Resumo: A constituição histórica, a atividade socioeconômica e as correlações espaciais de cidades pequenas e médias implicam sobre como pensar o desenvolvimento regional. O artigo propõe uma correção espacial socioeconômica intraregional e um comparativo entre as regiões do Brejo Paraibano na Paraíba e do Médio Vale do Itajaí (MVI), em Santa Catarina. A metodologia aplicada consiste no modelamento de um índice de desenvolvimento socioeconômico. O índice foi aplicado para duas regiões brasileiras. Posteriormente, o Índice de Moran Global e Local foi calculado para aferição de associação espacial intrarregional. Os resultados encontrados identificaram uma correlação espacial no MVI e por consequência a identificação de uma cidade média, Blumenau, dada sua relevância socioeconômica na região. No Brejo Paraibano os resultados não apontaram correlação espacial. A partir das aferições estatísticas e das constatações acerca dos eventos históricos que levaram a presente conjuntura das correlações espaciais, concluiu-se que os contextos estudados demandam diferentes abordagens quanto ao direcionamento subsídios para alavancar o Desenvolvimento Regional.
Palavras-chave: Cidades Pequenas e Médias, Brejo Paraibano, Médio Vale do Itajaí, Desenvolvimento Socioeconômico, Desenvolvimento Regional.
Abstract: The historical constitution, socio-economic activity and spatial correlations of small and medium-sized towns have a bearing on how to give thought to regional development. This article proposes an intraregional socioeconomic spatial correction and a comparison between the Brazilian regions of Brejo Paraibano (BP) in the Northeastern state of Paraíba and Médio Vale do Itajaí (MVI) in the Southern state of Santa Catarina. The methodology applied consisted of modelling a socio-economic development index, which was applied to two Brazilian regions. Subsequently, the Global and the Local Moran's Index was calculated to assess the intraregional spatial association. The results identified a spatial correlation in the MVI and consequently identified a medium-sized city, Blumenau, given its socio-economic relevance within the region. In BP, the results presented no spatial correlation. Based on the statistical measurements and the findings regarding the historical events that led to the present situation of spatial correlations, it was concluded that the contexts studied require different approaches in terms of targeting subsidies to leverage regional development.
Keywords: Small and Medium Cities, Brejo Paraibano, Middle Itajaí Valley, Socioeconomic Development, Regional Development.
Resumen: La constitución histórica, la actividad socioeconómica y las correlaciones espaciales de ciudades pequeñas y medianas implican cómo pensar el desarrollo regional. El artículo propone una corrección espacial socioeconómica intrarregional y una comparación entre las regiones de Brejo Paraibano, en Paraíba, y Médio Vale do Itajaí (MVI), en Santa Catarina. La metodología aplicada consiste en la modelización de un índice de desarrollo socioeconómico. El índice se aplicó a dos regiones brasileñas. Posteriormente, se calculó el Índice de Moran Global y Local para evaluar la asociación espacial intrarregional. Los resultados identificaron una correlación espacial en el IVM y, en consecuencia, la identificación de una ciudad de tamaño medio, Blumenau, dada su relevancia socioeconómica en la región. En Brejo Paraibano, los resultados no mostraron correlación espacial. A partir de las mediciones estadísticas y de los hallazgos sobre los acontecimientos históricos que condujeron a la actual situación de correlaciones espaciales, se concluyó que los contextos estudiados requieren enfoques diferentes en términos de focalización de subsidios para apalancar el Desarrollo Regional.
Palabras clave: Pequeñas y Medianas Ciudades, Brejo Paraibano, Valle Medio de Itajaí, Desarrollo socioeconómico, Desarrollo regional.
Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial
Correlação Socioeconômica Espacial de cidades pequenas: Brejo Paraibano (PB) e Médio Vale do Itajaí (SC)
Socio-economic spatial correlation of small towns: Brejo Paraibano (PB) and Médio Vale do Itajaí (SC)
Correlación espacial socioeconómica de pequeñas ciudades: Brejo Paraibano (PB) y Médio Vale do Itajaí (SC)
Recepción: 27 Abril 2023
Aprobación: 31 Octubre 2023
Desenvolvimento é um processo de transformação social que requer a mobilização de recursos para alcançar objetivos pré-definidos. Do ponto de vista socioeconômico, está relacionado ao acesso aos direitos básicos para uma vida digna. No entanto, o desenvolvimento não acontece de forma uniforme, por isso regionalizar é essencial para compreender as particularidades de cada espaço habitado. O Brasil é um país territorialmente extenso e profundamente diverso. Da perspectiva histórica, o primeiro grande marco da ação antrópica sobre a paisagem ocorreu com a chegada dos colonizadores europeus. Os primeiros assentamentos, tornaram-se núcleos urbanos concentrados na região litorânea. Muitos deles hoje constituem grandes centros como o Rio de Janeiro e Salvador. Todavia, à medida que a ocupação se solidificou, também se espraiou para as regiões interioranas do país, constituindo um expressivo número de cidades pequenas e médias1 .
As cidades pequenas e médias embora construam suas próprias redes hierárquicas e dinâmicas de mercado, não raramente precisam de subsídios de instâncias federativas superiores para superar adversidades socioeconômicas e prosperarem. Esses subsídios podem amparar políticas públicas e outras iniciativas que visam a diminuição das desigualdades e a prosperidade. Pensar estratégias práticas de direcionamentos de recursos é, no entanto, uma tarefa complexa. Gerir o desenvolvimento socioeconômico brasileiro requer um conjunto de procedimentos passíveis de replicação, mas sensíveis às realidades regionais - considerando as especificidades de cada recorte territorial; e intrarregionais - considerando as relações entre as pequenas municipalidades, as cidades médias e suas redes urbanas.
Para isso, é necessária a criação de mecanismos para medir a atual condição de desenvolvimento socioeconômico. A identificação de correlações espaciais entre os resultados aferidos dentro da rede urbana permite o direcionamento de recursos a municipalidades que possam irradiar o desenvolvimento socioeconômico, alavancando o desenvolvimento regional como um todo. Permite também a identificação de contextos prioritários, direcionando recursos com vistas a diminuição das desigualdades. Nesse contexto, o objetivo do artigo foi analisar a correlação espacial intrarregional com vistas a identificação da existência de uma cidade média, que possibilite a irradiação de desenvolvimento regional.
A escolha dos recortes territoriais de regiões interioranas do Nordeste e do Sul do Brasil, justifica-se por apresentarem cidades pequenas e médias, onde justamente a diferença entre seus contextos ajuda a confirmar a hipótese central. Entendendo-se que a hipótese é de que os fatores históricos e de ocupação são responsáveis pela presença ou ausência da correlação espacial entre as cidades pequenas e essa correlação advém de fatores históricos de ocupação e exploração do território, bem como do tipo de fragmentação territorial a que a região foi submetida. No trabalho os fatores históricos e de ocupação embasam a discussão dos resultados das correlações espaciais aferidas. Observa-se que as diferenças entre os cenários pesquisados facilitam a compreensão.
O artigo está divido em seis seções: a primeira consiste nesta introdução; a segunda corresponde ao referencial teórico que contextualiza histórica e conceitualmente o tema no Brasil, traz uma subseção sobre o Brejo paraibano no contexto da região do Agreste e outra que examina a atividade socioeconômica no Vale do Itajaí; a terceira explica a metodologia do trabalho; a quarta apresenta os resultados; a quinta faz a discussão da correlação socioeconômica espacial entre as cidades analisadas e a validação da hipótese de pesquisa; a sexta apresenta as conclusões.
O Brasil é um país de dimensões continentais, que o faz ocupar o quinto lugar em extensão territorial no mundo (IBGE, 2022). A abrangência do território torna o país diverso em sua geografia, cultura e política. No entanto essa heterogeneidade leva a disparidades no que tange a qualidade de vida e por consequência o próprio DR. A desigualdade tem raízes profundas, que se relacionam a contextos de escravidão, exclusão social e a falta de políticas públicas efetivas de combate à pobreza. Contudo, quando se analisa a desigualdade do ponto de visa da distribuição espacial, forma de ocupação no território e concentração de terras, estes fatores podem se mostrar variáveis determinantes.
Em geral, por todo o território brasileiro é possível identificar grandes disparidades sociais, dentre elas na distribuição de renda e de terras, nos índices educacionais, de saúde, entre muitos outros. No entanto, muitas dessas disparidades constatadas no país não são conjunturais, mas decorrentes de um encadeamento de ações que vem ocorrendo desde o surgimento do Brasil. No que se refere à questão fundiária, nota-se uma distribuição da posse da terra altamente concentradora desde a formação da propriedade (Alcantara Filho e Fontes, 2009 p. 64).
A compreensão da desigualdade advinda da ocupação das terras brasileiras requer uma análise da própria história do Brasil. Com a chegada dos portugueses, as terras brasileiras passaram ao domínio público de Portugal. No primeiro momento, a demarcação do território e o processo de formação da propriedade privada se deu por meio de capitanias e concessão de grandes porções de terras, chamadas sesmarias, a escolhidos da coroa portuguesa. No entanto, é em 1530 que a formação das propriedades começa a se consolidar. As terras dos sesmeiros foram demarcadas de maneira mais sistemática. O uso da terra colonial neste período baseou-se na exportação da cana-de-açúcar em um regime de monocultura com mão de obra escravizada. Sendo assim, a divisão territorial caracterizou-se por latifúndios que direcionavam sua produção ao mercado estrangeiro. Esse modelo de economia perdurou até 1850, quando a Lei de Terras (Lei 601) levou a demarcação das terras devolutas (Alcantara Filho e Fontes, 2019; Rodrigues, 2012).
A Lei de Terras, todavia, ao mesmo tempo legitimou a posse das sesmarias e estimulou a entrada de imigrantes no Brasil, uma vez que o fim do trabalho escravo já era previsto. Os imigrantes, contribuíram com a colonização das terras devolutas em especial no Sul do país. Na região Sul, a terra foi dividida em porções menores, e o intuito do uso das colônias foi o povoamento, não mais meramente a exportação (Herédia, 2021). Durante o período entre a Proclamação da República em 1889 até 1964, o problema da distribuição de terras foi posto de lado. Apenas em 1964 com o Estatuto da Terra, inicia-se a discussão da reforma agrária. No entanto, apesar de parecer um avanço para a questão distributiva da terra, e a modernização do campo, o caráter econômico prevaleceu sobre o social. O acesso ao crédito promoveu a modernização, mas quanto a reforma agrária pouco se fez (Alcantara Filho e Fontes, 2009).
Ainda que persistam os grandes latifúndios, em especial no Norte e Nordeste do país, remanescentes da condição histórica relatada, muitas grandes glebas fragmentaram-se em territórios administrativos menores. Isso se deu após o período colonial e teve ainda mais expressividade a partir da Constituição de 1988, que regulamentou a criação de novas municipalidades.
O ritmo da criação de municípios no Brasil variou do período colonial à República, no tempo e no seu vasto território. Contudo, foi na República que se verificou grande crescimento absoluto das municipalidades brasileiras. Duas constituições federativas se destacaram como “municipalistas”, a de 1946 e a de 1988, e elas contribuíram para a ocorrência dos principais surtos emancipacionistas do período republicano (Nunes e Matos, 2022 p. 03).
A criação desses novos municípios, de um lado, proporcionou autonomia as pequenas cidades, mas, de outro lado, fez com que esses municípios se tornassem dependentes de serviços e produtos advindos de centros urbanos geograficamente próximos, contudo mais bem estruturados do ponto de vista social e econômico. Essas centralidades regionais provedoras de produtos e serviços especializados, tornam-se articuladoras de toda a rede urbana2 regional. De acordo com Correa (2007), a essas cidades, entendidas como “lugar central”; que se caracterizam por uma poderosa concentração da oferta de bens e serviços para uma hierarquia regional; e que funcionam como centro de drenagem e consumo da renda fundiária e espaço de atividades especializada, é atribuído o termo “cidade média”.
As cidades médias, no contexto regional articulam e centralizam as dinâmicas econômicas das pequenas cidades adjacentes. Essa complementariedade entre as cidades pequenas e a cidade média levam a dinâmicas de DR específicas com diferentes graus de integração econômica e complementariedade espacial (Silveita e Faccin, 2021). Portanto, a significância das cidades médias sobre as questões econômicas e sociais regionais intrarregionais - das cidades pequenas em seu entorno - faz com que elas sejam estratégicas quanto às possibilidades de políticas públicas para o DR.
Entende-se que a relevância econômica, política e social da cidade média no contexto regional lhe coloca como protagonista no desenvolvimento de políticas públicas inovadoras e capazes de influenciar nas redes e dinâmicas regionais (Staviszki Junior, 2021 p. 409)
A identificação da articulação e das dinâmicas socioeconômicas entre a cidade média e as cidades pequenas adjacentes possibilita a promoção de políticas públicas a nível regional. De acordo com Keuler (2020, p.2672) “o desenvolvimento de uma região envolve a análise e compreensão das características sociais e econômicas da mesma” e a dependência espacial verificada sinaliza que projetos de enfrentamento à pobreza podem ter caráter intrarregional e com efeitos que podem transbordar as fronteiras municipais. Acerca do avanço de estudos a respeito do tema das desigualdades e do DR local, Resh et. al. 2020, faz uso da abordagem quantitativa, por meio de um índice para apontar disparidades socioeconômicas. Souza e Maraschin (2019) evidenciam como os modelos e análises estatísticas contribuem com a visualização das inter-relações socioespaciais entre cidades próximas em vistas do DR. Nessa esteira, Keuler (2020) recorre a metodologias de correlação espacial para mostrar que índices econômicos e sociais de um município tem influência sobre os índices de sua vizinhança, e Silveira e Faccin (2021) atrelam tal influência ao conceito de cidade média.
Nessa mesma intensão é possível mensurar o desenvolvimento socioeconômico das municipalidades que fazem parte de uma região de análise, a fim de evidenciar os pontos críticos. Também é possível identificar a complementariedade espacial dos resultados obtidos por meio da identificação de clusters3 (Scherer e Amaral, 2022). Por fim, há como encontrar alta significância de uma cidade sobre o desenvolvimento socioeconômico da região analisada, ou seja, é possível deduzir o comportamento de cidade média por parte de uma municipalidade em relação a rede urbana.
Partindo-se dessa premissa, dos conceitos de cidades médias, trazendo à luz as marcas históricas nas formações regionais do Brasil, e suas implicações no desenvolvimento econômico e social, dois recortes territoriais foram descritos e submetidos à análises de correlação espacial por fim comparados, foram eles: A região da Paraíba e Santa Catarina, a partir das regiões Brejo Paraibano - PB e Médio Vale do Itajaí -SC (Figuras 1 e 2). A escolha dos recortes territoriais se dá pelas diferenças geofísicas e históricas das regiões. O comparativo proporciona a aferição de como esses fatores implicam em maior ou menor correlação espacial entre as cidades pequenas, bem como a significância da cidade média sobre a região.
Iniciando a contextualização pelas questões geofísicas e climáticas, o Brejo Paraibano (Figura 1) tem uma realidade de luta histórica pelo acesso à água, em especial nas comunidades mais socioeconomicamente desfavorecidas, acometidas pelo contexto das secas, por características da região, e com a comercialização da água a altos custos. A distribuição desigual do escasso recurso hídrico constitui disputas políticas locais e conflitos (Goetzinger et al. 2020; Fernandes et. al, 2020). A distância entre o Brejo Paraibano e um expressivo nível de desenvolvimento socioeconômico é, no entanto, agravada pelo histórico de desigualdades sociais e disparidades econômicas, relacionadas à distribuição desigual do território, ainda no período da colonização.
A ação antrópica sobre a paisagem da região tem início a partir do marco da grande seca de 1692, quando o Brejo serviu de refúgio para os retirantes sertanejos. Com a expansão pecuária nos sertões, o Brejo foi efetivamente ocupado e suas terras doadas aos sesmeiros. Com a ocupação colonial, a grande fazenda tornou-se a unidade de divisão territorial padrão. Essas propriedades permitiram o domínio socioeconômico por parte de uma elite latifundiária característica do interior do Nordeste. O espaço agrário nordestino foi pautado no tripé: latifúndio, monocultura e trabalho escravo (Torres, 2020). A cana-de-açúcar e culturas de subsistência tornaram-se dominante na paisagem, e a farinha de mandioca e a rapadura consolidaram-se como os principais produtos comerciais (Marques, 2005). Nesse cenário, de escravidão, latifúndios e uso da terra para a produção açucareira em larga escala, destinada à exportação, nota-se que o início da colonização tem caráter mais exploratório do que de povoamento.
Com a crise da atividade açucareira na segunda metade do século XVII, a compra de escravos tornou-se muito onerosa para os senhores de engenho que, endividados, passaram a facilitar o estabelecimento de moradores nas suas propriedades. Os trabalhadores das grandes fazendas podiam cultivar um pedaço de terra e, em troca, deviam prestar dias de trabalho gratuito ao dono do engenho, constituindo um regime de servidão (Torres, 2005). Destacaram-se também, além da produção do açúcar em si, a produção do açúcar mascavo, e posteriormente da aguardente e da rapadura. A cana era produzida na região serrana do Brejo e processada em engenhos, o que culminou no início dos “ciclos econômicos do Brejo” (Rodrigues, 2012). No período após o auge da produção açucareira, a produção no Agreste, e no Brejo Paraibano, voltou-se para a atividade pecuária. No interior da Paraíba, os vaqueiros e seus agregados conciliavam trabalho na fazenda e produção familiar de alimentos. Era uma jornada dupla de subsistência e abastecimento do grande estabelecimento capitaneado pelo fazendeiro. Nas unidades domésticas dos trabalhadores eram cultivados o milho e feijão, que se juntavam à pecuária de caprinos, em especial nos espaços mais húmidos. Já nas grandes fazendas predominavam os bovinos e os cavalos de serviço (Marques, 2005).
O desenvolvimento do capitalismo na agricultura paraibana, da mesma forma que contribuiu para expandir o avanço do assalariamento, contraditoriamente, o capital também permitiu a reprodução de formas camponesas de produção, como o sistema de morada, a parceria e o arrendamento (Torres, 2020 p. 200)
Com o declínio do mercado açucareiro, o cultivo do algodão passou a ter destaque, possuindo a vantagem de ser compatível com o cultivo do milho e do feijão (Rodrigues, 2012). Assim encontrava-se montado o novo tripé da economia sertaneja: gado-algodão-policultura alimentar (Torres, 2020). Com o declínio da produção algodoeira, a produção de cana voltou ao protagonismo. Por fim, após 1850 o café entra em cena, o protagonismo da agricultura cafeeira durou cerca de duas décadas, até a chegada de pragas. A agricultura do Brejo Paraibano, mais uma vez volta à produção de cana-de-açúcar, com a criação do primeiro engenho na região em 1928. Também se direciona à produção de alimentos com a banana, criação de gado e surge à produção do sisal. É, todavia, somente na década de 1970, que profundas transformações acontecem. Os anos 1970 foram marcados pela crise sisaleira, e em 1975 é criada o Proálcool - Programa Nacional do Álcool, que objetivava substituir o uso de derivados do petróleo pelo álcool carburante. Também a modernização da agricultura e as possibilidades geradas pelo crédito concedido ao setor levaram a um novo patamar técnico de produção, uso maquinário e de fertilizantes. Esse processo, de outro lado, também levou, à uma expropriação de trabalhadores rurais (RODRIGUES, 2012). Na década de 1980 o desenvolvimento da indústria química e da mecânica pesada se fizeram presentes. Por fim, com a crise da Proálcool (1986), e um período prolongado de seca, a economia fica estagnada por duas décadas, retornando à agricultura familiar (Rodrigues, 2012).
Na década de 1990 é a agropecuária que dá um salto tecnológico, introduzindo um novo padrão alimentar ao rebanho, com aplicação das pastagens artificiais, uso de ração e produtos farmacêuticos. Como resultado desse processo, há mais uma expulsão-expropriação dos camponeses e intensificação do trabalho assalariado. No período recente, atividades como o turismo e o mercado imobiliário de luxo tornam-se presentes na região do Brejo Paraibano, em especial no município de Bananeiras (Rodrigues, 2012). Ainda assim, as implicações socioeconômicas advindas da má distribuição territorial repercutem nos índices de desenvolvimento da região. Com relação à fragmentação do território a criação de novas municipalidades, dos 8 municípios pertencentes à microrregião, Bananeiras é o mais antigo, originado por Lei Provincial em 1835 é elevado à categoria de município em 1879. Já Areia é desmembrada de Mamanguape em 1846, seguida por Alagoa Grande, desmembrada de Areia em 1856. Os municípios de Serraria (1893) e Pilões (1953) constituem uma complexa serie de desmembramentos do mesmo distrito. Borborema é desmembrada de Bananeiras em 1959 e Matinhas somente no ano de 1994 passa à categoria de município, advinda do desmembramento do município de Alagoa Nova.
Nota-se que a fragmentação territorial do Brejo Paraibano é bastante anterior a do Sul do Brasil, e profundamente mais complexa no que tange ao fator social. Iniciada com as sesmarias, que se constitui em latifúndios, a região ainda é marcada pela forte desigualdade socioeconômica.
O MVI (Figura 2), em oposição ao cenário de falta d'água encontrado no Brejo Paraibano, é uma região que sofre com o excesso d'água. A região é acometida por cheias, deslizamentos de massa e enxurradas com ciclos de recorrência, e que causam impactos sociais e econômicos, como gastos advindos do aumento da necessidade de serviços de saúde e perda de patrimônio (Goetzinger et al. 2020). Esse cenário de adversidade é causado pela forma de ocupação do território. A ocupação das áreas de planície de inundação do rio Itajaí-Açú e de seus afluentes que cortam a região, ocorreu desde a época da colonização, e permitiu a dinamização e consolidação da economia por meio do uso de energia hidrelétrica para a indústria, mas também gerou impactos sociais advindos da elevação do nível das águas nas áreas urbanizadas (Seibert 2006). Já o espraiamento do centro urbano, especialmente na cidade de Blumenau, levou à ocupação de áreas de risco de deslizamentos de massa (Fernandes et al, 2020). Ainda assim, a distribuição da terra ainda é mais igualitária do que em outras regiões do Brasil, em que as desigualdades socioeconômicas são ainda maiores.
A ocupação do MVI deu-se a partir de uma colônia de povoamento em 1850. Imigrantes alemães e posteriormente italianos passaram a modificar a paisagem antes habitada pelos povos tradicionais. Com a vinda dos imigrantes, o território passa a contar com uma estrutura minifundiária, baseada na policultura de subsistência. No MVI não houve emprego de mão-de-obra escrava, mas de mão-de-obra familiar. Trata-se de um quadro diferente do ocorrido no restante do país, que possuía uma economia agroexportadora baseada em latifúndios, monocultura e trabalho escravo. Esse modelo de ocupação levou a uma melhor distribuição da renda do que em contextos como o Nordeste (Seibert, 2006). No que tange a dinâmica socioeconômica, as relações capitalistas na região do MVI se deram a partir da venda das terras do Estado para os colonizadores, possibilitada pela Lei de Terras (1850). A exploração da madeira e comercialização do excedente agrícola foram a primeira fonte de renda (Santos e Garrote 2022). No MVI colonial, o DR era entendido como desenvolvimento econômico e por consequência social, com a criação de equipamentos urbanos e espaços de socialização. Outros aspectos do DR como a preservação ambiental e respeito às condições geofísicas e climáticas - que hoje são uma adversidade dada a forma de ocupação do território - foram deixadas em segundo plano, por conta da abundância de recursos e necessidade da construção dos assentamentos (Seibert, 2006; Santos e Garrote, 2022).
O desenvolvimento socioeconômico veio atrelado ao prévio conhecimento artesanal e experiência industrial. A possibilidade do uso da energia hidrelétrica, proveniente do Rio Itajaí-Açú levou ao desenvolvimento da indústria nas imediações de Blumenau, que foi se disseminando pelos demais municípios do Vale. Com a indústria, desde a década de 1930 a economia é deslocada da área rural, agrícola, para as áreas urbanas. Quanto às atividades produtivas, a expressividade do setor têxtil e da tecelagem torna a região referência no cenário nacional. Também se torna expressiva a indústria metalmecânica, não somente em Blumenau, mas também em cidades vizinhas. Nos anos 1970 o setor têxtil expandiu-se para outros estados, em especial na região Nordeste. Na década de 1980, todavia, o mercado do MVI sofre com os efeitos da globalização e as empresas têxteis optam pela diversificação de atividades. A dispersão da indústria coincide com os acréscimos populacionais nas cidades pequenas vizinhas a Blumenau (Seibert, 2006).
No presente momento, embora não seja possível ainda falar em uma região conurbada, a integração entre as cidades do MVI é evidente. A economia tem se voltado ao setor de serviços, ao turismo e ao setor tecnológico, a exemplo da indústria de software (Corrêa, 2021). A BR-470, rodovia que corta os municípios da região, também contribui para a integração regional. A rodovia facilita o fluxo de pessoas e o escoamento de mercadorias para o porto de Itajaí, no litoral catarinense, facilitando a exportação e importação de produtos. Esse fator em conjunto com o robusto desenvolvimento da indústria e retorno do capital gerado para a própria região contribui para a o desenvolvimento socioeconômico e o DR. Por fim, atentando a fragmentação das cidades, que ocorre concomitante ao fortalecimento da economia, no MVI desmembra-se inicialmente de um mesmo município, Itajaí que dá origem aos municípios de Brusque e Blumenau. Todos os municípios existentes hoje na região advêm de desmembramentos desses dois municípios. De 1930 a 1936, Gaspar, Indaial e Timbó são desmembrados de Blumenau, e Rodeio é desmembrada de Timbó. Entre 1958 e 1964, Pomerode é desmembrada de Blumenau, e Guabiruba e Botuverá de Brusque. Já Rio dos Cedros é desmembrada de Timbó, Rodeio e Ascurra de Indaial, e Benedito Novo é desmembrado de Rodeio. Por fim, entre 1989 e 1992, Dr. Pedrinho é desmembrado de Benedito Novo e Apiúna a partir de Indaial (Seibert, 2006). A fragmentação de todos os municípios do MVI de Blumenau (10) e Brusque (2) fazem com que Blumenau, núcleo urbano do período colonial, se consolide como cidade de expressiva influência no MVI.
A fragmentação territorial do MVI, diferentemente do Brejo Paraibano ocorreu em paralelo com a criação de rotas de comércio e estradas, que por sua vez levaram a integração socioeconômica das cidades da região.
Para fins de sintetizar as semelhanças e diferenças entre as cidades e regiões analisadas foi montado um quadro. Essa sistematização tem por objetivo contribuir com a discussão sobre os resultados aferidos, da presença ou não de correlação espacial e significância entre as cidades e a presença de uma cidade média nas regiões de estudo.
Relacionadas a diferenças e similaridades, retorna-se aos conceitos iniciais, de correlação espacial e significância, que levaram ao agravamento de disparidades territoriais, a interdependência regional e a constituição de cidades médias. Partindo de uma estratégia não convencional, buscou-se o amparo na análise de dados estatísticos para a compreensão da funcionalidade da cidade média no contexto regional.
A análise exploratória de dados é muitas vezes preterida ou dispensada em trabalhos que buscam identificar ou entender melhor dinâmicas espaciais. Isso porque existe uma ideia de que tais estudos são dispensáveis, no entanto, eles apresentam um relevante potencial de demonstrar relações de dependência espacial e ou de auxiliar na escolha de modelos estatísticos mais robustos que sejam mais adequados ao tipo de evento que ali se expressa (Pereira et al. 2020 p. 3-4).
Diante dessa problemática, o Índice de Moran, de autocorrelação espacial é uma técnica amplamente utilizada para a compreensão de processo e sua relação com o espaço. O Índice de Moran Global estima quanto um valor de uma variável se expressa em uma região geográfica. Nesse estudo o índice de desenvolvimento socioeconômico corresponde a variável de análise. A ideia básica é estimar a magnitude da autocorrelação espacial entre as áreas. Neste caso, as ferramentas utilizadas são vinculadas ao índice global de Moran, tal como aponta Câmara (1996).
Quando se dispõe de grande número de áreas, resultantes por exemplo de escalas espaciais detalhadas, a natureza dos processos envolvidos é tal que é muito provável a existência de diferentes regimes de correlação espacial em diferentes sub-regiões. Para evidenciar estes regimes espaciais, pode-se utilizar os indicadores locais de autocorrelação espacial e o mapa de espalhamento de Moran (Camara et al. 1996, p.33).
Havendo a presença de clusters na região, nota-se uma relação intrarregional. Quando a relação é homogênea, ou seja, uma relação de crescimento conjunto do índice de desenvolvimento socioeconômico, políticas públicas em qualquer ponto do cluster auxiliam o desenvolvimento de todo o cluster. A relação heterogênea, no caso do desenvolvimento socioeconômico e DR não é esperada, pois dificilmente políticas públicas em uma municipalidade implicarão negativamente na municipalidade vizinha. Por fim, um último esforço é realizado ao verificar a significância do índice da cidade média em relação as demais. Trata-se do uso do índice de Moran Local (LISA Map) para identificar a cidade que mais possui influência na região analisada. Espera-se um índice alto de significância para cidades consideradas médias, ou seja, realmente influenciam o cluster a que pertencem.
Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa, decorrente da adaptação do Índice de Desenvolvimento Regional (IDR) de Resch et al. (2020) por sua vez baseado em Ferrera de Lima et al, (2011), Oliveira e Piffer (2016) e Oliveira, Piffer e Strassburg (2019). O índice é utilizado como alicerce para a análise das condições socioeconômicas das duas distintas regiões brasileiras constituídas por cidades pequenas e médias. Portanto, a escolha dos indicadores que compõe o índice se deu pela necessidade de analisar de forma conjunta as questões sociais e econômicas. A escolha das variáveis que compõem os indicadores se deu pelos critérios de disponibilidade de dados recentes no âmbito municipal e clara relação com os indicadores propostos.
Para o indicador econômico foram escolhidas como variáveis o Produto Interno Bruto (PIB) per capita em reais, o total de receitas arrecadas em porcentagem, empregos com carteira assinada e empregos sem carteira assinada, também em porcentagem, dados de arrecadação de IPVA . ICMS total em reais e o índice de Gini. Para o indicador social as variáveis elencadas foram: a porcentagem de cobertura vacinal, a porcentagem de população rural e de população urbana, as porcentagens de domicílios com energia elétrica, tratamento de esgoto, coleta de lixo e água encanada, e por fim, a expectativa de anos de estudo. Os mapas e figuras utilizados para ilustrar as regiões e os resultados do artigo foram elaborados no software de domínio público para georreferenciamento QGis, RStudio para análise de dados, e o Excel foi usado para a confecção de tabelas e quadros quantitativos.
Para a construção do índice, foram seguidas as seguintes etapas:
1. Definir as variáveis a serem avaliadas;
2. Calcular a Participação de cada Município em relação ao total da região;
3. Calcular os índices Parciais de cada variável para cada município;
4.Construção dos indicadores sociais e econômicos: Com isso, deve-se atribuir pesos diferentes aos indicadores e a soma dos pesos, em módulo, são iguais a 1;
5. Criação do Índice de Desenvolvimento Socioeconômico.
Para o cálculo do índice, foi efetuada uma média ponderada dos indicadores multiplicados pelos seus respectivos pesos. As seguintes etapas foram empreendidas:
1. Definir a importância relativa de cada dimensão;
2. Definir a importância relativa de cada indicador dentro de cada dimensão.
Em seguida é feita a análise da distribuição e correlação espacial dos dados obtidos conforme:
1. Classificação dos municípios por meio de um histograma com foco nos percentis, tendo como base o IDSi criado e apresentação dos resultados em um mapa de quartis. 2. Aplicação do Índice de Moran Global; 3. Aplicação da estatística LISA para aferição de associação espacial local.
O procedimento adotado para a criação dos indicadores e, por fim, do índice consistiu em coletar as variáveis de todos os municípios das microrregiões analisadas, isto é, dos 14 municípios do Médio Vale do Itajaí e dos 8 municípios do Brejo Paraibano. Em seguida as variáveis foram agrupadas nos respectivos indicadores social e econômico. A participação de cada município foi calculada por meio da fórmula abaixo, em que Part. é a participação da variável W do município i e ∑Wi corresponde ao valor total da região analisada.
A elaboração do índice se deu pela fórmula abaixo, onde o IDSi é o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico; o ISi é o indicador econômico do município i, e o IEi é o indicador social do município i. Como dito anteriormente, o IDSi é estimado a partir de uma média ponderada, para o indicador social, foi atribuído peso (0,4) e para o indicador econômico foi atribuído peso (0,6). Segundo Oliveira e Piffer (2016), para o indicador econômico, o peso maior é explicado devido ao crescimento econômico que consequentemente pode aumentar seu indicador social, uma vez que uma economia saudável e próspera pode proporcionar benefícios como a geração de empregos, aumento da renda e investimentos em áreas sociais, como saúde, educação e saneamento básico. Considerando os resultados obtidos e levando em consideração a classificação proposta por Ferrera de Lima et al. (2011), o IDSi é classificado em três categorias que representam o nível de desenvolvimento dos municípios em estudo.
IDSi = ( ISi * 0,4) + (IEi * 0,6)
Para classificar os municípios, foi adotada uma abordagem que permite a identificação de categorias de desenvolvimento socioeconômico com base em intervalos de valores correspondentes aos percentis calculados, visando a comparação e diferenciação entre as regiões. Com a análise dos percentis buscou-se classificar os municípios como: "avançados", "em transição" e "retardatários". Para cada categoria, foram definidos intervalos de valores dos índices de desenvolvimento socioeconômico correspondentes aos percentuais calculados, permitindo a classificação dos municípios nas respectivas categorias.
Para a análise do comportamento das variáveis no território recorreu-se a estatística espacial, por meio da Análise Exploratória de Dados Espaciais (AEDE), que aponta padrões de distribuição espacial. A técnica fornece medidas globais e locais de autocorrelação espacial, podendo ser verificada por meio de testes de associação espacial.
A presença de autocorrelação espacial, medida estatística que avalia a relação entre os valores de uma variável em diferentes locais de uma determinada área geográfica, indicando a existência ou inexistência de padrões de similaridade ou dissimilaridade espacial nos dados, é detectada por meio de estatísticas globais, nas quais os dados são analisados de maneira generalizada, avaliando a associação espacial de uma região como um todo, indicado o nível de interdependência geográfica entre as variáveis de interesse, sua natureza e o grau de relação - Índice de Moran Global. O índice situa-se entre -1 a +1, testando a hipótese nula de que há independência espacial ou ausência de autocorrelação espacial (I=0). No caso de I≠ 0 existe uma dependência espacial ou presença de autocorrelação. Valores positivos e significativos assinalam uma dependência ou autocorrelação espacial positiva, e valores negativos e significativos indicam a presença de uma autocorrelação ou dependência espacial negativa, isto é, oposta em relação aos vizinhos. O índice é expresso por:
Um dos indicadores capazes de capturar esses efeitos é indicador LISA. Para Anselin (1995) pode ser considerado um indicador LISA qualquer estatística que satisfaça os critérios de: a) possuir para cada observação uma indicação de clusters espaciais significantes de valores similares em torno da observação e b) apresentar o somatório dos LISAs para todas as regiões proporcional ao indicador de autocorrelação espacial global. A partir dos resultados gerados pela estatística LISA, pode-se determinar quatro padrões de autocorrelação espacial, que indicam a formação de clusters. Estes padrões são definidos como Alto-Alto (AA) e Baixo-Baixo (BB), que apontam as regiões que apresentam uma associação espacial homogênea. Enquanto os padrões Alto-Baixo (AB) e Baixo-Alto (BA) indicam padrões heterogêneos de associação espacial.
Para interpretação dos resultados foi feito uso de Sistema de Informações Georreferenciadas (SIG). Para Câmara et al. (1996), o SIG permite caracterizar a forma de organização do espaço, no entanto, como os autores ressaltam não captura, mas a função de cada um dos componentes. O método permite estabelecer qual a estrutura do espaço, mas dificilmente pode-se estabelecer a natureza dinâmica dos processos, sejam naturais ou sociais. A relação entre a estrutura e o processo apenas poderá se resolver quando a combinação entre técnicas analíticas, e as conclusões do especialista, que compreende a dinâmica do processo. Portanto, buscou ainda uma análise crítica dos resultados obtidos. Os dados analisados foram obtidos do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil (ATLAS BR), no Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades – Brasil (IDSC-BR), no Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN PB), na Secretaria de Estado da Fazenda (SEFAZ PB) e (SEFAZ SC). A área de estudo foi analisada a partir de dados correspondentes aos anos entre e 2010 e de 2021.
Os quadros a seguir apresentam as classificações de IDSi utilizadas, bem como os intervalos de valores do IDSi correspondentes a cada classificação para as duas regiões em estudo:
O quadro IV apresenta os valores de IDSi considerados para o Brejo Paraibano.
O quadro V apresenta os valores de IDSi considerados para o MVI.
A tabela I apresenta os valores de IDSi aferidos para o Brejo Paraibano e para o MVI
Fonte: Elaborado pelas aturas.
O mapa de quartis para o Brejo Paraibano apresenta os municípios a partir de divisões do IDSi. A cor mais escura é usada para representar os valores mais altos e a cor mais clara é usada para representar valores mais baixos.
Aplicando o Índice de Moran, não se encontrou correlação espacial, ou seja, não foram identificados clusters.
O mapa de quartis para o MVI também apresenta os municípios a partir de divisões do IDSi. A cor mais escura é usada para representar os valores mais altos e a cor mais clara é usada para representar valores mais baixos.
No caso do MVI, aplicando o Índice de Moran, foi encontrada correlação espacial, entre os municípios contíguos de Blumenau, Gaspar e Guabiruba (Alto-Alto) e Ascurra e Benedito Novo (Baixo-Baixo). Sendo assim, no caso do MVI foi feito uso do indicador LISA, de associação espacial local para aferição da significância de cada municipalidade, o que resultou em um expressivo destaque para a cidade de Blumenau.
Embora com semelhanças como adversidades climáticas, presença de economia relacionada ao setor agrícola e agropecuário, desenvolvimento econômico ligado à indústria têxtil e localização interiorana no respectivo estado, os recortes de estudo apontaram realidades distintas quanto ao IDSi, presença de correlações espaciais e de significância. Comparando as regiões entre si, o IDSi apontou um maior nível de desenvolvimento socioeconômico na região do MVI em relação ao Brejo Paraibano, em números absolutos. Nesse sentido também os valores mínimos do IDSi do MVI foram superiores aos mínimos do recorte do Brejo e os valores máximos do IDSi do MVI também foram superiores no comparativo.
Quanto às classificações no contexto intrarregional, no Brejo Paraibano os municípios de Areia, Alagoa Grande, Alagoa Nova e Borborema tiveram o resultado do índice como avançado. Já no MVI os municípios de Blumenau, Brusque, Botuverá e Gaspar tiveram essa mesma classificação. Os municípios de Pilões no Brejo Paraibano e de Ascurra e Apiúna no MVI foram classificados como em transição e os municípios de Matinhos e Serraria (Brejo Paraibano) e Benedito Novo e Doutor Pedrinho (MVI) foram classificados como retardatários. A aplicação do Índice de Moran Global para o Brejo Paraibano não apontou autocorrelação espacial, ou seja, não há correlação entre os valores do índice em um município e os valores das variáveis das localidades vizinhas. Já no caso da aplicação para o MVI foi encontrada correlação espacial, ou seja, formação de clusters, tanto AA quanto BB, o que indica associação espacial homogênea. Padrões heterogêneos de associação não foram encontrados.
Ainda no contexto do MVI, o município de Blumenau apresentou maior significância, neste caso, influência sobre os IDSi dos municípios vizinhos. Nesse sentido, o resultado do MVI indica que as ações voltadas ao desenvolvimento socioeconômico de qualquer municipalidade pertencente ao cluster implica na melhoria do desenvolvimento socioeconômico da vizinhança. Com a constatação de que Blumenau constitui significância, ou seja, influência no crescimento das variáveis das cidades vizinhas, entende-se que é possível direcionar políticas públicas a essa cidade a fim de melhorar os índices de desenvolvimento socioeconômico, e por consequência de DR na região como um todo.
O resultado blumenauense quanto a significância vai ao encontro do conceito de cidade média, determina as cidades médias como aquelas que influenciam as cidades pequenas de seu entorno e dependência. O expressivo grau de significância da cidade de Blumenau em relação as demais era esperado. O processo de ocupação da região do MVI no período colonial teve início na parcela territorial que hoje compreende o município de Blumenau. A divisão das terras em lotes coloniais e os primeiros comércios e serviços e a industrialização irradiavam dessa área. Com o aumento populacional no MVI e acompanhando a tendência nacional, Blumenau, que antes compreendia todo o território do MVI, fragmentou-se no demais municípios. Ainda que tenham passado várias décadas desde a criação dessas novas municipalidades, a significância socioeconômica de Blumenau permanece, o que prova, mais uma vez, que os processos históricos de ocupação, divisão territorial e uso do solo influenciam a longo prazo o DR.
Por outro lado, um cluster de municípios menos desenvolvidos na região do MVI, também é encontrado, e corresponde aos municípios de Ascurra e Benedito Novo. Pode-se especular que esse resultado advenha da distância territorial entre essas municipalidades e a cidade média, Blumenau, dificultando o acesso a produtos e serviços. No entanto essa hipótese não é válida ao município de Doutor Pedrinho, cuja distância de Blumenau é ainda maior. Nesse sentido, uma segunda hipótese é lançada: a relação de Doutor Pedrinho com outra cidade média fora da área de estudo. Para a testagem dessa possibilidade a metodologia teria que ser reaplicada em um recorte territorial maior.
Os resultados para o Brejo Paraibano, por sua vez, mostraram falta de correlação espacial para o IDSi, o que levou a hipótese de a cidade média desta rede urbana não estar contida na região analisada, e sim em seu entorno. Uma hipótese é a influência do município de Campina Grande, que fica próximo ao território estudado, e cujas influências em termos sociais, políticos e econômicos diluem um pouco qualquer dinamismo de destaque dos municípios analisados. Também, a fragmentação territorial não ocorrida a partir de uma mesma cidade pode estar vinculada a essa situação. Ainda assim, dada a expressividade econômica do município de Bananeiras, em especial nos anos recentes, considerando que o mercado turístico e de empreendimentos imobiliários de luxo vem crescendo nesse município. Esperava-se que essa cidade apresentasse correlação espacial homogênea com seu entorno e certo grau de significância quando ao IDSi, configurando-a, assim como Blumenau, em um status de cidade média. Bananeiras inclusive obteve IDSi menor que Areia, emancipada em 1846 de Mamanguape, uma cidade fora da região analisada. A falta de correlação espacial entre as cidades no Brejo Paraibano demonstra que não há uma relação direta entre os índices de desenvolvimento socioeconômicos de uma cidade e sua vizinhança. Assim uma estratégia de DR para essa região seria a diminuição das desigualdades por meio do direcionamento de políticas públicas para o desenvolvimento de contextos prioritários, ou seja, com maiores deficiências socioeconômicas. Atentando aos municípios prioritários, diminui-se a desigualdade social, o que pode levar a um aumento nos índices de DR.
Comparando as duas realidades, a possível explicação para a presença de correlação espacial no MVI e ausência de correlação espacial no Brejo Paraibano pode ser feita a partir da análise histórica da ocupação e fragmentação do território. A primeira diferença vem da divisão territorial, enquanto o MVI foi colonizado por meio de minifúndios, a ocupação latifundiária do Brejo Paraibano dificultou a criação de uma rede urbana. A correlação espacial entre os municípios no entorno de Blumenau ocorre porque a rede urbana já estava consolidada no momento da fragmentação do território em novas municipalidades. Já a significância de Blumenau quanto ao índice de desenvolvimento socioeconômico da região tem explicação pois essa cidade constituiu o primeiro assentamento, e protagonizou a industrialização e as relações comerciais no MVI. Quanto aos critérios relacionados a desigualdade social, a estrutura latifundiária somada a escravidão e controle de uma elite sobre os recursos hídricos são razões históricas para o menor índice de desenvolvimento socioeconômico em relação a região sulista analisada. Também, a economia colonial voltada à exportação (a exemplo da cana-de-açúcar), e a falta de reinvestimento dos lucros gerados em questões sociais e de infraestrutura levaram a uma condição mais adversa quanto a busca pelo DR.
As diferenças na ocupação, determinação de uso do solo e atividades produtivas levam a marcos na formação socioeconômica e regional que dificilmente são apagados no tempo. A aferição estatística da correlação espacial entre as variáveis de desenvolvimento socioeconômico e a consciência a respeito dos eventos históricos que levaram a esse cenário são fundamentais para a elaboração e aplicação de políticas públicas. Considerando que as cidades médias possuem papel articulador na rede urbana, proporcionar o desenvolvimento socioeconômico e consequentemente o DR dessas cidades beneficia as populações de todas as pequenas cidades no entorno quando há identificação de associação espacial homogênea, tal como ocorreu nesse estudo para o município de Blumenau. Por outro lado, direcionar recursos a políticas públicas nas municipalidades com um nível de desenvolvimento socioeconômico muito mais baixo, em especial quando a correlação espacial não é aferida, tal como acontece no Brejo Paraibano, é uma necessidade estratégica para aumento dos níveis de DR por meio da diminuição de desigualdades socioeconômicas.
A criação do índice para medir o desenvolvimento socioeconômico, a compreensão das relações entre as cidades que formam uma região, e os comparativos intrarregionais, permitem compreender a dinâmica da rede urbana. A correlação espacial, por sua vez, permite direcionar políticas públicas mais assertivas. Possibilita ainda o direcionamento de recursos visando atender clusters, e não apenas uma única unidade federativa. A identificação da significância, por sua vez, permite a visualização de municipalidades estratégicas no âmbito regional, as cidades médias. Por fim, o comparativo dos índices entre as diferentes regiões brasileiras, permite elencar contextos prioritários a nível nacional. O percurso empreendido neste trabalho certamente não esgota o tema da criação de índices para o desenvolvimento socioeconômico para fins de DR em cidades pequenas e médias, nem tampouco vence a discussão de como a colonização e a divisão territorial e influenciam as situações socioeconômicas regionais. Ainda assim entende-se que ele contribui, em especial, com a proposta de atentar as correlações espaciais para a determinação de pontos estratégicos de intervenção e promoção de políticas públicas e diminuição das desigualdades.
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que, por meio da chamada UNIVERSAL/MCTIC CNPQ/ 2018, viabilizou o projeto “ARENAS, DISPUTAS E DESAFIOS NOS MULTIPLOS ARRANJOS DE GESTÃO DAS ÁGUAS” (processo 424330/2018-0 - vigente), no qual este artigo está vinculado. Os autores agradecem à Universidade Regional de Blumenau (FURB) pelo apoio institucional e à Universidade Estadual da Paraíba que definem a equipe de pesquisa do projeto. Da mesma forma, agradecem as concessões da bolsa de mestrado: à Jéssica Marciélly de Novaes Feldhaus (FAPESC) e de iniciação científica à Hellen Sonaly Silva Alves (FAPESP/PB). Outrossim, os autores Cristiane Mansur de Moraes Souza e José Irivaldo Alves Oliveira Silva agradecem ao CNPq por suas bolsas produtividade em pesquisa.