade de as famílias participarem de cursos, reuniões, chamadas públicas, tanto por desconhecimento (e até mesmo receio daquilo em que esta participação poderia resultar) quanto pela facilidade de buscar conhecimento via internet. Salienta-se que o acesso a informações é um ativo essencial às famílias quando se pretende estabelecer estratégias para melhorar uma condição de vida, ou mesmo para a manutenção de uma situação apresentada como favorável ao indivíduo ou grupo familiar, sendo-lhes essencial acessar o maior número de informações precisas. Em vista disso, acredita-se que quanto maiores as possibilidades de obter informações, tanto para a agricultura quanto para as demais atividades cotidianas, maior o leque de canais de comunicação que as famílias estabelecem para articular estratégias de melhoria da qualidade de vida e da reprodução social.

Além dessas práticas supracitadas, observa-se no Gráfico 3 que aumentou de nove para 15 o acesso à internet nas casas das UPFs, do ano agrícola de 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017. Segundo os entrevistados, esse aumento no acesso à internet se deu por conta da diminuição dos custos para implantação de antenas de captação de sinal de internet na comunidade. Complementarmente a isso, os entrevistados afirmaram que “não querem estar fora do mundo”, remetendo-se nesse momento à expansão das redes sociais e acesso a tecnologias de informação.

Ainda segundo as entrevistas, o principal uso da internet é manter a comunicação com a família e o acesso à previsão do tempo, visando ao planejamento das atividades agrícolas do estabelecimento, já que estas dependem da meteorologia para planejar a execução de suas atividades agropecuárias. Nessa lógica, de forma geral, pode-se dizer que as famílias possuem os mecanismos de informação agrícola e não agrícola ao seu dispor, mas que este recurso nem sempre é utilizado como potencializadores das condições de vida.

No ano agrícola 2012-2013, 13 famílias possuíam computador no seu estabelecimento, número que não se alterou cinco anos depois, no ano agrícola 2016-2017. Entretanto, em relação ao uso de celulares, 22 das 25 UPFs pesquisadas possuíam telefone celular no primeiro ano de análise, e no segundo ano analisado, as 25 UPFs passaram a ter a telefonia móvel. Dessa forma, verifica-se que o número de famílias que tiveram acesso à internet em 2016-2017 é maior que o número de computadores presentes no estabelecimento, observando que o maior acesso a telefones celulares fez com que aumentasse o acesso à informação e à comunicação através da internet nas UPFs pesquisadas.

Além das condições de informações para o desenvolvimento da atividade, outras medidas de interesse dos membros da família devem ser consideradas, pois a privação de acesso a liberdades básicas representa limitações significativas na liberdade de escolha e nas reais oportunidades de desenvolvimento dos indivíduos e do grupo familiar (SEN, 2008). Portanto, alguns fatores de infraestrutura e seu atendimento entre os estabelecimentos devem ser investigados.

Em relação à infraestrutura das casas das UPFs, todas elas, em ambos os anos, contavam com energia elétrica da rede pública; banheiro completo, com chuveiro, vaso sanitário e pia; e cobertura da casa de telha de barro ou amianto. Em 2012-2013, o piso do chão de 19 casas era de concreto, e seis, de madeira; e as paredes externas de 17 casas eram de concreto, e oito, de madeira. Em 2016-2017, esses números mudaram por conta da realização de reformas e construções que ocorreram em algumas casas das UPFs. Os dados mostram que três casas trocaram o piso de madeira por concreto. Assim, 22 casas, do total de 25, passaram a ter piso de concreto, e apenas três continuaram com piso de madeira. Importa observar ainda que 21 casas possuem predominantemente a parede externa construída com concreto, e apenas quatro continuaram com as paredes da casa de madeira.

No que diz respeito aos bens de consumo5, nota-se através dos dados que todas as famílias, em ambos os anos, possuíram mais do que 10 bens de consumo. Contudo, ressalta-se que do ano agrícola 2012-2013 para o ano 2016-2017, houve o crescimento médio de um bem de consumo para cada UPF, que na maioria dos casos era resultado da compra de um televisor novo para a casa.

No ano de 2012-2013, em relação à locomoção própria dos entrevistados, 23 UPFs possuíam apenas carro, ou carro e moto para sua locomoção. Uma UPF só tinha uma moto, e uma UPF não dispunha de meio de locomoção próprio. Já em 2016-2017, 24 UPFs desfrutavam de carro, ou carro e moto próprios. Por outro lado, no mesmo período, apenas uma UPF (a mesma de 2012) não possuía nenhum meio de locomoção próprio.

O intitulamento usado para compor o capital humano em relação à mão de obra disponível no estabelecimento foi a mão de obra familiar (UTH familiar), pois entende-se que o meios de vida deves ser compostos com dados da família que reside no estabelecimento. Entretanto, a Tabela 1 mostra a média dos dados da mão de obra familiar, dados da mão de obra contratada, e a mão de obra total dos estabelecimentos em ambos os anos de análise, pois compreende-se que é importante evidenciar a disponibilidade de mão de obra total das famílias com o passar do tempo e relativizá-las com as demais.

A partir da Tabela 1, verifica-se aumento na disponibilidade de mão de obra familiar, contratada e total, quando se compara o primeiro e o segundo período agrícola em análise. Apesar da mão de obra familiar aumentar com o passar dos anos, também foi necessário aumentar a contratação de mão de obra nos estabelecimentos. Nesse sentido, ressalta-se que, no ano agrícola 2012-2013, apenas três UPFs contrataram mão de obra para realizar trabalhos no estabelecimento. Já no ano agrícola 2016-2017, o número de UPFs que contrataram mão de obra dobrou: seis UPF passaram a contratar mão de obra para realizar atividades no estabelecimento. Além disso, é importante salientar que uma das famílias, das seis que contrataram mão de obra, passou a contratar uma pessoa para trabalhar 8 horas por dia em seu estabelecimento para realizar atividades relativas ao aviário, gado leiteiro e lavoura.

Tabela 1
Valores médios da mão de obra disponível nas unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Mão de obra familiar (UTHf)Mão de obra contratada (UTHcont)Mão de obra total (UTHtotal)
Ano agrícola 2012-20131,870,0571,932
Ano agrícola 2016-20172,200,1482,348
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Assim, pode-se inferir que, por meio das observações a campo, apesar da mão de obra familiar ter aumentado com o passar dos anos, foi necessário aumentar a mão de obra contratada por conta do aumento da intensidade das atividades produtivas nas UPFs, principalmente daquelas ligadas ao aumento da produção de grãos e leite, apesar da superfície agrícola útil ter diminuído, e do número de máquinas e equipamentos, aumentado, o que indica otimização da produtividade da agropecuária.

Contudo, na tabela anterior, não é contabilizada a presença de “troca de serviços” entre agricultores, mesmo que esta seja uma de suas estratégias para diminuir os custos de produção. Isso significa que, além dos números apresentados, houve o relato da ajuda mútua na forma de troca de serviço e favores não envolvendo pagamento monetário, mas sim valores de reciprocidade, razão por que não é classificada como contratação de mão de obra (SABOURIN, 2009). A ajuda mútua presente nessas relações é denominada por Sabourin (2009) de reciprocidade, prática responsável pela criação de valor ético, de relações que se redobram, entendida como a dinâmica de reprodução de prestações geradora de vínculo social.

Capital Social

Para o conjunto das 25 famílias, o parâmetro “capital social” aumentou. Conceitualmente, o aspecto social – oportunidades de desenvolvimento (SEN, 2008) e o capital social (ELLIS, 2000) – reportam-se às relações cotidianas que as famílias estabelecem, tanto no seu núcleo comunitário quanto nas relações externas, como comunidades vizinhas, instituições de assistência técnica, produtiva e bancária, entidades, etc. Logo, a dimensão social destaca-se pela participação que as famílias têm na sua comunidade, pelas formas como estabelecem relações de confiança e como obtêm informações essenciais para a organização da vida e das estratégias do cotidiano.

Inclusive o capital social corresponde às relações de reciprocidade e confiança, sendo neste estudo identificadas as relações que os agricultores estabelecem com sindicatos, associações, cooperativas e vizinhos. A discussão do capital social ajuda a entender como se formam redes sociais que podem facilitar o acesso dos indivíduos e dos grupos familiares a outros ativos, pois o capital social representa, ele próprio, o meio fundamental para atingir os fins e obter novos ativos.

Os dados da Gráfico 4 apresentam a participação dos entrevistados em práticas sociais, mostrando que, do ano agrícola 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017, o número de participação em cooperativas expandiu de 13 para 17 UPFs, e que a participação na igreja da comunidade também aumentou de 14 para 24 UPFs. Somente uma das famílias das 25 entrevistadas não participava da igreja.

Práticas sociais dos integrantes das unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Gráfico 4
Práticas sociais dos integrantes das unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Os dados mostraram que houve a diminuição de 12 para 11 UPFs que contêm membros participando de associação comunitária de produtores e/ou agricultores, e de duas para uma o número de UPFs que continham integrantes participantes de clube de mães, do ano agrícola de 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017. Outrossim, o número de participantes em sindicatos de trabalhadores rurais ou sindicato patronal e de clube de futebol, bocha ou alguma entidade ligada ao lazer se manteve com o mesmo número de participantes de 2012-2013 para 2016-2017, ou seja, 12 e seis pessoas que compõem as UPFs, respectivamente.

Para esses indivíduos entrevistados, as cooperativas oferecem benefícios no acesso à aquisição de adubos, sementes e agrotóxicos para o cultivo de pastagens e da lavoura, e, em alguns casos, promovem cursos, dias de campo e capacitações. Desse modo, os intitulamentos que compõem o capital social – de participar de cooperativas – promove também o acesso aos intitulamentos que compõem o capital humano e financeiro das famílias, mostrando na prática a multidimensionalidade que a teoria traz.

Ressalta-se que as informações gerais são importantes para a ampliação do leque de oportunidades para criar diferentes estratégias que compõem seus meios de vida. Entretanto, os conhecimentos para agricultura transmitidos por técnicos extensionistas públicos ou de cooperativas, e até mesmo por instrutores de empresas, são essenciais na questão produtiva e ampliação do conhecimento para a agricultura em geral. Frente a essa lógica, os dados mostram que, tanto no ano agrícola 2012-2013 como no de 2016-2017, 18 UPFs das 25 receberam assistência técnica em seus estabelecimentos.

A assistência técnica prestada às famílias, nos dois ciclos apreciados, foi realizada prioritariamente, em ordem decrescente, por técnicos particulares (liberais), técnicos das cooperativas de produção e técnicos da Prefeitura Municipal de Verê. Ressalta-se que, em 2012-2013, as UPFs receberam assistência técnica de apenas um dos lugares supracitados. No ano de 2017, algumas UPFs receberam assistência técnica de diferentes entidades, como uma UPF que recebeu assistência da cooperativa de produção para sua lavoura, e da prefeitura municipal para a produção de leite.

Ainda referente ao capital social, temos que considerar que a reciprocidade existente na comunidade é definida principalmente pelas relações de parentesco e vizinhança, pois, no caso dessa comunidade, há muitas relações de parentesco definindo as trocas de dias de trabalho, a participação em comunidade e o lazer incluído nas reuniões familiares, que muitas vezes, objetivam construções de laços que levam a benefícios produtivos e reprodutivos. Nesses casos, a reciprocidade envolve a ajuda mútua, compartilhando recursos e saberes, agindo sobre um plano simbólico, por meio da palavra, das regras, das normas e costumes, associados ou não a alguma tradição, e produzindo valores diferentes (SABOURIN, 2009). Essa forma de relação é identificada nas relações sociais dos agricultores, sendo a ajuda mútua identificada na realização de atividades de manejo de lavouras.

Capital Físico

O capital físico é composto por ativos/intitulamentos que são criados, consumidos e conquistados pelo processo de produção econômica, sendo utilizado como instrumento para o funcionamento das atividades. Assim, remete-se às condições de infraestrutura do household, em outras palavras, à posse de máquinas e equipamentos, de benfeitorias e da quantidade de terra disponível para a realização das atividades produtivas.

Na Tabela 2 abaixo, nota-se que a média do capital disponível (valor monetário) em máquinas e equipamentos, o capital disponível em benfeitorias e por consequência o capital disponível total das famílias aumentaram do ano agrícola 2012-2013 para o 2016-2017, e que a superfície agrícola útil (SAU) diminuiu, acarretando em um índice de capital disponível total dividido pela superfície SAU maior no segundo ano agrícola do que no primeiro de avaliação.

Tabela 2
Valores médios de indicadores de capital e terra disponíveis nas unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Capital disponível em máquinas e equipamentosCapital disponível em benfeitoriasCapital disponível totalSAU (ha)Capital disponível total / SAU
Ano agrícola 2012-2013R$101.594,74R$62.893,86R$164.488,6022,6R$7.278,26
Ano agrícola 2016-2017R$114.890,80R$96.295,24R$211.186,0417,2R$12.278,26
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

O aumento do capital disponível em máquinas e equipamentos e em benfeitorias foi de 13% e de 56%, respectivamente, do ano agrícola 2012-2013 para o ano 2016-2017 nas UPFs. Melhor dizendo, as famílias, no segundo ano de análise, apresentaram melhores condições de infraestrutura e maior posse de máquinas e equipamentos, investimento que objetiva facilitar o trabalho agrícola da agricultura familiar, disponibilizando mão de obra para outras atividades ou ainda otimizando a produtividade dos cultivos. Corroborando os dados, Ellis (1999) afirma que as instalações de infraestrutura e os equipamentos têm impacto importante para a redução da vulnerabilidade, contribuindo para o aumento da mobilidade dos recursos e das pessoas em suas escolhas.

Ainda, destaca-se que o aumento do capital disponível pode ser justificado pelo aumento da assistência técnica, acesso à extensão rural e pela aquisição de crédito via Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), pelos quais, geralmente, as famílias buscavam equipamentos para investir em atividades, principalmente a pecuária leiteira e a lavoura de grãos.

Em relação à área das unidades produtivas, os dados da Tabela 3 a seguir, demonstram que a média da área total, da área própria e da superfície agrícola útil é maior no ano agrícola de 2012-2013 se comparado com o ano agrícola 2016-2017. Em outras palavras, compreende-se que, em média, o tamanho das UPFs diminuiu. Ou seja, um ativo fundamental ao desenvolvimento da família, tendo em vista que as atividades realizadas dependem exclusivamente dela, foi enfraquecido entre os anos pesquisados. Essa redução pode ter sido ocasionada pela divisão de terras entre os herdeiros, ou até mesmo pela venda de terras para terceiros.

Tabela 3
Média da área total, área própria e superfície agrícola útil das unidades de produção familiar nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017
Área total (ha)Área própria (ha)Superfície agrícola útil (ha)
Ano agrícola 2012-201327,520,422,6
Ano agrícola 2016-201720,919,217,2
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Pode-se observar na Tabela 3 que no primeiro ano agrícola, de modo geral, as famílias apresentavam média de área própria menor que a superfície agrícola útil, o que leva à conclusão de que as UPFs arrendavam terras de terceiros para utilizá-las em suas práticas agrícolas e assim aumentavam a área total disponível. Já no ano agrícola 2016-2017, a área própria das unidades produtivas era maior que a superfície agrícola útil, o que assinala que as propriedades diminuíram o arrendamento de terras ou deixaram de fazê-lo.

O Gráfico 5 abaixo refere-se à área total das UPFs pesquisadas estratificadas para o primeiro e o segundo ano agrícola em análise. Os dados revelam que houve aumento de 4% tanto no número de UPFs que tinham de 0 a 10 hectares, como no número de UPFs de 10,1 a 30 hectares. O número de UPFs diminuiu 8% do ano 2012-2013 para 2016-2017 no estrato de 30,1 a 50 hectares, e se manteve igual nas unidades de produção que têm mais de 50,1 hectares. Ressalta-se que o número mais expressivo no gráfico é a diminuição do número de unidades de produção do estrato de 30,1 e 50 hectares, que, em 2012, era de cinco e, em 2017, passou a ser de somente três unidades de produção.

Porcentagem de unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017 segmentada em estratos de área total
Gráfico 5
Porcentagem de unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017 segmentada em estratos de área total
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017)

Para ajudar na compreensão da diminuição da área, o Gráfico 6 ilustra a média de hectares em cada um dos estratos nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017. Os dados mostram que nos estratos de 0 a 10 hectares e 10,1 a 30 hectares, a média de área total das unidades de produção aumentaram de 3,4 para 3,9, e de 20,2 para 21,5 hectares, respectivamente. Entretanto, nos extratos de 30,1 a 50 e de mais de 50,1 hectares, as médias de área total das UPFs reduziram significativamente de 6,2 e 35,5 hectares, respectivamente.

Área média das unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017 segmentada em estratos de área total
Gráfico 6
Área média das unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017 segmentada em estratos de área total
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Assim, pelos dados do Gráfico 5 e 6, conclui-se que tanto o aumento no número de UPFs com até 30 hectares como a diminuição da área média das unidades de produção com mais de 30,1 hectares fizeram com que as áreas e a SAU das UPFs diminuíssem do ano agrícola 2012-2013 para o ano 2016-2017, acarretando na diminuição dos ativos/intitulamentos relativos à disponibilidade de terra, que é essencial para a realização das atividades produtivas, econômicas, sociais e ambientais. Diante disso, esse intitulamento passa a representar menor possibilidade de melhorar os demais intitulamentos que compõem os meios de vida.

Capital Financeiro

No que diz respeito ao capital financeiro, os intitulamentos que compõem esse capital são as diferentes rendas que resultam na renda total das UPFs, as quais podem ser acessadas a fim de adquirir bens de produção e de consumo e a mão de obra disponível no estabelecimento.

Dessa forma, os dados aqui apresentados são os valores médios das diferentes fontes de renda identificadas nas unidades de produção e a renda total dessas famílias, bem como a mão de obra familiar disponível nas unidades de produção, em ambos os anos. Observa-se que, nesse momento, foram apenas descritos os valores médios das rendas que compõem a renda total para verificar qual foi sua evolução com o passar dos anos.

A primeira reflexão acerca dos ativos que compõem o capital financeiro, foi em relação às diferentes rendas que compõem a renda total das unidades de produção. Pode-se notar, conforme o Gráfico 7, que a renda agrícola é a que possui maiores valores em ambos os anos de análise, com R$ 91.874,99 e R$ 95.229,61 nos anos agrícolas 2012-2013 e 2016-2017, respectivamente. Em relação à renda das transferências sociais, outras rendas do trabalho e renda não agrícola, houve um aumento dos valores absolutos do primeiro para o segundo ano de análise. A única renda que diminuiu foi a renda de outras fontes, que ostentava valores médios de R$ 5.515,40 e passou a ter somente R$ 1.364,80.

Gráfico 7 – Valores médios da renda agrícola, renda de transferências sociais, outras rendas do trabalho, renda de outras fontes e renda não agrícola das unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017

Valores médios da renda agrícola, renda de transferências sociais, outras rendas do trabalho, renda de outras fontes e renda não agrícola das unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017
Gráfico 7
Valores médios da renda agrícola, renda de transferências sociais, outras rendas do trabalho, renda de outras fontes e renda não agrícola das unidades de produção familiar nos anos agrícolas de 2012-2013 e 2016-2017
Fonte: Elaborado pela autora com base em pesquisa de campo (2013) (2017).

Em relação à soma de todas as rendas, que forma a renda total das unidades de produção pesquisadas, os dados mostraram que, no ano agrícola 2012-2013, a média da renda total dos estabelecimentos foi de R$ 127.875,55, e, no ano agrícola 2016-2017, ela aumentou para R$ 149.537,77. Isto é, houve um acréscimo médio de 17% na renda total das unidades de produção pesquisadas.

Quando há a divisão da renda total pela mão de obra familiar disponível na unidade de produção, que é o que delimitou esse capital, percebe-se que temos os valores de R$65.713,40 e de R$78.842,04 para o ano agrícola 2012-2013 e 2016-2017, respectivamente. Assim, nota-se que houve o aumento de 20% na renda total pela disponibilidade de mão de obra familiar, ou seja, aumentou o capital financeiro das famílias entrevistadas entre os anos agrícolas, o que ocorreu, segundo Ploeg (2008), pela criação de estratégias para manter e ampliar sua autonomia.

4 Conclusões

No estudo foi testado empiricamente, por meio de entrevista a 25 unidades de produção familiares da comunidade Barra do Santana, localizada no sudoeste do estado do Paraná, uma abordagem metodológica para mensurar os meios de vida que compõem os intitulamentos de unidades produtivas familiares. A mensuração é importante não somente para saber o nível de desenvolvimento, mas também determinar potencialidades e limitações que podem estar restringindo o desenvolvimento das unidades produtivas.

A análise mensurou os meios de vida e classificou-os em cinco categorias: capital financeiro, capital físico, capital humano, capital social e capital natural. Uma importante contribuição da ferramenta é quantificar o nível de desenvolvimento para diferentes ativos, identificando aqueles que limitam o desenvolvimento da unidade avaliada.

Outra contribuição da pesquisa é que, quando aplicada na análise de dados longitudinais, ela consegue mostrar uma variação temporal, o que pode sugerir melhoria ou piora nos meios de vida. Nos casos empíricos avaliados, a análise mostrou uma expansão de 26% dos meios de vida do ano agrícola 2012-2013 para o ano agrícola 2016-2017, mas que, dentre todos os capitais que formaram os meios de vida, os capitais físico e financeiro foram mais vulneráveis que os capitais humano, social e natural, pois comparativamente os valores encontrados são menores em ambos os anos. Com isso, pode-se concluir que o nível de sustentabilidade média dos meios de vida das UPFs aumentou no período analisado, pois a média harmônica de cada um dos capitais também aumentou, apesar de terem sido encontradas fragilidades em alguns capitais.

A ferramenta de análise dos meios de vida utilizada no estudo também permite avaliar a distribuição dos capitais. Melhores condições de vida, no contexto de teoria multidimensional, requer uma distribuição harmônica entre todos os capitais que compõem os meios de vida, o que não foi verificado para a comunidade Barra do Santana em nenhum dos anos de análise. Assim, compreende-se que houve maior vulnerabilidade nos meios de vida físico e financeiro, mas que os ativos sociais, naturais e humanos seriam aqueles potencializadores de um processo de criação de melhores condições de vida.

Por fim, ressalta-se que é fundamental perceber o desenvolvimento como uma questão multidimensional de acesso e manutenção dos intitulamentos como expansores de condições de vida, com os agricultores controlando de modo relativamente autônomo os capitais necessários à construção das trajetórias de vida que julgam adequadas para si e para suas famílias. Segundo Grisa e Nierdele (2008), o conjunto de ativos constitui a base de poder dos atores e é o que lhes permite se reproduzirem e alterarem as estruturas institucionais sob as quais a reprodução ocorre.

É importante ressaltar que apesar da abordagem aqui proposta produzir informações importantes sobre a variação e limitações ao desenvolvimento, essas informações representam a média harmônica dos agricultores de uma determinada localização e, portanto, é útil em situações de relativa homogeneidade entre as unidades. Situações de maior heterogeneidade provavelmente requerem estratificação a fim de ter resultados mais precisos para cada grupo. Finalmente, sugerimos a necessidade de uma pesquisa intervencionista junto a atores locais para testar e adaptar a abordagem como instrumento prático de apoio à tomada de decisões e formulações de políticas públicas para desenvolvimento regional.

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Notas

1 Questionário validado por Perondi (2007) e adaptado pelo projeto de pesquisa da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) intitulado Os estabelecimentos rurais de menor porte sob gestão familiar e a estratégia institucional da Embrapa: diversidade social, dinâmicas produtivas e desenvolvimento tecnológico, de 2013. No questionário foram levantados dados sobre escolaridade, renda, estrutura fundiária, meio ambiente, bens de consumo, acesso a crédito e assistência técnica e extensão rural, entre outros.
2 O Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) foi utilizado pois é um índice que mede a inflação para todos os brasileiros, independentemente da situação financeira, e porque podem ter sua produção afetada pela oscilação do dólar.
3 A média harmônica foi utilizada para mitigar o impacto de grandes valores atípicos e atribuir um peso igual para cada ponto de dados.
4 Os outliers são dados que se diferenciam drasticamente de todos os outros, são pontos fora da curva. É uma observação que apresenta um grande afastamento das demais da série.
5 Fazem parte dos bens de consumo deste estudo: aparelho de som, ferro elétrico, fogão a gás, fogão a lenha, forno elétrico/microondas, freezer, geladeira, liquidificador, máquina de lavar roupa, batedeira, parabólica, rádio, TV e videocassete/DVD.
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