Resumo: Este artigo objetiva contribuir com a análise das pequenas cidades como parte ativa da dinâmica geoeconômica regional do Oeste catarinense, situada no Sul do Brasil. Trata-se de uma região que se desenvolveu tecnologicamente a partir da segunda metade do século XX e constituiu no seu interior uma rede urbana complexa e diversa. Uma vez que a região possui a rede urbana formada majoritariamente por pequenas cidades, cuja população dificilmente ultrapassa os 30 mil habitantes, levanta-se a questão do papel de complementaridade entre os centros urbanos desse recorte territorial. Metodologicamente, o artigo foi desenvolvido a partir do instrumental teórico da ciência geográfica e procedimentos metodológicos qualitativos, quantitativos e exploratórios. Chegou-se à conclusão de que as pequenas cidades são responsáveis por importante parcela da movimentação econômica regional e contribuem para o desenvolvimento regional e urbano. Ademais, no Oeste catarinense foi produzida uma relevante complexidade geoeconômica, por meio da dinâmica dos agronegócios e o papel das pequenas cidades na economia regional e nas redes de transporte.
Palavras-chave: Dinâmica geoeconômica, Complexidade econômica regional, Oeste catarinense, Rede urbana, Pequenas cidades.
Abstract: This article objective contribute with the analysis of the small cities as part active of regional geoeconomic dynamic of West catarinense, located in South of Brazil. It is a region that developed technologically from the second half of the twentieth century and constituted in its interior a complex and diversity urban red. Since the region has an urban network formed mostly by small towns, whose population hardly exceeds 30 thousand people, the question arises of complementarity between the urban centers of this territorial area. Methodological, the article was development from theoretical instrumentally of geography science and qualitative, quantitative and exploration methodological procedures. It concluded that small cities are responsible by important part of the regional economic movement and contributed to regional and urban development. Moreover, in West catarinense was produced one relevant geoeconomic complexity, through the dynamics of agribusiness and the role of small towns in the regional economy and transport networks.
Keywords: Geoeconomic dynamic, Regional economic Complexity, West catarinense, Urban network, Small cities.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo contribuir con el análisis de las pequeñas ciudades cómo parte activa de la dinámica geoeconómica regional del Oeste catarinense, ubicada en el Sur de Brasil. Se trata de una región que se desarrolló tecnológicamente a partir de la segunda mitad del siglo XX y constituyó en su interior una red urbana complexa y diversa. Una vez que la región tiene la red urbana formada mayoritariamente de pequeñas ciudades, cuya población difícilmente es superior a 30 mil personas, se levanta la cuestión del papel de complementariedad entre los centros urbanos del recorte territorial llevado en consideración. Metodológicamente, el artículo fue desarrollado desde el instrumental teórico de la ciencia geográfica y procedimientos metodológicos cualitativos, cuantitativos y exploratorios. Se llegó a la conclusión de que las pequeñas ciudades son responsables por importante parcela de la movimentación económica regional y contribuyen para el desarrollo regional y urbano. Además, en el Oeste catarinense fue producida una relevante complexidad geoeconómica, por medio de la dinámica de los agronegocios y el papel de las pequeñas ciudades en la economía regional y en las redes de transporte.
Palabras clave: Dinámica geoeconómica, Complexidad económica regional, Oeste catarinense, Red urbana, Pequeñas ciudades.
Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial
Dinâmica geoeconômica e a rede de pequenas cidades no Oeste Catarinense
Geoeconomic dynamics and the network of small cities in the West catarinense
Dinámica geoeconómica y la red de pequeñas ciudades en Oeste catarinense
Recepción: 24 Abril 2023
Aprobación: 01 Noviembre 2023
As cidades são formas de assentamentos humanos, que a cada período histórico cumprem determinados papéis políticos, econômicos, sociais e culturais. Ao mesmo tempo, elas concentram e dispersam os fixos e fluxos da urbanização, para pensarmos na terminologia proposta por Santos (1988). Também cumprem um papel importante no progresso técnico e nas transformações da sociedade como um todo.
No Brasil, é comum encontrarmos, no campo da Geografia urbana, diferentes classificações tipológicas das cidades envolvendo rede e hierarquia urbana. Essas classificações, baseadas em visões quantitativas sobre a distribuição espacial da população, no entanto, por vezes não permitem um avanço teórico e de análise. Para compreendermos a gênese e os papéis recentes dos lugares, precisamos sair das formas e avançar em direção às formações: no estudo das cidades pequenas, a tarefa de entende-las como formas transitórias e em processo é central. Sobre isso, corroboramos com a literatura geográfica dedicada ao assunto dos centros urbanos menos complexos, conforme mostraram Corrêa (1999), Fresca (2001; 2010; 2010), Endlich (2009), Casaril (2014) e Dias (2019). A partir de uma análise qualitativa que busca situar a cidade em foco no seu contexto regional, na interação com a rede urbana – da qual é um elo –, da divisão territorial do trabalho e do nível de complexidade das suas funções e atividades, podemos avançar para análises mais próximas da realidade concreta.
Com a expansão da industrialização e da urbanização desde a década de 1930, observamos a gradativa complexificação técnico-produtiva em diferentes regiões do Brasil. Muitas das cidades podem ser compreendidas, no presente, como portadoras de um certo nível de complexidade nas suas atividades produtivas, a partir das quais emergem múltiplas interações espaciais. Com base em estudos recentes, como “Regiões de Influência das Cidades – REGIC” (IBGE, 2020), podemos apontar que há a predominância de centros urbanos menos complexos, compreendidos como centros locais e cidades pequenas, para nos referirmos à proposição de Fresca (2010). Tanto do ponto de vista demográfico quanto das atividades produtivas, são centralidades que têm papéis urbanos variados, todavia, não superam a densidade econômica de cidades consideradas grandes e médias.
No âmbito dos estudos em desenvolvimento regional e urbano, as cidades do Brasil podem ser analisadas em vieses distintos, conforme demonstram os estudos do IBGE (2017; 2020), de geógrafos (FRESCA, 2017; CORRÊA, 2012), economistas (MCCANN, 2001; MONASTÉRIO e CAVALCANTE, 2011), dentre outros. Esses estudos, grosso modo, evidenciam o relevo econômico que as grandes e médias cidades imprimem sobre consideráveis áreas territoriais. Entretanto, existe uma lacuna nos estudos em geografia urbana, regional e econômica para evidenciar o papel das pequenas cidades (em geral, considera-se cidades até 30 mil habitantes)1 nas dinâmicas econômica e urbana de uma determinada região. Por essa razão, cabe a indagação: as pequenas cidades, pela pequenez populacional ou de riquezas produzidas, tendem a desaparecer na geografia urbana regional? A importância das pequenas cidades deve ser diminuída nos estudos de geografia urbana?
A compreensão do papel da rede de pequenas cidades nos estudos regionais de geografia econômica e urbana podem contribuir para entendermos as dinâmicas geoeconômicas e urbano-regionais. Ao considerarmos diferentes recortes regionais da realidade brasileira, são muitas as cidades que contam com populações reduzidas e com movimentação econômica notadamente pequena, se comparado às cidades de maior porte. Conforme dados populacionais, no ano de 2021 o país contava com 3.770 municípios com a população residente estimada em menos de 20 mil habitantes, o que representa 67% dos municípios brasileiros. Na região Sul do Brasil, somam um total de 919 municípios, ou seja, 77% do total; já no estado de Santa Catarina são 224 municípios ou 76% do total; por fim, na região Oeste catarinense2 são 103 municípios, ou seja, 87% do total, com menos de 20 mil habitantes (IBGE, 2021).
A mesorregião Oeste catarinense, recorte territorial do presente artigo, é composta por 118 municípios3. Na referida região, os 103 municípios com menos de 20 mil habitantes somam 547.320 pessoas, ou seja, 42,3% da população. Por outro lado, os 15 municípios com mais de 20 mil habitantes somaram 746.708 pessoas (57,7% do total – IBGE, 2021). Desse ponto de vista, as cidades consideradas pequenas mostram, conjuntamente, importante participação no cômputo da população total da região. Do ponto de vista econômico, os mesmos 15 municípios com mais de 20 mil habitantes somaram 61,4% do PIB da região, ao passo que os 103 municípios com menos de 20 mil habitantes somaram 38,6% do PIB. Vale destacar que enquanto cidade média de importante papel na rede urbana brasileira, Chapecó tem preponderância no comando político e produtivo do Oeste catarinense. Contudo, essa influência – está entre os 48 centros urbanos de maior centralidade no país – não é desconectada das chamadas cidades pequenas.
Neste sentido, apesar de as cidades pequenas participarem mais do ponto de vista populacional do que do ponto de vista da geração de riquezas, no caso da região Oeste catarinense, os dados evidenciam a necessidade das análises regionais, sejam elas econômicas, geográficas, sociais ou políticas; estarem imbuídas do que acontece nas pequenas cidades.
Por essa razão, o presente artigo tem por objetivo contribuir na análise das pequenas cidades como parte ativa da dinâmica geoeconômica regional. Neste caso, tratamos de focar na mesorregião Oeste catarinense, considerando suas características e formação socioespacial. Para isso, do ponto de vista metodológico a construção do artigo valeu-se de quatro passos: 1) explorações bibliográficas teóricas e temáticas; 2) levantamento de dados; 3) tabulação, sistematização e organização dos dados e da bibliografia; 4) análise e tratamento dos dados em cruzamento com a bibliografia levantada.
O texto está dividido em duas partes, além dessa introdução e das considerações finais. Na primeira, apresentamos uma síntese sobre a formação socioespacial no contexto da região Oeste catarinense, com ênfase nas transformações técnicas e produtivas que forjaram a atual rede de cidades na região. Na segunda parte, aprofundamos o debate a partir da geoeconomia regional, enfocando na dinâmica econômica e industrial e no sistema de circulação e dos transportes, na busca de contribuir para a discussão de que as pequenas cidades têm relevância para estarem implícitas nas análises regionais.
Para compreender, brevemente, o processo de formação econômica e social do Oeste catarinense utilizaremos como base Santos (1977), Marx e Engels (2011), Mamigonian (1996) e Lênin (1974). Trata-se de um conjunto de autores que dão embasamento teórico para a compreensão do processo de formação socioespacial com especificações da região Oeste catarinense e seu papel no desenvolvimento do capitalismo em áreas do Sul do Brasil.
Essa base teórica, que pode ser entendida como a utilização de um método específico, leva em conta, dialeticamente, a natureza e a sociedade, ao mesmo tempo em que promove condicionantes gerais e específicos numa abordagem em caráter de totalidade, “através da qual toda a formação social é entendida como espacial e temporalmente determinada” (PEREIRA, 2003, p. 99). A categoria formação socioespacial (SANTOS, 1977) é derivada da teoria da formação econômica e social de Marx e Engels (2011). Conforme Santos (1977), a categoria formação socioespacial foi criada para compreender a evolução de uma sociedade dada em sua realidade concreta. Ela deve ser entendida em conjunto da noção de espaço geográfico (produto e condição de reprodução das relações sociais), passando então a assumir o status de formação histórica e geograficamente localizada. Por isso, cada formação socioespacial é singular, onde os processos gerais interagem com as características particulares, gerando combinações geográficas específicas (CHOLLEY, 1964).
À essa luz, pode-se inferir que a região Oeste catarinense está inserida no contexto de consolidação das fronteiras territoriais no Brasil meridional (final do século XIX e início do século XX). Durante o período de ocupação das terras no Oeste do estado, havia certo medo, por parte do governo brasileiro, de perder essas terras para a Argentina. Portanto, ocupa-las fazia parte da estratégia de governo para demarcar as terras visando não as perder para a Argentina nas discussões que envolviam a Questão de Palmas ou de Missiones4, em 1895 (HEINSFELD, 1996). Desse modo, as terras ao ocidente de Santa Catarina começaram a ser demarcadas e comercializadas pelas companhias colonizadoras. Tratou-se de um movimento combinado da ocupação e expansão da fronteira agrícola para o Oeste catarinense.
A demarcação das terras e a exploração da madeira se configuraram em grandes negócios para as companhias colonizadoras, sobretudo na primeira metade do século XX. Antes de tomar a posse da terra, os colonos assinavam acordos com as companhias, concordando que elas retirassem das terras as árvores de maior valor comercial (Araucária, Grápia, Cabriúva, Angico, Cedro, dentre outras). Segundo Goularti Filho (2016, p. 71),
Entre as companhias colonizadoras, a maior era a Brazil Development and Colonization, que recebeu 569.057 ha de terra e fazia parte do poderoso truste norteamericano Farquhar. Esta empresa também era proprietária da ferrovia e da serraria Southern Brazil Lumber & Colonization Company. Destacavam-se também as firmas gaúchas Bertaso e Maia & Cia., que receberam 224.924 ha e colonizaram Chapecó; a empresa Chapecó Pepery Ltda.; com 345.254 ha, que colonizou Mondaí; a construtora e colonizadora Oeste catarinense, com 76.473 ha; a Firma Companhia Territorial Sul Brasil, com 30.576 ha, que colonizou Itapiranga. Ao todo, essas seis companhias detinham mais de 1,3 milhão de hectares.
Além do cenário de divisão de terras instalado no Oeste catarinense, também motivou a vinda dos colonos gaúchos para Santa Catarina “a falta de novas áreas a serem colonizadas e as transformações da economia fumageira em Santa Cruz nos anos 1940 e 1950” (GOULARTI FILHO, 2016, p. 71). Ademais, o vale do rio dos Sinos (São Leopoldo, Novo Hamburgo, Igrejinha) e do rio Caí (São Sebastião do Caí, Montenegro), as áreas de cima da serra (Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Farroupilha, Gramado, Canela, Garibaldi) e o próprio Oeste catarinense também foram áreas de onde muitos colonos emigraram para a região Oeste e extremo Oeste catarinense. Assim, a base do processo de ocupação do Oeste catarinense foi motivada pela possibilidade desses colonos se reproduzirem em pequenos lotes de terra (áreas que variavam de 5 ha até 40 ha) enquanto pequena produção mercantil5.
A chegada dos imigrantes do Rio Grande do Sul no Oeste catarinense representou a possibilidade de implementação de novas estratégias produtivas e econômicas. Essas ocorreram em um momento de aprofundamento das relações capitalistas de produção. Mamigonian (1996), em convergência com a categoria formação socioespacial de Santos (1977), salienta que qualquer estudo rigoroso sobre formação socioespacial deve levar em conta a espacialização e a localização das atividades produtivas, como Lênin (1974) fez ao estudar o desenvolvimento do capitalismo na Rússia (Lênin foi um dos intelectuais que melhor analisou economias nacionais, suas inserções no mundo e as regiões existentes dentro delas).
Com a instalação dos imigrantes ítalo-gaúchos na região (Espíndola, 1999), nasceram os chamados núcleos coloniais, cujas atividades econômicas desenvolvidas, além da agricultura, davam conta de suprir as necessidades iniciais dos primeiros colonizadores. Esses primeiros núcleos coloniais foram responsáveis pelo surgimento das primeiras vilas do Oeste catarinense. Paralelamente, a partir de 1910, instalaram-se na região serrarias, pequenas oficinas mecânicas e fabricantes de banha e derivados de carne de porco. Por volta de 1940, a produção de derivados de suínos visava atender o mercado local e, via transporte pela estrada de ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG), parte da demanda de cidades do Sul e Sudeste do Brasil. Neste contexto, formaram-se pequenos complexos rurais que viviam dos movimentos comerciais estabelecidos no sistema colônia-venda. Por outro lado, o capital mercantil excedente encontrava-se nas mãos de pequenos comerciantes locais. Destacavam-se produtores e comerciantes de alfafa, erva-mate, suínos e milho.
O sistema colônia-venda era baseado na pequena propriedade, que era voltada para a comercialização do excedente produzido. Pode-se dizer que, neste contexto, a formação de um mercado local ocorreu em paralelo ao processo de ocupação da região. Foi um processo que rapidamente integrou-se à economia nacional por meio do fornecimento de derivados de suínos para cidades do Sul e Sudeste do Brasil (GOULARTI FILHO, 2016). Alguns comerciantes se destacavam na compra e venda da produção local. Attilio Fontana foi um dos que iniciou as atividades comerciais no então município de Cruzeiro, atual Joaçaba, de onde começou a despachar produtos, principalmente alfafa e suínos, para São Paulo (ESPÍNDOLA, 1999). Comerciantes como Fontana se sobressaíram nas relações comerciais e receberam incentivos governamentais para investimentos no processamento de carnes[6]. Com isso, passou a funcionar na região um conjunto de pequenos frigoríficos, especializados no processamento da produção que era enviada ao mercado paulista, principalmente.
É importante frisar que o ciclo da exploração da madeira e da erva-mate antecederam o ciclo da suinocultura na região. De modo que a madeira e a erva-mate renderam um capital inicial aos agricultores, o que permitiu a realização dos investimentos para a criação de suínos, por exemplo. Neste contexto, madeira, erva-mate, agricultura e pecuária sempre apresentaram uma relação direta entre geração de capital comercial e pequena produção mercantil. Von Dentz (2022, p. 57) enfatiza que, “o capital comercial e a pequena produção mercantil estão na gênese dos diferentes negócios que emergiram na região Oeste catarinense”. Essa base capitalista regional, nos anos 1950 e 1960, embora fosse incipiente, desencadeou novos investimentos em diferentes negócios. Conforme Espíndola (2002), os investimentos foram realizados na área de produção de banha, conservas de carne, salamitos, salames, salsichas, dentre outros. Entretanto, nesse período também despontavam investimentos na produção de grãos (milho, soja, feijão, trigo) e de animais (suínos, frangos, bovinos de corte e de leite), bem como em outras atividades comerciais e industriais que compõem até os dias de hoje o conjunto das atividades econômicas na referida região.
Paralelamente a esse processo de desenvolvimento do capitalismo regional, surgiram as primeiras vilas, responsáveis por centralizar um comércio incipiente de produtos básicos. À luz de Corrêa (1989), podemos inferir que junto do processo de colonização ocorreu um movimento de formação de uma rede urbana, a qual assumiu diferentes formas de organização e expansão do capitalismo na região. Com isso, o chamado complexo rural é notado cada vez mais atrelado ao complexo urbano, haja vista que, a partir do momento em que o complexo rural começa a produzir para além da subsistência, a comercialização do excedente produzido passa a ter forte crescimento nas cidades que compunham a região. Ademais, a instalação das primeiras agroindústrias, as quais significaram a destruição do complexo rural e formação do complexo agroindustrial, ocorriam em cidades pequenas para as décadas de 1960-70. Muitas dessas cidades hoje despontam como as mais relevantes da região do ponto de vista econômico e populacional, tais como: Chapecó, Videira, Concórdia, São Miguel do Oeste, Xanxerê, dentre outras.
O papel dessas cidades foi o de cumprir funções heterogêneas na rede urbana regional. Entretanto, todas elas tinham em comum o fato de que desde a sua formação como vilas tiveram o papel de centralizar o comércio, e, mais tarde, nas décadas de 1970 e 1980, começaram a oferecer serviços para a população de uma área ao seu redor. Assim, de uma rede urbano-regional com pouca complexidade funcional e baixo grau de ligação entre as cidades foi evoluindo para ligações mais rápidas (sobretudo quando da construção das vias rodoviárias) e, consequentemente, para uma ligação com grau maior de complexidade. Essa dinâmica de evolução da estrutura urbano-regional serviu de base para a formação de um mercado consumidor regional pujante.
Neste contexto, a evolução da divisão municipal do Oeste catarinense em diferentes momentos do século XX é um aspecto a ser considerado para a compreensão da constituição da rede urbano-regional. Na tabela 1 podemos observar os municípios emancipados por década no Oeste catarinense, considerando o período entre 1920 e 1990.
Na década de 1990, embora tenha ocorrido o maior número de emancipações de municípios da história da região Oeste catarinense, também ocorreu um intenso processo de reestruturação das atividades produtivas. Trataram-se de mudanças estruturais forçadas pelo endividamento externo, pela crise fiscal e financeira pelas quais o Brasil passava. Com a queda no crescimento econômico brasileiro dos anos 1990 e a adesão de políticas neoliberais no período, as multinacionais entraram em diversos setores econômicos do Brasil, causando uma série de mudanças que impediram o país de avançar e, ao mesmo tempo, forçou o aumento da competitividade e levou à concorrência das reestruturações produtivas e à implementação de novas estratégias por parte dos setores produtivos. Ademais, inúmeras empresas nacionais de máquinas e equipamentos entraram numa crise econômica que resultou, em alguns casos, na desnacionalização do setor e no fechamento de empresas.
Essa crise refletiu no Oeste catarinense aprofundando a concentração da produção, através do aumento do uso de tecnologias nos processos produtivos, e fez com que inúmeros produtores de diversos setores se reestruturassem para poder seguir com seus negócios. Outros foram obrigados a vender o que tinham e migrar para as cidades em busca de empregos. Esse processo especializou ainda mais os setores produtivos da região ao mesmo tempo em que diversificou o número de produtos produzidos, pois de alguma maneira o estrangulamento econômico causado pela crise exigiu que comerciantes, industriais e agricultores tivessem de se reinventar. A crise também contribuiu para que os maiores centros urbanos da região se consolidassem na hierarquia regional e um grande número de pequenas cidades entrassem em estágio de estagnação ou recessão econômica e populacional7.
Nos anos 2000, o Brasil adentrou em um novo ciclo de crescimento econômico (BIELSCHOWSKY, 2014). Foi um período de incentivo ao crédito subsidiado, ampliação do acesso a políticas públicas, valorização do salário mínimo e ampliação das exportações de inúmeros setores, em especial, dos agronegócios, tendo a China como importante parceiro comercial. Nesta perspectiva, entre os anos 2000 e 2016, von Dentz e Espíndola (2019) apontam que os 118 municípios da região Oeste catarinense perderam 26,2% da área colhida de lavouras temporárias (abacaxi, alho, amendoim, arroz, aveia, batata-doce, batata-inglesa, cana-de-açúcar, lavoura, feijão, fumo, mandioca, melancia, melão, milho, soja, tomate, trigo e triticale) ao passo que a produção aumentou 5,67%. Esse dado demonstra que o ganho de produtividade foi considerável, pois mesmo que as lavouras tenham perdido área ocorreu aumento da produção. Na pecuária, entre 2012 e 2017 a região Oeste catarinense apresentou crescimento no rebanho de galinhas em 1,78%, atingindo 9,4 milhões de cabeças em 2017. No rebanho de suínos o crescimento foi de 10,9%, atingindo 6,1 milhões de cabeças em 2017. Na produção de leite o crescimento foi de 24%, atingindo 2,33 bilhões de litros em 2017. No rebanho de bovinos o crescimento foi de 12%, atingindo 2,1 milhões de cabeças em 2017.
Além disso, entre 2002 e 2017 a indústria se manteve na faixa de 25% de participação do PIB da região. Destaque deve ser dado ao setor de serviços, que segundo o IBGE (2017) passou de 35% para 40% de participação no PIB da região Oeste catarinense. Entretanto, quando os dados socioeconômicos da região são qualificados, nota-se forte concentração em alguns municípios. A população da região, por exemplo, considerando as estimativas do IBGE (2022), encontra-se 56,32% nos quatorze municípios mais populosos da região (Chapecó, Caçador, Concórdia, Videira, Xanxerê, São Miguel do Oeste, Fraiburgo, Joaçaba, Xaxim, Maravilha, São Lourenço do Oeste, Capinzal, Herval d’Oeste e Pinhalzinho). Se considerarmos esses mesmos quatorze municípios, eles somam 60,5% do PIB da região (IBGE, 2020). Desses quatorze municípios, o que possui menor população é Pinhalzinho, com 20.313 habitantes (IBGE, 2022).
Diante disso, os outros 104 municípios da região Oeste catarinense possuem população menor que 20 mil habitantes, sendo outros quatorze municípios (Seara, Itapiranga, Palmitos, Dionísio Cerqueira, São José do Cedro, Lebon Régis, Mondaí, Ponte Serrada, São Carlos, Cunha Porã, Catanduvas, Faxinal dos Guedes, Irani e Guaraciaba) encontram-se na faixa entre 10 e 20 mil habitantes. Dessa maneira, do total de municípios que compõem a região Oeste catarinense 76,27% possuem população abaixo de 10 mil pessoas, 11,86% dos municípios possuem entre 10 mil e 20 mil pessoas e outros 11,86% possuem acima de 20 mil pessoas. Chapecó é o único município da região acima de 100 mil habitantes. No mapa 1 é possível visualizar a espacialização da população e do PIB dos municípios do Oeste catarinense, considerando os dados de 2022 (estimativas do IBGE para população)8 e de 2020 para o PIB dos municípios.
Conforme aponta o mapa 1, as áreas em verde claro e com o símbolo “+” encontram-se os municípios que, respectivamente, possuem até 10 mil habites e até R$250 milhões de PIB. Fica explícito as grandes áreas compreendidas pelas cidades pequenas e os núcleos de concentração econômica e populacional da região. Dessa maneira, é fundamental para os estudos em Geografia urbana, Geografia da população, Geografia regional, Geografia econômica e para a formulação de políticas regionais, contemplar nas análises o significativo número de pequenas cidades que fazem parte dos espaços geográficos regionais.
As pequenas cidades possuem relevo econômico, social, político e cultural que podem e devem ser estudados com a mesma seriedade verificada nos estudos das cidades de maior envergadura populacional e econômica (cidades médias, cidades grandes e áreas metropolitanas, por exemplo). Neste sentido, feito o breve resgate da formação socioespacial da região em tela, no item a seguir será abordado o papel das pequenas cidades na dinâmica recente da geoeconomia regional.
Neste item trataremos das pequenas cidades situadas no Oeste catarinense a partir de aspectos particulares de suas dinâmicas geoeconômicas. Os recortes escolhidos dizem respeito a duas atividades: de um lado, o setor econômico dos agronegócios e a sua extensa rede de complementaridades; de outro, enquanto caso selecionado dessas atividades associadas, o setor de transporte receberá especial atenção.
Os agronegócios10 são base constituinte da dinâmica geoeconômica da região Oeste catarinense. Destacam-se os segmentos de grãos e frutas (soja, milho e trigo; uva, maçã e horticultura) e os segmentos animais (suinocultura, bovinocultura de corte, frangos e bovinocultura de leite). A produção de soja da região saiu de 280 mil toneladas em 2002 para 1,2 milhão de toneladas em 2018. A produção de leite, de 602 milhões de litros no ano 2000, aumentou para 2,3 bilhões em 2018. O rebanho de bovinos passou de 1,3 milhão de cabeças no ano 2000 para 2,1 milhões em 2018. O rebanho de suínos passou de 3,7 milhões de cabeças no ano 2000 para 6 milhões em 2018. As indústrias de máquinas e equipamentos, de placas de madeira, de papel e celulose, de móveis, de embalagens, de produtos de nutrição animal, dentre outros setores, não apenas aumentaram seus patrimônios e receitas como também passaram a gerar mais empregos na região. Ademais, a agroindústria é a que mais emprega mão de obra no Oeste catarinense, sendo responsável por cerca de 75% dos empregos industriais na região (Von Dentz, 2022).
Assim, pode-se afirmar que os agronegócios que se consolidaram enquanto cadeias produtivas na referida região fazem parte da formação socioespacial da mesma (Espíndola, 2002). As pequenas cidades da região, muitas vezes, não possuem indústrias relevantes, de modo que as atividades agropecuárias ainda são aquelas nas quais a maior parte da população tem sua base de sustento, seja como proprietários de pequenos lotes de terra, seja como trabalhadores rurais, industriais ou de serviços direta ou indiretamente ligados às atividades da agropecuária.
As implicações dos agronegócios na região como um todo e principalmente nas pequenas cidades são as mais variadas, encontrando-se tecnologias de produção de frangos, leite e suínos das mais avançadas do mundo; mas, paralelamente, encontra-se ainda um grande número de trabalhadores informais ligados às atividades temporárias dos agronegócios. O que precisa ficar claro, todavia, é que a dinâmica geoeconômica da região Oeste catarinense – sabe-se que essas características da região, guardado as devidas proporções, também são as características de outras regiões do Brasil, sobretudo dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul – está atrelada aos agronegócios que emergiram, sendo possível encontrar tais características nas pequenas cidades.
As pequenas cidades, por sua vez, só conseguem manter sua estrutura econômica ligada aos agronegócios em funcionamento por conta do sistema de circulação rodoviário que permite ligações por asfalto com todas elas. Neste sentido, no item 3.2 será dado maior atenção às pequenas cidades e aos nós de circulação promovidos pelo sistema de transporte rodoviário da região.
Passaremos agora a algumas dimensões da dinâmica geoeconômica do transporte nos centros urbanos menos complexos do Oeste catarinense. Esse tema tem relevância para situarmos essas pequenas cidades, formas particulares de concretização da urbanização, no processo de circulação, indissociável da produção propriamente dita. Santos (1985) já apontou que essa cisão do espaço geográfico total auxilia de um ponto de vista analítico, sem que, no entanto, seja possível perder de vista a totalidade. Portanto, a dinâmica produtiva regional será analisada, neste tópico, com ênfase nos transportes.
O transporte é fundamental à existência humana e ao desenvolvimento do trabalho, este que é central para a reprodução da sociedade e é intrínseco à produção do espaço geográfico. Torna-se um elemento espacial relevante para a análise da região em questão, bem como se trata de uma variável a ser analisada no contexto particular de cada pequena cidade enfatizada aqui. Conforme Silveira (2011; 2019), a parir dos transportes é engendrada a circulação, dimensão da produção mais ampla e, a partir daí, configuram-se estratégias de uso e otimização das redes dedicadas a esse fim, conformando as estratégias logísticas de Estado e corporativa.
Atualmente, no Oeste catarinense há uma série de eixos de circulação no âmbito do transporte rodoviário, com destaque para as interações espaciais produzidas a partir da movimentação de cargas e de passageiros. Essa fração do país tem um papel importante na integração do território nacional, que extrapola a simples condição de passagem entre os demais estados sulistas – Paraná e Rio Grande do Sul – e abrange dinâmicas regionais específicas do ponto de vista dos transportes. Huertas (2018, p. 504) destacou que “a sinergia territorial é mais complexa nesta porção do Brasil”. As pequenas cidades têm a função de nós de tráfego no âmbito regional, diante dos importantes eixos rodoviários que as articulam ao restante do território nacional.
São produzidas interações espaciais diversas a partir da movimentação de passageiros e cargas11. Vale dizer que esses fluxos rodoviários são importantes testemunhos do processo histórico de formação da região e sua rede de cidades. Seguindo a proposição de Santos (1978) e as rugosidades, Corrêa (2007, p. 71) mostrou que as formas espaciais impactam no presente, pois “a organização espacial [regional] acumula formas herdadas do passado”; e também aponta que “os diferentes padrões de interações espaciais derivam de um amplo conjunto de razões nas quais uma delas tende a ter maior peso” (CORRÊA, 1997, p. 296).
Como resultado das intensas transformações pelas quais o território brasileiro passou, especialmente se considerarmos que foi uma economia que cresceu grandemente desde a revolução de 1930, as frações distantes do centro dinâmico do país foram equipadas com novos sistemas de engenharia. Ao longo da década de 1970, a circulação rodoviária foi paulatinamente modificada no contexto das cidades situadas no Oeste catarinense. De maneira gradual, a consolidação dos eixos rodoviários levou à complexificação geoeconômica dos centros urbanos ali situados e fomentou, em certa medida, a própria criação de vários municípios e suas emancipações.
Em resposta às relações já estabelecidas com os estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, a consolidação do sistema de transporte rodoviário regional iniciou pelas rodovias direcionadas às capitais estaduais, Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). Além disso, a interligação com Florianópolis (SC) – capital catarinense – e as regiões comandadas por importantes capitais regionais, como o Norte gaúcho – Passo Fundo (RS) – e Oeste paranaense – Cascavel (PR) – impulsionaram as transformações na condição de fluidez do território regional.
A travessia sobre o rio Uruguai, em direção ao estado vizinho do Rio Grande do Sul, cujos pontos de passagem foram alterados desde então, foi um dos motores de transformação dos eixos rodoviários. O ritmo lento das balsas deu lugar às pontes rodoviárias, com o intento de solucionar as deficiências no tema dos transportes. Desde meados daquela década, as travessias entre Iraí/RS e Palmitos/SC, Nonoai/RS e Chapecó/SC e Marcelino Ramos/RS e Concórdia/SC foram implantadas. Depois, com a construção das usinas hidrelétricas (UHE) de Machadinho, Itá e Foz do Chapecó, outras vias de passagem entre os dois estados sulistas foram constituídas: entre Maximiliano de Almeida/RS e Piratuba/SC, Aratiba/RS e Itá/SC e Alpestre/RS e Águas de Chapecó/SC. Apesar dessa evolução, permanecem pontos de desconexão, como a ausência de ligação rodoviária entre as duas margens do rio Uruguai em certos pontos. Mencionamos dois casos: entre Barra do Guarita/RS e Itapiranga/SC, onde a rodovia BR-163 sofre interrupção de seu funcionamento e os fluxos têm de se movimentar sobre balsas; e entre as áreas limítrofes de algumas UHEs, onde persiste a inexistência de pavimentação nas rodovias que dão acesso à travessia estruturada pelas respectivas barragens.
No presente, a organização territorial dos sistemas de engenharia ligados aos transportes tem o modal rodoviário como meio central para pôr em movimento a produção. Sua representação pode ser vista no mapa 2, o qual também apresenta a população e o PIB municipais.
Apesar da existência de uma estrada de ferro que cobre parte do vale do rio do Peixe, entre Alto Bela Vista e Matos Costa, passando por Joaçaba, Videira e Caçador, essa via permanece desativada desde a década de 1990, quando da privatização da Rede Ferroviária Federal e seu desmantelamento. Silveira (2006, p. 66) destacou o papel do ramal sulista da EFSPRG para a organização do território: “A história da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande também está ligada à colonização de diversas regiões catarinenses, rio-grandenses e paranaenses”, realidades formadas em grande medida a partir de grandes complexos agroindustriais.
A rede rodoviária presente na região inclui importantes estradas federais, fazendo a interligação tanto no sentido Norte-Sul quanto Leste-Oeste. Na condição de principais rodovias federais, temos a BR-282 (liga a fronteira com a Argentina à capital estadual, Florianópolis), BR-153 (Transbrasiliana, liga ao Rio Grande do Sul e ao Paraná), BR-163 (importante rodovia do agronegócio brasileiro, passa por São Miguel do Oeste), BR-158 (interliga o Oeste catarinense ao Rio Grande do Sul) e a BR-280 (liga Dionísio Cerqueira ao porto de São Francisco do Sul). Já do ponto de vista das rodovias estaduais, temos a SC-283 (importante eixo rodoviário regional, de Itapiranga a Concórdia), SC-157 (liga Chapecó a São Lourenço do Oeste e ao Paraná) e a SC-480 (liga, sobretudo, Chapecó ao Rio Grande do Sul e à sua região Noroeste). No quadro 1 vemos um detalhamento das principais rodovias e a sua inserção na região Oeste de Santa Catarina.
Ao observarmos a totalidade da rede rodoviária regional, o papel do Estado é considerável, visto que felizmente não existem concessões atualmente estabelecidas no Oeste do estado. O papel do governo catarinense é primordial nessas infraestruturas, pois o aparato estatal estadual é responsável por 77,48% das rodovias pavimentadas que integram a região, o que totaliza pouco mais de 2.131 km de extensão. Entre rodovias estaduais e federais, a região Oeste de Santa Catarina conta com 2.571 km de estradas pavimentadas (DNIT, 2023; SANTA CATARINA, 2023).
O papel do Estado tomou proporções ainda maiores nas primeiras décadas deste século, com diversas obras de infraestrutura realizadas nos governos Lula e Dilma, especialmente entre 2003 e 2014 (Ely, 2017; Von Dentz, 2022). As pequenas cidades, maioria no recorte territorial em análise, foram amplamente beneficiadas por essas melhorias: tanto do ponto de vista do efeito multiplicador interno, regional e nacionalmente percebidos, quanto pela ampliação das condições de atração de novos investimentos em plantas industriais e melhoria das atividades já existentes. Von Dentz (2022) destacou que entre 2004 e 2022, foram pelo menos 34 obras de grande importância no Oeste catarinense, em larga medida beneficiando as pequenas cidades, atingindo um montante total de R$ 2,032 bilhões.
Assim, para avançar na análise de temas importantes no âmbito dos transportes no Oeste catarinense, considera-se, em primeiro lugar, o transporte rodoviário de cargas. Essa atividade cumpre um importante papel na dinâmica geoeconômica regional. Entre os indicadores, o registro de agentes econômicos transportadores demonstra o papel dessa atividade nos serviços desenvolvidos tanto por meio da complementaridade engendrada a partir dos agronegócios, quanto pelo dinamismo econômico em geral. O Oeste catarinense vem concentrando aproximadamente 1/5 dos registros de transportadores de cargas por meio do modal rodoviário no estado, com mais de 12 mil cadastros no primeiro semestre de 2022. É a segunda posição, atrás da mesorregião do Vale do rio Itajaí, que abrange mais de 13,4 mil registros.
Essa quantidade abarca diferentes tipos de agentes econômicos, pois envolve motoristas autônomos, empresas transportadoras e cooperativas (ANTT, 2022). Desses mais de 12 mil registros, 6,5 mil eram empresas transportadoras, 5,5 mil eram autônomos e 26 estavam registrados sob a forma de cooperativa12. Outros dados que chamam a atenção são os da quantidade de empregos formais no transporte rodoviário de cargas: em 2021 havia um total de 28,2 mil trabalhadores vinculados à atividade na região, o maior número entre as mesorregiões catarinenses, representando 32,5% do total estadual – cerca de 86,8 mil empregos (BRASIL, 2021).
Na distribuição dos agentes do transporte rodoviário de cargas, segundo o Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a presença de municípios situados ao longo da BR-282 é significativa. Os dois primeiros são Chapecó e seus 1.578 registros e Xanxerê, com 639 registros. Concórdia aparece em terceira posição, com 638 e tem como quarto e quinto municípios, respectivamente, Caçador (605 registros) e Videira (570 registros). Em função do elevado número de pequenas cidades na região, a presença na relação é significativa, com muitas delas contendo mais de 100 registros atuantes no setor: conforme dados da ANTT (2022), temos Iporã do Oeste (158 registros), Palmitos (173), Cunha Porã (184), São José do Cedro (196), Pinhalzinho (239), Xaxim (319), Fraiburgo (351), São Lourenço do Oeste (367) e Maravilha (373).
Em função da primazia rodoviária, a paisagem regional configura-se a partir desse modal de transporte, sendo notória a presença de um amplo conjunto de fixos destinados ao atendimento de suas demandas. A existência de muitas empresas e, destacamos, motoristas autônomos dedicados à atividade, conforma uma série de complementaridades. Exemplo disso são as cidades que exercem o papel de cruzamento de diferentes estradas, abrigando pontos de apoio, mecânicas, postos de combustível, serviços especializados etc. Pequenas cidades, como Maravilha, Pinhalzinho, Xaxim, Xanxerê, Seara e Irani, além da relativa complexidade das atividades industriais situadas em seus territórios municipais, situação geográfica que resulta numa interessante sinergia interna a eles, também concentram quantidades significativas de fixos geográficos do tipo que nos referimos.
O transporte rodoviário de passageiros é outro elemento geográfico que expressa a dinâmica da circulação produzida na região em análise. Ao longo das décadas, foram estruturados eixos de movimentação rodoviária entre os três estados da região Sul, cabendo ao Oeste catarinense desempenhar o papel de importante elo na rede de transporte coletivo de passageiros no modal rodoviário. Trata-se de uma dinâmica associada à interação entre as redes urbana e rodoviária, em que são produzidos fluxos com variadas intensidades e direções.
Lemos e Santos (2021) analisaram especificamente as pequenas cidades na rede do transporte interestadual de passageiros, destacando o papel desse serviço público essencial à integração do território e a relevância de alguns pequenos centros urbanos na rede de operações da atividade. A rede geográfica formada pelo transporte público de ônibus tem um papel importante às pequenas cidades e estas últimas também têm relevância no modal. Na região, a posição de vários centros urbanos menos complexos baliza a participação nesse meio de transporte coletivo, pois varia conforme as interações estabelecidas com a rede rodoviária. Esse cenário é notado de maneira especial na modalidade interestadual, que articula diferentes municípios situados em dois ou mais estados brasileiros: resulta do papel desempenhado pelo Oeste catarinense, sendo essa uma região que aglutina diferentes rodovias de ligação e de conexão a outras regiões brasileiras.
Cidades como Xanxerê, São Miguel do Oeste, Maravilha, Xaxim, Dionísio Cerqueira e São José do Cedro possuem diversas linhas de ônibus interestaduais, apesar dos fluxos não serem proporcionalmente elevados. Xanxerê apresenta 35 operações, enquanto centros urbanos mais complexos, como Porto União e Caçador, têm menos de 15 serviços. Trata-se de uma dinâmica associada principalmente à interação entre a situação geográfica das cidades e a rede de rodovias. Várias delas também têm o papel de servir de ponto de transbordo entre o transporte público intermunicipal (catarinense) e as linhas interestaduais, pois estas últimas operações são mais seletivas do ponto de vista territorial.
Enquanto um produto da própria formação socioespacial regional, os fluxos demonstram as articulações extrarregionais historicamente mais intensas: a movimentação de passageiros é superior em direção à capital gaúcha, Porto Alegre, além da região Noroeste daquele estado; no sentido paranaense, os fluxos interestaduais têm maior intensidade com as regiões Sudoeste e Oeste, a exemplo de Pato Branco, Francisco Beltrão e Cascavel. Na escala regional, os fluxos poderiam ser mais intensos caso houvesse um sistema de transporte público em melhores condições de oferta e abrangência, pois existem dificuldades de várias características na movimentação entre as próprias pequenas cidades e destas em direção aos centros urbanos mais complexos, como Chapecó. É, portanto, um ponto de estrangulamento no tema dos transportes e dos serviços públicos que merece atenção para a consolidação da integração do território.
A mobilidade do trabalho é outro elemento que põe em relevo a centralidade dos fluxos rodoviários. A articulação existente entre as cidades e as rodovias cria as bases para a facilitação dos fluxos pendulares, especialmente para trabalho, estudo e atendimentos médicos. Conforme dados de empresas e dos órgãos de controle do transporte de passageiros, várias pequenas cidades são origem e destino de fluxos ligados à mobilidade do trabalho: Xaxim, Maravilha, Pinhalzinho, Seara, Itapiranga, São Miguel do Oeste, Videira, Ipumirim, Xanxerê etc. (ANTT, 2020; 2021).
Cabe destacar a superação dos atuais pontos de estrangulamento no tema da circulação e dos transportes na escala regional. Isso nos leva à crítica sobre a matriz modal instituída no plano empírico em discussão, fração da realidade brasileira. Atualmente, no país, 67% das cargas são transportadas no modal rodoviário (EPL, 2021). É a rede rodoviária que baliza as condições de integração do território, constituindo a mais abrangente e difundida infraestrutura de transporte.
Apesar da difusão do modal, não se trata do mais eficiente diante da densidade de cargas que é movimentada, tanto em direção ao território do Oeste de Santa Catarina, quanto a partir da distribuição da sua produção. Rangel (2012) apontou, ainda em meados do século passado, que à medida em que o Brasil alcançasse maiores níveis de produtividade e de necessidade por transporte, a busca por modais mais eficazes – como o ferroviário – seria parte dos desafios históricos. No presente, diferente do que havia em meados do século passado, quando da emergência e ascensão do rodoviarismo na condição de modal central para a integração territorial nacional, a demanda por transformações na matriz modal dos transportes é urgente. A problemática é complementada pela necessidade de investimentos que gerem um efeito multiplicador interno, além do uso das capacidades ociosas do que resta no parque industrial de material de transporte brasileiro (Rippel; Viceli; Von Dentz, 2021; Silveira, 2022).
O contexto do Oeste catarinense é bastante profícuo para o tema da superação da crise brasileira a partir do investimento em infraestruturas com vistas ao desenvolvimento econômico. Trata-se de uma realidade onde há demanda por modificações qualitativas e quantitativas nos meios de transporte, a exemplo da efetivação dos projetos apresentados ao longo de várias décadas, como para a implantação de novos eixos ferroviários para a interligação dessa região ao estado do Paraná e à faixa litorânea catarinense, em direção aos portos e às demais ferrovias presentes no estado (Julio, 2018; Zanella, 2018).
A efetivação dos projetos, muitos já acumulados há décadas – como das ligações entre São Miguel do Oeste e Lages por via férrea, prevista oficialmente desde meados da década de 1990 – depende de políticas comprometidas com o desenvolvimento nacional e as suas repercussões regionais, em detrimento das pouco promissoras visões localistas e fragmentárias. Ainda, do ponto de vista da soberania nacional, haverá uma efetiva reação positiva no âmbito macroeconômico se o conteúdo nacional de novos projetos de infraestruturas passe por reforço, a exemplo do que tem potencial de ocorrer a partir do modal ferroviário e o seu respectivo setor industrial, hoje tornado amplamente ocioso diante das demandas urgentes de integração territorial.
A construção desse texto permite-nos ao menos três considerações finais. Primeiro: tratamos da necessidade de pensarmos no modo de produção capitalista como algo que tem a sua manutenção assentada na contínua articulação entre os lugares, o que leva à dissolução das liberalizantes e partidárias de localismos deste período neoliberal. Também não se trata de uma visão partidária da circulação per se, mas, sim, da necessária compreensão das esferas da produção como partes de uma só totalidade. É a produção, lato sensu e stricto sensu, que revela o papel dos lugares na organização territorial capitalista e o seu caráter diferenciado e desigual.
Segundo: esse texto evoca o caráter relacional da rede urbana, que a despeito de manifestar hierarquias e cidades de graus maiores de concentração de atividades e centralização do poderio econômico-político, tem como sustentáculo a divisão territorial do trabalho ampliada, com a pulverização de atividades que só se explicam a partir da escala regional – tanto para compreendê-las, quanto para assimilar que a complexidade econômica depende de interações multilocalizadas.
Terceiro: há a necessidade de se tratar das cidades economicamente menos complexas, visando a contraposição ao senso comum em que tais tipologias de aglomerações urbanas têm menor relevância. As pequenas cidades devem ser vistas de modo dialético, considerando-se escalas associadas e imbricadas. Existem cidades que nas escalas nacional e estadual podem ser vistas como pequenas. Todavia, regionalmente, a complexidade das atividades produtivas situadas em seus territórios, bem como a das interações espaciais que lá se reproduzem têm maior relevo e importantes funções de sustentação das atividades produtivas situadas em centros mais complexos e dinâmicos.