Resumo: Neste artigo analisamos o desenvolvimento urbano-industrial e a configuração socioespacial frente a forte presença da indústria coureiro-calçadista no município de Parobé, Rio Grande do Sul. O processo de desenvolvimento industrial capitalista torna a sociedade um objeto maleável e sensível a suas transformações que refletem no tecido urbano e nas condições sociais, funcionando como elemento base na formação e estruturação socioespacial. A metodologia adota revisão de teorias acerca dos agentes e formas de produção do espaço urbano, análise de dados demográficos e socioeconômicos secundários, além de análise espacial. Parobé e a microrregião do Vale do Paranhana se destacam na produção de calçados no cenário nacional. O processo de migração foi significativo para o seu crescimento nos anos 1990. Porém, nos anos 2000 a cadeia produtiva passou por uma reestruturação em função da crise global de 2008, com consequências diretas na composição populacional e na estrutura urbana do município. O trabalho evidencia o papel central da indústria coureiro-calçadista na produção e estruturação do espaço urbano do município, refletindo diretamente na sua configuração social e espacial, vide a ocupação de uma parte significativa do solo na região central por parte das indústrias desde os primórdios, que hoje são vazios urbanos oriundos da realocação ou inatividade dos pavilhões de fábricas. Em suma, a configuração espacial resultante está expressa em uma urbanização de caráter extensiva, que carregara as condições urbano-industriais de produção (e reprodução).
Palavras-chave: Estrutura urbana, Coureiro-calçadista, Parobé, Produção do espaço urbano, Crescimento populacional.
Abstract: In this paper, we analyze the socio-spatial reflexes resulting from the strong presence of the leather footwear industry in Parobé, in the Brazilian state of Rio Grande do Sul. The capitalist industrial development process makes society a malleable object and sensitive to its transformations that reflect the urban fabric and social conditions, functioning as a base element in socio-spatial formation and structuring. The methodology adopts theories about the agents and forms of urban space production, demographic and economic data analysis, and spatial analysis. Parobé and the microregion of Vale do Paranhana stand out in footwear production on the national scene. The migration process was significant for the growth of Parobé in the 1990s. However, in the 2000s, the production chain underwent a restructuring due to the 2008 global crisis, directly impacting the municipality's population composition and urban structure. The work demonstrates the central role of the footwear-leather industry in the production of the urban space of the municipality, reflecting directly in its social and spatial configuration, as can be seen in the occupation of a significant part of the land in the central region by industries since the beginning, which today are urban voids resulting from the relocation or inactivity of factory pavilions. In short, the resulting spatial configuration is expressed in extensive urbanization, which carries the urban-industrial production (and reproduction) conditions.
Keywords: Urban structure, Leather footwear, Parobé, Urban space production, Population growth.
Resumen: En este artículo analizamos los reflejos socio-espaciales resultantes de la fuerte presencia de la industria del cuero-calzado en el municipio de Parobé, situado en el Rio Grande do Sul. El proceso de desarrollo industrial capitalista hace de la sociedad un objeto maleable y sensible a sus transformaciones que se reflejan en el tejido urbano y las condiciones sociales, funcionando como elemento base en la formación y estructuración socio-espacial. La metodología adopta las teorías sobre los agentes y las formas de producción del espacio urbano, análisis de datos demográficos y económicos, además de la cartografía. Parobé y la microrregión del Vale do Paranhana se destacan en la producción de calzado en el panorama nacional. El proceso migratorio era importante para el crecimiento de Parobé en la década de 1990. Sin embargo, en la década de 2000 la cadena productiva sufre una reestructuración por la crisis mundial de 2008, con consecuencias directas sobre la composición poblacional y estructura urbana del municipio. El trabajo demuestra el rol central de la industria del cuero-calzado en la producción y estructuración del espacio urbano del municipio, reflejándose directamente en su configuración social y espacial, como en la ocupación de una parte significativa del suelo de la región central por industrias desde el principio que hoy son vacíos urbanos producto de la reubicación o inactividad de los pabellones fabriles. En resumen, la configuración espacial resultante se expresa en una urbanización extensiva, que lleva con él las condiciones urbano-industriales de producción (y reproducción).
Palabras clave: Estructura urbana, Cuero-calzado, Parobé, Reestructuración productiva, Producción del espacio urbano.
Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial
O desenvolvimento urbanoindustrial e a configuração socioespacial de Parobé
Urban-industrial development and the socio-spatial configuration of Parobé
El desarrollo urbano-industrial y la configuración socio-espacial de Parobé
Recepción: 29 Abril 2023
Aprobación: 03 Noviembre 2023
As cidades, ou o espaço político e sociocultural formado a partir delas, se tornaram o centro da organização da sociedade e da economia. Na escala mundial, poucas cidades organizam e comandam grandes blocos de interesses e reordenam o espaço econômico global, em todas as escalas. Elas definem formas de organização da população e localização das atividades econômicas, referenciam identidades sociais, e estabelecem várias formas de constituição comunitária (Monte-Mór, 2006).
É fundamental compreender como as pequenas cidades estão conectadas a este contexto. Elas fazem parte da rede urbana brasileira e global, e estão inseridas nas dinâmicas do modo de produção capitalista e da globalização. Isso significa que, apesar do seu porte menor em comparação às grandes cidades, elas também são influenciadas pelos mesmos processos e sofrem suas consequências (Fernandes, 2018). A cidade, independente do seu porte, exerce uma crescente força de atração (Rolnik, 1988) em razão, dentre outras, das vantagens econômicas próprias de um assentamento que amplia continuamente suas dimensões (Borba, 2003).
A expansão industrial deu origem a um novo tipo de assentamento urbano, tanto pela criação de novas cidades quanto pela transformação das existentes, modificando totalmente a organização social e territorial anterior. Na lógica imposta pelo processo de industrialização, centrada na produção, o espaço é organizado como lócus privilegiado do excedente econômico, do poder político e da festa cultural. A cidade é também um produto industrial, e segue leis econômicas que regem a produção e a organização do espaço, que objetivam a funcionalidade desta lógica (Monte-Mór, 2006). O espaço urbanizado passa a se constituir em função das demandas (sintetizadas pela habitação e necessidades complementares da força de trabalho), colocadas ao Estado tanto no sentido de atender à produção industrial quanto às necessidades da reprodução coletiva da força de trabalho.
O Brasil passou por um dos processos de urbanização mais acelerados e intensos que se têm relatos, impulsionado pela industrialização nos anos 1940-1980. Esse fenômeno levou ao aumento da migração da população de uma determinada região, normalmente áreas rurais, em busca de oportunidades de emprego (ou mesmo de subemprego), informação e recursos. Desde muito, a população migrante interiorana é atraída para as cidades pelas oportunidades que nelas vislumbram. Trata-se da migração pela existência de bens e serviços essenciais à ascensão material e intelectual que estes moradores julgam não encontrar em suas regiões de origem (Filho; Serra, 2001).
Também os processos mais recentes de reestruturação industrial, na era da informação (Castells, 2002), deixam marcas nas cidades. Os fluxos - redes globais que articulam informações - substituem as localidades fixas e passam a ser unidades de trabalho e decisão na metrópole contemporânea, definindo a localização dos agentes econômicos, sociais, de informações e capital. A rede de fluxos estabelece mudanças contínuas no território, permitindo a concentração de atividades em pontos urbanos dispersos, levando ao abandono de grandes áreas urbanas (Titton, 2011). As cidades passam de um ambiente com formas de organização simples para um território complexo, com reflexos na configuração urbana.
O processo de reestruturação produtiva dá lugar, inúmeras vezes, a áreas abandonadas e degradadas que modificam o cenário e a qualidade de vida das cidades (Marques; Souza, 2004). Ocorre uma subutilização das estruturas centrais, enquanto a população ocupa periferias rarefeitas e distantes. Configuram-se espaços de centralidade - sistemas urbanos sem continuidade territorial, que se estruturam conforme os fluxos de bens, pessoas, capitais e informações; e marginalidade - territórios que não alcançam ou permanecem fora dos processos de concentração econômica e de serviços para o mercado global (Falu; Marengo, 2004). Espaços residuais sem uso ou subutilizados (fábricas, depósitos, armazéns, galpões, terrenos e até bairros) compõem espaços improdutivos que promovem a fragmentação das cidades contemporâneas, hoje composta por uma rede desconexa de enclaves territoriais (Titton, 2011).
Assim sendo, o processo de desenvolvimento industrial capitalista torna a sociedade um objeto maleável e sensível a suas transformações, que se refletem no tecido urbano e nas condições sociais, funcionando como elemento base na formação e estruturação socioespacial. Em Parobé (por muito tempo a capital nacional do tênis), no estado do Rio Grande do Sul, é possível observar estes fenômenos. Esta cidade do Sul Global foi diretamente impactada pelo desenvolvimento da indústria coureiro-calçadista iniciado por volta da década de 1970. As indústrias de calçados, que inicialmente funcionaram como polos centralizados de atração para uma massa de migrantes, hoje atuam pulverizando suas atividades pelo território, fruto do processo de terceirização (Bosa, 2021; Bosa; Bugs, 2021).
O município de Parobé está inserido na microrregião do Vale do Paranhana – VP que pertence à Região Metropolitana de Porto Alegre - RMPA, distante aproximadamente 70 km da capital (Figura 1). Possui uma população de 52.058 habitantes, segundo o último censo do IBGE, colocando o município como o segundo maior em população no VP, depois de Taquara, cidade mais antiga da região. O VP é composto por 6 municípios: Igrejinha, Parobé, Riozinho, Rolante, Taquara, e Três Coroas. Taquara - Igrejinha - Parobé - Três Coroas se configuram numa pequena aglomeração com integração de fluxos importante, definida por Campos (2019) como uma Functional Urban Area – FUA. Isto é, uma unidade econômica regionalmente caracterizada por centros densamente habitados e por hinterlândias em que o mercado de trabalho é altamente integrado aos centros (Campos, 2019; Bosa; Bugs, 2021). A partir de março de 2023, o Hospital São Francisco de Assis passou a ser referência no atendimento de 23 municípios da região do Vale do Paranhana, Vale dos Sinos, Serra, e Encosta da Serra no atendimento de alta complexidade nas áreas de traumatologia e ortopedia pelo Sistema Único de Saúde - SUS (SES/RS, 2023), tornando Parobé uma âncora regional na área da saúde.
Dada esta conjuntura, o presente artigo tem como objetivo examinar o desenvolvimento urbano-industrial e a configuração socioespacial de Parobé/RS, mediante uma análise evolutiva das transformações ocasionadas nos aspectos espacial, demográfico e socioeconômico frente a forte presença da indústria coureiro-calçadista.
A metodologia adota como base teórica a conceituação da produção do espaço urbano, identificando seus agentes e tipologias de crescimento urbano. A caracterização do desenvolvimento do município é feita através da análise de dados demográficos e econômicos secundários, oriundos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE; Relação Anual de Informações Sociais – RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE; Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser – FEE-RS; Índice de Desenvolvimento Econômico Social - IDESE; e Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul. A análise espacial se dá através da produção de mapas temáticos interpretativos com o auxílio do software QGIS, Google Earth e Google My maps, a fim de representar, tanto na escala municipal quanto regional, os fatores intervenientes da indústria coureiro-calçadista na produção do espaço e seu reflexo na estruturação urbana do município. Estabeleceu-se um marco temporal que vai de 1970 a 2019 para os dados das séries históricas, e até 2020 para mapeamentos da mancha urbana.
O desenvolvimento capitalista não se manifesta unicamente na mercantilização da produção e na constituição das forças produtivas, pois envolve mais que processos estritamente econômicos. O processo de desenvolvimento do capital ocasiona mudanças na organização e na composição da base produtiva, acompanhadas por rearranjos ou novas configurações das relações sociais, gerando transformações na esfera material que refletem nas outras esferas da vida social. Isso significa, por um lado, que os condicionantes da transição capitalista são materiais, políticos, sociais, psicoculturais e, por outro, que o próprio desenvolvimento capitalista produz novas configurações socioespaciais (Peres, 2009).
Brito (2016) aponta que as trajetórias migratórias no Brasil acontecem devido a fortes desequilíbrios regionais e sociais que caracterizam o desenvolvimento do capitalismo, alimentando um poderoso mecanismo de transferência espacial do “excedente demográfico” de determinada região, para onde mais se desenvolveu a economia urbano–industrial ou se expandiu a fronteira agrícola. O espaço em que se organizam as trajetórias migratórias, não é economicamente, nem socialmente, homogêneo. O mercado de trabalho nacional que se constitui, o espaço territorial que se integra, e a nação que se constrói trazem as marcas da diversidade e da desigualdade. São conjuntos sociais com seus valores e normas, que se transferem do espaço rural para o urbano, de uma cidade para outra, de um estado para outro, de uma região para outra, ou mesmo, de um país para outro (Brito, 2016).
Uma vez estabelecido que o capital tem importante influência na produção e configuração socioespacial das cidades, passa-se para as definições conceituais que dão embasamento as análises, tendo por base o discutido por Bosa (2021a).
Em termos gerais, espaço urbano pode ser definido como o conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si, onde estes usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviço e de gestão; áreas industriais e áreas residenciais, distintas em termos de forma e conteúdo social; áreas de lazer; e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este conjunto de usos da terra é a organização espacial da cidade ou simplesmente o espaço urbano. O espaço urbano é, portanto, fragmentado e articulado, onde cada uma de suas partes mantém relações espaciais entre si, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campos de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais (Corrêa, 1995).
Corrêa (1995) elenca 5 agentes responsáveis pela produção do espaço urbano: 1) Os proprietários dos meios de produção - são os grandes proprietários industriais e das empresas comerciais, que em razão da dimensão de suas atividades, são importantes consumidores de espaço; 2) Os proprietários fundiários - donos de terras que agem para conseguir a maior renda fundiária de suas propriedades, e para que suas terras tenham o uso mais remunerador possível; 3) Os promotores imobiliários - conjunto de agentes que realizam (total ou parcialmente) as operações de incorporação, financiamento, estudo técnico, construção ou produção física do imóvel e comercialização ou transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro (acrescido de lucro); 4) O Estado - dispõe de um conjunto de instrumentos que podem ser empregados em relação ao espaço urbano, portanto, também atua diretamente na organização espacial da cidade; e 5) Os grupos sociais excluídos - são aqueles que não possuem renda para pagar o aluguel de uma habitação digna e muito menos para comprar um imóvel.
Os conceitos de localização e espaço derivam da prática social de produção e reprodução no contexto da divisão social do trabalho. Deák (2016) explica estes conceitos da seguinte forma: 1) Espaço - no capitalismo, o território de um mercado unificado, no qual a forma-mercadoria se generalizou. Tal espaço encerra ‘localizações’, sendo o lócus de um processo individual de produção (ou de reprodução); 2) Localização - é um valor de uso para toda atividade de produção ou reprodução, uma vez que é uma condição necessária para o desempenho de qualquer atividade. Uma localização é constituída de uma estrutura física apoiada geralmente direto sobre o solo. As propriedades distintivas de diferentes localizações individuais derivam de suas respectivas posições no espaço urbano; e 3) Valor de uso e pagamento pela localização - um pagamento pela localização, institui um valor de uso, porque é comercializada enquanto mercadoria, dotada de valor de troca. O pagamento pela localização entra no preço de produção de mercadorias, com o pagamento pelas demais condições de produção: trabalho e meios de produção. O preço de mercado dos produtos, que regula as quantidades relativas das mercadorias a serem produzidas, regula, assim, também a distribuição espacial da produção no espaço urbano.
Sendo o espaço parte do processo de reprodução da sociedade, tendo sua produção assentada nas necessidades impostas pelo desenvolvimento da acumulação capitalista, as sociedades são organizadas em processos estruturados por relações historicamente determinadas de produção, experiência e poder (Lefebvre, 2006). O processo de produção do espaço urbano supera o limite de uma determinação econômica, de trocas e circulação de mercadorias, pois considera os acontecimentos sociais, políticos, ideológicos e jurídicos que formam a totalidade de um processo de produção econômico e social. Por isso, dois aspectos são igualmente importantes: o ambiente construído, onde os habitantes estão dispersos, e a padronização da sociedade em suas atividades e sua espacialidade (Novack, 2016).
O crescimento é entendido como o processo de formação e transformação do espaço através do tempo, não composto somente pela expansão das cidades sobre o território, mas por todo o processo de transformação, incluindo o desenvolvimento interno. A questão do crescimento urbano pode ser vista através de 3 critérios básicos da análise urbana e regional (que são complementares): o demográfico, o econômico e o espacial (Carrion, 1996).
O critério demográfico utiliza a população como unidade de medida, destacando-se dois indicadores: a população urbana total e a taxa de urbanização, dada pela razão entre a população urbana e a população total, e está referida a determinada área geográfica ou divisão político-administrativa. Pelo critério econômico, o crescimento urbano é avaliado segundo o aumento do produto ou da renda de uma cidade. Outros indicadores, como emprego, número de estabelecimentos, arrecadação tributária, podem complementar informações sobre o produto e renda. No critério espacial, o crescimento urbano é identificado através da expansão do tecido urbano e do espaço urbanizado. Ele ainda pode ser classificado em dois tipos: crescimento periférico e crescimento interno. O crescimento periférico refere-se à expansão propriamente dita do tecido urbano, enquanto o crescimento interno remete-se a transformação do espaço existente, através modificações de uso, densificação, entre outras (Carrion, 1996).
A extensão do crescimento pode acontecer em uma direção principal ou em múltiplas direções, podendo ser chamado de crescimento linear (ordenado por uma linha), ou crescimento polar (ordenado por um polo). Ainda, pode ser distinguido como contínuo ou descontinuo. O contínuo se caracteriza pelo feito de que, em cada etapa de desenvolvimento, as extensões acontecem em prolongamento direto das partes já construídas e consolidadas do tecido urbano. Já o descontínuo se apresenta como uma organização mais global do território, realizando cortes entre as partes antigas e as extensões (Panerai, 1983).
Processos migratórios do tipo rural-urbano, em função de estrutura agrária rígida e/ou da modernização da agricultura foram importantes para explicar a urbanização brasileira acelerada e com alto grau de concentração. Outros fatores estão ligados diretamente à própria organização e dinâmica da cidade, como disponibilização de serviços urbanos essenciais, estrutura produtiva, intensidade e perfil da industrialização, qualidade e eficiência dos sistemas de transporte e comunicação, crescimento vegetativo da população, entre outros (Carrion, 1996).
O desenvolvimento urbano-industrial do VP foi desencadeado pelo processo de imigração alemã (1846) e a formação de núcleos comerciais com a chegada da viação férrea (1903) até a industrialização com as fábricas coureiros-calçadistas (1970). Por volta de 1900 a economia de Parobé era predominantemente oriunda da atividade agrícola, com ênfase no cultivo da mandioca. Outras formas de renda vinham de diferentes tipos de produção artesanal, como armazéns, sapatarias, ferrarias e carpintaria. Neste período ocorreram sucessivas divisões de terras, algo comum na região, transformando as propriedades rurais locais em minifúndios, que não apresentavam mais meios de sobrevivência para as novas gerações. Muitos migraram para Novo Hamburgo e Porto Alegre em busca de oportunidades de trabalho.
O surgimento do artesanato nas colônias alemãs chegou com os primeiros imigrantes e a profissão passava de pai para filho. O processo de produção era dominado por inteiro pelo artesão, que tinha o conhecimento técnico da produção. A farta disponibilidade de matéria-prima permitiu que o artesanato do couro (sapatos) tivesse um crescimento maior que os demais ramos. Logo, dentre as profissões praticadas pelos imigrantes alemães, a de sapateiro tinha grande destaque. A estrutura produtiva do ofício de sapateiro artesanal e familiar indica características de uma sociedade pré-industrial, pois não existia a divisão do trabalho nem máquinas (Schneider, 1996).
Uma nova fase de desenvolvimento instaurou-se na década de 1940, quando os filhos dos imigrantes começaram a montar as primeiras fábricas de calçados. Na década de 1970, com o início das exportações, as empresas aumentaram seu faturamento e, consequentemente, as contratações. Parobé tinha em 1980 uma população que beirava os 10.000 habitantes, 65 indústrias e 75 casas comerciais (Mosmann, 1999). A partir dessa época, e intensificado nos 1990, houve uma grande migração de pessoas de municípios distantes e até mesmo de outros estados para trabalhar nas empresas locais, fruto da efervescência econômica da região. A vila começou a crescer num ritmo acelerado e desse modo surgiram as demandas por serviços, infraestruturas e equipamentos. Em 1982 Parobé se emancipou de Taquara.
No período de grande crescimento da indústria coureiro-calçadista (1990 a 2010), movimentos migratórios direcionados à região tiveram como principal motivação o aspecto econômico, de qualificação profissional e qualidade de vida. A absorção da força de trabalho aumentou com a modernização e o aumento da produção, esgotando, em pouco tempo, o contingente de trabalhadores disponível na região. Este quadro resultou na atração de muitos trabalhadores migrantes para a região (Schneider, 1996). Eles eram filhos de pequenos agricultores, meeiros, sem-terra, entre outros, oriundos das regiões de modernização da agricultura do RS, como as do Alto Uruguai, Missões, e Grande Santa Rosa. Nos anos 2000 ocorreu uma realocação das plantas industriais do setor coureiro-calçadista em busca de incentivos fiscais e mão de obra mais barata, o que deslocou algumas indústrias do VP para o Nordeste brasileiro. Este fenômeno fez com que os residentes na região buscassem oportunidades em outros municípios ou estados.
As informações censitárias apresentam distintas formas de movimentos migratórios da população na região do VP e Parobé, tendo como base os dados sobre o local de nascimento, o tempo de moradia na residência atual e o local de moradia anterior. Ao cruzar essas informações, é possível identificar a condição de naturalidade dos indivíduos, sabendo assim se é migrante ou não (Bassan, 2017). Consideram-se migrantes pessoas que residiam há menos de 10 anos ininterruptos no município, na região e Unidade da Federação – UF, de acordo com o IBGE. O Censo de 1991 foi o mais completo quanto a migrações internas. As informações sobre migrações tiveram seus resultados divulgados de forma agregada no Censo de 2000, deixando de captar dados sobre a última etapa migratória, para o nível municipal, limitando as análises da migração intraestadual, e gerando perdas no que diz respeito à comparabilidade com os censos anteriores e posteriores (Bassan, 2017).
Para se ter uma comparação mais equilibrada dos dados de população e urbanização, estabeleceu-se um recorte dentro do período total de análise (1970 a 2019), que vai de 1991 a 2010, quando todos os municípios do VP já estavam emancipados. De todos os municípios do VP, Parobé tem a maior taxa de crescimento populacional (60,97%) no período analisado, seguido de Três Coroas (58,07%) e Igrejinha (54,33%), municípios estes que também se destacam em postos de trabalho gerados na indústria de calçados. No que concerne a urbanização, Três Coroas sai na frente com 73,21% de crescimento, seguido de Igrejinha com 58,92% e Parobé com 58,05%. Tanto em taxas de crescimento de população quanto de urbanização, Parobé aparece na frente do VP e do RS (Tabela 1).
Em 1991 a população de Parobé era estima em 31.995 habitantes. Desse total, 50,4% (16.139) eram migrantes, enquanto o segundo maior percentual no VP encontrava-se no município de Igrejinha com 35,2% (7.231) de uma população de 20.514 habitantes. O percentual de migrantes presentes no VP em 1991 era de 31,7% de uma população de 126.872 habitantes, e 15% no RS de uma população de 9.138.670 habitantes. Em 2000 a população municipal total teve um crescimento aproximadamente de 40% comparada a 1991, chegando a 44.776 habitantes. No início dos anos 2010 Parobé chegava aos 51.502 habitantes, porém o índice de migração reduziu, passando para 22,5%, totalizando 11.596 (decrescimento de -28,15%). Igrejinha também tem decrescimento de -4,3%, assim como o VP de -5,24%, puxado pelos dois municípios. Ainda assim, Parobé manteve sua taxa de migrantes maior que o VP - 20,5% de uma população de 185.468 habitantes e o RS - 14,8% de uma população de 10.693.929 habitantes (Tabela 1).
O critério demográfico de análise do crescimento urbano (Carrion, 1996) utiliza a população como unidade de medida, destacando-se dois indicadores: a população urbana total e a taxa de urbanização (razão entre a população urbana e a população total). As taxas de urbanização de Parobé ficaram acima dos 90% nos anos 1991, 2000 e 2010, configurando um alto índice de crescimento urbano. Essa proeminência nas taxas de crescimento ocorreu, principalmente, pelo movimento de atração, causado pelas indústrias coureiro-calçadistas, de migrantes operários e agricultores operários locais para a zona urbana, onde se encontram as fábricas.
Contudo, a partir dos anos 1990, com o aumento da competição internacional, sobretudo dos países exportadores asiáticos, e a valorização da moeda brasileira nos primeiros anos do Plano Real, uma crise abalou a economia regional, que teve reflexos nas exportações de calçados brasileiros. A partir de então, a região passou por uma reestruturação nas bases produtivas, e esse fenômeno acarretou, dentre outros, transformações no porte das indústrias, puxado pela terceirização de parte do processo de produção do calçado. A crise de 2008 refletiu na população rural de Parobé, que segundo dados do Censo IBGE, teve um acréscimo de 114,56%, passando de 1.337 habitantes em 2000 para 2.869 habitantes em 2010.
Reestruturação produtiva é um termo usado para designar a sistematização das tarefas humanas de tal forma que atendam às novas diretrizes para o aumento da produtividade exigidas pelo mercado (Titton, 2011). A reestruturação produtiva foi percebida de forma expressiva a partir dos anos 2000 em Parobé. A cadeia de produção de calçados adotou a terceirização de modo significativo, o que reduziu o número de grandes estabelecimentos (acima de 500 funcionários segundo classificação do IBGE) e aumentou os pequenos (entre 20 e 99 funcionários) e micros (até 19 funcionários) estabelecimentos. Difundiram-se os ateliers, estabelecimentos de pequeno porte com até 99 empregados, onde o calçado pode ser produzido em partes ou por peças. Os ateliers são formas de terceirização da produção que contribuíram para a redução dos custos operacionais, estimularam a especialização e o aumento da produtividade, porém fragilizaram o vínculo entre contratante e contratado, já que a responsabilidade passa a ser administrada por muitas novas empresas, sem grande compromisso de formalidade, gerando economia com encargos trabalhistas. A distribuição territorial destes novos estabelecimentos reflete em uma cidade mais espraiada para as periferias.
O fenômeno pode ser verificado também nos vínculos de empregos, que, conforme os dados da RAIS do MTE, sofreram inversão em sua proporção. Em 1985, os grandes e médios estabelecimentos detinham a maioria dos postos de trabalho nas indústrias coureiro-calçadistas no VP, cerca de 17.150, enquanto os micro e pequenos detinham 3.119 postos. Em 2010 eram 13.845 empregados em estabelecimentos de micro e pequeno porte, enquanto os de médio e grande porte eram 18.675. A diferença muda bastante ao final da série (1985-2019), chegando a 2019 com os micros e pequenos estabelecimentos com 9.850 postos, e os de médio e de grande porte com 11.561 postos. Isso demostra o grande crescimento da participação dos micros e pequenos estabelecimentos na região, fruto da reestruturação produtiva vigente a partir dos anos 2000.
Ao examinar o número de indústrias coureiro-calçadista constata-se que o aumento no número destes estabelecimentos acontece nos mesmos períodos de aumento da população, embora algumas diferenças sejam encontradas. O período de 1985 a 2010 traz números de crescimento muito relevantes. Em 1985 eram 12 estabelecimentos, 26 estabelecimentos em 1990, 43 estabelecimentos 1995, 126 estabelecimentos em 2000, e 216 estabelecimentos em 2005. Em 2010 há um aumento de 25,91 vezes no número de estabelecimentos, chegando a 311. Já no ano de 2015 acontece uma redução de 50 estabelecimentos, totalizando 261. Ao final da série, verifica-se uma forte redução no número de estabelecimentos em Parobé de 311 (no período de maior pujança) para 182 estabelecimentos.
O número de vínculos de emprego produzidos pela indústria coureiro-calçadista é outro importante dado e demonstra o nível de importância do setor para o município (RAIS e MTE). Em 1985, Parobé contava com 2.489 postos. Já em 1990 esse número saltou para 7.513, tornando Parobé o município com mais postos de trabalho do VP. O número de vínculos continuou crescendo e chega a 9.363 em 1995. Já em 2000 ocorre uma pequena queda, fechando o ano com 9.219 postos. No ano de 2005 volta a crescer totalizando 9.907 postos de trabalho. O ano de 2010 aparece no topo com 10.056 postos, perfazendo 19,53% da população total ocupada no setor coureiro-calçadista. Os dois últimos anos da série, entretanto, registram quedas expressivas nos postos de trabalho, com 7.112 e 6.482 postos em 2015 e 2019 respectivamente. Só em 2019 Parobé perde 3.574 postos de trabalho em relação a 2010 (redução de 35,54%).
O Gráfico 1 monstra a evolução do número de vínculos de emprego das indústrias calçadistas nos municípios do VP na série histórica de 1985 a 2019, onde se verifica o município de Parobé na dianteira na quantidade de postos de trabalho entre todos os municípios do VP. Os dados do Gráfico 2 dão um panorama do impacto da reestruturação no porte das indústrias na região. Entre os municípios do VP que mais sentiram esta mudança está Parobé, que aumentou quase 30 vezes o número de postos de trabalho nos micros e pequenos estabelecimentos, passando de 91 em 1985 para 2.623 postos de trabalho em 2019. Outro dado que se destaca é a diminuição dos vínculos das indústrias de grande porte no decorrer da série. Há um crescimento exponencial 1990 até 2005, em 2010 acontece uma queda, que prossegue em 2015, chegando a 2019 com 2070 vínculos de empregos. As indústrias de médio porte mantêm uma constância entre aumentos e quedas, boa parte destas indústrias passaram a ser terceirizadas com a reestruturação produtiva.
Verifica-se uma relação importante entre a migração e as vagas de emprego na indústria coureiro-calçadista em Parobé. No início dos anos de 1990 as vagas de emprego começaram a subir consideravelmente, ano em que o número de migrações também foi muito alto, sendo 50% da população total composta por migrantes. Verifica-se o mesmo no ano de 2010, quando quase 1/3 da população era de migrantes e o número de vagas de empregos foi o maior da série de 1985 a 2019. Outra constatação é a redução da quantidade média do número de empregos por estabelecimento demonstrada pelos dados da RAIS, que confirma o cenário de reestruturação desde 2000.
Dados do RAIS de 2014 revelam que houve queda nas ocupações em Parobé, com ênfase no setor industrial. Em 2010 eram 13.966 pessoas, contra apenas 7.602 vagas ocupadas na indústria em 2014, caindo aproximadamente 54% (RAIS, 2016; Bassan, 2017). Com isso, houve uma pequena elevação no deslocamento de pessoas- desempregadas com o fechamento de indústrias calçadistas para a áreas rurais próximas à zona urbana de Parobé, particularmente, como alternativa de moradia, com valores de terrenos mais acessíveis (Bassan, 2017).
A extensão do crescimento da mancha urbana de Parobé aconteceu de forma linear, em um eixo demarcado pela RS 239, onde encontra-se grande número de indústrias coureiro-calçadistas (Figura 2). Por crescimento linear entende-se tanto a formação de um pequeno distrito ao longo de uma estrada vicinal, como também a extensão de um bairro periférico ao longo de uma avenida, ou ainda de uma urbanização pontual ao longo de uma estrada.
Segundo os conceitos de localização e espaço apresentados (Déak, 2016), no caso de Parobé, a ordem é estabelecida pelos proprietários dos meios de produção da indústria coureiro-calçadista. Toda sociedade precisa de um território. Com a divisão social do trabalho esse território é estruturado em espaços. Atividades industriais requerem uma localização, e entre esses locais se estabelecem interconexão conforme a interação entre aquelas atividades. Tal interconexão é a matéria constituinte do espaço e define como o espaço está estruturado. Parobé possui 14 plantas de fábricas no bairro Centro que ocupam uma grande área de solo nessa região tão importante para cidade, o que será abordado na sequência.
Partindo para uma visão socioeconômica, a Figura 3 representa a relação das indústrias coureiro-calçadistas com a renda, levando em consideração o número de pessoas responsáveis com rendimento nominal mensal com até 1 salário-mínimo – s.m. (ano de 2010) por setor censitário do IBGE. Percebe-se que o maior percentual de pessoas com rendimento mensal de até 1 s.m. está situado nas regiões periféricas e rurais dos municípios. A maioria das indústrias se encontram em regiões mais centrais dos municípios, que, geralmente, são mais bem servidas de infraestruturas. A região central é onde menos há pessoas com rendimento mensal de até 1 s.m. Identifica-se, portanto, que as indústrias coureiro-calçadistas estão presentes em áreas onde predominam moradores com rendimentos superiores, o que não denota a ideia de que os salários provenientes da indústria coureiro-calçadista (de forma direta ou indireta) indicam necessariamente uma melhor qualidade de vida para população.
Segundo dados do Atlas Brasil, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM de Parobé saltou de 0,600 em 2000 para 0,704 em 2010, considerado alto, ficando em quarto lugar entre os 6 municípios do VP. Os dados do IDESE de 2014, formados por 3 blocos de informações comparadas (renda, saúde, educação), apontam que Parobé tinha o menor índice entre os municípios do VP, 0,6656, considerado nível médio na classificação da FEE, enquanto os demais tinham índices acima de 0,700. Para a SEPLAN (2015), os indicadores sociais do COREDE, que reúnem dados da FEE, IBGE, do Atlas Socioeconômico do Rio Grande do Sul, dentre outras fontes, ao qual o VP pertence, apresentam problemas sobretudo no que se refere à educação e à renda. Na educação, há baixo percentual de matriculados no ensino médio e o alto grau de habitantes com ensino fundamental incompleto.
Aproximando-se da área central, o mapa da Figura 4 mostra a concentração de estabelecimentos terceirizados e não terceirizados em Parobé. Os dados dessa distribuição foram obtidos com os sindicatos de trabalhadores na indústria calçadista e os sindicatos das indústrias de calçados do VP, e levam em consideração indústrias filiadas e em situação ativa até 2020. Parobé figura com 192 estabelecimentos. O mapa de calor (que interpola os dados) usa um raio de 300 metros para definir a concentração e intensidade da presença das indústrias coureiro-calçadistas.
Boa parte das indústrias na região central estabeleceram-se no período inicial de desenvolvimento do município. Percebe-se no mapa (Figura 4) pelo menos 9 zonas de maior intensidade, nas quais a quantidade de estabelecimentos terceirizados são a maioria. Em mais da metade das zonas há presença de estabelecimentos não-terceirizados e plantas de fábrica com mais de 250 m², chegando, em algum caso, a ter mais de 100.000 m² (polígonos vermelhos). Levantam-se duas possibilidades. Na primeira, as indústrias não-terceirizadas recorrem a terceirização de parte de seus processos, o que leva ao surgimento de ateliers em seu entorno para realizarem essas atividades. Também é possível que os estabelecimentos de médio a grande porte, com maior capacidade de produção, optem por terceirizar parte de seus processos para dar conta da alta demanda. Isso pode levar ao aumento de ateliers no entorno, uma vez que as empresas não-terceirizadas podem escolher estabelecer-se em áreas próximas para facilitar a logística e reduzir custos de transporte.
A Figura 5 ilustra a evolução da mancha urbana com aproximação a duas áreas no entrono de grandes fábricas. O detalhe 1 mostra a área da BOTERRO, cuja construção ocorreu na década de 2000, com aproximadamente 50.000 m². Observa-se que em 2004 não existia mancha urbana nesse local, e em 2014 há uma mancha urbana consolidada que seguiu se ampliando até 2020. A Calçados Boterro funcionou como polo atrator na região sudoeste do município, transformando um bairro antes com características rurais (Fazenda Martins) em um bairro de grande fluxo de pessoas, atraindo comércio e serviços para a região, ocasionando um crescimento urbano significativo nos anos seguintes.
O detalhe 2 (Figura 5) se refere às áreas da AZALEIA SEDE INICIAL e AZALEIA (expansão que começou na década de 1970). O maior crescimento da mancha urbana no seu entorno acontece entre os anos de 1994 e 2004. Verifica-se a presença de várias indústrias terceirizadas contíguas. A Calçados Azaleia, fundada em 1958, hoje Vulcabras Azaleia, é a maior indústria de calçados presente no bairro Centro. Na década de 1990 a empresa contava com 10.000 funcionários somente na sua matriz que possuía 63.574 m² de área construída e um faturamento de R$ 504 milhões, atingindo um volume de 31 milhões de pares vendidos no ano de 1998 (Bosa, 2021a). A Vulcabras/Azaleia tem a maior planta de fábrica do VP, algo em torno de 100.000 m² de ocupação no Centro da cidade.
Os impactos no território causadas pela antiga Calçados Azaleia podem ser vistos na Figura 6 que detalha todas as áreas que estiveram ou continuam sobre seu domínio. Três são empreendimentos habitacionais. O número 1 é o loteamento da rua Olimpikus (batizada com o nome de umas das principais marcas esportivas da empresa), no bairro Guarani, um dos mais antigos de Parobé e próximo ao Centro, que ocupa aproximadamente 9.500 m². O segundo loteamento, em frente ao primeiro, na travessa Azaleia (n.º 5), ocupa um miolo de quadra de aproximadamente 1.720 m². Anos depois, um terceiro loteamento foi lançado, dando origem ao bairro Residencial Azaleia (n.º 12), com cerca de 176.000 m². O bairro Residencial Azaleia fica na periferia da cidade, onde hoje já existe um novo residencial conectado, o São João, e novos bairros próximos a ele.
Na região leste da cidade há um pavilhão desativado da Calçados Azaleia no bairro Vila Nova (n.º 3), de aproximadamente 10.800 m². Na região noroeste, no bairro Guarujá (que com o bairro Centro e o Guarani são os mais antigos da cidade), encontra-se a Associação Azaleia (n.º 2) que contém campo de futebol, pista de corrida e centro de cultura. Ao lado da Associação Azaleia está outro pavilhão de fábrica (n.º 9) com cerca de 87.300 m². Mas é no bairro Centro que está a maior estrutura construída pela Calçados Azaleia: pavilhões da matriz (n.º 10), clínica médica (n.º 11), creche Azaleia, administração, loja, terminal (ambos no n.º 8) e estacionamentos (n.º 6 e n.º 4), a qual fica em uma área contínua de aproximadamente 160.000 m² de ocupação do solo. Ainda, na zona rural, a Calçados Azaleia dispunha de uma Granja (n.º 7) onde se desenvolviam atividades ligadas a educação ambiental, cuja área aproximada é de cerca de 10 ha. A área total sobre influência da Calçados Azaleia chega ao montante de 645.820 m². Corroborando com Corrêa (1995), pode-se afirmar que os proprietários dos meios de produção industrial são os grandes consumidores do espaço urbano em Parobé (Figura 6).
A Calçados Azaleia foi uma das indústrias a realocar sua produção para os estados do Nordeste nos anos 2000. Outro fato a destacar foi a venda da Calçados Azaleia para a Vulcabras em 2007. Com o fechamento de parte da produção em 2009, houve a demissão de 800 funcionários, mantendo em funcionamento na cidade apenas o complexo tecnológico de desenvolvimento de calçados. O fechamento destes postos de trabalho afetou não apenas os trabalhadores diretos da empresa, mas também os negócios e serviços próximos que dependiam da renda gerada pelo movimento de funcionários da empresa.
Como resultado, a dinâmica social do entorno do complexo mudou significativamente e é sentida até hoje (Bosa, 2021b). Muitos dos equipamentos da empresa ficaram ociosos. Os estacionamentos (n.º 4 e n.º 6) hoje são vazios urbanos. A Associação Azaleia (n.º 2) por muito tempo ficou sem atividades, e raros são os eventos lá realizados. A creche (n.º 8) foi cedida ao município. A clínica médica (n.º 11) foi vendida para a Unimed. Parte dos pavilhões da matriz (n.º 10) está inativa, e cerca de 2.500 m² da área foi vendida para uma construtora local, onde há uma construção de um prédio residencial inacabado que se destaca na paisagem da cidade por sua altura. O local apontado no n.º 9 também ficou vago por alguns anos, e atualmente a Calçados Usaflex alugou os pavilhões ali presentes (Figura 6).
Além da Calçados Azaleia, outras plantas de fábrica estão presentes no bairro Centro. A Figura 7 apresenta 14 exemplos destas plantas de pavilhões, sendo 8 ativas (todas terceirizadas), 2 inativas (vazios urbanos – n.º 4 e n.º 9) e 4 com novo uso (comércio e serviços). Sete delas estão no entorno da Calçados Azaleia, as demais encontram-se nas proximidades da Praça 1º de Maio, localizada no bairro Centro. A localização da estrutura construída pela Calçados Azaleia fica em área privilegiada da cidade, próxima a importantes equipamentos urbanos (hospital regional, escola Engenheiro Parobé, câmara de vereadores, prefeitura e fórum, dentre outros) com grande potencial de ordenamento (Neves, 2015) e valorização do solo urbano.
Para complementar, traz-se o quantitativo em metros quadrados de solo ocupado pelas plantas de fábricas coureiro-calçadista no bairro Centro. Para esse cálculo considerou-se o valor aproximado fornecido pelo Google My Maps. Apesar de serem números aproximados, dão uma noção da extensão da presença física da indústria coureiro-calçadista em Parobé. A área ocupada por indústrias ativas no bairro Centro chega a 141.714 m², já a área ocupada por indústrias inativas no bairro Centro é de 11.330 m², totalizando uma área de 153.044 m². O bairro Centro tem área aproximada de 1.890.000 m², portanto os pavilhões de fábrica ocupam cerca de 8,1% do solo da área central da cidade. Algumas destas plantas de fábrica estão desativadas há muitos anos, fruto do processo de reestruturação produtiva, gerando espaços ociosos que modificam o cenário e a qualidade de vida da cidade.
Esse trabalho investigou a estruturação urbana do município de Parobé, sendo o elemento central das transformações a indústria coureiro-calçadista, a fim de evidenciar seus reflexos espaciais, demográficas, socioeconômicos e territoriais. Muitos dos processos identificados na região onde Parobé se insere são decorrentes da intensificação da globalização, que levam a transformações nos territórios, devido à busca por se inserirem, ou se manterem inseridos, neste contexto global.
O caso do município de Parobé demonstra como a indústria coureiro-calçadista transforma o espaço em localização, atuando muitas vezes como agente imobiliário (caso dos loteamentos), instituindo preço para se ocupar o solo, que, por sua vez, regula as quantidades relativas das mercadorias a serem produzidas e, assim, ao mesmo tempo, a distribuição espacial da produção no espaço urbano. A regulação da produção implica necessariamente em organização espacial, e, portanto, se reflete na configuração urbana da cidade.
Verificou-se como o vetor da configuração do espaço urbano é o modo capitalista de produção representado pelas indústrias coureiro-calçadistas nas cidades do VP e, em especial, em Parobé. Elas são indutoras das mudanças demográficas e agentes de transformação da base econômica local e regional. A grande concentração de plantas de fábrica nas áreas centrais revela o simbolismo que elas representam. Em Parobé verifica-se plantas de maior porte concentradas no bairro Centro, que indicam a participação da indústria na expansão da mancha urbana, uma vez que a localidade central é também o núcleo inicial d0 município.
No passado as grandes indústrias estabeleciam forte relação com seu entono. Como no exemplo da Calçados Azaleia, exerciam papel decisivo em diversas áreas da vida em sociedade (habitação, saúde, educação e lazer). No que diz respeito ao processo produtivo e as transformações no espaço urbano do entorno onde se implantaram, as interações com o lugar eram mais perceptíveis, seja no que diz respeito a impulsionar o setor de serviços ou à reprodução da força de trabalho. Na atualidade essas mesmas indústrias, ou pelo menos as que permaneceram sediadas em Parobé, mantêm uma relação estritamente ligada a distribuição de serviços terceirizados de partes da produção do calçado.
Uma possível mudança pode ser percebida nos novos usos dos pavilhões de fábricas de calçados inativos na área central, que podem representar uma nova fase - ainda que insípida - de transformação nas dinâmicas inerentes à transição da cidade industrial segregada do século XX para a cidade pós-industrial fragmentada social e espacialmente. Frente a isso, o município de Parobé ainda procura se reorganizar perante o reordenamento nas forças produtivas da região e interpretar outras formas de organização espacial.
O monopólio produtivo da indústria coureiro-calçadista e a concentração de esforços em um único tipo de produto causa um efeito de dependência muito elevado. As crises nacionais e globais afetam a comercialização do calçado produzido em Parobé e consequentemente a oferta de emprego. As indústrias reestruturaram sua forma de produção, disseminando a terceirização, que, por sua vez, fragilizam os vínculos empregatícios, diminuem os salários, ainda que mantenham a alta demanda de produção, e tornam as jornadas de trabalho mais exaustivas. Isso acarreta o empobrecimento dos trabalhadores, provocando declínio do consumo em parcelas da população. Parte da população, inclusive, retorna as áreas rurais em busca de moradia acessível. Portanto, afeta as bases da cidade do capital e leva a um estado de deterioração da qualidade de vida e do espaço urbano.
Em resumo, os principais efeitos espaciais relacionados a atividade industrial coureiro-calçadista em Parobé observados neste trabalho foram a ocupação de uma parte significativa do solo na região central por parte dos grandes estabelecimentos desde os primórdios e o processo de terceirização que pulverizou a atividade industrial na forma de micros e pequenos estabelecimentos. A configuração espacial resultante está expressa em uma urbanização de caráter extensiva, que carregara com si as condições urbano-industriais de produção (e reprodução).
Outra questão que merece ser observada é a deficiência de resultados sociais, pois a riqueza gerada pela indústria coureiro-calçadista não atende a totalidade da população. As melhorias na qualidade de vida da população trazidas pela indústria, são expressas em benfeitorias propostas por elas mesmas (fruto de pensamentos fordistas/tayloristas, pós-fordistas e toyotistas), como auxílio saúde, educação e equipamentos urbanos. Isso se desfez com o passar dos anos, e hoje muitas dessas estruturas encontram-se abandonadas, foram removidas ou estão sem acesso. Se outrora eram motivo de orgulho, agora são sinônimo de descaso. Isto revela que apesar da pujança econômica, com resultados expressivos em termos de produção industrial, arrecadação de impostos, e geração de empregos, estes chegam a apenas uma parcela da população. Atribui a Parobé o papel de produtor de bens de consumo não duráveis em grande escala, mas o maior montante do valor gerado é enviado para fora do município.
Os resultados representam uma leitura possível sobre a realidade do município e região. Esse trabalho procurou reunir informações históricas, socioeconômicas e espaciais, que podem servir de base para futuras pesquisas. Como desdobramento, a metodologia aplicada nesta pesquisa pode servir de referência para estudos de outras cidades e regiões, e propriamente aí reside outra contribuição desse artigo. Talvez seja possível a comparação com outras regiões, como o Vale dos Sinos, que compartilha semelhanças históricas, econômicas e culturais com o VP. Outra possibilidade de investigação está em correlacionar os dados obtidos nesta pesquisa com o regramento de ocupação do território estabelecido no plano diretor urbanísticos de Parobé.