Urbanização, Pequenas Cidades e Desenvolvimento Territorial

Cidades pequenas, dinâmicas territoriais e mudanças na rede urbana da Região dos Vales-Rio Grande do Sul-Brasil

Small cities, territorial dynamics and changes in the urban network of the Vales Region-Rio Grande do Sul-Brazil

Pequeñas ciudades, dinámicas territoriales y cambios en la red urbana de la Región de Vales-Rio Grande do Sul-Brasil

Rogério Leandro Lima da Silveira
CNPq e PPGDR/UNISC, Brasil
Carolina Rezende Faccin
PROPUR/UFRGS, Brasil
Luana Pavan Detoni
PROPUR/UFRGS, Brasil

Cidades pequenas, dinâmicas territoriais e mudanças na rede urbana da Região dos Vales-Rio Grande do Sul-Brasil

Redes. Revista do Desenvolvimento Regional, vol. 28, 2023

Universidade de Santa Cruz do Sul

Recepción: 30 Abril 2023

Aprobación: 29 Octubre 2023

Resumo: Analisa-se o papel das cidades pequenas no contexto das dinâmicas urbanas e territoriais e das mudanças que ocorreram na rede urbana da Região do Vales, no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Metodologicamente utiliza-se dados secundários dos estudos do IBGE sobre Regiões de Influência das Cidades (REGIC), elaborados entre 1966 e 2018. Entende-se a rede urbana como o conjunto articulado de centros urbanos através de relações e interações espaciais realizadas através de fluxos materiais e imateriais. Observa-se que a configuração espacial e dinâmica de funcionamento da rede urbana na Região dos Vales, refletem a limitada divisão territorial do trabalho existente na maior parte do território regional, de um lado, e decorrem da intensa fragmentação territorial promovida pelo processo de emancipações municipais, de outro lado. Representando a maioria das cidades da rede urbana regional, as cidades pequenas desempenham funções básicas e de imediato atendimento à população municipal e apresentam importante papel na estruturação da rede urbana regional. Algumas delas, têm ampliado a sua centralidade regional e se destacado na rede urbana através da gestão territorial pública que exercem e dos serviços privados especializados que ofertam na região decorrente dos seus processos de urbanização, condicionados pela dinâmica de desenvolvimento regional das atividades agroindustriais do tabaco e da produção de carne suína e de frango. Destacam-se também as capitais regionais de Santa Cruz do Sul e Lajeado, por exercerem intermediação de fluxos entre a metrópole de Porto Alegre e os centros locais e pela posição central que ocupam na rede urbana regional.

Palavras-chave: Cidades pequenas, Rede urbana regional, Divisão territorial do trabalho, Emancipações municipais, Região dos Vales.

Abstract: The role of small cities is analyzed in the context of urban and territorial dynamics and the changes that occurred in the urban network of the Vales Region, in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. Methodologically, secondary data from IBGE studies on Regions of Influence of Cities (REGIC) are used, collected between 1966 and 2018. The urban network is understood as the articulated set of urban centers through spatial relationships and interactions carried out through material and immaterial flows. It is possible to see that the spatial configuration and functioning dynamics of the urban network in the Vales Region reflect the limited territorial division of labor existing in most of the regional territory, on the one hand, and result from the intense territorial fragmentation promoted by the process of municipal emancipation, on the other hand. Representing the majority of cities in the regional urban network, small cities fulfil basic functions and immediately serve the municipal population, in addition to playing an important role in structuring the regional urban network. Some of them have expanded their regional centrality and stood out in the urban network through the public territorial management they carry out and the specialized private services they provide in the region resulting from their urbanization processes, conditioned by the dynamics of regional development of tobacco agro-industrial activities and the production of pork and chicken. The regional capitals of Santa Cruz do Sul and Lajeado also stand out, as they mediate flows between the metropolis of Porto Alegre and local centers, and because of the central position they occupy in the regional urban network.

Keywords: Small cities, Regional urban network, Territorial division of labor, Municipal emancipation, Vales Region.

Resumen: Se analiza el papel de las pequeñas ciudades en el contexto de las dinámicas urbanas y territoriales y los cambios ocurridos en la trama urbana de la Región de Vales, en el Estado de Rio Grande do Sul, Brasil. Metodológicamente, se utilizan datos secundarios de los estudios del IBGE sobre Regiones de Influencia de las Ciudades (REGIC), elaborados entre 1966 y 2018. La red urbana se entiende como el conjunto articulado de centros urbanos a través de relaciones e interacciones espaciales realizadas a través de flujos materiales e inmateriales. Se observa que la configuración espacial y la dinámica de funcionamiento de la red urbana en la Región Vales, reflejan la limitada división territorial del trabajo existente en la mayor parte del territorio regional, por un lado, y resultan de la intensa fragmentación territorial promovida por el proceso de emancipaciones municipales, por otro lado. Representando a la mayoría de las ciudades de la red urbana regional, las pequeñas ciudades cumplen funciones básicas y sirven inmediatamente a la población municipal y juegan un papel importante en la estructuración de la red urbana regional. Algunas de ellas han incrementado su centralidad regional y se han destacado en el tejido urbano a través de la gestión pública territorial que ejercen y los servicios privados especializados que ofrecen en la región debido a sus procesos de urbanización, condicionados por la dinámica de desarrollo regional de las actividades agroindustriales de tabaco y producción de carne de cerdo y de pollo. También se destacan las capitales regionales de Santa Cruz do Sul y Lajeado, por mediar flujos entre la metrópolis de Porto Alegre y los centros locales y por la posición central que ocupan en la red urbana regional.

Palabras clave: Pequeñas ciudades, Red urbana regional, División territorial del trabajo, Emancipaciones municipales, Región de los Valles.

1 Introdução

Milton Santos introduz sua análise sobre a urbanização brasileira, no início da década de 1990, registrando que havia “[...] uma atenuação relativa das macrocefalias, pois além das cidades milionárias, desenvolvem-se cidades intermediárias ao lado de cidades locais [...]” (SANTOS, 1993, p. 9-10). Para ele o país passava a apresentar fenômenos simultâneos de metropolização e de desmetropolização, com crescimento econômico e urbano em menores ritmos nas grandes cidades do que aqueles verificados em cidades médias e pequenas localizadas em regiões agrícolas dinâmicas do território (SANTOS, 1993).

No atual período, confirma-se essa observação/previsão de Santos, ao verificar-se uma maior complexidade e abrangência espacial do fenômeno da urbanização no País. Destaca-se também a diversidade de cidades (sedes municipais) que constituem o território nacional, de acordo com os variados portes (demográfico e territorial) e os distintos papéis e funções que estas desempenham no contexto da rede urbana, em diferentes escalas espaciais.

No atual cenário econômico, social e político, a globalização tem sido responsável por um crescente aumento das interações entre as cidades e pela formação de novas redes urbanas, o que tem tornado de um lado os territórios mais competitivos e complementares, de outro promovido a desigualdade e a seletividade entre eles. Nesse contexto, a dinâmica de funcionamento da rede urbana permite a articulação e a integração espacial, seja entre a cidade e o campo, seja entre as cidades pequenas, médias e metropolitanas, e entre elas e suas respectivas regiões de influência. Regiões essas, que podem ser definidas pela amplitude e complexidade dos fluxos que tais cidades atraem, geram e comandam no território (FONSECA; RAMOS, 2011). Nesta perspectiva da rede urbana regional, cada cidade assume um papel importante para a manutenção da vida em sociedade.

Em âmbito nacional, diversas pesquisas estudam o comportamento da rede urbana. Se destacam aquelas desenvolvidas pelo IBGE, denominadas de Região de Influência das Cidades (REGIC). Conforme a publicação mais recente da REGIC, relativa ao ano de 2018, esse estudo “tem o propósito de identificar e analisar a rede urbana brasileira, estabelecendo a hierarquia dos centros urbanos e as regiões de influência das Cidades” (IBGE, 2020, p. 9). Os estudos sobre redes urbanas são essenciais para se compreender relações econômicas, de dependência e articulação interna e externa ao país. Por conta disso, são considerados importantes para a formulação de diagnósticos e proposições de políticas, planos e programas, em níveis regional, estadual e nacional (CANTARIM, 2015), e pode ser acrescentado também, em âmbito municipal. Ressalta-se que estudos como a REGIC auxiliam a revelar arranjos territoriais e dinâmicas regionais em espaços distantes das áreas metropolitanas, especialmente em países com as dimensões territoriais do Brasil (ARRAIS, 2008).

Assim como Santos (1993), é possível observar uma crescente involução metropolitana no país, visto pelo crescimento demográfico e econômico mais expressivo que tem ocorrido nas cidades médias (SILVA; SPOSITO, 2017; SILVEIRA; FACCIN, 2021). Em suma, estas desempenham papéis de intermediação, entre as metrópoles e as cidades pequenas, que são compreendidas por Santos (1993), como locais. Optou-se, no entanto, por manter a adjetivação de pequenas ao longo do texto, devido à conexão destas com outros centros urbanos, sobretudo diante dos efeitos da globalização. Nesse sentido, entre o local e o global, também se observa o significativo aumento de cidades pequenas, sendo muitas fruto dos processos de emancipação política motivados pela alteração do desenho institucional federativo a partir da Carta Magna de 1988 (TOMIO, 2022). De acordo com Endlich (2009, p. 224): “No Brasil, a estreita associação formal entre o município e a cidade torna os processos de emancipação relevantes, enquanto via de acesso à instalação de determinados serviços e equipamentos”.

Nesse contexto, este artigo objetiva identificar e compreender mudanças que têm ocorrido nas dinâmicas das redes urbanas regionais e no papel das cidades pequenas nesse processo. Para atingir tal objetivo optou-se pelo estudo de caso em uma dada região, cujo recorte espacial corresponde à Região do Vales, localizada no Estado do Rio Grande do Sul. O trabalho envolve a análise das principais mudanças que ocorreram na configuração espacial, hierarquia urbana e no funcionamento dessa rede urbana regional ao longo desse período, através da fonte de dados sistematizados pelos estudos do IBGE sobre a Região de Influência das Cidades (REGIC) publicados nos anos de 1966, 1978, 1993, 2007 e 2018. Também se analisa o processo de emancipações dos municípios da região, com base nos estudos sobre a genealogia dos municípios gaúchos, elaborado pela Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do RS, em 2018. Tal processo foi responsável por alterações na configuração espacial e funcionamento da rede urbana da região dos Vales.

Como técnica de coleta e análise de dados apresenta-se a composição de mapas temáticos, elaborados através do uso de shapefiles disponibilizados pelo IBGE, editados no programa de georreferenciamento QGis e finalizados livremente no programa de tratamento de imagens vetorizadas, o Adobe Illustrator. A análise e crítica dos resultados obtidos foi realizada com base no referencial teórico adotado.

Além desta introdução e das considerações finais, este artigo está organizado em três partes. A primeira, aborda-se sobre o contexto das cidades pequenas, com base nos processos de urbanização e no conceito de rede urbana. Em seguida, procura-se brevemente caracterizar o território da Região dos Vales destacando as mudanças na divisão territorial dos seus municípios. Na terceira e última parte, analisa-se as dinâmicas e transformações que configuram a rede urbana da região de estudo.

2 Cidades pequenas e rede urbana

A expressão “cidades pequenas”, embora não faça referência apenas ao porte das cidades, geralmente apresenta a análise demográfica como ponto de partida para definição de seu escopo (ENDLICH, 2017). No entanto, não há um consenso sobre o parâmetro demográfico a ser utilizado como referência. Este é estabelecido de acordo com a região e com o conjunto de cidades que compõem as redes urbanas em questão. Contudo, neste trabalho assume-se o recorte das localidades (municípios) com população total (urbana e rural) inferior a 50.000 habitantes, limiar esse adotado pela Rede de Pesquisadores sobre Cidades Pequenas (Mikripoli), com base na realidade territorial e urbana brasileira.

A análise da urbanização brasileira permite verificar que dos 5.570 municípios existentes, 4.882 (88%) possuem até 50 mil habitantes, ou seja, de cada dez municípios, em nove se tem a presença de cidades pequenas (IBGE, 2021).

Contudo, nesse conjunto de cidades, com até 50 mil habitantes, existe ampla diversidade quanto ao tamanho demográfico, à situação geográfica, à estrutura econômica, às características ambientais, sociais e culturais, e à sua centralidade e participação na rede urbana. Portanto, são espaços urbanos diversos e distintos, com dinâmicas de urbanização próprias, particulares e que devem ser estudados para que possam ser compreendidos na sua multiplicidade de condições, atributos e relações no território regional.

Nesse sentido, entende-se, como Sposito e Jurado da Silva (2013, p.40) que “[...] as cidades pequenas são núcleos urbanos que representam uma extensão menor se comparada a centros de outro porte e atendem ao pressuposto da realização da vida, da produção do espaço e da reprodução capitalista, na divisão territorial do trabalho em escala internacional”.

As cidades pequenas brasileiras, até meados da década de 1950, não apresentavam uma evidente diferenciação funcional, no entanto, a partir desse período ocorreram transformações econômicas e socioespaciais, de modo desigual, nos contextos regionais que provocaram uma grande diferenciação entre os tipos urbanos, sendo a industrialização do campo e o desenvolvimento da circulação de mercadorias, pessoas, capitais e informações, as principais mudanças (CORRÊA, 2011).

No contexto da estrutura territorial e da rede urbana brasileira, tanto pela sua representatividade quantitativa quanto pela sua localização nas diferentes regiões e estados do País, não há como negar a importância das cidades pequenas nos processos de desenvolvimento regional. As cidades pequenas têm desempenhado importante papel na articulação dos espaços urbanos e rurais, através da sua centralidade e funções administrativas e econômicas; na intermediação de fluxos de intensidade e conteúdo variados, oriundos dos grandes centros urbanos do país e do exterior, e aqueles provenientes de suas regiões imediatas de influência.

A rede urbana, conforme Corrêa (2006), é entendida como o conjunto articulado de centros urbanos, integrados em escalas mundial, regional e local por meio de fluxos de serviços, mercadorias, capitais, informações e de pessoas. Os centros dessa rede possuem diferentes hierarquias, funções e diversas dimensões demográficas, de modo que estabelecem relações de subordinação, influência e complementaridade entre si.

No Brasil, Roberto Lobato Corrêa e Milton Santos muito contribuíram na discussão sobre a temática acerca da rede urbana, analisando a rede urbana brasileira e suas metamorfoses diante das transformações estruturais que ocorreram no país a partir do século XX.

Roberto Lobato Corrêa (2006, p. 45) comenta que “a compreensão da singularidade de cada uma das redes urbanas, nacionais ou regionais, no processo de criação, apropriação e circulação do valor excedente deve ser o objetivo dos estudos de casos”.

Corrêa (2006) ainda propõe que a rede urbana seja analisada através da apreensão da gênese da rede urbana em estudo, da dinâmica social e sua tradução na rede urbana e, enfim, que se considere a rede urbana atual. Conforme o autor (2006, p. 280), “a cidade e a rede urbana [...] tendem a exibir [...] padrões de formas que contêm, ao menos parcialmente, fortes elementos gerados na formação espacial da qual surgiram.” Assim, “uma rede urbana pode exibir características associadas aos diversos momentos da formação em que está inscrita, ou das diversas formações espaciais a que esteve associada” (CORRÊA, 2006, p. 280).

A rede urbana também pode ser entendida a partir de seu território, aqui entendido enquanto espaço apropriado, ocupado e usado (SANTOS, 1996). O território pode ser entendido como resultante das relações sociais dos agentes, por meio das redes estabelecidas entre eles, principalmente no que se refere às redes estabelecidas pelos atores hegemônicos. De acordo com Santos (2006, p. 6):

Para os atores hegemônicos o território usado é um recurso, garantia da realização de seus interesses particulares. Desse modo, o rebatimento de suas ações conduz a uma constante adaptação de seu uso, com adição de uma materialidade funcional ao exercício das atividades exógenas ao lugar, aprofundando a divisão social e territorial do trabalho, mediante a seletividade dos investimentos econômicos que gera um uso corporativo do território.

A partir dessa realidade, é possível identificar na análise teórica o funcionamento do território expresso através das horizontalidades e verticalidades, definidas conforme a interação entre lógicas e agentes que atuam desde as escalas local e regional até às escalas nacional e internacional. Enquanto as horizontalidades estão mais atinentes ao plano territorial dos agentes locais, as verticalidades referem-se às articulações entre as lógicas econômicas e empresariais globalmente, a partir das conexões entre cidades na rede. Milton Santos (2005, p. 139) explica as horizontalidades como “os domínios da contiguidade, daqueles lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial”. Já as verticalidades, são “formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais”.

A ideia sobre horizontalidade e verticalidade é uma forma de compreender o próprio território, a rede urbana e os fluxos. Destaca-se, por fim, as articulações multiescalares estabelecidas por grandes corporações a partir de cidades integradas através da rede urbana. Por meio dessas corporações organizadas no espaço global, a tendência atual é que as cidades se unam verticalmente, em toda parte. Ainda assim, essas cidades também podem unir-se horizontalmente, reconstruindo, conforme Santos (2005, p. 143), “aquela base de vida comum susceptível de criar normas locais, normas regionais [...].”

As cidades pequenas e médias, com graus diferentes de intensidade, são lugares de encontro das verticalidades e das horizontalidades presentes no território. As cidades pequenas pela representatividade territorial que apresentam no território brasileiro, e na região em estudo isso também se verifica, possibilitam relações espaciais de complementaridade, de cooperação, mas também de influência, de competitividade e de subordinação. Isso ocorre em razão das diferentes divisões territoriais do trabalho existentes em cada região, e das distintas capacidades de articulação política dos atores e instituições locais e regionais em prol da coesão territorial e do desenvolvimento regional endógeno e equilibrado.

3 A Região dos Vales e as mudanças na divisão territorial dos seus municípios

A Região dos Vales está localizada na zona centro-oriental do Rio Grande do Sul (RS) e corresponde à Região Funcional de Planejamento 2 estabelecida pelo governo Estado do RS em sua regionalização para fins de planejamento e desenvolvimento regional. Essa região é formada pelo agrupamento das sub-regiões contíguas dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs)1 do Vale do Rio Pardo e do Vale do Taquari. Na Figura 1 apresentamos com base nessa organização regional a densidade demográfica dos centros urbanos (IBGE, 2010) e o sistema viário: rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos.

A estrutura viária contribui e condiciona a dinâmica de relações entre as cidades na rede urbana. Observa-se que a maior concentração populacional ocorre junto às principais vias de conexão, destaca-se o eixo rodoviário que conecta Santa Cruz do Sul e Lajeado, respectivamente cidades polos regionais do Vale do Rio Pardo e do Vale do Taquari. Entre elas encontra-se Venâncio Aires, estas três cidades apresentam as maiores densidades populacionais da região. As demais 56 sedes municipais deste recorte territorial podem ser compreendidas no escopo das cidades pequenas.

O sistema de vias e modais da região, no entanto, é deficiente quanto à abrangência espacial e qualidade das vias, sendo mais expressivo a malha rodoviária, apesar do seu potencial hídrico. É possível notar maior densidade e concentração de estradas federais e estaduais asfaltadas na zona central da região, no outro extremo de modo menos favorável, encontra-se a porção Sul. Nota-se, ainda, que ao norte da região há municípios que não possuem acesso asfáltico, dificultando o escoamento da produção local e o deslocamento de pessoas. É o caso das cidades pequenas de Tunas, no Vale do Rio Pardo, e de Capitão e Coqueiro Baixo, no Vale do Taquari.

Destacam-se as rodovias federais BR-287 e a BR-386, por serem importantes vias de ligação com a região metropolitana de Porto Alegre, respectivamente, à oeste e ao norte do Estado. Enquanto a BR-287 serve de acesso para Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires, a BR-386 atravessa a área urbana de Lajeado e Estrela. Ambas as rodovias recebem intenso tráfego de caminhões transportando matéria-prima, mercadorias e pessoas de outras regiões e até de países vizinhos, aproximando a Região dos Vales da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA).

O sistema viário e a densidade populacional da Região dos Vales – RS
Figura 1
O sistema viário e a densidade populacional da Região dos Vales – RS
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de IBGE (2010; 2016).

Em relação à demografia, a Região dos Vales apresentava segundo o último Censo, em 2010, uma população total de 745.864 habitantes2. A população desta região é predominantemente urbana, sendo que 68% residem em área urbana e 32% em área rural. Apesar disso, dos seus 59 municípios, 35 apresentam mais de 50% da população residindo no meio rural (IBGE, 2010). Destaca-se que a configuração populacional da região está diretamente associada à divisão territorial do trabalho dos complexos agroindustriais do tabaco e da produção de carne de suíno e de frango, respectivamente no Vale do Rio Pardo e no Vale do Taquari, tanto em relação aos portes e papéis das cidades, quanto à ocupação do espaço urbano e rural.

Nesse sentido, observa-se a economia regional a partir das análises socioeconômicas das Regiões Funcionais de Planejamento, da Secretaria de Planejamento do Estado do RS (RIO GRANDE DO SUL, 2015). A sub-região do Vale do Rio Pardo é a principal área do país na produção de tabaco em folha através da agricultura familiar realizada em pequenas propriedades. A produção de artigos do fumo compõe 80% da estrutura do Valor Adicionado Bruto (VAB) da Indústria da Transformação. Em menor parte, também se destaca na região a produção do setor alimentício e do setor metalmecânico. No Vale do Taquari, a produção do setor alimentício se destaca na composição do VAB da Indústria da Transformação, com 69%. Mais especificamente, predominam as atividades de abate e fabricação de produtos de carne (29%), laticínios (16%) e fabricação de alimentos para animais (14%). Nesta sub-região, também se destacam as atividades do setor de produção de calçados, de curtimento e outras preparações de couro (13%) (RIO GRANDE DO SUL, 2015).

Somado às questões de infraestrutura viária e econômicas, através da Figura 1, também é possível observar os reflexos dos processos históricos de ocupação que resultam em significativas diferenças na formação dos territórios municipais na região. No quadrante sul da região, é possível observar a presença de municípios com maiores áreas territoriais, resultado do processo histórico de constituição de uma estrutura fundiária assentada em médias e grandes propriedades. No quadrante central e norte da região, há uma maior presença de municípios com menores extensões territoriais, resultado do processo histórico de colonização a partir de pequenas propriedades rurais, e de um intenso processo de emancipações municipais, a partir do final da década de 1980.

Essa forte onda de emancipações municipais se deu, de acordo com Magalhães (2008), após o regime militar no Brasil, quando houve um significativo incremento no número de municípios no país, elevando ao status de cidade inúmeros pequenos núcleos urbanos distritais. Entre 1984 e 2000 houve a instalação de 1.405 novos municípios no país, principalmente nas regiões Sul e Nordeste. Tomio (2002, p. 62) aponta que: “A descentralização política e fiscal foi uma característica importante da redemocratização brasileira”. Sendo a Constituição Federal de 1988 o principal marco institucional para criação de novos mecanismos de autonomia política, sobretudo na esfera municipal.

O Estado do Rio Grande do Sul registrava 150 municípios na década de 1960; 232 municípios na década de 1970; 232 municípios na década de 1980; 333 municípios na década de 1990; 467 municípios na década de 2000; e 496 municípios na década de 2010 (JURADO DA SILVA, 2022). Em relação a esse crescente número de emancipações destaca-se o período entre as décadas de 1980 e 2000, cujo aumento foi de 114%. Nesse contexto, Silveira e Hermann (2001, p. 245), indicam que:

No início da década de 1980, o Rio Grande do Sul possuía cerca de 232 municípios, número que se mantinha inalterado desde 1966, quando, por força do regime militar, as novas emancipações foram proibidas. Nesse período, acentuam-se os desejos dos distritos em quererem sua autonomia, pois, as decisões dos governos municipais quanto à aplicação de recursos estavam submetidas às pressões e restrições legais da esfera federal – o que gerava grande insatisfação entre as comunidades. [...]. Dentre os motivos do desejo de autonomia dos então distritos, acrescia-se o discurso do abandono por parte da sede municipal, onde essas comunidades se viam, em sua maioria, tolhidas em seu desenvolvimento e sem o retorno dos recursos nelas gerados em obras e melhoramentos. Por outro lado, é também perceptível que o processo de emancipações permeia questões políticas e econômicas ligadas aos segmentos hegemônicos locais (das sedes distritais), ou seja, aos agentes responsáveis pela dinâmica social que conduz à fragmentação espacial, e também vinculado ao posicionamento desses agentes quanto à possibilidade de ganho ou perda relativa de poder.

Atualmente, após a emancipação em 2013 de Pinto Bandeira, distrito de Bento Gonçalves, o Estado passou a contar com 497 municípios (RIO GRANDE DO SUL, 2018). O RS tem se destacado nas pautas nacionais sobre o pacto federativo, devido ao crescente e significativo número de emancipações municipais, também em relação às possíveis alterações político-administrativas e perdas de arrecadação tributária de acordo com a PEC 188/2019 (JURADO DA SILVA, 2022). Ainda, em relação às propostas de extinção municipal, em 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF) faz uma declaração acerca da inconstitucionalidade de três leis estaduais que permitiram a emancipação de 30 municípios3.

A fim de compreender a dinâmica do território gaúcho, a Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) e o Departamento de Planejamento Governamental (DEPLAN) organizaram uma árvore genealógica que registra o processo histórico da configuração político-administrativa dos municípios do Estado (RIO GRANDE DO SUL, 2018). Tal genealogia resgata os momentos das emancipações municipais através de nove gerações. Na primeira geração encontram-se as quatro grandes vilas: Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo Antônio da Patrulha. A partir desses territórios, decorrem as gerações seguintes, onde cada município é conectado com sua linhagem de origem, ou seja, ao seu “município mãe”.

Especificamente, na Região dos Vales, até o ano de 1964, a sub-região do Vale do Taquari possuía 14 municípios, enquanto a sub-região do Vale do Rio Pardo possuía 10 municípios. Entre as décadas de 1980 a 2000, foram criados mais 22 municípios na primeira sub-região e 13 na segunda, havendo um aumento, respectivamente, de 157% e 130%, sendo este crescimento maior que a média do Estado (RIO GRANDE DO SUL, 2018). Destaca-se o Vale do Taquari, com um aumento superior de municípios, em comparação ao Vale do Rio Pardo, apesar de possuir significantemente menor extensão territorial. Enquanto a primeira sub-região possui 36 municípios e área territorial de 4.826,7 km², a segunda possui 23 municípios e uma área de 13.171,7 km² (IBGE, 2010).

A Figura 2 representa as emancipações municipais ocorridas na região dos Vales, de acordo com a árvore genealógica dos municípios do RS (2018). As nove gerações dos municípios são apresentadas através de pontos, hierarquizados através de uma escala de cores e tamanho. Os pontos que representam as gerações são conectados através de linhas azuis, que indicam a relação entre o município emancipado e seu território de origem. No mapa, também é indicado o período que ocorreram as emancipações, utilizando uma escala de cores, a fim de colocar em evidência os municípios constituídos mais recentemente, entre 1981 e 1996.

Genealogia e faixas de ano de emancipação dos municípios da Região dos Vales
Figura 2
Genealogia e faixas de ano de emancipação dos municípios da Região dos Vales
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de Rio Grande do Sul (2018).

Destaca-se, com base na Figura 2, que Rio Pardo (1809), da primeira geração, corresponde ao município mais antigo da Região dos Vales, sobretudo da sub-região do Vale do Rio Pardo. A partir dele se originaram os seguintes municípios da região: Encruzilhada do Sul (1849), Santa Cruz do Sul (1877), Candelária (1925). E mais recentemente, no entanto, também como parte da segunda geração: Pantano Grande (1987) e Passo do Sobrado (1992). Nota-se que, apesar da idade de constituição dos territórios mencionados, Santa Cruz do Sul tem apresentado maior concentração demográfica e foi o único desses municípios que sofreu processos de emancipação dos seus distritos. Constituindo na terceira geração: Vera Cruz (1959), Vale do Sol (1992) e Sinimbu (1992).

A compreensão sobre a dinâmica socioespacial que atravessa a genealogia desses municípios requer informações sobre o processo de formação histórica regional. Nesse sentido, ressalta-se que o Vale do Rio Pardo teve sua colonização estruturada a partir do Rio Jacuí e a partir do município de Rio Pardo. Cidade essa que, conforme Vogt e Silveira (2001, p. 115), “apesar de sua origem militar destacou-se no final do século XVIII até meados do século XIX como um importante entreposto comercial.” Configurando-se em um ponto central de chegada e redistribuição de mercadorias para boa parte do território da Província, em grande parte por estar localizada na margem esquerda do rio Jacuí, utilizado para a navegação e transporte de produtos. Porém, Rio Pardo iniciou uma fase de estagnação na mesma época da Revolução Farroupilha (no período entre 1835-1845) e entrou em um processo de decadência econômica desde então. Muitos foram os motivos para tal, dentre eles, destaca-se, de acordo com Vogt e Silveira (2001, p. 116):

Com a introdução do barco a vapor pelo rio Jacuí, os maiores comerciantes e redistribuidores da Campanha e dos Campos de Cima da Serra foram atraídos a fazer suas compras diretamente em Porto Alegre. Assim, deixaram de lado Rio Pardo que, dessa forma, perdeu sua condição de entreposto comercial.

Outro motivo para sua decadência foi o fato de que a cidade servia apenas como local de passagem, seja pela linha fluvial, seja pela ferrovia que ligava Porto Alegre a Uruguaiana. Por outro lado, Santa Cruz do Sul, que não é banhada por rio navegável, e nesse período encontrava-se distante 40 Km da cidade de Rio Pardo e, consequentemente, da linha férrea e da hidrovia do rio Jacuí, apresentava dificuldade para o escoamento da produção (VOGT, 1997). De acordo com Vogt (1997, p. 68):

[...] somente no século XX que os problemas com as vias de transporte [de Santa Cruz do Sul] são resolvidos efetivamente. Em 1905, o município foi ligado à via férrea Porto Alegre/Uruguaiana por um ramal ferroviário que ligou a cidade à Estação do Couto (Ramiz Galvão) [na cidade de Rio Pardo]. No final da década de 60, Santa Cruz passou a ser servida pelas rodovias BR-471 e RS-287, estradas que aproximaram-na das demais regiões do estado.

Assim, Rio Pardo torna-se somente um local de passagem, com a posterior perda de importância do sistema fluvial e ferroviário e a crescente importância do sistema rodoviário, houve uma diminuição de centralidade de Rio Pardo e um aumento da de Santa Cruz do Sul. Outro fator que elevou a importância de Santa Cruz do Sul foi, em especial, a penetração do capital internacional na região, processo iniciado na cidade em 1917 com a instalação da “The Brazilian Tobacco Corporation”, antecessora da “Companhia Brasileira de Tabacos em Folha” (1920) e da “Souza Cruz” (1955), empreendimento bancado pela “British American Tobacco” (BAT). Após a instalação da subsidiária da BAT, o centro do comércio de tabaco em folha deslocou-se de Porto Alegre para Santa Cruz do Sul. Posteriormente, a partir do final da década de 1960, assiste-se à completa internacionalização econômica do setor tabaqueiro e, a partir dos anos 1990, entra em curso o processo de concentração e fusão das agroindústrias tabaqueiras (VOGT, 1997).

Em relação a árvore genealógica da sub-região do Vale do Taquari, Figura 2, nota-se que os municípios são mais jovens (municípios representados em tons mais escuros no mapa) e constituem-se a partir da terceira geração, da qual se distingue o município de Taquari (1849), que vem da linhagem de Porto Alegre. Desse município foram emancipados Estrela (1876) e General Câmara (1881), que deram origem a muitos outros municípios, como Lajeado (1891) e Venâncio Aires (1891), respectivamente, que pertencem à quinta geração. A partir de Taquari também se originou Bom Retiro do Sul (1959), município mãe de Fazenda Vilanova (1995), Paverama (1988) e Tabaí (1995), já no último período de emancipação que foi registrado. Ainda em relação às emancipações desse contexto regional destacamos como mais recente a de Coqueiro Baixo (1996), que se encontra na nona geração.

Em relação à formação regional do Vale do Taquari, registra-se que historicamente seus municípios estiveram integrados através do Rio Taquari, facilitando o deslocamento de bens através dos municípios de Encantado, Arroio do Meio, Lajeado, Estrela, Bom Retiro do Sul e Taquari, até a capital Porto Alegre e o Porto de Rio Grande. Foi nessa mesma região onde se fixaram os primeiros imigrantes açorianos, em 1700 (KREUTZ; MACHADO, 2017). As primeiras ocupações europeias no Vale do Taquari ocorreram na parte baixa do Vale, ou seja, ao sul do Rio Taquari, onde hoje é o município de Taquari, área que foi marcada pela presença de fazendas extrativas escravistas e de pequenas glebas de colonos de origem açoriana. Esse tipo de ocupação se manteve desde o início do Brasil Império (1822) até 1850. A partir de então, a vinda de novos colonos como pequenos proprietários na região veio a modificar profundamente seu panorama demográfico — primeiro, com a chegada de alemães (desde 1853), na área intermediária da região e, posteriormente, e de italianos (a partir de 1878), na porção mais ao norte — transformando o território até então habitado por posseiros e população indígena (AHLERT; GEDOZ, 2001).

A formação de vilas e cidades foi favorecida pela vinda dos colonos europeus e pela diversificação de profissões entre os imigrantes — lavradores, ferreiros, carpinteiros, tecelões, operários de indústria e sapateiros. Foram assim, compondo núcleos de população que mais tarde formariam as sedes de municípios. Na metade do século XIX, o Vale do Taquari sofreu transformações político-administrativas, a partir da criação do município de Taquari, desmembrado de Triunfo (AHLERT; GEDOZ, 2001).

O município de Lajeado, por sua vez, destaca-se inicialmente, antes de tornar-se município, pelas atividades portuárias e pela função de entreposto comercial com a região. Porém, o modal hidroviário perde sua importância e entra em crise, por um lado pelas dificuldades que o rio apresentava à navegação, por outro, devido ao desenvolvimento rodoviário. A partir do desenvolvimento do Plano de Metas do governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), inicia a implantação da BR-386. Terminada em 1970, a Rodovia Federal Presidente Kennedy, conhecida como “Estrada da Produção”, passa a ligar Passo Fundo a Porto Alegre, atravessando Lajeado. A locação dessa rodovia em Lajeado provocou a especulação imobiliária, e elevou a valorização econômica daquele eixo, tal processo foi importante para o crescimento do município (SCHEIBE, 2016).

A partir dessa análise da organização regional da Região dos Vales é possível notar a correlação entre os processos históricos de ocupação do território e a presença das redes de infraestrutura viária, inicialmente hidroviária em seguida com maior pujança a rodoviária. Do mesmo modo, o conhecimento sobre as relações de origem dos municípios auxilia a compreensão geográfica do território, sobretudo das dimensões demográficas e econômicas. Essa relação dinâmica, entre os núcleos urbanos, reflete na constituição, estrutura e funcionamento da rede urbana regional.

4 Dinâmicas e transformações da rede urbana da Região dos Vales (1966-2018)

Neste tópico, apresentam-se as sucessivas configurações da rede urbana regional da Região dos Vales, entre o período de 1966 e 2018, a partir da análise dos dados levantados pelos estudos da Região de Influência das Cidades (REGIC), realizados pelo IBGE.

Antes de avançar nas análises comparativas sobre a evolução da hierarquia e das relações estabelecidas entre as cidades da região, cabe ressaltar os aspectos metodológicos que fundamentam a REGIC. De acordo com Cantarim (2015), com o passar do tempo o IBGE foi refinando o método de pesquisa. O autor destaca que os primeiros estudos, publicados em 1966 e 1978, foram fundamentados na teoria criada por Christaller, dos “Lugares Centrais”, de cunho locacional, e na teoria de Michel Rochefort (1998), sobre o “Método de Estudo das Redes Urbanas”, que tem como base a teoria anterior, no entanto, agrega o contexto da explosão urbana. Além das teorias mencionadas, os estudos seguintes de 1993 e 2007 incorporam, respectivamente, a dimensão informacional, embasado por Corrêa (2006), e a noção tecnológica, também com referência às contribuições de Corrêa, e dos pesquisadores Camagni (1993) e Offner e Pumain (1996).

Além dos aspectos locacionais, do contexto de explosão urbana, das relações informacionais e tecnológicas mencionados, é possível observar que a base metodológica mais recente, da REGIC de 2018, também busca um aprimoramento teórico de modo mais compatível com a concepção de rede urbana como fenômeno complexo e evolutivo. Nesse sentido, faz referência à “Teoria dos Fluxos Centrais” de Peter Taylor (2007), que estrutura o espaço urbano através da compreensão de dois processos distintos: (i) town-ness, baseado na natureza local e hierárquica, de acordo com as relações da hinterlândia e de polarização da região; e (ii) city-ness, que dá ênfase aos relacionamentos à distância que ultrapassam as barreiras espaciais clássicas, essas relações não necessariamente se comportam de maneira hierárquica. Para Taylor, ambos processos estão presentes em todas as cidades, no entanto, “quanto maior a cidade, menos é constituída pelo town-ness e mais sua economia passa a ser regida pelo segundo tipo de relações externas, o city-ness” (IBGE, 2020, p. 70).

As distintas e complementares orientações teóricas que embasaram, ao longo do tempo, os estudos da REGIC, podem também ser observadas no modo como os estudos denominam os diferentes níveis de hierarquia urbana nos quais as cidades são classificadas, em cada momento. Assim, enquanto em 1966, as principais cidades da região eram classificadas como centros de “nível 3b” e as pequenas cidades com menor centralidade eram identificadas como “municípios subordinados”, já em 2008, respectivamente, eram identificadas como “Centros Subregionais A” e como “Centros Locais”. Outra evolução observada ao longo dos estudos da REGIC diz respeito aos aspectos avaliados. As propostas até a década de 1990 avaliam a centralidade, a hierarquia, a área de influência e fluxos, a partir de 2007 também passam a ser avaliados os aspectos da gestão territorial (CANTARIM, 2015). O principal avanço dos estudos de 2018 corresponde a avaliação desses aspectos também por meio das relações internacionais, tanto pelas ligações internacionais a partir da faixa de fronteira terrestre, quanto pelas conexões de longa distância analisadas através da presença de empresas e serviços avançados nas cidades brasileiras.

A seguir, realiza-se a análise da REGIC para a região destacada no presente estudo, a fim de observar mais atentamente as dinâmicas e transformações dessa rede urbana. As Figuras 3, 4, 5, 6 e 7 apresentam a classificação da rede urbana de acordo com as REGICs, respectivamente, de 1966, 1978, 1993, 2007 e 2018. As cidades estão representadas nos mapas através de ícones de diferentes formas, tamanhos e cores, que indicam a sua classificação na rede urbana, e, através das linhas azuis, estão representadas a sua área de influência sobre outros centros urbanos.

No primeiro estudo em 1966, Figura 3, se destacam com maior hierarquia na Região dos Vales, as cidades de Santa Cruz do Sul e Lajeado, classificadas no “nível 3b”. Em um nível imediatamente inferior, as pequenas cidades de Sobradinho e Rio Pardo foram classificadas no “nível 4a” e a de Encantado no “nível 4b”. Os demais núcleos urbanos foram classificados como “Municípios Subordinados” (IBGE, 1972). Nesta classificação observa-se que a capital do estado, Porto Alegre, se encontra no primeiro nível e exerce influência direta sobre alguns municípios da Região dos Vales, como Santa Cruz do Sul, Lajeado, Bom Retiro do Sul e Taquari.

Rede urbana da Região dos Vales  1966
Figura 3
Rede urbana da Região dos Vales 1966
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de IBGE (1972).

Em 1978, Figura 4, o centro urbano de Santa Cruz do Sul e, de forma conjunta, os centros de Lajeado e Estrela se destacam na região com a classificação de “Capitais Regionais”. Em um nível abaixo, a cidade pequena de Rio Pardo foi classificada como “Centro Sub-regional” e as cidades pequenas de Sobradinho, Taquari e Encantado como “Centro de Zona”. As outras 16 cidades pequenas da região foram classificadas como “Municípios Subordinados” (IBGE, 1987). Ressalta-se que diferentemente das publicações seguintes, até o ano de 1978 o a cidade pequena de Rio Pardo ainda possuía relativa importância na rede urbana regional. Em relação ao estado do Rio Grande do Sul, nota-se uma mudança sobre a influência de Porto Alegre nas cidades e municípios da região, classificada como “Metrópole” esta passa a apresentar relação direta apenas com as “Capitais Regionais”. Outra mudança, que pode ser observada no contexto estadual, diz respeito ao nível hierárquico de Santa Cruz do Sul e Lajeado-Estrela equiparado ao de Caxias do Sul, que no estudo anterior estava classificada em um nível hierárquico acima.

Rede urbana da Região dos Vales  1978
Figura 4
Rede urbana da Região dos Vales 1978
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de IBGE (1987).

Em 1993, na Figura 5, a centralidade de Santa Cruz do Sul e Lajeado foi classificada no nível “forte para médio”, a cidade pequena de Estrela no nível “médio”, e as de Sobradinho e Encantado como “médio para fraco”. As outras 38 cidades pequenas da região foram classificadas no nível “muito fraco” (IBGE, 2000). Em comparação à 1978, é possível notar uma gradual ascensão da cidade de Venâncio Aires como um importante centro regional, e a diminuição de importância das cidades pequenas de Sobradinho e de Rio Pardo. Esse estudo retoma a diferenciação hierárquica entre as cidades mais centrais da Região dos Vales e Caxias do Sul, também é possível observar a retomada da influência direta da capital gaúcha sobre outros municípios da região, dessa vez conectando-se a Taquari e Paverama.

Rede urbana da Região dos Vales  1993
Figura 5
Rede urbana da Região dos Vales 1993
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de IBGE (2000).

Os dados referentes ao ano de 2007, na Figura 6, mais uma vez apresentam com destaque as cidades médias de Santa Cruz do Sul e Lajeado, classificadas como “Centros Sub-regionais". Venâncio Aires, e as cidades pequenas de Estrela e Encantado são classificadas como “Centros de Zona A”; e as cidades pequenas de Sobradinho, Sinimbu, Arroio do Meio, Teutônia, Muçum e Arvorezinha como “Centros de Zona B”. As demais 48 cidades pequenas foram classificadas como “Centros Locais” (IBGE, 2008). Acerca das relações de influência, notamos a conexão direta entre Porto Alegre a Sobradinho, que exerce influência sobre os núcleos urbanos vizinhos, destacando-se como polo nessa porção da Região do Vale do Rio Pardo. Também se sobressai a conexão direta entre Porto Alegre e Encruzilhada do Sul, no entanto, essa cidade pequena apresenta uma condição isolada, dada a fraca conexão com os demais municípios da região.

Rede urbana da região dos Vales  2007
Figura 6
Rede urbana da região dos Vales 2007
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de IBGE (2008).

Os dados referentes à REGIC de 2018, na Figura 7, mostram que, exercendo intermediação entre a “Metrópole” (Porto Alegre) para com numerosos “Centros Locais”, encontram-se as “Capitais Regionais C” de Santa Cruz do Sul e Lajeado, ambas agrupadas em “Arranjos Populacionais” (APs)4. Em um nível intermediário, como “Centros Sub-regionais B”, estão classificados o AP de Venâncio Aires e a cidade pequena de Encantado; como “Centros de Zona A”, estão as cidades pequenas de Sobradinho e o AP de Teutônia; e como “Centros de Zona B”, estão as cidades pequenas de Arroio do Tigre, Arvorezinha e Candelária. As demais cidades pequenas/municípios ou são classificados como “Centros Locais”, ou estão inclusos nos “Arranjos Populacionais” de Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Lajeado e Teutônia (IBGE, 2020). Em relação às regiões de influência existentes na região, destacam-se as cidades médias de Santa Cruz do Sul e de Lajeado, e as cidades pequenas de Sobradinho, Encantado e Teutônia, que servem como centros de atração para os municípios de seus entornos.

Rede urbana da Região dos Vales  2018
Figura 7
Rede urbana da Região dos Vales 2018
Fonte: elaborado por Carolina Rezende Faccin, a partir de IBGE (2020).

De acordo com as relações espaciais caracterizadas como town-ness e city-ness propostas por Taylor (2007) e incorporadas pela inovação metodológica da REGIC de 2018 destaca-se que ambas estão presentes na dinâmica de funcionamento da rede urbana regional dos Vales.

Observa-se nas cidades da região a existência de relações espaciais locais e/ou regionais entre elas e sua região de influência imediata, delimitada pelo território municipal, e/ou, em alguns casos específicos, por conta do porte demográfico da cidade e de um maior dinamismo econômico e de oferta de serviços, expandindo seu hinterland para um número maior de municípios vizinhos ou próximos, conectados pela infraestrutura de transporte. Nesse conjunto de cidades prevalece a lógica de relações hierárquica entre cidades caracterizadas pela noção de town-ness, em que cada cidade exerce sua condição de lugar central em relação ao território que polariza ou influencia.

Mas além dessas relações hierárquicas, algumas dessas cidades igualmente estabelecem relações espaciais de cooperação, de complementariedade e de mutualidade com outras cidades em escalas espaciais mais abrangentes (nacional e internacional), através igualmente das dinâmicas próprias e distintas das suas economias urbanas, da sua capacidade de exportação e da configuração espacial da oferta de serviços privados e públicos especializados que tais cidades oferecem. Tais relações configuram uma estrutura relacional em rede caracterizada pela noção de city-ness. Entre essas cidades destacam notadamente as relações internacionais da cidade média de Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, marcada pela presença das sedes das empresas do complexo agroindustrial do tabaco na cidade, como as multinacionais Philip Morris International, JapanTobacco International (JTI), British American Tobacco (BAT) e Universal Leaf Tabacos. Também se observa as conexões estabelecidas pela cidade média de Lajeado no Vale do Taquari, que abriga sedes de empresas nacionais como a BRF S.A. (empresa resultante da fusão das marcas Sadia e Perdigão), Docile Alimentos, Florestal Alimentos e Bebidas Fruki.

A destacada influência dos centros urbanos de Santa Cruz do Sul e Lajeado, na rede urbana regional, ocorre através da concentração de grande parte das empresas e de serviços que compõem a divisão territorial do trabalho regional, bem como, a implantação de filiais e sedes de multinacionais. Conforme dados da RAIS (2018) e do CAGED (2018), Santa Cruz do Sul possui 4.016 estabelecimentos e 41.805 vínculos de emprego ativos, representando respectivamente 18,2% e 21,2% do total da Região dos Vales. Lajeado, por sua vez, possui 3.924 estabelecimentos e 35.817 vínculos de emprego ativos, representando 17,8% e 18,2% do total regional. Destaca-se em Santa Cruz do Sul o setor de fabricação de produtos do fumo por empregar, em 2018, em torno de 7 mil trabalhadores temporários e 3 mil trabalhadores permanentes, bem como, a presença de sedes e filiais de multinacionais da indústria tabaqueira, como é o caso da sede brasileira da Universal Leaf Tabacos e da Japan Tobacco International e as filiais da British American Tobacco e da Philip Morris International. Em Lajeado, destaca-se o setor de abate de aves, por empregar 4.982 pessoas em 2018, e pela presença de uma filial da multinacional BRF S. A. A presença de sedes e filiais de multinacionais implica no estabelecimento de redes verticais entre Santa Cruz do Sul e Lajeado para com as cidades onde estão localizadas as sedes mundiais destas empresas.

Verifica-se que Lajeado polariza um número maior de municípios em comparação à Santa Cruz do Sul, mesmo que as duas cidades possuam a mesma classificação hierárquica pela REGIC. Sendo possível atribuir este fato não apenas às relações econômicas que caracterizam as sub-regiões do Vale do Taquari e do Vale do Rio Pardo, mas também ao processo de emancipações municipais anteriormente descrito (Figura 2), em que 44 municípios se emanciparam de Lajeado, enquanto somente quatro tem como origem o município de Santa Cruz do Sul.

Nesse contexto, nota-se que a cidade de Caxias do Sul, localizada na Região da Serra Gaúcha, possuía certa influência sobre os municípios localizados ao norte do Vale do Taquari, através do município de Guaporé (Figura 4 e 5) até a década de 1990. É possível observar que deixou de exercer essa influência a partir da REGIC de 1993, no mesmo período que o número de emancipações municipais aumenta e que ocorrem melhorias na qualidade do sistema rodoviário, facilitando o deslocamento de fluxos entre os municípios da própria Região dos Vales.

Até o início da década de 1990, Cachoeira do Sul, município localizado na região central do RS, também influenciava diretamente a Região dos Vales, especialmente na porção do Vale do Rio Pardo, através de conexões com Candelária e Sobradinho. Apesar dos dados da REGIC demonstrarem que essa influência diminuiu a partir de 1993, observa-se que a cidade ainda exerce influência sob Sobradinho e os municípios do norte do Vale do Rio Pardo, devido a presença de estabelecimentos de gestão pública do território, ou seja, da oferta descentralizada de serviços públicos relacionados à Receita Federal, Previdência Social e Justiça Federal (SILVEIRA et al., 2018).

A cidade de Soledade, localizada na porção norte do estado do RS, manteve por mais tempo que as outras cidades mencionadas, certa influência na Região dos Vales. Nos estudos da REGIC anteriores a 2007, essa cidade apresenta conexões diretas com alguns núcleos urbanos ao norte da região, seja pela proximidade, seja devido à uma relação histórica, como é o caso de Tunas, emancipado do município.

Complementarmente, o Quadro 1, através de dados referentes à população urbana dos municípios (IBGE, 2010), explicita a estrutura demográfica da rede urbana. Há um predomínio de cidades pequenas, sendo que dos 59 núcleos urbanos existentes na região, 40 são de cidades com menos de cinco mil habitantes, compondo o escalão inferior da rede urbana. Cabe destacar que, desses 40 centros, 21 possuem menos de 2 mil habitantes – a maior parte deles se localiza no Vale do Taquari, que apresenta municípios com menor extensão territorial e mais próximos entre si, sendo estes sediados por centros urbanos de menor porte demográfico. Já no escalão superior destacam-se as cidades médias de Santa Cruz do Sul, com mais de 100 mil habitantes e Lajeado, com mais de 50 mil habitantes (IBGE, 2010).

Quadro 1
Estrutura demográfica da rede urbana da Região dos Vales: número de cidades por faixa de população urbana
até 2 mil habitantesde 2.0001 a 5.000de 5.001 a 10.000de 10.001 a 20.000de 20.001 a 50.000de 50.001 a 100.000mais de 100.001
211966511
Fonte: elaborado pelos autores, a partir de IBGE (2010).

No escopo das cidades pequenas da Região dos Vales pode ser observada uma significativa diversidade de papéis e funções que estas exercem na rede urbana. Por exemplo, em 2018, os centros urbanos de Venâncio Aires (72.373 hab.), Estrela (34.669 hab.), Encantado (23.047 hab.), Sobradinho (15.041 hab.), Arroio do Meio (21.121 hab.), Teutônia (34.275 hab.), Arroio do Tigre (13.452 hab.), Arvorezinha (10.422 hab.) e Candelária (31.475 hab.) têm se mantido em níveis intermediários na hierarquia urbana regional (como centros Sub-regionais B, e Centros de Zona A e B) (IBGE, 2021).

Esses municípios se caracterizam por desempenharem papel complementar no sistema urbano regional, pela centralidade urbana que apresentam em relação ao seu entorno imediato, bem como por possuírem algumas e importantes sedes de empresas e indústrias. São exemplos de empresas e indústrias: a multinacional Alliance One International em Venâncio Aires, do setor do tabaco; a Cooperativa Dália Alimentos, em Encantado, e a Cooperativa Languiru, em Teutônia, do setor de carne de frango, carne de suínos e laticínios; a Brasilata, do setor de embalagens de aço em Estrela; a Companhia Minuano de Alimentos, do setor da carne de frango, a Fábrica Neugebauer, do setor de chocolates e Bremil, do setor de produtos para produção de carne, em Arroio do Meio; a Calçados Beira Rio, do setor de calçados e de produção de couro, em Candelária; e entre outros. Arroio do Tigre, Arvorezinha e Sobradinho não possuem uma grande indústria de destaque no município, sendo que, nestes municípios, predominam os setores do comércio varejista e da administração pública (RAIS, 2018).

Nesse contexto, observa-se que a importância de Venâncio Aires, Arroio do Meio e Teutônia tem crescido ao longo dos anos graças à destacada participação destes municípios na divisão territorial do trabalho regional. Em Venâncio Aires estão localizadas importantes indústrias do setor fumageiro e, em Arroio do Meio e Teutônia, indústrias do setor de alimentos.

Por outro lado, as cidades pequenas de Rio Pardo e Taquari apresentam uma constante diminuição de suas influências na região, embora ambas estejam relacionadas ao processo histórico de formação das sub-regiões do Vale do Rio Pardo e do Vale do Taquari, respectivamente. Ao longo dos últimos 30 anos, observa-se que no Vale do Rio Pardo a cidade pequena de Rio Pardo experimenta uma diminuição de centralidade na rede urbana regional, enquanto a de Santa Cruz do Sul aumenta, fato que pode ser justificado pela perda de importância do sistema fluvial e ferroviário e a crescente importância do sistema rodoviário. De forma semelhante, a cidade de Taquari, ponto origem da expansão dos primeiros núcleos de povoamento no Vale do Taquari, sofre uma diminuição de centralidade na rede urbana regional, dada a diminuição do uso da navegação fluvial, somada às emancipações municipais ocorridas. Sendo possível destacar a crescente centralidade da cidade de Lajeado nesta sub-região.

5 Considerações finais

Na Região dos Vales é possível notar uma evidente relação entre a configuração espacial da rede urbana atual e o processo das emancipações municipais. Há uma manutenção da influência de Santa Cruz do Sul, Sobradinho, no Vale do Rio Pardo; e de Lajeado, Estrela e Encantado, no Vale do Taquari, pois estes, por terem sido municípios “mães”, seguem polarizando, mantendo relações e estabelecendo fluxos com as cidades de seu entorno próximo graças à relação histórica de formação dos municípios da região.

A proximidade geográfica da Região dos Vales com a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) é significativa para o contexto dessa rede urbana regional. Ao longo dos anos, Porto Alegre mantém e intensifica sua influência na região, dada a relativa proximidade espacial, bem como, as conexões estabelecidas através das rodovias BR-287 e BR-386 com as cidades médias de Santa Cruz do Sul e Lajeado, que facilitam os deslocamentos de pessoas e de bens materiais entre essas cidades e a RMPA.

Os dados comparativos dos estudos da REGIC, desde o ano de 1966 até 2018, apresentam uma rede urbana estável e com poucas modificações expressivas ao longo do período analisado. Exercendo intermediação entre a “Metrópole” (Porto Alegre) para com os “Centros Locais”, encontram-se os “Centros Sub-regionais” de Santa Cruz do Sul e Lajeado. A destacada influência dos dois centros, no contexto, respectivamente, das sub-regiões do Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari, se dá através da concentração de grande parte das empresas industriais e de serviços que integram a divisão territorial do trabalho regional. Além disso, essas duas cidades médias são historicamente favorecidas no processo de formação da região, seja por conta de sua posição no espaço geográfico, da penetração do capital internacional em 1917, como no caso de Santa Cruz do Sul, ou por conta da implantação de rodovias federais, como no caso de Lajeado.

Em um nível intermediário, como “Centros de Zona”, as cidades de Venâncio Aires e Sobradinho, no Vale do Rio Pardo, e Estrela, Teutônia, Encantado, no Vale do Taquari, se caracterizam por desempenharem papel complementar no sistema urbano regional, pela centralidade urbana que apresentam em relação ao seu entorno imediato, bem como por possuírem algumas e importantes sedes de empresas e indústrias.

Houve, no decorrer dos anos, uma ampliação na rede urbana do número de cidades pequenas, dado o intenso processo de emancipações municipais ocorrido. Esses pequenos centros, em sua maioria, desempenham o papel de centros de passagem da produção agrícola, uma vez que a dinâmica de crescimento dos municípios de pequeno porte populacional da Região dos Vales está predominantemente vinculada à economia agrícola. Em relação a isso, destaca-se a produção agrícola de fumo e milho, no Vale do Rio Pardo, e a criação de frangos, suínos, gado leiteiro, e a produção de milho e hortifruti, no Vale do Taquari.

Igualmente merece destacar-se a coexistência na região e na rede urbana regional de relações espaciais de town-ness e de city-ness, como definidas por Taylor (2007). Tais relações espaciais expressam a capacidade que as cidades possuem de promover relações hierárquicas na escala local e regional, e relações de complementaridade e de cooperação econômica com outras cidades nas escalas nacional e internacional. O modo distinto e desigual como essas cidades estabelecem tais relações ocorre por conta das diferenças de suas economias urbanas, de sua participação na divisão territorial do trabalho, de seu porte demográfico e da sua complexidade funcional.

Por fim, conforme referencial teórico, verificou-se também que as cidades e a rede urbana tendem a exibir padrões de formas que contêm, ao menos parcialmente, fortes elementos gerados na formação espacial da qual surgiram. As transformações na rede urbana regional puderam ser compreendidas a partir dos diversos momentos da formação em que esteve inscrita, também através das diversas formações espaciais a que esteve associada.

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Notas

1 Os COREDEs, estabelecidos sob critérios político-administrativos e utilizados como instrumento de planejamento pelo Governo estadual, correspondem às escalas utilizadas como referência para elaboração de instrumentos de planejamento e para a produção dos planos estratégicos regionais. Originados a partir de 1991, eles se constituem em um fórum permanente e autônomo de discussão e decisão a respeito de políticas e ações que visam o desenvolvimento regional. Atualmente, o Rio Grande do Sul é dividido em 28 COREDEs, agrupados em 9 Regiões Funcionais de Planejamento (RFs). As RFs, por sua vez, são regionalizações utilizadas como escala complementar para o planejamento territorial, propostas pela Secretaria Estadual de Planejamento, através do Estudo RUMOS 2015. (RIO GRANDE DO SUL, 2006; 2015).
2 Segundo o IBGE (2021), a população total da região foi estimada em 814.062 habitantes, com uma taxa de crescimento entre 2010 e 2021 de 9,14%.
3 Ver mais em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2021/09/10/stf-declara-inconstitucionais-leis-que-deram-origem-a-criacao-de-30-municipios-no-rs-veja-lista.ghtml. Acesso em 2 maio 2023.
4 Os Arranjos Populacionais são constituídos por agrupamentos de municípios fortemente integrados, devido suas frequentes dinâmicas de deslocamentos de populações para trabalho e estudo, segundo os critérios do estudo Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil, publicado pelo IBGE em 2016 (IBGE, 2020).
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