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A cooperação como instrumento: os pequenos municípios e os consórcios públicos intermunicipais de saúde
Cooperation as an instrument: small municipalities and intermunicipal public health consortia
La cooperación como instrumento: pequeños municipios y consorcios intermunicipales de salud pública
Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 28, 2023
Universidade de Santa Cruz do Sul

Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial


Recepción: 30 Abril 2023

Aprobación: 31 Octubre 2023

DOI: https://doi.org/10.17058/redes.v28i1.18430

Resumo: Os municípios constroem, por meio de estratégias de cooperação, instrumentos para racionalização econômica e administrativa e para superação de dificuldades relacionadas à execução de serviços públicos. Os Consórcios Públicos Intermunicipais constituem-se em um destes instrumentos e dedicam-se a diversas áreas de atuação sendo que muitos deles contemplam mais do que uma área simultaneamente. Na área da saúde está o maior número de consórcios e o maior número de municípios participantes de consórcios públicos. Um destes é o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA) que foi constituído no ano de 1997 e abrange 47 municípios da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. O CISA convenia médicos e clínicas para a realização de consultas e exames especializados. Também atua na aquisição de medicamentos para os municípios associados e de outros municípios conveniados. O artigo tem por objetivo analisar a relevância dos Consórcios Públicos de Saúde para os municípios, especialmente os de pequeno porte. O estudo combinou tanto métodos quantitativos, como análise de relatórios de um Consórcio e dos municípios analisados (Augusto Pestana, Bozano e Panambi, todos no Estado do Rio Grande do Sul), quanto métodos qualitativos a partir de entrevistas realizadas com Secretários Municipais de Saúde e gestores do Consórcio em foco. Os dados obtidos, tanto no CISA quanto nas Secretarias Municipais de Saúde, mostram a importância do consórcio para os municípios e os significativos valores envolvidos nos 8 anos estudados bem como o fato de que se constitui na alternativa com maior viabilidade na superação das demandas e das dificuldades, principalmente dos pequenos municípios.

Palavras-chave: Consórcios públicos intermunicipais, Municípios, Cooperação, Sistemas Locais de Saúde.

Abstract: The municipalities build, through cooperation strategies, instruments for economic and administrative rationalization and for overcoming difficulties related to the execution of public services. The Intermunicipal Public Consortia are one of these instruments and are dedicated to several areas of activity, many of which cover more than one area simultaneously. In the area of health, there is the largest number of consortia and the largest number of municipalities participating in public consortia. One of these is the Intermunicipal Health Consortium of the Northwest of the State of Rio Grande do Sul (CISA), which was established in 1997 and covers 47 municipalities in the northwest region of the State of Rio Grande do Sul. CISA convened doctors and clinics to carry out specialized consultations and exams. It also operates in the acquisition of medicines for the consortium municipalities and other municipalities that have an agreement. The objective of this article is to analyze the relevance of Public Health Consortia for municipalities, especially small ones. The study combined both quantitative methods, such as analysis of reports from a Consortium and the municipalities analyzed (Augusto Pestana, Bozano and Panambi, all in the State of Rio Grande do Sul), as well as qualitative methods based on interviews conducted with Municipal Health Secretaries and managers of the Consortium in focus. The data obtained, both in CISA and in the Municipal Health Departments, show the importance of the consortium for the municipalities and the significant amounts involved in the 8 years studied, as well as the fact that it constitutes the alternative with the greatest feasibility in overcoming the demands and difficulties, especially of small municipalities.

Keywords: Intermunicipal public consortiums, Municipalities, Cooperation, Local Health Systems.

Resumen: Los municipios construyen, a través de estrategias de cooperación, instrumentos para la racionalización económica y administrativa y para la superación de las dificultades relacionadas con la ejecución de los servicios públicos. Los Consorcios Públicos Intermunicipales son uno de estos instrumentos y se dedican a varias áreas de actividad, muchas de las cuales abarcan más de un área simultáneamente. En el ámbito de la salud, es el mayor número de consorcios y el mayor número de municipios que participan en consorcios públicos. Uno de ellos es el Consorcio Intermunicipal de Salud del Noroeste del Estado de Rio Grande do Sul (CISA), creado en 1997 y que abarca 47 municipios de la región noroeste del Estado de Rio Grande do Sul. El CISA convocó a médicos y clínicas para realizar consultas y exámenes especializados. También opera en la adquisición de medicamentos para los municipios del consorcio y otros municipios que tengan convenio. El objetivo de este artículo es analizar la relevancia de los Consorcios de Salud Pública para los municipios, especialmente los pequeños. El estudio combinó métodos cuantitativos, como el análisis de los informes de un Consorcio y de los municipios analizados (Augusto Pestana, Bozano y Panambi, todos en el Estado de Rio Grande do Sul), así como métodos cualitativos basados en entrevistas realizadas a los Secretarios Municipales de Salud y a los gestores del Consorcio en cuestión. Los datos obtenidos, tanto en el CISA como en las Secretarías Municipales de Salud, muestran la importancia del consorcio para los municipios y los montos significativos involucrados en los 8 años estudiados, así como el hecho de que constituye la alternativa con mayor factibilidad para superar las demandas y dificultades, especialmente de los municipios pequeños.

Palabras clave: Consorcios públicos intermunicipales, Municipios, Cooperación, Sistemas de salud locales.

1 Introdução

A Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988) foi inovadora em muitos aspectos. Um deles, embora aparentemente simples, foi a definição explícita dos entes federativos integrando os municípios a esta categoria. Não se trata de uma simples questão de prestígio e sim o fato de que a própria Constituição, complementada em muitas oportunidades pela legislação infraconstitucional, atribuiu aos municípios ampla autonomia política, administrativa e, ainda que relativa, financeira.

Esta autonomia também está associada a um significativo nível de descentralização das competências e atribuições. O artigo 30 da Constituição (BRASIL, 1988) específica, principalmente, o grau de responsabilidade municipal em relação aos serviços de educação e saúde. Neste último caso a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080 de 1990)(BRASIL, 1990), complementou e regulamentou as atribuições de cada ente federativo, além de prever formas de cooperação técnica e financeira.

A implementação, pelos municípios, das políticas públicas na área da saúde evidenciou um conjunto de equações de difícil equilíbrio. Ainda que a legislação imponha a cooperação técnica e financeira por parte da União e dos estados, são os municípios que assumem o ônus da organização local e do funcionamento do sistema. A proximidade das pessoas com os agentes municipais, no entanto, ao mesmo tempo em que justifica a descentralização dos serviços públicos de saúde, torna mais complexo o planejamento e a gestão destes serviços com vistas ao atendimento das demandas da população.

O Brasil conta atualmente com 5.570 municípios (IBGE, 2022). Segundo a prévia da população dos municípios com base nos dados do Censo Demográfico 2022 (IBGE, 2022), quase a metade dos municípios (45,21%) tem menos de 10.000 habitantes. Cigolini e Cachatori (2012) e Magalhães (2007) ao abordarem o processo de criação de municípios nos últimos trinta anos, mostram que grande parte destes pequenos municípios são resultado da divisão de outros municípios também com pequeno número de habitantes.

O tema referente à prestação de serviços de saúde, e toda a complexidade que o acompanha, torna-se mais significativo quando analisado sob o ponto de vista destes pequenos municípios. Um estudo, realizado por Machado e Guim (2017), analisando a formação dos orçamentos municipais em saúde mostra que os municípios com até 5.000 habitantes despendem os maiores valores per capita. Para os autores, entretanto, a escassez de recursos, principalmente de médicos, e a perda da economia de escala mostram a diversidade de condições a que os municípios estão submetidos, de forma que um maior valor destinado a cada habitante não se traduz, necessariamente, em maior qualidade e disponibilidade na prestação dos serviços.

Uma solução adotada para o enfrentamento destas questões consiste na cooperação entre entes federativos. De acordo com Senhoras e Rikils, a formação dos Consórcios Públicos Intermunicipais constitui-se em

uma forma de se ultrapassar as limitações e insuficiências da Administração Pública no planejamento e no gerenciamento dos serviços públicos por meio de uma otimização das economias de escala tecno-financeira (SENHORAS; RIKILS, 2016, p. 1).

E, embora houvesse consórcios em períodos anteriores, foi a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde que esta forma de implementação de políticas públicas ganhou importância.

Este trabalho tem por objetivo a análise do relacionamento entre os municípios e os consórcios públicos, tanto sob o ponto de vista dos consórcios quanto pela ótica dos municípios. Para o atendimento destes objetivos são empregados procedimentos que envolvem pesquisa bibliográfica e documental além de entrevistas semiestruturadas com dirigentes dos consórcios e das Secretarias Municipais de Saúde. É, portanto, resultado de pesquisa aplicada, de natureza observacional e interpretativa e que considera tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos nas análises desenvolvidas.

O tema abordado enfatiza os Consórcios Públicos Intermunicipais de Saúde e, para tanto, considera o Consórcio Intermunicipal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA), sediado em Ijuí no Estado do Rio Grande do Sul. Esta pesquisa envolveu uma pequena parte dos municípios associados a este consórcio. O processo de amostragem é, desta forma, não probabilístico. A escolha dos municípios foi intencional, embora tenha havido a preocupação de representar as diversas dimensões municipais existentes. Foram observados, deste modo, quatro municípios: o município com a maior população dentre todos (Ijuí); um segundo município com um nível populacional mediano (Panambi); e outros dois municípios com um pequeno número de habitantes (Augusto Pestana e Bozano).

Na ausência de estatísticas oficiais os autores procuraram, em diversas fontes, dados que possibilitam uma visão mais ampla sobre os consórcios públicos no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul. A apresentação e análise do CISA foi realizada a partir de entrevistas1, tanto com os gestores do CISA como com os Secretários de Saúde dos municípios escolhidos. Também foram considerados documentos e relatórios obtidos no próprio consórcio e nas Secretarias Municipais de Saúde já referidas.

Este artigo é composto, incluindo esta introdução, por cinco seções. A segunda seção explora os fundamentos conceituais e legais que envolvem os consórcios públicos. A parte seguinte apresenta números relacionados aos consórcios públicos intermunicipais existentes no Brasil. Apresenta-se, na sequência, o Consórcio Intermunicipal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA), suas características organizacionais, serviços oferecidos e a dinâmica de funcionamento. A penúltima seção analisa o relacionamento entre o consórcio e os municípios, por um lado, a partir de informações do próprio consórcio e, de outro, sob o ponto de vista de algumas Secretarias Municipais de Saúde. O artigo encerra com as considerações finais onde pretende-se enfatizar a importância de tal instrumento de cooperação na superação das dificuldades dos municípios.

2 Os Consórcios Públicos Intermunicipais

Um consórcio público é uma convergência de esforços de dois ou mais municípios para a execução de obras e serviços visando a solução de problemas comuns das comunidades locais. Dentre os objetivos principais estão a racionalização de serviços, de equipamentos e o aumento de escala, questões estas que muitas vezes excedem ao escopo de ação de um único ente municipal.

Os consórcios públicos não são uma novidade. Caldas e Cherubine (2013) e Prates (2010a) relatam exemplos desta forma de cooperação em países como a Alemanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Reino Unido, Finlândia e Portugal. Senhoras e Rikils (2016), Caldas e Cherubine (2013), bem como Linhares, Messemberg e Ferreira (2017), citam também casos brasileiros ocorridos antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, quando, sem uma legislação específica, eram considerados associações civis, com personalidade de direito privado. A legislação, como mostra Prates, ao longo da história republicana ofereceu diferentes formas para tratamento dos consórcios, tais como:

Com relação aos aspectos legais referentes à consolidação dos CPI [Consórcios Públicos Intermunicipais] é possível identificar, ao longo do processo histórico brasileiro, que elementos desse tipo de política pública existem desde a primeira Constituição Federal em 1891. Nessa Constituição, os consórcios se constituíam como contratos, que, caso fossem realizados entre municípios necessitava-se da aprovação do governo do Estado, e se, entre Estados, necessitava-se da aprovação da União. Já com a Constituição Federal de 1937, previam-se os CPI como pessoas jurídicas de direito público. Em 1946 com a quarta Constituição Federal, procura-se resgatar a ideia de autonomia federativa. Esse quadro permaneceu até a instituição da Constituição Federal de 1967 a qual coloca os CPI como meros pactos de colaboração (PRATES, 2010b, p. 2).

A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) não apresentou, num primeiro momento e de forma explícita, a possibilidade de formação de consórcios entre os diversos entes públicos. O Artigo 30, no inciso I, concedia aos municípios a competência para “legislar sobre assuntos de interesse local”. Caldas e Cherubine (2013) colocam que esta abertura constitucional foi o mecanismo empregado por muitos municípios na constituição de consórcios públicos intermunicipais na época. No caso da saúde, de forma mais específica a denominada Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990) editada em 1990, complementou a constituição federal motivando a formação de um maior número de consórcios.

A emenda constitucional nº 19 (BRASIL, 1998), de 04/06/1998, ao alterar o artigo 241 da Constituição, foi o ponto de partida no estabelecimento de legislação específica para disciplinar os consórcios públicos. Isto só ocorreu, contudo, com a lei nº 11.107 (BRASIL, 2005), de 6 de abril de 2005 e que foi regulamentada apenas no ano de 2007 com a edição do decreto nº 6.017 (BRASIL, 2007), de 17 de janeiro de 2007.

Até o ano de 2005 eram possíveis apenas Consórcios Públicos Administrativos. Para a sua implementação bastava a intenção dos entes públicos interessados. Esta modalidade, entretanto, exigia poucos compromissos dos municípios associados. Um exemplo era a possibilidade de desistência de algum integrante do consórcio. Além disso, como afirmam Linhares, Messenberg e Ferreira (2017), este tipo de consórcio não possuía personalidade jurídica e era incapaz de receber transferência de recursos dos governos estadual e/ou federal. Bahia Rios (2014), por sua vez, acrescenta que muitos consórcios com estas características ajustaram seus regimentos e estatutos após a promulgação da Lei 11.107 de 2005.

Para os consórcios formados a partir da Lei 11.107 de 2005 são admitidas duas figuras administrativas distintas. Serão consideradas pessoa jurídica de direito público quando se constituírem numa Associação Pública e serão pessoa jurídica de direito privado quando tomarem a forma de Associação Civil sem fins econômicos. Entretanto, independentemente de sua natureza jurídica, o Consórcio Público será regido pelos preceitos da Administração Pública e da Gestão Fiscal, integrando a administração indireta dos entes federativos que o integram (BRASIL, 2005, 2007). Durão complementa:

A própria lei dispõe que a associação pública integra a Administração pública indireta e a inclui no rol das pessoas jurídicas de direito público interno constante no artigo 41 do Código Civil, não restando dúvidas de que faz parte da Administração Pública.

Já com relação à pessoa jurídica de direito privado é estabelecido que deva obedecer ao regime de direito privado com derrogações como o dever de licitar, obediência a concurso público e controle pelas Cortes de Contas (DURÃO, 2010, p. 160).

Neste sentido, dada a finalidade (atendimento do interesse público primário), acordado o objeto da cooperação administrativa (saúde, meio ambiente, etc.) e escolhida a forma de consórcios entre municípios faz-se necessário um Plano de Trabalho cujas cláusulas indispensáveis segundo Durão (2010) são: identificação do objeto; metas; plano de aplicação dos recursos financeiros; cronograma de desembolso; vigência e compromisso dos partícipes.

Um Consórcio Público Intermunicipal está sujeito a controle, tanto interno quanto externo. Internamente, a Administração Pública cuida da avaliação de metas, da legalidade e da aplicação dos recursos públicos (Art. 74 da Constituição Federal) (BRASIL, 1988). Externamente, recai sobre os Tribunais de Contas o controle da esfera administrativa dos Consórcios Públicos Intermunicipais. Na Lei 11.107, artigo 9º, parágrafo único, consta que

O consórcio público está sujeito à fiscalização contábil, operacional e patrimonial pelo Tribunal de Contas competente para apreciar as contas do Chefe do Poder Executivo representante legal do consórcio, inclusive quanto à legalidade, legitimidade e economicidade das despesas, atos, contratos e renúncia de receitas, sem prejuízo do controle externo a ser exercido em razão de cada um dos contratos de rateio (BRASIL, 2005).

As fragilidades relatadas nos consórcios administrativos, existentes até então, foram superadas pela Lei 11.107 de 2005 (BRASIL, 2005) e o Decreto-Lei 6.017 de 2007 (BRASIL, 2007) que a regulamenta. Granato acrescenta:

Tais instrumentos normativos fixaram, como veremos no que segue, as premissas de sustentabilidade do consórcio público, isto é, a natureza jurídica de direito público, introduzindo um caráter mais seguro à associação pública criada, um caráter voluntário de adesão ao pacto político que origina o consórcio, legitimando o compromisso firmado, e a penalização do ente consorciado, se inexistente um fluxo de recursos adequados para o cumprimento de seus objetivos (GRANATO, 2016, p. 28).

O ponto fundamental da legislação em vigor, início do processo de formação de um consórcio, é a definição do protocolo de intenções o qual deve ser convertido em lei em cada um dos entes federativos associados. O artigo 4º da lei 11.107 de 2005 (BRASIL, 2005) é bastante detalhista em relação ao conjunto de compromissos a serem assumidos e, no espírito da norma legal, confere maior segurança na criação de consórcios públicos.

3 O cenário no Brasil

Não foram encontrados, em qualquer site ou base de dados oficial, repositórios ou cadastros que permitam descrever o contexto brasileiro envolvendo os consórcios públicos intermunicipais. Esta constatação é referendada em Nota Técnica desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a qual analisa este tema a partir de diversas bases de dados2 relacionadas, diretamente ou não, com informações que possam identificar tanto os consórcios quanto os municípios integrantes de algum consórcio. Para os pesquisadores todas as bases, sem exceção, possuem informações úteis, mas, por outro lado, muitas fragilidades. Isso implica dizer que quaisquer números apresentados, pelo menos em nível nacional, podem ser questionados. (MENDES et al., 2022)

Dentre as diversas fontes referenciadas na Nota Técnica do IPEA destaca-se o Observatório dos Consórcios Públicos mantido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM). O portal na internet deste observatório apresenta informações consolidadas por diversos critérios, como por exemplo, o número de consórcios por área de atuação, por região geográfica, finalidade ou natureza jurídica. (MENDES et al., 2022) Não permite, contudo, a obtenção da base de dados completa e, como uma segunda fragilidade, os dados que armazena são resultados de campanhas de atualização e informados pelos próprios consórcios.

O Observatório dos Consórcios Públicos da CNM relaciona um total de 604 consórcios3 nas mais diferentes áreas de atuação e em praticamente todos os estados brasileiros4 (CNM, 2023). O Observatório agrupa os consórcios em 35 áreas de atuação, dentre as quais destacam-se aquelas envolvendo a saúde (317 consórcios), as relacionadas à área ambiental (Resíduos sólidos com 223 consórcios; Meio ambiente com 212 consórcios; Saneamento – Água com 137 consórcios e Saneamento – Esgoto com 118 consórcios), além daquelas relacionadas à agricultura (129 consórcios); educação (117 consórcios) e desenvolvimento regional (111 consórcios) (CNM, 2023)

Os dados obtidos no Observatório de Consórcios Públicos mostram também que a maior parte dos consórcios estão localizados na região Sudeste, que detém 39,07% do total. As regiões Sul e Nordeste também apresentam número significativos com 26,49% e 23,18% respectivamente. As regiões Centro-Oeste e Norte destoam com reduzido número de consórcios públicos. Na região Sudeste o estado de Minas Gerais tem número superior aos demais com 131 consórcios, superando em muito os demais estados. Na região Nordeste os estados da Bahia e do Ceará apresentam 49 e 40 consórcios, respectivamente. Na região Sul destaca-se o estado do Paraná com 70 consórcios enquanto os demais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, têm 46 e 44 consórcios respectivamente. (CNM, 2023)

Os 317 consórcios públicos cuja área de atuação predominante é a saúde representam mais do que a metade dos 604 consórcios catalogados pelo Observatório dos Consórcios Municipais. Estes estão localizados em diversos estados brasileiros. Minas Gerais destaca-se com 79 consórcios nesta área de atuação. Em um grupo intermediário estão os estados do Paraná e São Paulo (36 consórcios cada), Bahia (31 consórcios), Rio Grande do Sul (24 consórcios), Ceará e Santa Catarina (20 consórcios cada) e Mato grosso (15 consórcios). (CNM, 2023)

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o estudo denominado Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic), é outra base de dados referenciada pela nota técnica do IPEA. (MENDES et al., 2022) A edição de 2019 apresentou a participação de cada município em consórcios públicos nas 12 áreas de atuação5 consideradas. São, também, dados que merecem certa reserva pois este perfil foi construído pelo IBGE a partir de informações fornecidas pelos próprios municípios. Uma característica desta base de dados é o fato de inexistir a identificação do consórcio ao qual o município é associado. Somente é possível, deste modo, a totalização de municípios participantes de consórcios públicos por área de atuação do consórcio. Chama a atenção, mesmo assim, a área da saúde com 3.216 municípios e as áreas de atuação relacionadas ao meio ambiente (Meio ambiente, Saneamento básico, Gestão das águas e Manejo de resíduos sólidos), nas quais 3.338 municípios declararam participar de consórcio público. (IBGE, 2019)

Estes 3.216 municípios participantes de consórcios na área da saúde estão distribuídos em 24 estados brasileiros6. Em alguns estados a quase totalidade dos municípios declaram participar de consórcio público na área da saúde. É o caso do estado do Paraná (96,24%), Ceará (92,39%), Rio Grande do Norte (92,22%), Espírito Santo (91,03%) e Minas Gerais (88,51%). No estado do Rio Grande do Sul, de acordo com a pesquisa do IBGE, 347 dos 497 municípios participam de ao menos um dos 24 consórcios na área da saúde, o que equivale a 69,82% dos seus municípios. (CNM, 2023; IBGE, 2019) Um destes 24 consórcios públicos na área da saúde é o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA) que será abordado na seção seguinte.

4 O Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA)

No Consórcio Intermunicipal do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA) participam 47 municípios (CISA, 2023) que formam uma área territorial de 13.187,25 km., com população estimada de 408.174 pessoas, que equivalem a 3,68% da população gaúcha, segundo a prévia da população dos municípios com base nos dados do Censo Demográfico 2022 (IBGE, 2022). São, de um modo geral, municípios pequenos pois 26 possuem população inferior a 5.000 habitantes e outros 13 têm menos de 10.000.

O CISA foi fundado em 07/05/1997 e, de acordo com seu Estatuto Social (CISA, 2009), constitui-se "sob a forma de associação pública, com personalidade jurídica de direito público e de natureza autárquica intermunicipal, sem fins lucrativos". O CISA, segundo seus gestores (Entrevistado 1), é uma estrutura pública com concursos, plano de carreira e fiscalizado pelo Tribunal de Contas. Surgiu em decorrência das dificuldades encontradas pelos municípios no atendimento às demandas de média e alta complexidade na área da saúde. O custo excessivo destes atendimentos, no conjunto dos municípios envolvidos, foi um dos fatores principais para a criação do consórcio.


Figura 1
CISA Ijuí – Municípios associados e conveniados – 2023
Fonte: Elaborado pelos autores. Dados do CISA (CISA, 2023)

O CISA admite a existência do que chama de município-parceiro. No seu portal (CISA, 2023) estes 40 municípios são referenciados como clientes conveniados. É permitido a estes "entes federados realizarem determinadas compras de produtos ou serviços através do CISA, ou ofertar produtos e serviços a este, sendo regulada essa relação por contrato ou convênio" (CISA, 2017). O mapa exposto na figura nº 1 apresenta tanto os municípios associados ao CISA quanto os conveniados.

A estrutura do CISA é formada pela Assembleia Geral, composta por todos os municípios associados, pelo Conselho de Prefeitos, sendo que um de seus componentes exerce o papel de Presidente do CISA, e pelo Conselho Fiscal (CISA, 2009). As ações administrativas e operacionais são executadas pela Secretaria Executiva que conta com uma equipe de funcionários e estagiários, além da Diretora Executiva. O estatuto do CISA (CISA, 2009) prevê, ainda, a possibilidade da existência de Câmaras Setoriais que podem ser eventuais e transitórias.

Esta estrutura é mantida pela contribuição mensal dos municípios associados de forma proporcional à população de cada um. Uma segunda taxa administrativa é aplicada aos processos de aquisição de medicamentos. Neste caso, metade dela é correspondente à população do município e metade em função do volume de compras praticado. A estes valores são adicionadas as taxas correspondentes aos municípios conveniados, as contribuições dos fornecedores de serviços médicos e de exames laboratoriais (1% de sua fatura de prestação de serviços) além das receitas oriundas do SUS e de projetos diversos elaborados e/ou executados pelo CISA. Para a Secretaria Executiva (Entrevistado 2) a inadimplência dos municípios é considerada baixa, não superando 10% de seus integrantes. Os sistemas de agendamento e realização de consultas e de aquisição de medicamentos permitem o bloqueio daqueles entes municipais que não estejam com seus pagamentos regularizados. Para a Secretaria Executiva, novamente, o CISA é uma “ferramenta para os municípios”. O controle total do relacionamento entre o município e o CISA pertence ao próprio município. Somente podem ser adquiridos os serviços e medicamentos orçados e definidos pelo município.

O CISA tem como objetivos principais o aumento da resolutividade dos sistemas locais de saúde, a busca de maior eficiência e eficácia na execução de ações e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), a racionalização e modernização administrativa, a agilização na aquisição de bens e serviços para atendimento das necessidades regionais mais complexas, a padronização das ações e a viabilização financeira na realização de empreendimentos de alto custo (CISA, 2023). Embora as ações realizadas pelo CISA concentrem-se na área da saúde, os seus estatutos (CISA, 2009) também preveem a atuação em áreas relacionadas ao meio ambiente e à infraestrutura.

Outra área importante de atuação do CISA compreende a aquisição de medicamentos para os municípios, tanto os associados quanto os conveniados, que são realizadas por meio de licitação por pregão eletrônico, ou registro de preços, a partir das demandas municipais podendo envolver, anualmente, mais de 2.000 itens distintos (CISA, 2022). Além disso, o Consórcio atua no credenciamento e disponibilização de clínicas, médicos e laboratórios para a realização de consultas e exames especializados. Atualmente são 21 especialidades médicas credenciadas e disponíveis para consultas, além de 32 grupos distintos de exames laboratoriais. (CISA, 2023)

5 Os municípios e o CISA: o enfrentamento das dificuldades

Milton Santos em “A urbanização brasileira” trata da organização das cidades caracterizando-as como “caóticas” em relação ao seu funcionamento interno e aos problemas da população.

Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. O seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem etc. São elementos de diferenciação, mas em todos elas problemas como os do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da educação e saúde, são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estão em toda parte (SANTOS, 2005, p. 105).

As questões relativas ao atendimento da saúde da população mostram que estes problemas, decorridos mais de 30 anos da obra publicada por Milton Santos, não apenas permanecem pressionando as administrações municipais, como, agora nas palavras de Milton Santos e Maria Laura Silveira, ocorreu a “expansão e diversificação dos consumos imateriais” (SANTOS; SILVEIRA, 2011, p. 229), como as demandas por serviços de saúde, foco deste trabalho. Os autores continuam

Mesmo comandados, cada dia mais, pelas lógicas do mercado, certos bens e serviços, como a educação e a saúde, passam a fazer parte de uma vocação de consumo que, graças à informação e aos transportes, se alastra na sociedade e no território (SANTOS; SILVEIRA, 2011, p. 229).

Os municípios, de um modo geral, dedicam-se muito pouco à promoção da saúde e atuam, praticamente, sob a demanda dos usuários do sistema público de saúde. As ações municipais, nestes casos, estão concentradas nas consultas médicas, na realização de exames e no fornecimento de medicamentos (SILVA et al., 2014). Soma-se a esta visão parcial na gestão da saúde nos municípios as questões relativas à expansão e diversificação das demandas, levantadas por Santos e Silveira (2011), as quais podem ser facilmente observadas em diversos estudos relacionados ao tema (CRUZ; DE BARROS; DE SOUZA, 2022; LEAL et al., 2019; MARRONI; FRANZESE; PANOSSO, 2020; PINAFO et al., 2020). Um dos modos de enfrentá-las são os consórcios públicos de saúde (MARRONI; FRANZESE; PANOSSO, 2020; THESING et al., 2018), aqui apresentados e discutidos.

As ações realizadas pelo CISA, na área da saúde, compreendem, por um lado o oferecimento de serviços médicos, sob a forma de consultas, procedimentos e exames e, de outro, a aquisição de medicamentos. No primeiro caso a realização de consultas médicas e exames restringe-se aos municípios associados. Na Figura nº 2 são apresentados dados relativos ao volume de gastos em consultas médicas e exames laboratoriais, pelos municípios, no período de 2014 a 2021.

No que se refere às consultas que foram autorizadas pelos 47 municípios associados ao CISA no período, estas evoluíram de 24,6 mil unidades em 2014 para um número superior a 40 mil consultas em 2021. Embora a Figura 2 não apresente os dados por município, é preciso ressaltar que há uma distribuição desigual destes números entre os diversos municípios. De um modo geral, nos oito anos em que a informação foi disponibilizada, menos de um terço dos municípios foi responsável por três quartos das consultas realizadas (CISA, 2022). Em um dos municípios, por exemplo, no ano de 2018 foi realizada uma consulta para cada 0,62 habitantes (CISA, 2022), o que equivale a quase dois terços da população. É preciso salientar, no entanto, que cada município é responsável financeiramente pelas consultas por ele autorizadas e que as Secretarias de Saúde destes municípios encaminham os pacientes diretamente, de forma descentralizada, para as médicos e clínicas escolhidos. Estas diferenças são, portanto, resultado das políticas específicas de cada administração municipal.


Figura 2
Consultas médicas e exames realizados pelo CISA - 2014 a 2021
Fonte: Elaborado pelos autores. Dados obtidos no CISA (CISA, 2022)

Os valores dos exames realizados no período de 2014 a 2021 também podem ser visualizados na Figura nº 2. É importante ressaltar a existência de uma forte concentração de exames em poucos grupos. O grupo Profissionais/técnicos/em plantão, por exemplo, concentrou, em praticamente todos os anos do período, uma fatia superior a 30% do total (CISA, 2022). Este grupo, segundo a Relação de Profissionais, Laboratórios e Clínicas credenciadas (CISA, 2023), representa aqueles exames realizados pelos próprios profissionais durante as consultas.

A realização de consultas e exames, olhados em conjunto, trazem informações adicionais a serem analisadas. Na média do período analisado, cada consulta ocasionou a realização de 10,5 exames especializados. Ou, de outra forma, cada R$ 1,00 aplicado pelos municípios associados em consultas médicas gerou a necessidade de outros R$ 6,41 para a realização de exames especializados (CISA, 2022). Não se discute aqui a necessidade, ou não, destes exames. É importante observar, porém, o reflexo destas proporções para os municípios visto que seus orçamentos não conseguem prever adequadamente os valores adicionais referentes aos exames especializados (Entrevistados 3, 4 e 5).

As Secretarias Municipais de Saúde observadas definiram o CISA como fundamental e importantíssimo. A acessibilidade às consultas e exames, prestados por bons profissionais, faz com que, ao menos nos municípios menores, a maioria dos atendimentos de saúde seja por meio do CISA. Municípios de maior porte, embora usem os serviços do consórcio com menor frequência, valem-se do mesmo como parâmetro de comparação para sua gestão interna e alternativa para eventualidades, principalmente urgências e emergências (Entrevistados 3 e 4).

As maiores inquietações dos gestores municipais concentram-se nos atendimentos médicos. Em algumas especialidades o número de profissionais credenciados é bastante reduzido e, de um modo geral, consideram elevado o valor da consulta. Uma situação bastante frequente, como os dados apresentados anteriormente já evidenciaram, é o fato de que cada consulta médica traz consigo um conjunto de exames especializados sobre os quais o município tem pouco ou nenhum controle e, em boa parte das ocasiões, são realizados pelo próprio médico durante a consulta. Os gestores acrescentam ainda a falta de solução de continuidade em muitas ocasiões. Muitos pacientes ao necessitarem de cirurgia, a qual deve ser realizada por meio do SUS, tem seu tratamento descontinuado pelo profissional que o atende pelo CISA. Estes fatos, de acordo com os gestores, trazem a necessidade de uma maior regulação e um maior controle nos serviços realizados pelo CISA (Entrevistados 3, 4 e 5).

Na Figura nº 3 são apresentados dados relativos ao volume de gastos em medicamentos no período de 2014 a 2021. As aquisições são feitas em conjunto de forma a aumentar o poder de negociação junto aos laboratórios e distribuidores de medicamentos.


Figura 3
Aquisição de medicamentos pelo CISA - 2014 a 2021
Fonte: Elaborado pelos autores. Dados obtidos no CISA (CISA, 2022)

A aquisição de medicamentos traz reflexos econômicos positivos para os associados e conveniados ao CISA. Informações das Secretarias Municipais de Saúde dos municípios de Augusto Pestana, Bozano e Panambi e da direção do CISA (Entrevistados 1, 3, 4 e 5) dão conta de que a economia obtida com a aquisição de medicamentos é um aspecto fundamental da existência do Consórcio. Nos casos de municípios de pequeno porte esta redução no preço dos medicamentos pode chegar a 60%. O montante aplicado em medicamentos pelo CISA evoluiu da ordem de seis para quatorze milhões de reais no período de 2014 a 2021, mesmo considerando que os municípios mais populosos que integram o CISA tenham, durante este período, executado suas aquisições de medicamentes isoladamente. O volume de medicamentos adquiridos pelos associados conveniados também foi significativo no período, mantendo-se, até o ano de 2017, na ordem de sete milhões de reais anuais e evoluindo significativamente a partir deste momento atingindo, no ano de 2021, um valor superior a dez milhões de reais.

Existem ressalvas, entretanto, em relação às entregas por parte dos fornecedores, uma vez que, de acordo com algumas Secretarias de Saúde, ocorrem atrasos, até com certa frequência. Para estes gestores locais os processos de aquisição deveriam ser mais ágeis e conter maior número de pedidos. As multas impostas aos fornecedores não atenuam os transtornos ocasionados aos municípios e aos pacientes (Entrevistados 3, 4 e 5).

Outra informação que pode ilustrar o relacionamento entre municípios e consórcios públicos foi obtida a partir da execução orçamentária dos 47 municípios associados ao CISA para o período de 2019 a 2021. As despesas empenhadas em saúde e nas transferências de recursos para os consórcios públicos foram obtidas na Secretaria do Tesouro Nacional (STN)7 e permitem a determinação da proporção entre estas rubricas. A maior parte dos municípios associados, nesta relação, apresenta índices inferiores a 10%.

Para 22 destes municípios ocorre o inverso, com a proporção entre as transferências de recursos para os consórcios públicos e as despesas empenhadas em saúde, superiores a 10%. Para quatro municípios esta proporção ultrapassa os 20% e para um em particular o índice é maior do que 35%. Embora este relacionamento não possa ser estabelecido, de forma imediata, por estes números os valores parecem ser grandes o suficiente para demonstrar a possível dependência de grande parte destes municípios das ações e serviços proporcionados pelos consórcios públicos.

Outro ponto destacado diz respeito ao fluxo de informações de e para os gestores do CISA. Nas atividades de prestação de contas, nas reuniões e nas assembleias, participam apenas os prefeitos municipais. As informações e os temas ali debatidos são transmitidos aos Secretários Municipais de Saúde, nas poucas vezes em que isto ocorre, de forma incompleta ou distorcida, por falhas de comunicação. A inexistência, ou não funcionamento regular das câmaras técnicas previstas no Estatuto do CISA, que seriam constituídas por representantes municipais que atuam na área em questão, é considerado o ponto principal para as dificuldades de comunicação verificadas (Entrevistado 5).

5 Considerações finais

Este estudo analisou o Consórcio Intermunicipal de Saúde do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (CISA) sob a ótica de sua atuação em benefício dos municípios associados e de suas características administrativas e organizacionais. Embora seja apenas um dos mais de 600 consórcios existentes no país a intenção do trabalho foi mostrar as potencialidades, limites e desafios de tal instrumento, não tão recente na história brasileira, cuja legislação foi estabelecida há pouco mais de 10 anos.

As dificuldades que os municípios apresentam para cumprir com suas responsabilidades na área da saúde vem sendo abordadas sistematicamente por meio de diversos estudos. O número de pequenos municípios em termos de população, surgidos na maior parte dos casos a partir de 1988, evidencia que as dificuldades dos governos municipais são semelhantes. A associação a um consórcio, nestes casos, é um ponto de partida para o encaminhamento das demandas municipais.

Os 47 municípios associados ao CISA compartilham profissionais e serviços de saúde, o que naturalmente implica em um elevado número de consultas e exames especializados. A aquisição de medicamentos é estendida a municípios de dois outros consórcios. Os relatórios apresentados pelo CISA, nos oito anos estudados, mostram valores elevados, o que evidencia um dos princípios na formação de consórcios que é a economia de escala. Para muitos municípios a economia na compra de medicamentos pode chegar a 60% e quase todos eles não teriam condições de, isoladamente, disponibilizar à população todas as especialidades médicas e os exames laboratoriais necessários.

Os gestores, tanto do CISA quanto dos municípios associados, consideram o consórcio um expediente extremamente útil e necessário. A proximidade dos cidadãos, e a pressão que eles representam sobre os serviços de saúde municipais, são resolvidas com o apoio e a colaboração do consórcio. Em que pesem todos os problemas relatados, principalmente aqueles relacionados ao prazo de entrega dos medicamentos e o eventual descontrole em relação aos exames laboratoriais, o município contempla o atendimento aos seus habitantes. Faz isto apesar da baixa atratividade aos profissionais de saúde e orçamentos limitados.

Algumas questões adicionais podem ser apresentadas. A primeira delas está relacionada à ausência de informações oficiais. Ainda que a legislação sobre a formação de consórcios tenha sido construída recentemente e contemple a segurança na participação dos municípios nenhum mecanismo foi criado de forma a permitir o acompanhamento público da existência e da atuação destes organismos.

Outras questões envolvem os entes federativos. Inicialmente, por que nem todos os municípios participam de consórcios? A pergunta pode ser mais bem especificada para os propósitos deste artigo. Pelas informações obtidas menos da metade dos municípios brasileiros participam de um consórcio na área da saúde. No Brasil, em números de 2019, são 3216 municípios. No Rio Grande do Sul são pouco mais de 69%. De qualquer modo muitos municípios estão ausentes. Qual o motivo? Ou se trata, novamente, de informação incorreta e incompleta?

Por fim o motivo que impele os municípios aos consórcios. O desequilíbrio orçamentário dos municípios, a insuficiência de receitas e transferências para execução dos serviços sob sua responsabilidade, a localização e os atrativos municipais insuficientes para a atração de profissionais e empresas, perdurarão por quanto tempo? Em outras palavras, os consórcios serão sempre o remédio para estes problemas? Ou os municípios podem, uma vez superadas as questões de ordem econômica e logística, continuar empregando o recurso da colaboração e cooperação com outros entes federativos como um instrumento viabilizador e facilitador na execução das políticas públicas.

A análise de um único caso, como o realizado neste trabalho, não autoriza a generalização destes resultados. Também não se pode interpretar que os demais consórcios existentes, principalmente os que atuam na área da saúde, apresentem desempenho em níveis semelhantes. É importante notar, entretanto, que os municípios deste caso dependem, em grande parte, do consórcio que participam. Um eventual rompimento deste acordo de cooperação não ocasionaria apenas reflexos financeiros com o desprendimento de maiores recursos para a área da saúde. A consequência principal de tal suposição recairiam sobre os cidadãos residentes no município e que encontram nos serviços oferecidos pelo consórcio a única alternativa para o encaminhamento de suas demandas.

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Notas

1 As entrevistas foram realizadas presencialmente na sede administrativa do CISA e nas Secretarias Municipais de Saúde dos respectivos municípios. Os entrevistados são referenciados neste artigo por meio de um número sequencial de modo a preservar o sigilo. As entrevistas contaram com perguntas comuns a cada grupo de entrevistados (Direção do CISA e Secretárias de Saúde).
2 A nota técnica não incluiu o Observatório dos Consórcios Públicos e do Federalismo (OCPF), portal atualmente desativado mas que durante algum tempo foi uma das principais fontes de informações sobre consórcios públicos (OCPF, 2017).
3 A informação refere-se à data de 25/04/2023.
4 Com exceção dos estados do Amapá e Roraima
5 As áreas de atuação incluídas no perfil são: Educação, Saúde, Assistência e desenvolvimento social, Turismo, Cultura, Habitação, Meio ambiente, Transporte, Desenvolvimento urbano, Saneamento básico, Gestão das águas e Manejo de resíduos sólidos (IBGE, 2019)
6 A pesquisa Munic – 2019 não relacionou, para a área da saúde, municípios dos estados do Amapá, Roraima e o Distrito Federal (IBGE, 2019)
7 A Secretaria do Tesouro Nacional (STN), por meio do Sistemas de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), armazena e disponibiliza informações contábeis em uma base de dados denominada Finanças do Brasil (Finbra) obtidas em diversos entes públicos, dentre eles os municípios. (STN, 2019)


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