Resumo: A formação espacial das estruturas econômicas e sociais do município de Canaã dos Carajás foi circunscrita às políticas regionais formuladas pela SUDAM, para a Amazônia, visando a redução das desigualdades regionais, o que culminou na adoção de programas e projetos de extração de recursos minerais de maneira espúria, o que acarretou uma ocupação territorial vinculada à dependência minerária e que, atualmente, é representada pelo projeto S11D, da empresa Vale. A partir das mudanças provocadas pelo projeto de extração de minério da mina S11D pela Vale, o objetivo desse artigo é cotejar quais foram as ações para o ordenamento territorial das vilas rurais e a habitação no perímetro urbano, realizadas por intermédio das políticas públicas da gestão municipal de Canaã dos Carajás, com referência ao Plano Diretor e o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PHLIS), subjacente aos dados referentes ao CFEM. Na análise das políticas públicas referidas é possível afirmar que o PHLIS apresentou dois projetos implementados que possuem autonomia administrativa municipal: Gestão Administrativa e Moradia Digna, pois os recursos estão relacionados ao orçamento municipal. Os demais programas, tais como Cartão Reforma, Política Nacional de Habitação de Interesse Social, Minha casa, Minha vida e Lote solidário estão lastreados pelos recursos federais. Em função da precariedade da habitação nas vilas rurais, é pouca a margem de manobra para a descentralização administrativa enunciada pelo Plano Diretor, em relação ao governo federal, para implementar ações que estejam diretamente relacionados às demandas da população.
Palavras-chave: Canaã dos Carajás, Dependência minerária, Vilas rurais, Programas de habitação, CFEM.
Abstract: The spatial formation of the economic and social structures of the municipality of Canaã dos Carajás was limited to the regional policies formulated by SUDAM for the Amazon to reduce regional inequalities, culminating in the adoption of programs and projects for the extraction of mineral resources in a spurious way, which led to a territorial occupation linked to mining dependency and which is currently represented by Vale's S11D project. Based on the effects of the changes caused by Vale's ore extraction project at the S11D mine, the objective of this article is to compare what were the actions for the territorial planning of rural villages and housing in the urban perimeter, carried out through the public policies of the municipal management of Canaã dos Carajás, the Master Plan and the Local Plan for Housing of Social Interest (PHLIS), underlying the data referring to the CFEM. In the analysis of the mentioned public policies, it is possible to affirm that in PHLIS only two projects have administrative autonomy to be implemented, Administrative Management and Decent Housing, since the resources are related to the municipal budget. The other Reform Card, National Social Interest Housing Policy, Minha casa, Minha vida and Lote solidário programs are backed by federal funds. So, given the precariousness of housing in rural villages, there is little room for maneuver for the administrative decentralization announced by the Master Plan, in relation to the federal government, to implement actions that are directly related to the demands of the population.
Keywords: Canaã dos Carajás, Mining Dependency, Rural Villages, Housing Program, CFEM.
Resumen: La formación espacial de las estructuras económicas y sociales del municipio de Canaã dos Carajás se circunscribió a las políticas regionales formuladas por la SUDAM para la Amazonía para reducir las desigualdades regionales, culminando en la adopción de programas y proyectos para la extracción espuria de recursos minerales, que condujo a una ocupación territorial vinculada a la dependencia minera y que actualmente está representada por el proyecto S11D de Vale. Con base en los cambios provocados por el proyecto de Vale para extraer mineral de la mina S11D, el objetivo de este artículo es comparar las acciones para la organización territorial de las aldeas rurales y la vivienda en el perímetro urbano, realizadas a través de las políticas públicas de gestión municipal. de Canaã dos Carajás, el Plan Director y el Plan Local de Vivienda de Interés Social (PHLIS), que sustentan los datos del CFEM. En el análisis de las políticas públicas mencionadas, es posible afirmar que solo dos proyectos del PHLIS tienen autonomía administrativa para ser implementados: Gestión Administrativa y Vivienda Digna, ya que los recursos están relacionados con el presupuesto municipal. Los demás programas Cartão Reforma, Política Nacional de Vivienda Social, Minha casa, Minha vida y Lote Solidario cuentan con el apoyo de recursos federales. Entonces, dada la precariedad de la vivienda en las veredas rurales, hay poco margen de maniobra para la descentralización administrativa anunciada por el Plan Director, en relación al gobierno federal, para implementar acciones que estén directamente relacionadas con las demandas de la población.
Palabras clave: Canaã dos Carajás, Dependencia Minera, Aldeas Rurales, Programas de vivenda, CFEM.
Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial
Preâmbulo entre a modernização da mineração e o planejamento territorial na Amazônia: o caso da habitação e vilas rurais em Canaã dos Carajás - PA
Preamble between the modernization of mining and territorial planning in the Amazon: the case of housing and rural villages in Canaã dos Carajás PA
Preámbulo entre la modernización de la minería y la planificación territorial en la Amazonía: el caso de la vivienda y las aldeas rurales en Canaã dos Carajás PA
Recepción: 17 Marzo 2023
Aprobación: 02 Noviembre 2023
O boom de extração de minérios e exportações do Brasil possui como um dos seus polos de reservas minerárias o município de Canaã dos Carajás, no Pará, no qual atualmente há dois grandes projetos de mineração, a Mina do Sossego, extração de cobre, iniciada em 2004, e a S11D, inaugurada em 2017. Apesar de recente a extração de mineração em Canaã, esse processo está articulado à gestação do polo de exportação implementado pelo programa Polamazônia–Carajás, definido em 1974, para a Serra do Carajás, no Pará, e que teve profundos impactos na modernização das dinâmicas de ordenamento territorial e urbanização dos municípios que fazem parte do Sudeste do Pará. Esse processo fortaleceu e ressignificou os fenômenos oriundos das desigualdades territoriais, sob o espectro das categorias analíticas de fragmentação produtiva e do espaço, urbanização com segregação socioespacial e heterogeneidades econômicas e sociais no território.
O município de Canaã dos Carajás está localizado na hierarquia urbana sob a área de influência de Marabá, considerada uma capital regional C, e Parauapebas, como centro sub-regional A, capaz de fundamentar a sua própria rede (REGIC, 2020). Canaã dos Carajás representa o lócus estratégico por abrigar o maior repositório de minério do planeta, conciliando aos efeitos reverberados a partir desse processo, como o abrupto crescimento demográfico e a captação de receita orçamentária via Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), por conta dos grandes projetos de extração de minérios em funcionamento.
Este artigo possui o recorte de análise da modernização produtiva em Canaã dos Carajás pela implantação dos projetos de mineração, dos anos 1970 até a gestação da mina S11D, realizada em 2017. Essa trajetória histórica, apesar de focar em Canaã dos Carajás, está alinhavada à escala macroespacial referente as tomadas de decisões do governo federal ao adotar políticas de desenvolvimento para Amazônia e que compôs a nucleação de extração de minérios. Essa trajetória pode ser dividida em fases de ocupação: primeira fase (1970 - 1999), pela ocupação programas federais de integração econômica e emancipação municipal de Canaã dos Carajás; a segunda fase (2000 - 2017), pelo aparelhamento do governo municipal e instalação do Projeto Mina do Sossego; e a terceira fase (2018 e em andamento), pelo início de funcionamento do Projeto S11D e recolhimento de recursos financeiros da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).
O artigo objetivou identificar quais projetos foram organizados pelo planejamento do governo municipal de Canaã dos Carajás frente as mudanças provocadas pela extração de minério da mina S11D pela Vale. O enfoque foi direcionado ao ordenamento territorial e a habitação nas vilas rurais, considerando duas políticas públicas, o Plano Diretor de 2007 e o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PHLIS).
O artigo está dividido, além desta introdução, em quatro seções. A primeira apresentou a metodologia aplicada na pesquisa. A segunda seção discutiu as categorias analíticas para interpretar o subdesenvolvimento, que incidiram sob a estrutura periférica de Canaã dos Carajás. A segunda seção apresenta a formação e a modernização dos projetos do governo federal, nos anos 1970, balizados por programas, e a organização territorial para a formação de Marabá e subsequentemente Canaã dos Carajás. A terceira seção cotejou os programas e projetos relacionados ao ordenamento territorial mobilizados pelo governo municipal, concomitantemente à expansão da extração de mineração em Canaã dos Carajás, por intermédio da mina S11D. Por fim, a na última seção foram realizadas as considerações finais.
A metodologia aplicada na análise neste artigo perpassou por dois movimentos. O primeiro movimento foi identificar nas obras de autores do pensamento social e econômico brasileiro categorias conceituais que permitissem relacionar aos efeitos oriundos das desigualdades territoriais em Canaã dos Carajás. A escolha de Sérgio Buarque de Holanda, Otavio Velho e Carlos Brandão não foi aleatória, se preocupou em buscar em seu inventário conceitual conceitos que pudessem ser aplicados ao processo de formação e modernização.
Subsequente o segundo movimento se deteve em analisar as ações promovidas pelo governo municipal de Canaã dos Carajás para o planejamento habitacional com ênfase numa análise qualitativa dos planos. Complementou-se a análise, a consulta de dados secundários referentes ao município de Canaã.
No primeiro movimento supracitado objetivou criar um inventário com as categorias e ideias força, que podem colaborar para compreender as desigualdades introjetadas nas estruturas social, econômica e política em Canaã dos Carajás, com dedicação para a análise do pensamento social e econômico brasileiro: Sérgio Buarque de Holanda, na obra “Raízes do Brasil”; Otavio Velho, na obra “Frentes de expansão e estrutura agrária”; e, Carlos Brandão, no livro “Território e Desenvolvimento”.
As categorias analisadas nesses autores foram: fronteira, compreendida como oriunda da formação econômico e social do Brasil; estratificação econômica e social como oriundas da modernização periférica e posicionadas na divisão internacional do trabalho como exportador de commodities; e as formas de dominação, compreendida como a síntese do subdesenvolvimento em países periféricos relacionadas à concertação das tomadas de decisões centralizadas em agentes que representam as frações do capital. Nos autores foram exploradas às ideias forças que convergem para as categorias analíticas anunciadas.
Em Holanda (2006), as ideias forças foram os tipos ideias weberianos de atores sociais que compõe o tecido social do território, munidos pelo ethos e racionalidade, que moldam a estrutura social. Em Brandão (2007), as ideias forças são interpretadas pela divisão do trabalho, compreendendo as articulações entre as escalas da relação do trabalho com as forças produtivas, que convergem como modeladoras da estrutura econômica. Em Velho (2013), os componentes que descrevem a modernização da periferia foram a fronteira, frentes de expansão da modernização e organização sociopolítica dos territórios, compondo a estrutura política do território.
No segundo movimento de análise o enfoque se deteve em identificar no planejamento urbano do governo municipal de Canaã dos Carajás as ações organizadas para o ordenamento territorial rural, em específico da Vila Planalto, Vila Serra Dourada, Vila Bom Jesus, Vila Feitosa, Vila Ouro Verde e Vila Mozartinópolis. A metodologia aplicada nessa análise foi identificar no Plano Diretor as ações destinadas ao ordenamento territorial da área rural no município. A análise do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PHLIS) de Canaã dos Carajás perpassou em identificar as ações destinadas à habitação nas vilas rurais, com ênfase nos recursos financeiros aplicados nos projetos pela prefeitura municipal de Canaã dos Carajás, como baliza para interpretar as ações efetuadas pelo governo municipal.
Ademais, a análise perpassou pela análise de dados coletados na Agência Nacional de Mineração, Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) e os dados da transparência municipal de Canaã dos Carajás, referentes aos dados socioeconômicos e relacionados ao CFEM, com intuito de demonstrar em que medida houve redução das desigualdades territoriais.
A mobilização de categorias analíticas para compreender o processo de formação e modernização das desigualdades regionais, inter e intrarregionais, do município de Canaã dos Carajás, merece notas explicativas para fortalecer o argumento tecido neste artigo. A proposição de categoria é um esforço em buscar compreender como as estruturas econômicas, sociais e políticas foram moldadas obedecendo aos fenômenos oriundos da periferia do sistema capitalista. A primeira categoria é a de fronteira compreendida pela formação e especialização da atividade produtiva como vetor para ocupação da terra, e consequentemente expansão da fronteira de acumulação de capital. A segunda categoria é a modernização mobilizada pela formação do tecido social impulsionada pelos processos de ocupação e migração dos agentes econômicos e trabalhadores. A terceira categoria é posicionada como formas de dominação fundamentada pelos arranjos políticos determinados pelos agentes econômicos nos territórios, fortalecendo as relações de exclusividade e amplificação da acumulação de capital pela concentração das tomadas de decisões referentes às forças produtivas no território, delimitando o ordenamento territorial.
Com base nisso, os autores selecionados podem fundamentar as categorias analíticas para a interpretação sobre os processos de desigualdades na formação e modernização na periferia. A opção em tratar de categorias que dialogassem entre si foi com o objetivo de sistematizar o enredo para compreender o passo seguinte deste artigo, que seja, as fases de formação de Canaã dos Carajás e as suas vicissitudes oriundas dos seus problemas de formação e modernização.
A primeira categoria tratada foi a fronteira que pode ser discutida a partir da formação do ethos do Brasil, pela interpretação de Holanda (2006). Nela a concepção colônia e metrópole é estabelecida para dar lastro ao choque das concepções pelo ethos da civilização moderna europeia, em seu afã pela colonização, e a civilização originária formada pelas comunidades indígenas no Brasil. A conotação da concepção de fronteira da civilização está relacionada à dimensão territorial e a das ideias, da cultura do iberismo, tutelada pelos portugueses, da formação da dinâmica social no Brasil pelo patriarcalismo e posteriormente a corrosão dessa mentalidade pelo processo de mudança, do rural para o urbano no processo de modernização. Porém, o ethos patriarcal é conservado no processo de modernização e é introjetado na formação do Estado moderno, o que gerou interesses privados em relação às instituições públicas.
Para Brandão (2007) a concepção de fronteira está posicionada como a modernização do processo de acumulação ditada pelos nexos de conexão via divisão do comércio internacional entre países periféricos e os centrais, intensificada pela globalização. A internacionalização dos circuitos econômicos, financeiros e tecnológicos do capital mundializado debilita os centros nacionais de decisões e as particularidades que formam o espaço local ficam submissas as “exigências” da globalização, que bonifica com investimentos no setor produtivo os lugares eleitos. Esse processo nega a natureza hierárquica, formada por escalas intermediárias (e das mediações) entre o local e o global, introduzindo o “pensamento único” que hegemoniza o debate sobre o desenvolvimento territorial. Apesar do referido autor não posicionar a categoria fronteira, apresenta um dos fundamentos da modernização de acumulação de capital orientada pela globalização, tangenciando essa categoria, mas sob novas terminologias, tal como a unidade lógica dos 3 ex utilizada para designar o sistema capitalista: exploração do trabalho, expropriação e extrativo de rendas e recursos naturais.
Em Velho (2013), a fronteira é parte da formação do Sudeste do Pará e é resultante do processo das frentes de expansão agropecuária, balizadas por ciclos econômicos. A primeira fase foi sucessão da extração de borracha pela exploração de castanha, em Marabá, a partir dos anos 1920, sob a égide do sistema de aviamento empregado pelos comerciantes, que por sua vez eram financiados pelos comerciantes e exportadores de Belém. Em sua segunda etapa do ciclo da castanha, a partir de 1925, o sistema de arrendamento dos castanhais foi concedido pelo governo estadual, combinado aos interesses da oligarquia local e a necessidade do sistema político dominante. Dos anos 1950 em diante, a frente agrícola de expansão na Amazônia Oriental é lastreada pela construção da rodovia Belém-Brasília e a Transamazônica, pelos incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), concomitantemente com implementação do polo de exportações especializado na extração de minérios, na Serra dos Carajás.
A segunda categoria é a estratificação econômica e social, tratada por Holanda (2006) pela organização dos indivíduos pela concepção de tipos ideais, pela designação determinada pelo comportamento na formação da estrutura social pelos tipos sociais: aventureiro e o trabalhador, o semeador e o ladrilhador, e o tipo híbrido gestado pela figura do homem cordial. Dentre eles, é importante destacar o aventureiro, como tipo ideal e o surgimento do tipo híbrido formado pela colonização da metrópole no Brasil, qual seja o homem cordial. As características do aventureiro dialogam diretamente com a busca rápida pelo ganho, se abstendo de responsabilidades cívicas e republicanas, ao passo que o homem cordial possui como centro do seu ethos elementos do patriarcalismo em uma sociedade em modernização no Brasil, se apropriando de esferas institucionais para prática de traços patrimonialistas de cunho de interesses privados.
Segundo Brandão (2007), o subdesenvolvimento perpassa pela divisão social do trabalho como categoria explicativa básica presente em todas as dimensões espaciais, das escalas. A divisão do trabalho é a unidade que contempla os diferentes estágios alcançado pelas forças produtivas, e se comporta como categoria mediadora para compreender as heterogeneidades, hierarquias e especialização intra e inter qualquer escala (regional, nacional, internacional). Para o referido autor os fenômenos gerados pelas desigualdades territoriais que podem ser regulados por diferentes formas de dominação das frações do capital em países subdesenvolvidos: a) homogeneização, condiciona às condições de reprodução do capital e de valorização do capital; b) integração ocorre sob a face da concorrência entre as estruturas produtivas no espaço; c) polarização representa dominação e irreversibilidade, combinada com uma hierarquia que estabelece uma natureza desigual do desenvolvimento; d) hegemonia fundamentado em um sistema de correlação de forças sociais e políticas, representado pela limitação em espaços de poder para as tomadas de decisões.
Em Velho (2013), a modernização é a inserção de novas formas de acumulação de capital a partir da integração econômica da Amazônia ao sistema econômico nacional, nos anos 1970, que determinou a estratificação social composta por: grandes fazendeiros; camponeses ligados ao setor comercial; e o pequeno camponês com a atividade da agricultura. Outro elemento dentro da estratificação social, foi a empresa United States Steel, a se instalar como a provedora de recursos para a extração de ferro na Serra dos Carajás, subjacente a Companhia Vale do Rio Doce, foram representadas por agentes que constituíram frações do capital monopolista, em uma região periférica. A organização do tecido social realizada pela acumulação de capital formou uma estratificação social composta de agentes aliados às suas atividades produtivas, do qual se intensificou com a inserção de frações internacionais de acumulação de capital, como a empresa United States Steel associada à antiga estatal Vale do Rio Doce.
A terceira e última categoria tratada está relacionada às formas de dominação, a qual Holanda (2006) justifica pelo patrimonialismo, ressignificado pelas elites que passaram a reproduzirem o ethos da família nas instituições estatais, orientada pelos seus interesses privados. Em Brandão (2007), a escala global assumiu uma conotação de hierarquização do poder, a partir da autonomia nas tomadas de decisões em relação ao espaço e local em que está inserida a atividade produtiva. A partir dessa noção, a escala local está subalternizada, as decisões tomadas em outras instâncias, institucional e de frações de agentes da acumulação de capital, sendo desmobilizado nesse processo instâncias democráticas participativas, o diálogo federativo entre as escalas nacional e estaduais, dando vazão a hierarquização comandada pela escala global por intermédio das formas de acumulação de capital. Na concepção de Velho (2013), essa categoria está diretamente relacionada à mudança da baliza orientadora para a urbanização de municípios do Sudeste do Pará, a qual, antes, se estabelecia próximas aos rios e, posteriormente, reposicionada nas franjas das infraestruturas logísticas como as rodovias Belém-Brasília e a Transamazônica, e a acumulação de capital gestado pela extração de minérios como fundamento para a modernização e urbanização.
Em 1967, o I Plano Diretor da SUDAM posicionou a logística de integração econômica da Amazônia como estratégia para os eixos rodoviários da Belém-Brasília e Brasília-Acre, com as bacias do Tocantins, Xingú, Tapajós, Madeira e Purús, e a integração logística entre as capitais estaduais Belém e Manaus (SUDAM, 1967).
A caracterização da região de Carajás foi revisada pelos estudos de Monteiro e Silva (2021), compreendida pela capilaridade da logística de infraestrutura instalada a partir dos anos 1970, pela SUDAM. Os autores argumentam que os eixos logísticos implantados no processo de integração da Amazônia ao sistema econômico nacional permitiram desmobilizar estruturas políticas representadas localmente nos territórios de Carajás, para o controle das infraestruturas por intermédio do exercício do poder econômico reverberado enquanto capital político, determinando tomadas de decisões ligadas ao território, como a decisão de implantação do projeto de extração da mineração na Serra dos Carajás. A figura 1 apresenta a localização do município em sua região.
As principais infraestruturas que fundaram a integração e a modernização das atividades produtivas foram: rodovia Belém-Brasília (BR-153) com a PA-070; rodovia Transamazônica (BR-230); o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), com a implantação do Projeto Integrado de Colonização em trechos de 10km de cada lado da Transamazônica; rodovia PA-150, implementada com fins do transporte para construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí; instalação do Programa Grande Carajás (PGC) que originou a extração de minério da Serra dos Carajás. A malha logística instalada em Carajás acionou a demanda do fluxo migratório de trabalhadores, desde os garimpeiros até os agricultores ávidos por terras subsidiadas pelo Estado, via o processo de colonização e assentamento populacional, do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste (PROTERRA) (MONTEIRO e SILVA, 2021).
A primeira fase de ocupação em Canaã dos Carajás ocorreu de 1970 até 1999, inicialmente como parte da Serra dos Carajás, em que foi caracterizado pela idealização e implantação do modelo econômico para Amazônia projetada pela SUDAM, balizados pelo Planos de Desenvolvimento da Amazônia (PDAs) e aplicados sob a orientação dos projetos do Programa Polamazônia. No caso de Carajás, Marabá foi posicionada como central nesse arranjo para a extração de minério, por conta do seu entorno com projetos em infraestrutura, como as ferrovias para escoamento do minério, a hidrelétrica de Tucuruí, que condicionou a urbanização (SUDAM, 1976).
Nos anos 1970, Canaã dos Carajás fazia parte do município de Marabá, pela ocupação de migrantes do centro sul na vila Mozartinopólis e na década subsequente o fluxo de migração ocorreu para vila CEDERE II, decorrente do Programa Grande Carajás (PGC). A ocupação em Canaã foi consequência dos grandes investimentos na implantação de infraestrutura para exploração mineral no sudeste do Pará, associado às políticas regionais do Estado. As vilas agrícolas foram organizadas para fomentar abastecimento de alimentos básicos para a população local. Foram implementados três Centros de Desenvolvimento Regional (CEDERE) denominados como projetos de assentamento. Destes, o CEDERE II foi o principal por incorporar as instalações do órgão responsável pelo projeto, o Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT), e se tornou a sede do município de Canaã dos Carajás (CANDIDO, 2018).
O GETAT demarcou as glebas direcionadas aos colonos e dobrou a oferta com porções maiores de terra aos fazendeiros em outras localidades, como forma de oficializar os assentamentos, o que proporcionou fricções entre esses grupos sociais pela terra. Em 1985, após a extinção do GETAT, houve paralisa na assistência aos colonos instalados nos territórios, o que desestimulou a sua permanência e gerou êxodo para outras localidades. Em 1994, ocorreu a emancipação de Canaã dos Carajás, como síntese da concentração da posse de grandes concentrações fundiárias, que representou a transição do atraso para o moderno com a chegada de um grupo social denominado de pioneiro, capaz da modelação do espaço, da estruturação dos processos de decisão e como o portador da ação civilizatória. Os Pioneiros hegemonizaram o sistema político local, pela sua inserção nos cargos políticas representantes da tomada de decisões e ocupou os melhores bairros no perímetro urbano (CANDIDO, 2018).
A segunda fase ocorreu a partir de 2000 e pode ser compreendida até 2017; a sua principal característica foi a inauguração da mineração de cobre, pelo projeto Mina do Sossego em 2004. Esse projeto fortaleceu as forças produtivas locais e impactou o espaço urbano, representado pela expansão dos loteamentos urbanos, concomitantemente com o aquecimento dos valores da terra, propagadas pela especulação imobiliária.
Na segunda fase houve fortalecimento institucional da prefeitura municipal por intermédio da criação do Instituto de Desenvolvimento Urbano de Canaã dos Carajás (IDURB), em 2009, competência institucional especializada no planejamento urbano, o que ampliou as capacidades estatais do governo municipal. A Lei no 225/2009 formulada pela Prefeitura Municipal de Canaã dos Carajás instituiu a criação do IDURB com o objetivo de tutelar o Plano Diretor Participativo de Canaã dos Carajás, fundamentado em desenvolver o controle e fiscalização da ocupação e uso do solo, direito à moradia aos cidadãos, promover o direito aos serviços urbanos e sociais a população. A governança do referido instituto perpassa em assessorar os temas relacionados a Diretoria Administrativa e Financeira, Diretoria de Planejamento e Projetos Urbanos e a Diretoria de Habitação e Assuntos Fundiários (PREFEITURA MUNICIPAL DE CANAÃ DOS CARAJÁS, 2009).
A formulação do IDURB ampliou a capacidade estatal de técnicos imbuídos em fortalecer o arranjo de políticas públicas, gestado pelas secretárias municipais de Canaã dos Carajás, concedido pelos planos e programas: Lei Orgânica, de 2012 e atualizada em 2015; Plano Local de Habitação de Interesse Social, de 2013 e revisado em 2018; Plano Municipal de Desenvolvimento 2035, de 2015; Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, de 2015; Plano Municipal de Mobilidade, de 2015; Plano Plurianual 2014-2017; Programa Municipal de Regulação Fundiária Canaã Meu Lugar, de 2018.
Como resultante do adensamento da pressão das fronteiras entre o urbano e o rural, por intermédio dos processos de acumulação oriundos da mineração, avançaram as estruturas logísticas que subsidiaram a mineração, como estradas, ferrovias e alojamentos. Houve em detrimento da centralidade dessa atividade produtiva, a marginalização da agricultura local e a agressão latente à natureza, com ênfase para supressão da cobertura vegetal e assoreamento dos cursos de água (CANDIDO, 2018).
Na zona rural, houve a criação de loteamentos que foram alvos da especulação e investimento imobiliário do espaço, e se instalaram próximos do rio Parauapebas, como forma de lazer, mas que se manifesta sob o mimetismo dos arranjos espaciais metropolitanos. O segundo tipo foram os loteamentos ocupados pela população de baixa renda, no qual estabeleceu uma relação pendular entre a população da Vila Planalto com a cidade, por intermédio de um corredor de protoconurbação entre Canaã dos Carajás e Parauapebas (CARDOSO, CÂNDIDO, MELO, 2017).
O processo de urbanização em Canaã é a síntese de um padrão de urbanização de modernização incompleta, adaptada do centro na periferia, conectada pelos interesses de agentes representantes de frações do capital, no intuito de intensificar o apoderamento dos recursos naturais para concentração de capital (MELO, 2015).
Se no passado a constituição dos núcleos urbanos na Amazônia seguia os fluxos dos rios e o ritmo natural da floresta, Canaã dos Carajás mostra que atualmente existe um outro padrão de urbanização em gestação na região a competir com aquele. A trajetória que se desenvolveu entre o Programa Grande Carajás e o momento atual de exploração mineral consolidou um processo de urbanização na fronteira tributário dos grandes projetos, e que contemporaneamente conta com a novidade de incorporar elementos financeirizados da recente virada neoliberal (CANDIDO, 2018, p. 115).
Para Michelotti (2019), o território, a territorialidade e a territorialização é uma interpretação para compreender como as corporações globalizadas se territorializam em determinados espaços, impondo e disputando as dinâmicas materiais e simbólicas de produção, reconfiguração espacial. A regionalização dos subsistemas é o ponto de chegada da análise, pois é o lócus que gera ramificações que fortalecem as relações de reprodução e sua configuração territorial que permite demarcar seus limites. Carajás corresponde a uma das mais importantes minas de ferro do mundo, mas que origina uma mercadoria volumosa e de baixo valor unitário o que leva a uma grande “deseconomia do espaço”, agravada pela sua distância de qualquer porto.
Para Cardoso, Candido e Melo (2017), Canaã ilustra a relação entre o polo produtivo extrativista, na escala territorial, com o mercado global regulado pela feroz demanda de commodities. A caracterização desse processo denominação pelas autor(as) de neoliberalismo extrativo, demonstra que o centro de tomadas de decisões está nos países desenvolvidos, que possuem autonomia para gerenciar os territórios na periferia pelo capital, que não é homogeneizado, mas se concentram em pontos específicos, como no caso da exploração de recursos naturais.
Neste tópico serão analisados o Plano Diretor e o Programa de Habitação de Interesse Social, como peças de análise em relação ao ordenamento territorial e a ocupação da população, principalmente nas vilas rurais, área de tensão devido a ampliação da área estratégica da S11D, da Vale. O início da operação do Projeto S11D em 2016, em Canaã dos Carajás, abrigou incertezas a respeito dos efeitos desse processo para população.
Os dados da demografia no gráfico a seguir apresenta a população geral constituída pelos dados disponibilizados pelos Censos de 2000, 2010 e 2022, do IBGE. Com base nesses dados, na região de integração de Carajás1, Marabá possui centralidade da hierarquia urbana regional até os dados de 2010 do Censo, com 233.669 mil habitantes. Porém a partir do Censo de 2022 foi superada em número de habitantes por Parauapebas, que saltou de 153.908 mil habitantes em 2010, para 267.836 mil habitantes em 2022. No município de Canaã dos Carajás o Censo de 2010 registrou 26.716 mil habitantes, porém a partir do Censo de 2022 foi registrado 77.079 mil habitantes, assumindo posição de relevância na hierarquia urbana regional ao lado de Parauapebas e Marabá.
No quadro 2 foi apresentada a ocupação de trabalhadores por setor econômico. Um primeiro filtro de análise foi a expansão do setor extrativa mineral, que ampliou de 42 vínculos empregatícios formais para 3.647, em 2018. O setor construção civil em 2014 empregou 9.344 trabalhadores, e no ano subsequente atingiu o seu ápice com 14.362 trabalhadores, posteriormente, houve regressão do número de trabalhadores neste setor para 2.117, em 2018. O setor da indústria de transformação também regrediu ao longo dos anos, em 2015 foram 1.045 e declinou para 353 trabalhadores ocupados em 2018. O segundo filtro de análise foi em relação a população geral empregada, no qual em 2014 havia 16.110 trabalhadores formais e em 2018 foi registrado a redução para 11.926 empregos ocupados pelos trabalhadores no município de Canaã dos Carajás.
O Pará se consolidou como o maior receptor dos recursos do CFEM devido a especialização de extração de minérios, com o pioneirismo o Projeto Grande Carajás de 1982, a partir da prospecção e o início das atividades em Parauapebas e Marabá. Na seriação histórica de 2008 a 2020, Parauapebas liderou até o ano de 2018, perdeu a liderança em 2019, na recepção do CFEM, por conta do projeto S11D em Canaã dos Carajás, no qual passou a liderar a arrecadação desse tributo.
No gráfico 3, observa-se que Canaã dos Carajás iniciou a sua arrecadação de recursos provenientes do CFEM em 2005, ampliou de R$ 14.834 para R$ 38.597 milhões, em 2015. Porém, com o início do funcionamento do projeto S11D em 2017, houve a abrupto crescimento de arrecadação do CFEM, de R$ 71.425 milhões para R$ 320.722 milhões em 2018, representando em seu primeiro ano de extração de minério da S11D, o aumento de 350%. Em 2021, a arrecadação alcançou seu maior valor registrado até 2022, R$ 1.857 bilhão, porém em 2022 recuou para R$ 1.060 bilhão. Esses dados reforçam a capacidade e escala de extração do minério em Canaã, de modo que a composição do orçamento público municipal passou a ser dependente do CFEM e atualmente arrecada impressionantes marcas.
A área rural de Canaã dos Carajás é composta por vilas, que disputam o espaço com a exploração do minério de ferro, constituído desde os primeiros projetos no território e permaneceram como habitação para os moradores, que foram estimulados a migrarem devido aos empreendimentos de extração de minério em décadas anteriores. As vilas são: Vila Serra Dourada foi organizada por conta do garimpo de ouro no início dos anos 1980; Vila Planalto fez parte do projeto de assentamento do GETAT, denominado como Cedere II, possui maior infraestrutura e ocupação populacional dentre as demais vilas, por conta da oferta de serviços e comércio e pela sua localização estratégica em relação a distância a área urbana, 17km, e pela conexão com a rodovia estadual PA–160 que conecta Canaã dos Carajás a Parauapebas e a VP–45, que circunscreve a sua localização a Mina do Sossego e as demais vilas; Vila Bom Jesus surgiu devido ao projeto de ocupação do GETAT e a sua ocupação foi implementada pelas famílias que estavam fazendo uso do garimpo clandestino na Serra do Sossego; Vila Feitosa é resultante do assentamento do GETAT e da ocupação por colonos da Fazenda Três Braços, a partir de 1983; Vila Mozartinópolis oriundo dos primeiros estudos minerários do território, surgiu no final da década de 1970 e início da década de 1980, e a sua ocupação foi realizada por fazendeiros e pequenos agricultores; Vila Ouro Verde foi uma dos núcleos pioneiros de assentamento do GETAT, denominado de Cedere III, em 1983.
Segundo o Quadro 3 houve variação da proporção da população urbana e rural de Canaã dos Carajás, de 6.998 reduziu para 5.989, de 2000 a 2010, enquanto a urbana aumentou de 3.924 para 20.727, de 2000 a 2010. Na comparação entre o percentual da população urbana e rural com a total em Canaã dos Carajás o percentual da população rural reduziu no último ano para 17,74% e a urbana aumentou para 82,26%.
Segundo os dados consultados no Cadúnico e analisados por Silva e Sousa (2022) referente a situação dos domicílios e espécie de domicílios em Canaã dos Carajás, em 2020, os domicílios da área urbana foram considerados como permanentes em 71,5% e 0,3% denominados improvisado. No rural o percentual de 15,6% foi de domicílio permanente e de 12,8% de improvisado, demonstrando maior vulnerabilidade nas condições habitacionais nas áreas rurais do que nas urbanas.
Segundo Candido (2018) as mudanças na ampliação do perímetro urbana em Canaã dos Carajás foram resultantes do abandono dos aparelhos produtivos rurais, subjacente a inserção de características metropolitanas com referência a chegada de cadeias de marcas nacionais, redes de fast-food internacionais. Portanto, para o referido autor houve a afirmação do neoliberalismo como ideologia cristalizou a reprodução da acumulação de capital pela modernização produtiva, a exemplo da mineração da S11D, bem como houve mudança no hábito e cultura tradicional dos moradores, que passaram a buscar formas de lazer pelo consumo em shopping centers.
O quadro analítico do Plano Diretor Participativo de 2007 é dividido em eixos, em cada um deles há programas balizados pelas propostas e os instrumentos de execução. Foi priorizado os eixos dos programas que estão relacionados ao ordenamento territorial da área rural de Canaã de Carajás e com fundamentação para a sua execução pelos instrumentos mobilizados. Por conta disso, restringiu-se o campo de análise nas ações da prefeitura que podem realizar mudanças na estrutura territorial.
No Plano Diretor Participativo o eixo municipal priorizou a descentralização urbana em relação aos serviços públicos para bairros e vilas. Conjuntamente, foi proposto organizar o ordenamento do solo com base em vetores de expansão urbana e das atividades rurais, com a democratização de espaços públicos. No eixo de Ordenamento Territorial Sustentável foram regionalizados os territórios em macrozonas e em projetos específicos para cada uma delas, e a regularização fundiária com cadastro das propriedades do município (PMCC, 2007).
O eixo temático da área urbana possui como prioridade o Ordenamento Territorial Sustentável Urbano, no qual propôs a implementação do uso do espaço urbano entre duas microzonas, descentralização de serviços públicos e projetos de requalificação urbana em áreas degradadas. Coleta de dados referente à densidade populacional e taxa de ocupação e zoneamento urbano. No eixo rural o ordenamento territorial priorizou a diversificação da produção com ênfase no incentivo ao polo agrícola e ao produtor rural e infraestrutura para o escoamento da produção. Nesse sentido, o uso do território foi orientado para a recomposição vegetal e articulação entre a diversidade produtiva e o abastecimento no mercado municipal. O fortalecimento das associações rurais e a requalificação do cadastro dos produtores do Pronaf são balizas para o fortalecimento da agricultura familiar (PMCC, 2007).
No eixo das vilas foi priorizado como programas os projetos de ampliação da infraestrutura para saneamento básico, energia elétrica, vias públicas, projeto de pavimentação, reestruturação do sistema de circulação das vilas. O ordenamento territorial das vilas foi pautado pelo projeto de uso e ocupação do solo, com a remoção e revitalização das áreas com ocupação de uso irregular. Referente à habitação foi realizado o acompanhamento das famílias assentadas e investimentos em infraestrutura e projetos sociais. A construção de espaços públicos possuía como objetivo ser direcionado para o uso da população em formas de lazer e organização social. O desenvolvimento das vilas priorizou fortalecer as associações e as atividades produtivas realizadas nas vilas como inclusão da população na geração de renda, relacionada com as potencialidades produtivas locais, como o turismo sustentável na Vila Mozartinópolis, e implantação do distrito industrial na Vila Planalto (PMCC, 2007).
Dentre as ações propostas pelo Plano Diretor 2007 de Canaã dos Carajás é possível avaliar a partir dos dados disponibilizados pela Secretaria Municipal de Planejamento as obras concluídas até 2015, de modo que seja, possível aproximar a relação entre as propostas e a realização das ações do referido plano.
As ações formuladas pelo governo municipal de Canaã dos Carajás apresentadas no Quadro 5 constam no documento Diagnóstico Socioeconômico do município de Canaã dos Carajás. É possível correlacionar com as ações propostas pelo Plano Diretor de Canaã dos Carajás, buscando comparar as ações propostas e as que foram implementadas até 2015. Houve avanço na formalização das seguintes ações propostas pelo Plano Diretor: no Eixo Temático Vilas, o programa de infraestrutura e serviços nas Vilas, por meio do projeto de asfalto do Núcleo Urbano para Zona Rural e o projeto de asfalto na Vila Planalto; o programa de Habitação Popular Digna avançou com a construção de casas populares pelo Programa Minha Casa Minha Vida; o programa Qualificação do Meio Ambiente foi implementado pela construção da construção da praça da Vila Planalto; o programa Desenvolvimento Econômico e Social nas Vilas foi sistematizado pelos projetos da construção de escolas municipais, quadras de esporte e postos de saúde nas vilas; e o programa de Desenvolvimento de Atividades Produtivas e Geração de Renda pela implementação da Feira Municipal do Produtor Rural.
No documento 1° Revisão do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) formulado pelas Secretária Municipal de Planejamento e a Secretária Municipal de Habitação, em 2018, da prefeitura de Canaã dos Carajás, a área referente ao ordenamento foi estruturado entre o urbano e rural. Durante o processo da ocupação de terra em Canaã foi realizada por agentes com grandes propriedades rurais, que na iminência de conflito pelas terras com os garimpeiros e o Movimento dos Sem Terra, realizou o parcelamento de lotes de terras, para que fosse ampliada o perímetro urbano, porém, com ausência de regularização fundiária. O processo de transferência de terras do Incra para o município resultou em regularização fundiária divergente da política urbana, o que impossibilitou o ordenamento territorial balizada pelo governo municipal no que concerne às terras para habitação e infraestrutura urbana (SMP-SMH, 2018).
Há terras originalmente pertencentes ao Incra e que estão em fase de transferência para Canaã, e loteamentos irregulares em léguas patrimoniais estão relacionadas à dois modelos de irregularidades, pela ausência de projeto pelo loteador e a localização em terras pré-dispostas para a produção agrícola (SMP-SMH, 2018).
Segundo a Fundação Joaquim Pinheiro, em Canaã dos Carajás havia déficit habitacional no rural de 248, no ano de 2010. E o número de domicílios precários no rural foi de 227, em 2010 (SMP-SMH, 2018).
O artigo ao apresentar as fases de formação e modernização de ocupação em Canaã dos Carajás priorizou a segunda e a terceira fases, referentes as mudanças provocadas pelo projeto de extração de minério da mina S11D pela Vale no planejamento urbano relacionado ao ordenamento territorial das vilas rurais e da habitação no perímetro urbano. Ao focar neste recorte analítico, foram realizados três movimentos analíticos buscando dirimir as mudanças ocorridas de uma fase para outra: a) categorias analíticas teóricas em Holanda, Velho e Brandão aplicadas para apreciação dos dados e das políticas públicas analisadas; b) balanço do Plano Diretor e do PLHLIS, que consistiu em identificar os programas e projetos relacionados ao ordenamento territorial das vilas rurais no Plano Diretor comparando com os projetos e ações implementadas no documento Diagnóstico Socioeconômico do Município de Canaã dos Carajás, e posteriormente averiguar por intermédio do PLHILIS quais foram as ações direcionadas para a habitação nas vilas rurais, comparando com os valores de recursos financeiros dispendidos pelo governo municipal de Canaã dos Carajás; c) o levantamento de dados referentes a demografia, ocupação de postos de trabalho e recolhimento do CFEM por Canaã.
As categorias analíticas fronteira, estratificação econômica e social e formas de dominação colaboraram para compreender a irrupção de mudanças nas dinâmicas territoriais em Canaã dos Carajás, ocasionadas pelo aperfeiçoamento dos processos de acumulação de capital determinados pelo início das operações da mina S11D de extração de minérios, sob a responsabilidade da Vale. Os dados referentes a partir de 2017 retrataram uma regularidade, a do crescimento dos dados da demografia, de 26.716 habitantes em 2010 para 77.079 habitantes em 2022. O valor do PIB municipal acompanhou tendência de expansão dos recursos recolhidos pelo CFEM, aumentou de R$ 2.396 milhões, em 2016, para R$ 7.106 milhões, em 2018. O recolhimento dos recursos do CFEM corrobora com essa regularidade ao registrar o seu maior valor em 2021, correspondente à R$ 1.857.040.185,99. Porém, os dados registrados referente aos postos de trabalho não registrou a mesma tendência, teve queda no ano de 2018 para 11.926, se comparado com o ano de 2015. Os dados referidos atestaram que o epicentro do crescimento demográfico e econômico é devido a instalação da S11D, concomitantemente é possível mobilizar a categoria fronteira interpretada pela sua modernização pela abordagem de Brandão (2007), do qual a sua natureza hierárquica comandada pela demanda do global fortalece a espacialização produtiva especializada na extração do minério na escala local, gerando crescimento econômico, porém, não tendo a reverberação positiva para a geração de empregos formais.
Os municípios com maior recolhimento do CFEM em 2021 foram Parauapebas, R$ 983 milhões, e Canaã dos Carajás R$ 771 milhões, o que evidencia o protagonismo da Vale como agente estratégico na estratificação econômica territorial nesses municípios. Ademais, esses recursos passaram a compor o orçamento municipal como receita, impondo uma relação de dependência com a mineração. Para Holanda (2006), a categoria de estratificação econômica e social é munida sob o seu olhar atento ao designar a confluência de relações e interesses privados dentro das esferas institucionais, sob o espectro do patriarcalismo. De modo que é possível compreender que a Vale desempenha uma relação dos interesses do setor privado, como empresa multinacional, com o processo decisório na escala local junto aos órgãos de planejamento devido à especialização produtiva do minério. Brandão (2007) aponta que a divisão social do trabalho analisado sob o prisma das escalas permite identificar os nexos de confluências que passam a existir nas relações entre o global e local, pela seletividade na escolha do lugar para investimentos do governo federal combinado com a iniciativa privada, conforme ocorreu no caso dos planos e programas de desenvolvimento da Amazônia e no caso da S11D em Canaã dos Carajás.
As ações propostas pelo Plano Diretor de Canaã dos Carajás referentes ao ordenamento territorial e à provisão de infraestruturas para as vilas rurais encampa um importante repertório de políticas públicas que visam a equidade da população, porém a regularização fundiária, com a descentralização de serviços para os bairros e áreas rurais, incentivo à produção agrícola no campo e fortalecimento da agricultura familiar, esbarram em um problema estrutural, qual seja os efeitos da categoria das formas de dominação. Segundo o quadro 4 apresentado, as propostas que foram implementadas do Plano Diretor foram ações direcionadas ao asfaltamento e pavimentações de áreas que ligam as vilas ao Núcleo Urbano, a construção de escolas, ginásios poliesportivos, postos de saúde e praça. Apesar de avançar em projetos ligados à infraestrutura urbana e social na oferta de serviços públicos como a educação e a saúde na área rural, não houve avanço nas propostas estruturais dos eixos: Programa de Compatibilização das Macrozonas, Programa de Cadastramento e Regularização Fundiária e Imobiliária, Programa de Compatibilização das Zonas, Áreas de Planejamento e Usos, Programa de Acompanhamento e Avaliação da Densificação de Propriedades Rurais, Programa de Reestruturação e Requalificação do Uso da Terra e o Programa de Incentivo à Fixação dos Pequenos Produtores na Área Rural.
Os dados da participação do valor adicionado por setores na economia de Canaã dos Carajás colaboram para demonstrar a perda de espaço da agricultura na economia local, reduziu a participação do setor primário no PIB municipal de 1,74%, em 2014, para 0,39%, em 2020. Enquanto o setor industrial cresceu de 73,46%, em 2014, para 87,74%, em 2020 (FAPESPA, 2022).
Segundo Velho (2013) uma das principais problemáticas foram referentes aos impactos dos projetos de infraestrutura logística de transporte e geração de energia elétrica, implementados como base para o complexo de extração de minérios. Indo na contramão da proposta de ações que visem o pacto democrática do governo municipal com os atores sociais. Por conta disso, segundo Brandão (2007) há uma hierarquização das tomadas de decisão que formulam o ordenamento territorial do espaço, dado que as decisões são tomadas pelos agentes representantes das frações de capital, como é o caso da Vale.
As condições deflagradas pelos dados das vilas rurais de acordo com o PLHIS evidenciam a vulnerabilidade e assimetrias territoriais não registradas pelos indicadores econômicos. Na Vila Planalto, Vila Bom Jesus, Vila Feitosa e Vila Ouro Verde a renda da população é menor do R$ 1.449,99, e as infraestruturas são precárias, além de estarem na linha de frente do conflito pela luta pela terra com os agentes representantes da produção agropecuária e da Vale pela extração de minério.
Da linha programática de programas pelo PHLIS, apenas dois possuem autonomia administrativa para ser implementados, Gestão Administrativa e Moradia Digna, pois os recursos estão relacionados ao orçamento municipal. Os demais programas, como o Cartão Reforma, Política Nacional de Habitação de Interesse Social, Minha casa, Minha vida e Lote solidário, estão lastreados pelos recursos federais. Conforme identificado nos documentos institucionais Plano Diretor, as propostas implementadas segundo as informações do documento Diagnóstico socioeconômico de Canaã dos Carajás foram locadas em infraestrutura social, na construção de escolas e postos de saúde, e na pavimentação de ruas de acesso ao Núcleo Urbano. Os recursos implementados pelo PHLIS de Canaã dos Carajás em habitação tiveram o maior percentual concedido pelo governo federal, 63,65%, o governo municipal participou com 23,46% dos recursos concedidos e o governo estadual apenas com 15,5%. De modo que, dada precariedade da habitação nas vilas rurais, a descentralização administrativa enunciada pelo Plano Diretor é reduzida, centraliza a maior percentual dos recursos em programas do governo federal em Canaã dos Carajás, em programas relacionados ao ordenamento territorial e a habitação.
Há necessidade de avançar na agenda de participação popular em diálogo com as secretárias e o governo municipal para a coalizão de aparatos institucionais capacitados para a implementação dos programas e projetos condizentes com as problemáticas territoriais.