Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial
Recepción: 22 Marzo 2023
Aprobación: 02 Noviembre 2023
DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v28i1.18295
Resumo: O artigo analisa o perfil econômico de Maués (AM) apresentando a participação dos setores econômicos, as funções urbanas comerciais e as recentes dinâmicas turísticas. Apresenta-se a caracterização da microrregião de Parintins na qual Maués se insere, analisando a estrutura territorial, os aspectos socioeconômicos e papéis das sedes na rede urbana. A metodologia parte de dados secundários para compor quadros comparativos entre os municípios demonstrando a frágil composição das atividades econômicas. O perfil comercial é apresentado com dados que evidenciam destaques e tipos de atividades comerciais. Completa-se a análise do perfil com dados obtidos a partir de realização de trabalhos de campo, onde se demonstra: i - entendimento da expansão urbana a partir de entrevistas e revisão da literatura e documentos históricos; ii – averiguação in loco da formação recente de periferias com forte presença da economia popular (setores informais de serviços e pequenos comércios); iii – levantamento do perfil comercial da área central associada a equipamentos de turismo comparados aos dados da prefeitura. Conclui-se que o perfil produtivo econômico pouco significativo tem sido compensado através da expansão do comércio e da construção simbólica e icônica de cidade turística atrelada ao guaraná, desdobrando na formação de circuitos econômicos mais complexos para a produção de festejos populares e festas de grande porte.
Palavras-chave: Perfil econômico, Comércio, Funções urbanas, Turismo.
Abstract: The article analyzes the economic profile of Maués (AM) showing the participation of economic sectors, commercial urban functions and recent tourist dynamics. At first, the characterization of the Parintins micro-region that Maués is part of is presented, analyzing the territorial structure, socioeconomic aspects and roles of the headquarters in the urban network. The methodology starts from secondary data to compose comparative tables between municipalities, demonstrating the fragile composition of economic activities. The commercial profile is presented in the next session with data that highlight the highlights of the activity and the types of commercial activities. The analysis is completed with data obtained from field work, which demonstrates: i - understanding of urban expansion from interviews and review of literature and historical documents; ii – in loco investigation of the recent formation of peripheries with a strong presence of the popular economy (informal sectors of services and small businesses); iii – survey of the commercial profile of the central area associated with tourism equipment compared to city hall data. It is concluded that the insignificant economic productive profile has been compensated through the expansion of commerce and the symbolic and iconic construction of a tourist city linked to guaraná, resulting in the formation of more complex economic circuits for the production of popular festivities and large parties.
Keywords: Economic profile, Trade, Urban functions, Tourism.
Resumen: El artículo analiza el perfil económico de Maués (AM) mostrando la participación de sectores económicos, funciones urbanas comerciales y dinámicas turísticas recientes. En un primer momento, se presenta la caracterización de la microrregión de Parintins de la que forma parte Maués, analizando la estructura territorial, los aspectos socioeconómicos y los roles de la sede en la red urbana. La metodología parte de datos secundarios para componer cuadros comparativos entre municipios, demostrando la frágil composición de las actividades económicas. El perfil comercial se presenta en la próxima sesión con datos que destacan los aspectos más destacados de la actividad y los tipos de actividades comerciales. El análisis se completa con datos obtenidos del trabajo de campo, que demuestra: i - comprensión de la expansión urbana a partir de entrevistas y revisión de literatura y documentos históricos; ii – investigación in loco de la formación reciente de periferias con fuerte presencia de la economía popular (sectores informales de servicios y pequeñas empresas); iii – relevamiento del perfil comercial del área central asociado al equipamiento turístico frente a los datos de los ayuntamientos. Se concluye que el insignificante perfil económico productivo ha sido compensado mediante la expansión del comercio y la construcción simbólica e icónica de una ciudad turística vinculada al guaraná, resultando en la formación de circuitos económicos más complejos para la producción de festividades populares y grandes fiestas.
Palabras clave: Perfil económico, Comercio, Funciones urbanas, Turismo.
1 Introdução
O artigo aborda o município de Maués (AM) que faz parte do projeto intitulado “Patrimônio Territorial, Sistemas Territoriais e o papel das cidades para o desenvolvimento de Parintins e Microrregião”1. O objetivo do projeto é aprofundar o entendimento da rede urbana, seus papéis e a composição das dinâmicas socioespaciais dos municípios da microrregião de Parintins, partindo da análise das redes locais de sujeitos e seus sistemas territoriais.
O desafio de entender as cidades na Amazônia a partir da relação com dinâmicas escalares sobrepostas e complexas, requer análise das novas formas de territorialização de redes de sujeitos locais, que incluem em suas ações no território (populares ou dominantes), relações de rupturas ou continuidades com atributos culturais, recursivos (i)materiais arraigados na formação social e histórica, compondo o espaço geográfico.
Levanta-se importante tema para estudos de cidades pequenas em regiões de dinâmicas econômicas estagnadas, que devem considerar forças coercitivas exógenas e macroeconômicas como concorrências/rivalidades entre agentes capitalistas e forças oligopólicas, por exemplo. Desconsiderar as hierarquias inter-regionais seria um grave equívoco, pois o comando maior desse processo está fora dos espaços de análise “tornando-se impositivo estudar a natureza das hierarquias (impostas em variadas escalas) de geração e apropriação de riqueza” (BRANDÃO, 2007, p. 48).
A estiagem prolongada pelo evento extremo El Niño em 2023, tem demonstrado a fragilidade das pequenas cidades amazônicas de maneira drástica, principalmente em setores da Amazônia Ocidental que predomina o transporte fluvial. Desabastecimento devido às secas dos rios, isolamento de populações, perda de safras rurais e impactos socioambientais diversos, são indícios da importância do tema em voga.
Analisa-se o perfil econômico de Maués apresentando a participação de setores econômicos, funções urbanas comerciais e recentes dinâmicas turísticas. Tecemos ainda reflexão sobre a relação entre a expansão urbana da cidade e a propagação de setores informais de serviços populares e pequenos comércios. A metodologia parte de dados secundários (IBGE, SEBRAE, secretarias municipais e estaduais), que compuseram quadros comparativos visando demonstrar a fragilidade das economias dos municípios da microrregião. Sistematizam-se dados formando tabelas salientando a ocorrência de saldos comerciais negativos e a dependência dos municípios das transferências de recursos federais e estaduais.
Outras tabelas construídas apesentam os tipos de microempresas e microempreendedores na composição da economia popular.
Complementa-se a análise com dados obtidos a partir de realização de trabalhos de campo e entrevistas, visando: i - entendimento da expansão urbana a partir de entrevistas e revisão da literatura e documentos históricos; ii – averiguação in locu da formação recente de periferias com forte presença da economia popular; iii – levantamento do perfil comercial da área central associada ao turismo comparando aos dados da prefeitura.
Para traçar o histórico da expansão urbana, optou-se por realizar entrevistas, pois não há, até o momento, bibliografia que sistematize o processo. Sendo entrevistas semiestruturadas, o artifício da história oral torna-se imprescindível nesse quesito. Gravadas e posteriormente transcritas, foram aplicadas a quatro sujeitos-chave na municipalidade: ao presidente da Câmara de Vereadores Rodrigo Bentes (2020 – 2024); ao historiador e professor do Instituto Federal do Amazonas (IFAM), Elias da Silva, que é liderança comunitária e membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Maués; ao escritor e poeta Luisinho Aguiar, membro da academia de letras de Maués; e ao ex-prefeito (1980 – 1985) e ex-vereador (1990 – 2020) Edilson Negreiros. Com finalidade de buscar detalhes nos relatos, os acontecimentos transcritos foram complementados com acesso e análise dos documentos históricos dos poderes legislativo e executivo (LOM, 2014), assim como na secretaria da Paróquia do Município através de consulta ao Livro Tombo. Como resultado, apresenta-se um mapa da expansão urbana por décadas e tipo de formação dos bairros (loteamentos ou ocupações irregulares).
Através de registros fotográficos, georreferenciamento e acesso a documentos municipais, realizou-se descrição de aspectos da economia popular em trabalhos de campo a bairros periféricos. Bares, restaurantes, pousadas e equipamentos de lazer nos bairros Centro e Maresia – Maués, são apresentados em mapa cuja análise denota o grau de centralidade turística, mesclando atributos naturais e elementos simbólico-culturais.
No primeiro momento apresentamos caracterização da microrregião de Parintins na qual Maués está inserida, descrevendo a estrutura territorial como condicionante das dinâmicas e apresentando dados sobre aspectos socioeconômicos. Analisa-se o processo urbano em sua dimensão regional para estabelecer comparações e reconhecer distinções e perfis econômicos. Afirma-se que a entrada de produtos diversos oriundos de outros estados, tem colaborado para a fragilização das economias locais numa desigual competição com outras regiões do país. Assim como os demais municípios da microrregião de Parintins, a inexpressiva produção agrícola de Maués é compensada pela forte dependência de repasses de verbas Federais e estaduais e do funcionalismo público na composição do PIB municipal.
No segundo item descrevemos o perfil comercial de Maués cuja participação na composição econômica se destaca quando comparada às demais cidades da microrregião.
O terceiro item descreve características da expansão urbana e aspectos históricos de Maués, com breve cronologia da formação de bairros periféricos e das novas atividades econômicas relacionadas à recente expansão do turismo e realização de eventos e festas municipais. Aponta-se que a transformação das festividades populares em espetáculos de grande escala destinados à atração sub-regional de público, teve impacto na área central com a formação de pequenos equipamentos de serviço destinados à demanda turística.
Constata-se que a cidade, apesar do perfil produtivo econômico pouco significativo, tem compensado esse baixo dinamismo através da expansão do comércio cujos sujeitos locais realizam esforços na construção simbólica e icônica de cidade turística. Como chamariz das festividades, encampam-se os atributos naturais (praias) e principalmente seu maior signo distintivo, o guaraná. A visibilidade de Maués tem crescido no estado com aumento de fluxos de visitantes e mercadorias, desdobrando na formação de circuitos econômicos mais complexos para a produção de festejos populares e festas de grande porte.
2 Caracterização da microrregião de Parintins e Maués: estrutura territorial, aspectos socioeconômicos e rede urbana
Essa sessão apresenta as características socioespaciais do município de Maués e descrever a estrutura territorial da microrregião de planejamento de Parintins, considerando perfis produtivos. A escolha do recorte espacial da microrregião de planejamento se deve a critérios operacionais, relativos aos papeis de instituições diversas para repensar políticas públicas de desenvolvimento territorial privilegiando municípios do estado do Amazonas (SEDECTI, 2020). Experiências como as do Programa Territórios da Cidadania dos Governos Federais, propostas no período entre 2003 e 2016, utilizaram esse recorte enfocando redes de sujeitos locais através da articulação dos Conselhos de Desenvolvimento Territoriais Rurais (CODETER). Atualmente a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Amazonas (SEDECTI) vem desenvolvendo o Programa InovaSocioBio, com objetivo de mapear e incentivar circuitos produtivos relacionados à biodiversidade com potencial econômico, utilizando esse recorte microrregional. Portanto, visa-se, além de comparar dados dos municípios, analisar o urbano na sua dimensão regional para reconhecer distinções, onde tipologias de cidades associadas a outras estratégias de desenvolvimento territorial fornecem auxílio nas especificações de propostas em políticas públicas (BITOUN, 2009).
Essa delimitação microrregional de propósito operacional não significa desconsiderar as “porosidades”, fluxos e interações multiescalares, assim como as desarticulações e fragmentações. As fragmentações territoriais e a baixa complementaridade econômica entre os municípios na rede são fatores tão importantes quanto as características de coesão. Conexões com a rede paraense também são essenciais (BARTOLI, 2018, 2020), pois há intensificação da circulação de embarcações vindas do Pará nos últimos anos, que vem exercendo polarização sobre a rede amazonense.
A estrutura territorial da microrregião condiciona usos do solo e o desenvolvimento de sistemas de transportes, pois há ausência de ligações terrestres tanto à leste com a rede paraense (salvo pequenas estradas precárias de terra) como no sentido oeste com a metrópole Manaus (figura 1). Maués localiza-se à margem direita do rio Maués-Açú e fica a 356 km de Manaus por via fluvial e 268 km em linha reta. O transporte fluvial é o principal articulador da rede urbana, cujas mediações ultrapassam a funcionalidade técnica e econômica, possuindo dimensões culturais de extrema importância na construção das territorialidades de diversas redes de sujeitos, formando sistemas territoriais.
Essa rarefação de Sistemas de engenharia de grande porte na microrregião como estradas, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e aeroportos, faz com que dois critérios sejam indispensáveis em sua análise: as dinâmicas fluviais e as ribeirinhas. O termo fluvial tem sido utilizado para indicar modalidade de transporte com prevalência do capital mercantil, cujas lógicas de uso dos rios são voltadas à circulação de mercadorias e passageiros com uso de embarcações maiores (predomínio do valor de troca), sendo que em BARTOLI (2017) nomeia esse tipo de rede de sujeitos como Sistema Territorial Urbano-Fluvial (STUF).
O termo ribeirinho é utilizado para indicar reprodução de práticas espaciais e territorialidades associadas a populações interioranas cada vez mais adaptadas e inseridas ao meio urbano: forte referencial simbólico – cultural com temporalidades “lentas”, uso dos rios para finalidades lúdicas, atividades laborais de subsistência e circulação para complemento de renda (predomínio do valor de uso). Com uso de embarcações pequenas e médias, tais populações formam redes pertencente à economia popular informal, interpretadas em BARTOLI (2017; 2018, 2019, 2020) como Sistema Territorial Urbano-Ribeirinho (STUR). As dinâmicas fluviais e ribeirinhas se complementam e se interpenetram de diversas formas.
Na medida que produtos diversos adentram na rede urbana amazonense por meio do estado do Pará, principalmente através do STUF, tendo como primeira parada Parintins (AM), observa-se a enorme quantidade de alimentos importados de outros estados e países, quem abastece o Amazonas (SEDECTI, 2020). Isso demostra a fragilidade relativa à soberania alimentar e tem impactado em mudanças nos hábitos alimentares e na composição da cesta básica regional (MORAES, 2008).
Após percurso realizado por grandes embarcações de ferro, vindas do Pará (navios de ferro, catamarãs e balsas), oriundas dos portos de Santarém e Belém, os produtos são carregados em embarcações de médio porte de madeira até as cidades menores, como Maués e as demais na microrregião. Destas, partem em embarcações pequenas que compõem o STUR, até chegaram em comunidades, vilas e aldeias. O porão e o piso térreo das embarcações são geralmente usados para cargas de mercadorias, veículos, maquinários e combustíveis. O piso superior transporta viajantes acomodados em redes visando acessar serviços de saúde e ensino, realizar transações comerciais, etc.
Trata-se de etapa importante da formação da rede urbana, pois nas embarcações de madeira fabricadas por artesãos locais em estaleiros tradicionais (BARTOLI, 2019), são transportados produtos oriundos do agronegócio e agroindústrias nacionais, cuja economia local amazonense possui baixa condição de competitividade, o que acarreta aumento de importação de frutas e legumes. A melhoria das condições de tráfego da rodovia BR-163 a partir da década de 2010, ligando Cuiabá (MT) a Santarém (PA), tem propiciado que maior quantidade de frutas, verduras, ovos e produtos agroindustriais variados adentrem na rede urbana do Amazonas via Parintins. A importação de ovos vindos dos estados de Goiás e Mato Grosso tem sido igualmente crescente2. Chama atenção itens advindos de localidades distantes, como peras importadas da Argentina, uvas oriundas do Vale do rio São Francisco, abacates de Minas Gerais e maçãs de Santa Catarina, de onde 80% das frutas consumidas no Amazonas são importadas3.
Essa crescente importação de alimentos e formação de déficit na balança comercial do Amazonas (SEDECTI, 2020), está associada à escassa presença de setores produtivos na maioria das cidades interioranas, mas que apresentam outro tipo de complexidade na composição da divisão social e territorial do trabalho que o modelo STUR demonstra. Parte dos produtos agrícolas são importados via município de Parintins chegando a Maués e demais municípios (ADAF, 2015), tendo como origem Santarém (96%), Belém (0,3%), São Paulo (3,65%).
No geral, dinâmicas econômicas estagnadas na microrregião refletem baixa variedade de atividades produtivas das cidades, mesmo em Parintins considerada cidade média de responsabilidade territorial (BARTOLI et al., 2020). Bertha Becker (2013), afirma que tais cidades não cumprem seus papeis na divisão social e territorial do trabalho, relegando-as a funções apenas como lugares centrais.
Essa economia “incompleta” se manifesta também na baixa formação de receita/arrecadação nos municípios da microrregião, que se tornam dependentes de Transferências Federais e estaduais (Tabela 1).
Sobre o Produto Interno Bruto (PIB) o município de Maués ocupa a quarta posição na microrregião de Parintins e 15° posição no Estado do Amazonas (IBGE – 2016), mas se posiciona em 50° quanto ao PIB per capta do Estado, que possui 63 municípios. Com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ocupando a 19º posição no estado, torna-se necessário detalhar seu perfil econômico municipal, descrevendo parte das atividades econômicas existentes e as passíveis de serem potencializadas.
Em quatro dos municípios da microrregião, Barreirinha, Boa Vista do Ramos, São Sebastião do Uatumã e Parintins, o PIB da agropecuária ultrapassa o PIB relativo ao comércio e serviços (tabela 2). A maior parte da renda agropecuária advém da atividade bovina extensiva de pequena escala. Trata-se de aspecto cultural desses municípios cujas populações urbanas possuem poucas cabeças de gado nos interiores mantidas como uma “reserva” ou complemento de renda para as atividades urbanas desenvolvidas pela economia popular. Ao contrário das áreas do sudeste do Pará, sul do Amazonas, Rondônia e norte do Mato Grosso que possuem domínio de grandes pecuaristas, as cidades da microrregião de Parintins tem predomínio de pequenos produtores como demonstra Freitas (2018). Com a elevação do preço da carne bovina em 2020 e 2021, tais atividades possivelmente se tornaram importantes fontes de renda em meio à crise econômica gerada no período da pandemia relativa ao COVID-19.
Nesse contexto, o setor de comércio e serviços de Maués aparece como o principal gerador de empregos, em sua maioria informais (tabela 2), gerando estreita articulação do capital mercantil com a economia popular. O setor se destaca ocupando a segunda maior porcentagem na sub-região, participando com 21,33% do Produto Interno Bruto (PIB) municipal, ficando atrás apenas de Parintins com 25,85% do Produto Interno Bruto (PIB) relativo ao setor de comércio e serviços.
Salta aos olhos na tabela 2 a predominância do setor público na composição da PIB em todos os municípios, sendo que os cargos em prefeituras costumam ser os maiores geradores de postos de trabalhos nas cidades. São cargos obtidos em sua maioria através de nomeação, que traz aos prefeitos vantagem ao apadrinhar seus eleitores, um trunfo na barganha da reeleição. Isso acarreta acúmulo de poder aos prefeitos prejudicando qualquer tipo de alternância democrática.
3 Perfil comercial de Maués
Silva (2010) discute a questão da centralidade no contexto do que poderia ser chamado de estruturação/reestruturação produtiva, retomando teorias que evidenciam que as cidades e as estradas criam determinadas regiões, sendo, portanto, organismos que dirigem o abastecimento regional. A centralidade é considerada como nível de oferecimento de funções centrais por parte de uma determinada cidade para si mesma e para sua região, cujos bens e serviços centrais são oferecidos necessariamente em poucos lugares centrais (conforme indica a teoria de Christaller – 1968 apud Mello e Silva, 2010, p. 43). Obviamente, pelo tipo de estruturação territorial aqui explicada, com baixa composição produtiva industrial e agrícola e predomínio do transporte fluvial, as centralidades na microrregião de Parintins só podem ser entendidas na relação de complementações e sobreposições entre o rural e o urbano. Com trocas intensas entre a economia popular (STUR) e o capital mercantil, as cidades da microrregião de Parintins possuem relações com cidades de maior nível hierárquico como Manaus e a rede urbana paraense (BARTOLI, 2017, 2018a). Outras atividades que tem estimulado a circulação entre as cidades e estas com seus interiores são relativas ao oferecimento de serviços educacionais e de saúde (SCHOR e OLIVEIRA, 2016).
A economia popular que se desenvolve nesse contexto de baixa dinâmica econômica se explicita parcialmente na significativa quantidade de microempreendedores individuais (tabela 3). Maués se destaca em relação aos demais municípios pequenos, posicionado em segundo lugar na microrregião em relação à quantidade de microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais.
As atividades da economia popular onde se encontram populações pobres nas periferias de grandes e médias cidades foram denominas por Milton Santos (2007) como circuito inferior, que viabilizam o consumo urbano. Tais produções com baixos graus de investimento em capital, tecnologia e organização – amiúde denominadas não modernas – encontram abrigo nas grandes manchas metropolitanas, constituindo uma força de concentração (SILVEIRA, 2010). Interpretar a natureza e composição desse setor da economia popular em cidades pequenas da Amazônia tem sido um desafio conceitual e metodológico, se diferenciando das metrópoles. Requer metodologia específica para localidades com dinâmicas fluviais e ribeirinhas intensas e suas escalas com a rede urbana.
Em estudo sobre cidades pequenas, Endlich (2009, p.151) salienta que a forma e o volume do consumo assim como as transformações culturais e de valores que permeiam e estabelecem relações sociais são fatores relevantes para compreender o significado dessas cidades. A autora afirma que o declínio da sociedade rural é característica das cidades pequenas processo que acompanha mudanças no consumo e na diminuição da produção para subsistência, com criação de novos padrões comerciais (ENDLICH, 2009, p. 158). Relativos ao norte paranaense, os estudos de Endlich (2009) apontam que a implantação de rodovias e autopistas com intensificação do uso de automóveis implicou em acesso de populações a cidades vizinhas maiores, causando falência em comércios de pequenas cidades locais. Essa ampliação qualitativa e quantitativa do consumo fez com que a maioria das pequenas cidades perdesse centralidade em relação ao parâmetro do comércio existente em décadas anteriores. Isso não tem ocorrido nas cidades pequenas estudadas com dinâmicas fluviais e ribeirinhas, com manutenção da população rural na última década e onde os acessos às cidades maiores são bem mais difíceis, dispendiosos e demorados. Os setores comerciais da tabela 3 tem reforçado a centralidade dessas cidades, pois atendem uma enorme quantidade de comunidades, vilas, distritos e aldeias indígenas que orbitam ao redor das sedes municipais, como nos exemplos de estudos realizados em Urucará, São Sebastiao do Uatumã, Boa Vista do Ramos e Barreirinha (BARTOLI, 2020 a; 2020 b; 2021). A consolidação de Maués quanto a essa função comercial é semelhante comparado aos demais municípios da microrregião (BARTOLI, 2020 b).
Mas o desenvolvimento do transporte fluvial tem gerado alterações de centralidades nas cidades pequenas da Amazônia nos últimos anos, devido ao desenvolvimento de deslocamentos via lanchas de alumínio, suplantando parte dos deslocamentos lentos dos barcos de madeira. Isso reforçou o papel de entreposto comercial de cidades pequenas com seu entorno imediato. Parte da população costuma se deslocar com frequência para comunidades maiores e mais próximas às sedes, que também possuem pequenos comércios, com vendas de pequena quantidade, pois as compras mensais costumam ser feitas na cidade (BARTOLI, 2020 a; 2020 b; 2021). Outra fração da população desloca-se com frequência menor partindo de comunidades longínquas e de acesso dispendioso de combustível devido à baixa renda das famílias (BARTOLI, 2020 b).
Também em Maués, a produção e consumo funcionam como forças de concentração e dispersão territorial. Trata-se do consumo de itens básicos e serviços prestados por populações de camadas populares (tabela 4). São perfis comerciais e de tipo de serviços mais simples pela existência de classes médias e altas pouco numerosa nas cidades pequenas na microrregião de Parintins.
Grande parcela das empresas formalizadas como MEI, ME ou EPP, estão concentradas nos setores de comércio e serviços. Na tabela 4 são apresentadas as principais atividades desenvolvidas no município, com destaque o comércio varejista de mercearia e minimercados; transporte escolar e comércio de vestuários e acessórios. A maior parte dos estabelecimentos comerciais estão localizados no centro, com elevada densidade e predomínio nas ruas próximas à beira do rio Maués-Açu, diminuindo em direção aos bairros periféricos. Por atenderem as comunidades interioranas e aldeias indígenas, a proximidade dos portos, beiras e rampas centrais torna-se trivial.
Nos bairros periféricos chama atenção três setores de serviços recentes: comércio de peças e serviços para motocicletas, salões de estética e farmácias. Pela recente expansão das periferias em novos bairros oriundo de ocupações irregulares, a substituição de casas de madeira por construções de alvenaria estimulou propagação de vários comércios de materiais de construção pela cidade, contando com 27 estabelecimentos.
4 Expansão urbana
Nesta sessão, são descritas as características da expansão urbana e dos novos equipamentos relacionados a funções de atividades do turismo e realização de festas e eventos municipais. Com início provável no ano de 1.7984, o município de Maués tem atualmente população estimada de 65.040 pessoas, com 50.5% da população tendo rendimentos mensais de até meio salário-mínimo (IBGE, 2010). Discutir o acelerado processo de urbanização em curso na Amazônia hoje, requer entendimento dos papeis que as sedes desempenham para estimular políticas públicas almejando melhorias quanto ao agravamento do cenário de pobreza.
O espaço intraurbano de Maués possui particularidades comuns com às demais cidades da microrregião de Parintins, pois estruturou-se a partir de dinâmicas fluviais e ribeirinhas diferenciadas quando comparadas às redes urbanas restantes do Brasil majoritariamente estruturadas por transportes rodoviários e aeroviários. A primeira particularidade se refere às fases de atividades econômicas5 passadas que não causaram mudanças substanciais na estruturação da morfologia urbana de tais cidades. O início da expansão urbana ocorre na década de 1950 quando surgem os bairros Maresia e Eden. Pela natureza dessas atividades econômicos a partir de surtos e declínios (desde o fim do século XIX às demais atividades mais breves como cacau, juta e pau-rosa), cidades da microrregião não foram capazes de formar circuitos econômicos completos com divisões sociais e territoriais do trabalho mais complexas. Tampouco formaram papeis de complementaridade e intercâmbio entre as sedes da rede com densidade no uso de territórios de seus entornos. Esses fatores pouco alteraram as formas urbanas até as décadas de 1970 (BARTOLI; PINHEIRO, 2022)
Na paisagem atual, as formas arquitetônicas herdadas das fases de atividades nessas cidades são pouco numerosas, com alguns poucos casarões e galpões pequenos de armazenamento de mercadorias de juta, pau-rosa ou borracha. O maior impacto na estruturação do plano urbano e paisagem ocorreu justamente após a crise desses “ciclos” (BARTOLI, 2017), com repentinos declínios produtivos e migração de populações para áreas periféricas das cidades. O estabelecimento de serviços de ensino e saúde públicos nas sedes também foram e ainda são motivadores do processo de êxodo rural (SCHOR e OLIVEIRA, 2016).
Obviamente, que, aos olhares mais atentos, as heranças do processo de reterritorialização de populações para as cidades é perceptível na arquitetura vernacular (moradias de madeira, palafitas e até mesmo os barcos), nos hábitos alimentares e principalmente nas beiras de rio onde dinâmicas ribeirinhas se hibridizam com dinâmicas mais modernas da economia atual.
Ocupações irregulares e loteamentos que se tornaram bairros são processos observados em todas as cidades da microrregião, sendo a segunda característica comum entre Maués e as demais pela formação das periferias, seguindo padrões similares de crescimento a partir de loteamentos e ocupações irregulares após a década de 1970 (BARTOLI e PINHEIR0, 2022). O bairro Santa Luzia surgiu a partir das obras de construção do Conjunto habitacional da SUHAB (1985-1986), tendo ocupação das áreas de entorno em seguida por moradores oriundos de famílias da zona rural. Esse é o maior bairro da cidade atualmente.
Nesse sentido, Oliveira (2000), afirma que o processo de urbanização na Amazônia não se dá necessariamente apenas pela presença de cidades na paisagem regional (urbanização do território), mas principalmente pela difusão da sociedade urbana, que expande, igualmente, a influência urbana. Para o autor, a generalização do fenômeno urbano na Amazônia é discutida a partir da identificação de processos contraditórios, baseados num tripé: a destruição de formas espaciais existentes, a criação de resistências e a reconstrução de formas e conteúdos espaciais dotados de novas dimensões e significados. Concebe que a prática socioespacial, lugar geográfico da ação social, é reveladora de constituir alternativas de liberação de relações na cidade.
A figura 2 apresenta expansão urbana de Maués por décadas, onde os bairros oriundos de loteamentos e ocupações irregulares que se intensificaram a partir de 1980 com a formação do Donga Michiles. Outros trechos de loteamentos surgiram posteriormente como o Senador José Esteves (2001), São Domingos e São Lázaro (2010) e a recente ocupação irregular Nova Vitória (2016).
Em 2001, surgiu o bairro Senador José Esteves a partir da doação de casas de madeira para a população. Em 2008, teve início outra etapa de expansão do bairro por meio do programa Minha Casa Minha Vida. Nesses bairros são numerosas as pequenas atividades relativas a prestação de serviços e comércios populares, perceptíveis na paisagem em pequenos boxes de conserto de ventiladores, manutenção de motos e bicicletas, bancas de frutas e peixes, venda de marmitas, mercadinhos, barraquinhas de churrasco, etc., que não possuem registros como MEI, ME ou EPP, sendo subvalorizados nos dados gerais do perfil econômico municipal (Tabela 4).
A terceira característica comum refere-se à difusão da mobilidade intraurbana, pautada nas últimas décadas por rápida expansão e predomínio atual de motocicletas (PINTO e SCHOR, 2013), com uso intenso de bicicletas. Isso tem estimulado a expansão urbana de forma dispersa, sendo constatado que não há sistema de transporte público nas sete cidades da microrregião de Parintins, apenas convênios municipais e federais para transportes escolares e disseminação de cooperativas de mototaxistas. Constata-se formação de fragmentos urbanos dispersos nas periferias e espaços periurbanos em toda microrregião.
Nota-se ainda a crescente presença de indígenas pertencentes à etnia Sateré-Mawé nos bairros periféricos de Maués (RADICCHI, 2020), cuja intensificação dos deslocamentos entre aldeias e a cidade via transporte fluvial tem sido determinantes para o aumento do fluxo de migrações paras as cidades. Esse processo está relacionado também com as transformações econômicas, sociais e culturais no interior das comunidades indígenas, tendo como pano de fundo a degradação das condições de subsistência nos territórios onde elas se situam e a desestruturação do modo de vida tradicional (TEIXEIRA et al., 2009).
5 Festividades e funções turísticas na terra do guaraná da Amazônia
Maués é regionalmente conhecida como Terra do Guaraná. Apesar da forte presença de empresas que compõem circuito local da compra e processamento do produto, a transformação do guaraná em atributo mercantil com forte viés simbólico cultural ocorre também na formação do Consórcio de Produtores Indígenas Sateré-Mawé. Através da produção e exportação do guaraná com certificação de origem6, vinculados à rede de comércio justo internacional, o Consórcio tem, nas últimas 3 décadas, intensificando relações com escalas e esferas institucionais diversas, variando desde apoios do estado, ONGs, a redes de comércio (BARTOLI, 2015). A cidade passa a ser nó estratégico para a reconstrução do território-rede por parte de alguns integrantes da etnia, principalmente Parintins (AM), sede do consórcio (cuja marca chama-se Nusoken). Com o fortalecimento do consórcio, os indígenas passaram a realizar diversas ações de coordenação da rede de produtores, denotando coesão do grupo e conquista de “trunfos” no processo de re-territorialização da etnia. Esse processo tem permitido a superação de relações de dependências históricas, contando com o espaço urbano como nó estratégico nas ações do grupo, ou seja, há uma clara expansão na forma de territorialização da etnia, segundo a qual elementos simbólicos, ambientais, culturais são ativados em torno da construção da mercadoria “waraná” (BARTOLI, 2015, 2017).
Em relação aos aspectos da elite local de Maués, sua consolidação está possivelmente relacionada às atividades mercantis das décadas posteriores ao fortalecimento da Zona Franca de Manaus (1980) e do Polo Industrial (1993), temas para aprofundamentos de estudos posteriores. Não notamos evidências de que a expansão do cultivo do guaraná tenha constituído fortalecimento de uma elite local vinculada a essa atividade, tendo em vista que o controle da rede de compras e domínio do preço do produto é realizado por empresas transnacionais. Sobre esse contexto, Costa (2017) destaca que os cultivadores do guaraná estão inseridos no processo da monopolização do território pelo capital transnacional no município de Maués, e que a chegada da Empresa Paulista Antártica (atual Companhia de Bebidas das Américas - AMBEV), em 1964 foi um dos fatores que certamente influenciou no aumento da demanda e na produtividade do guaraná na região do baixo Amazonas. Posteriormente, a Coca-Cola passou a influenciar na comercialização sub-regional de concentrado de guaraná, implicando controle dos preços por parte das duas empresas, tendo reforçado relações de exploração e dependência dos produtores que obtém menores lucros.
Como visto na Tabela 2, o PIB relativo ao setor agropecuário de Maués é o menor na microrregião. Portanto, aparentemente não há indícios que o cultivo de guaraná e sua acumulação de capitais tenha gerado grandes alterações na morfologia urbana ou nos investimentos locais de capital. Assim, o processo urbano estaria muito mais relacionado ao cultivo do guaraná através da renda auferida pelos camponeses e suas interações no consumo urbano de itens complementares, fortalecendo o comércio local e as redes relativas ao capital mercantil metropolitano.
Outro aspecto importante, relacionado ao guaraná, é sua transformação de elemento simbólico-cultural redirecionado e ressignificado como mercadoria e atrativo midiático para promoção das festividades locais, numa intensa economia de eventos. Maués obteve destaque na mídia regional a partir da propagação de imagens relacionadas às marcas das empresas de bebidas, o que rendeu artifício simbólico de “terra do guaraná da Amazônia”. Nos municípios e comunidades estudados da microrregião, nota-se forte influência da religião católica por meio das festas de devoção aos santos padroeiros dos lugares, mesmo com a expansão rápida da influência de igrejas evangélicas, contrárias a esse tipo de festejos, as festas de santo são em maior número. Festas relacionadas aos principais produtos agrícolas comercializados pelos municípios coincidem com épocas de colheita de legumes, tubérculos, frutas, castanha, cereais ou até mesmo com a pesca. Esses dois tipos de festividades – calendário religioso e calendário agrícola - são os mais populares, atraindo grande número de visitantes aos municípios e comunidades. Mário Ypiranga Monteiro (1983, p.43) abordou tais manifestações como festas profano-religiosas no Amazonas: “concentrações festivas que favorecem no interior do Estado a expansão do pequeno comércio de troca nos flutuantes (...). São festas de enorme atração social”.
Tais festas movimentam os setores mercantis urbanos pela venda de estivas e alimentos, montagem de equipamentos de som, oferta de hospedagens e venda de passagens formando calendário municipal de circuito de festividades. Os principais festejos de Maués são a festa da padroeira da cidade, Festa de São Sebastião (em janeiro), Nossa Senhora da Conceição (em 08 de dezembro), Festival Folclórico da Ilha de Vera Cruz de (11 a 13 de julho), Festa do Divino Espírito Santo (de 31 de maio a 08 de junho), Aniversário de Maués (dias 24 e 25 de junho), o Festival de Verão de Maués (setembro) e a tradicional Festa do Guaraná (novembro), que celebra a maior produção de guaraná no estado do Amazonas.
Exemplo da transformação de um festejo popular local em evento de escala regional é a Festa do Guaraná de Maués, que é uma das principais manifestações culturais entre os municípios de interiores do Amazonas. Realizada há 38 anos, tem sua origem associada à celebração da colheita da safra do guaraná, fruto cultivado pelos indígenas desde os primórdios na região de Maués (CARNEIRO, 2012). Geralmente, ocorre no último fim de semana do mês de novembro, coincidindo com época da colheita. Reúne milhares de pessoas do próprio município, cidades vizinhas, comunidades ribeirinhas, aldeias e da capital Manaus atraídos pelos shows musicais de atrações nacionais, potencializando o turismo e a economia local7.
A 38º edição da Festa do Guaraná de Maués, em 2017, reuniu mais de 50 mil pessoas da Praia da Ponta da Maresia e injetou R$ 10 milhões na economia local, segundo dados divulgados pela Prefeitura de Maués8. Realizada pela Prefeitura de Maués recebe aporte financeiro do Governo do Estado do Amazonas, e patrocínio da Companhia de Bebidas das Américas – Ambev, principal financiadora do evento e grande responsável pelo seu marketing a nível nacional e internacional.
A inserção de festividades populares no circuito de espetacularização de grandes eventos tem gerado alterações nas formas e conteúdo, com ganhos vultosos aos setores dominantes nesse circuito: bebidas, montagem e aluguel de engenharia de som, setores de transporte fluvial, etc. São processos que se assemelham ao afamado festival de Parintins, onde o “mercado faz a festa na floresta” (NOGUEIRA, 2000), ocasião em que a performance do evento supera a festa de comemoração (colheita do guaraná, no caso de Maués), e se conduz em um produto de alta tecnologia, mercadoria adaptada ao gosto dos promotores (AZEVEDO, 2010).
A figura 3 e a tabela 5 demostram como o circuito de festividades e eventos concentra prestação de serviços destinados ao setor de turismo nos bairros Centro e Maresia, fato presenciado na microrregião somente na cidade de Parintins. O centro de Maués é a área mais dinâmica da cidade, possuindo prédios públicos, catedral, concentração do comércio, bancos, serviços e equipamentos de lazer. As praias urbanas como a Ponta da Maresia e Antárctica (figura 3), formam uma área de balneabilidade de cerca de 2.400 metros em frente à sede do município nos bairros Centro e Maresia. Dotadas de areias brancas, águas calmas, iluminação noturna e fácil acesso, tais características do sítio são propícias para a reconfiguração de funções das avenidas Antártica e Pereira Barreto, que apresentam grande concentração de estabelecimentos de alimentos e bebidas e hospedagens. Um ponto positivo aparece no amplo calçadão rente à beira-rio da avenida Antártica, propiciando boa mobilidade e acessibilidade da população para usos diversos das margens, que servem tanto como atracagem de embarcações como em apropriações lúdicas e lazer. Essa qualidade rara do espaço público nas beiras de rio é um dos atrativos da cidade.
Considerações finais
Condicionada à estruturação territorial de conexões fluviais que dominam os fluxos na rede urbana, Maués torna-se importante entreposto comercial na microrregião, abastecendo seus entornos diretos. Em relação ao espaço intraurbano em rápida expansão, vem conformando uma gama de outros comércios populares periféricos menores. A sobreposição de escalas que dinamizam a economia local, se manifesta na dependência de produtos oriundos de redes externas (domínio de Manaus como fornecedor) mas com influência da rede urbana paraense. Essa situação geográfica reticular interage com uma formação territorial histórica com forte presença indígena, camponesa e ribeirinha, na qual uma intensa transfiguração de diversas dimensões da cultura popular (simbólica, material, econômica em meio a uma socionatureza privilegiada) tem sido capitaneadas para a produção de festejos populares cada vez mais imbuídos de lógicas mercantis e de espetacularização.
A construção de uma imagem de cidade turística, aumenta a visibilidade no estado do Amazonas, atraindo fluxos de pessoas, mercadorias e circuitos complexos para a produção de festas espetacularizadas. Isso imprime rebatimentos intra-urbanos. A cidade do guaraná apresenta preocupante quadro de economia fragilizada, mas com virtualidades importantes nas territorialidades complexas de suas populações.
REFERÊNCIAS
ADAF. Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do estado do Amazonas. Mapa de Controle Mensal de emissão de GTAs Interestadual e Intraestadual, 2014.
AZEVEDO, L. L. E. Boi Bumbá de Parintins (AM) y Çairé (PA), (re) configuraciones: fiestas, espectáculos institucionalizados, medios y turismo. Punto Cero, v.15, n.20, Cochabamba: 2010.
BARTOLI, Estevan. Ações Indígenas Sateré-Mawé na Cidade de Parintins (AM) e a Formação de Sistemas Locais Territoriais Urbano-Ribeirinhos. In: Anais Simpósio Nacional de geografia Urbana (SIMPURB), CD-room. Fortaleza: UFCE. 2015.
BARTOLI, Estevan. O Retorno ao Território a partir da cidade: Sistemas Territoriais Urbano-Ribeirinhos em Parintins (AM). 2017. 297f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Preseidente Prudente, 2017.
BARTOLI, Estevan. Cities in the Amazon, Territorial Systems and the Urban Network. Mercator, v. 17, e17027, p. 1-16, 2018a.
BARTOLI, Estevan. Tilheiros: carpintaria naval e sistemas territoriais em Parintins-AM. Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFPR), v. 51, p. 43-62, 2019
BARTOLI, Estevan. Cidades Pequenas na Amazônia e Ordenamento Territorial: Redes de Sujeitos Locais e as Redes Urbanas de Urucará (AM) e São Sebastião do Uatumã (AM). Geoingá: Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia Maringá, v. 12, n. 1, p. 80-105, 2020a.
BARTOLI, Estevan. Cidades pequenas na Amazônia: sítio, situação e sistemas territoriais de Barreirinha (AM). Revista de Geografia e Ordenamento do Território (GOT), nº 19 (junho). Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território, p. 132-157, 2020b.
BARTOLI, Estevan. A Sub-região do Baixo Amazonas e Boa Vista do Ramos / AM. Revista Pixo, n.19, v.5, p. 348 – 364, 2021.
BARTOLI, Estevan; SCHOR, Tatiana; OLIVEIRA, José Aldemir. Cidades Médias na Amazônia: ampliando percepções sobre a responsabilidade territorial de Parintins (AM). Terra Plural, 2020.
BARTOLI, Estevan; PINHEIRO, Heitor. Atlas de Parintins e Microrregião – Planejamento Territorial e Urbano. Manaus, EDUA, 2022.
BECKER, B. A Urbe Amazônida. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.
BITOUN, J. Tipologia das cidades brasileiras e políticas territoriais: pistas para reflexão. in: ______. MIRANDA, L. (orgs.). Desenvolvimento e Cidades: Contribuições para o Debate sobre as Políticas de Desenvolvimento Territorial. Rio de Janeiro: FASE, Observatório das Metrópoles, 2009.
BRANDÃO, Carlos Antônio. Território e Desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
CARNEIRO, A.P. Memórias do Município de Maués. Manaus: Governo do Estado do Amazonas – Secretaria de Estado de Cultura, 2012.
COSTA, Luís Fernando Belém da. Cultivadores de guaraná: um estudo do processo de monopolização do território pelo capital no município de Maués-AM. (Dissertação), Mestrado em Geografia, Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2017.
ENDLICH, A. M. Pensando os papéis e significados das pequenas cidades. São Paulo: Ed. Unesp, 2009.
FREITAS, Carlos Alberto. o matadouro frigorífico Osório Melo no Município de Parintins enquanto nódulo mediador no ordenamento territorial. Monografia de Conclusão de Curso Licenciatura em Geografia - Universidade do Estado do Amazonas, UEA/CES/Parintins, 2018.
OLIVEIRA, J. A. Cidades na Selva. Manaus: Valer, 2000.
SANTOS, M. Economia Espacial. São Paulo: Edusp, 2007.
SILVEIRA, M.L. Região e Globalização: pensando um esquema de análise. Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 15, núm. 1, enero-abril, 2010, p. 74-88
SCHOR, T.; OLIVEIRA, J. A. Parintins: a geografia da saúde na formação da cidade média de responsabilidade territorial no Amazonas. In: BARTOLI et al. (org.). Parintins: Sociedade, Territórios e Linguagens. Manaus: EDUA, 2016.
SEDECTI. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação. Produto Interno municipal. Manaus, 2020.
SILVA, Sylvio Bandeira de Mello. Cidades pequenas e médias: reflexões teóricas e aplicadas. In: LOPES, Diva Maria Ferlin, HENRIQUE, Wendel (orgs). Cidades médias e pequenas: teorias, conceitos e estudos de caso. Salvador: SEI, 2010. 250 p.
MAUÉS. Lei Orgânica do Município de Maués, 2014. Disponível em: https://www.transparencia-am.com.br/MAUES/SISPREV/PLANEJAMENTO_LOA/2014/LOA-2014.PDF. Acesso em: 14/04/2022
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Cultos de santos & festas profano-religiosas. Manaus: Imprensa Oficial, 1983.
MORAES, A. O. “peixe, farinha e frango congelado: rede urbana e alimentação na calha do rio Solimões.” In: ENCONTRO NACIONAL DE GEÓGRAFOS (ENG). 15, 2008, São Paulo. Anais [...]. São Paulo, 2008.
NOGUEIRA, W. O Mercado faz a festa na floresta. Somanlu: Revista de Estudos Amazônicos do Programa de Pós-graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas. Ano 1, n. 1 (2000 - ). Manaus: Edua/Capes, 2000.
PINTO, M. A. T.; SCHOR, T. Precarização Sobre duas rodas: uma análise do serviço de moto táxi nas cidades de Itacoatiara e Parintins, Amazonas. Caderno Prudentino de Geografia, Presidente Prudente, n.35, v.2, p.5-27, ago./dez.2013.
RADICCHI, Marcelo Rocha. Visibilidade do indígena em situação urbana nas microrregiões do estado do amazonas a partir do censo demográfico. Espaço Ameríndio, v. 14, n. 2, p. 88, 2020.
SEBRAE/AM. Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Amazonas. Perfil dos municípios do estado do Amazonas. Home page: www.sebrae.com.br/sites/portalsebrae/ufs/am
TEIXEIRA, P. Sateré-Mawé: retrato de um povo indígena. Manaus: UNICEF/FNUAP, 2005. 147 p.
TEIXEIRA, P.; MAINBOURG, E. M. T; BRASIL, M. Migração do povo indígena Sateré-Mawé em dois contextos urbanos distintos na Amazônia. Caderno CRH, Salvador, v. 22, n. 57, p. 531-546, Set./Dez., 2009.
Notas