Artigos
CONTRIBUIÇÕES DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DIGITAIS ÀS PRÁTICAS EDUCATIVAS
CONTRIBUTIONS FROM DIGITAL COMICS TO EDUCATIONAL PRACTICES
CONTRIBUCIONES DE HISTORIAS EN JUNTAS DIGITALES A PRÁCTICAS EDUCATIVAS
CONTRIBUIÇÕES DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DIGITAIS ÀS PRÁTICAS EDUCATIVAS
Periferia, vol. 12, núm. 2, pp. 279-301, 2020
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo: Na tentativa de provocar o debate e a apropriação das narrativas em quadrinhos digitais como meios vinculados às práticas sociais de educar, buscamos dar visibilidade às histórias em quadrinhos (HQs)como possibilidades de articular signos, imagens e leituras de mundo, colocando em jogo as ambiguidades da imagem e da composição de conhecimentos, por meio dos processos sociais da arte em quadrinhos.A partir da abordagem hermenêutica, percebemos que há uma popularização das HQs em espaços hipermidiáticos(hipertexto e multimídia) e, nessa perspectiva, procuramos evidenciar as contribuições das HQs para o processo de leitura e exploração de diferentesmundos na educação. As contribuições que as tecnologias digitais trazem para a linguagem dos quadrinhos são nítidas, pois agregam características como o som, a imagem, o hipertexto, a animação e a interatividade no trabalho pedagógico. As obras quadrinizadas adquirem características alargadas da versãooriginal impressa, fornecendo elementospara a criação deuma pluralidade de leituras, tendo por base ressignificar a dimensão estética das fruições de leituracom a arte.Concluímos que as HQs podem gerar novas condições para a leitura de textos imagéticos na educação, provocando outras percepções e relacionamentos com os textos, a ludicidade e as experiências narrativas, visto que a leitura das HQs permite uma aproximação dinâmica entre a polifonia da imagem, dos enredos e das linguagens no mundo online, constituindo-senuma experiência educativa que envolve a imaginação criadorae a possibilidade de ressignificar a leitura de imagens na pluralidade de interpretações e impactos engendrados com as HQsdigitais.
Palavras-chave: Histórias em Quadrinhos, Educação, Tecnologias digitais.
Abstract: In an attempt to provoke the debate and appropriation of digital comic narratives as means linked to the social practices of educating, we seek to give visibility to comics (Comics) as possibilities to articulate signs, images and world readings, putting into play the ambiguities of the image and the composition of knowledge, through the social processes of comic art. From the hermeneutic approach, we noticed that there is a popularization of COMICS in hypermedia spaces (hypertext and multimedia) and, in this perspective, we seek to highlight the contributions of comics to the process of reading and exploring different worlds in education. The contributions that digital technologies bring to the language of comics are clear, as they add characteristics such as sound, image, hypertext, animation and interactivity in pedagogical work. The quadrinized works acquire extended characteristics of the original printed version, providing elements for the creation of a plurality of readings, based on resignifying the aesthetic dimension of reading fruits with art. We conclude that comics can generate new conditions for reading imagery texts in education, provoking other perceptions and relationships with texts, playfulness and narrative experiences, since the reading of comics allows a dynamic approximation between the polyphony of the image, plots and languages in the onlineworld, constituting an educational experience that involves the creative imagination and the possibility of resignifying the reading of images in the plurality of interpretations and impacts engenderedwith digital comics.
Keywords: Comic books, Education, Digital technologies.
Resumen: En un intento de provocar el debate y la apropiación de las narrativas cómicas digitales como medios vinculados a las prácticas sociales de la educación, buscamos dar visibilidad a los cómics (CG) como posibilidades para articular signos, imágenes y lecturas mundiales, poniendo en juego las ambigüedades. composición de imagen y conocimiento, a través de los procesos sociales del cómic. Desde el enfoque hermenéutico, nos damos cuenta de que existe una popularización de los cómics en los espacios hipermedia (hipertexto y multimedia) y, en esta perspectiva, buscamos resaltar las contribuciones de los cómics al proceso de lectura y exploración de diferentes mundos en la educación. Las contribuciones que las tecnologías digitales aportan al lenguaje de los cómics son claras, ya que agregan características como sonido, imagen, hipertexto, animación e interactividad en el trabajo pedagógico. Las obras cuadrinizadas adquieren características extendidas de la versión impresa original, proporcionando elementos para la creación de una pluralidad de lecturas, basadas en el replanteamiento de la dimensión estética de la lectura fructífera con el arte. Llegamos a la conclusión de que los cómics pueden generar nuevas condiciones para leer textos de imágenes en la educación, causando otras percepciones y relaciones con textos, juegos y experiencias narrativas, ya que leer cómics permite una aproximación dinámica entre la polifonía de la imagen, el tramas e idiomas en el mundo en línea, que constituyen una experiencia educativa que implica imaginación creativa y la posibilidad de reenmarcar la lectura de imágenes en la pluralidad de interpretaciones e impactos engendrados con los cómics digitales.
Palabras clave: Cómics, Educación, Tecnologías digitales.
CONTRIBUIÇÕES DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DIGITAIS ÀSPRÁTICAS EDUCATIVAS
Adilson Cristiano Habowski[1]
Elaine Conte[2]
Resumo
Na tentativa de provocar o debate e a apropriação das narrativas em quadrinhos digitais como meios vinculados às práticas sociais de educar, buscamos dar visibilidade às histórias em quadrinhos (HQs)como possibilidades de articular signos, imagens e leituras de mundo, colocando em jogo as ambiguidades da imagem e da composição de conhecimentos, por meio dos processos sociais da arte em quadrinhos.A partir da abordagem hermenêutica, percebemos que há uma popularização das HQs em espaços hipermidiáticos(hipertexto e multimídia) e, nessa perspectiva, procuramos evidenciar as contribuições das HQs para o processo de leitura e exploração de diferentesmundos na educação. As contribuições que as tecnologias digitais trazem para a linguagem dos quadrinhos são nítidas, pois agregam características como o som, a imagem, o hipertexto, a animação e a interatividade no trabalho pedagógico. As obras quadrinizadas adquirem características alargadas da versãooriginal impressa, fornecendo elementospara a criação deuma pluralidade de leituras, tendo por base ressignificar a dimensão estética das fruições de leituracom a arte.Concluímos que as HQs podem gerar novas condições para a leitura de textos imagéticos na educação, provocando outras percepções e relacionamentos com os textos, a ludicidade e as experiências narrativas, visto que a leitura das HQs permite uma aproximação dinâmica entre a polifonia da imagem, dos enredos e das linguagens no mundo online, constituindo-senuma experiência educativa que envolve a imaginação criadorae a possibilidade de ressignificar a leitura de imagens na pluralidade de interpretações e impactos engendrados com as HQsdigitais.
Palavras-chave:Histórias em Quadrinhos; Educação; Tecnologias digitais.
CONTRIBUTIONS FROM DIGITAL COMICS TO EDUCATIONAL PRACTICES
Abstract
In an attempt to provoke the debate and appropriation of digital comic narratives as means linked to the social practices of educating, we seek to give visibility to comics (Comics) as possibilities to articulate signs, images and world readings, putting into play the ambiguities of the image and the composition of knowledge, through the social processes of comic art. From the hermeneutic approach, we noticed that there is a popularization of COMICS in hypermedia spaces (hypertext and multimedia) and, in this perspective, we seek to highlight the contributions of comics to the process of reading and exploring different worlds in education. The contributions that digital technologies bring to the language of comics are clear, as they add characteristics such as sound, image, hypertext, animation and interactivity in pedagogical work. The quadrinized works acquire extended characteristics of the original printed version, providing elements for the creation of a plurality of readings, based on resignifying the aesthetic dimension of reading fruits with art. We conclude that comics can generate new conditions for reading imagery texts in education, provoking other perceptions and relationships with texts, playfulness and narrative experiences, since the reading of comics allows a dynamic approximation between the polyphony of the image, plots and languages in the onlineworld, constituting an educational experience that involves the creative imagination and the possibility of resignifying the reading of images in the plurality of interpretations and impacts engenderedwith digital comics.
Keywords: Comic books; Education; Digital technologies.
CONTRIBUCIONES DE HISTORIAS EN JUNTAS DIGITALES A PRÁCTICAS EDUCATIVAS
Resumen
En un intento de provocar el debate y la apropiación de las narrativas cómicas digitales como medios vinculados a las prácticas sociales de la educación, buscamos dar visibilidad a los cómics (CG) como posibilidades para articular signos, imágenes y lecturas mundiales, poniendo en juego las ambigüedades. composición de imagen y conocimiento, a través de los procesos sociales del cómic. Desde el enfoque hermenéutico, nos damos cuenta de que existe una popularización de los cómics en los espacios hipermedia (hipertexto y multimedia) y, en esta perspectiva, buscamos resaltar las contribuciones de los cómics al proceso de lectura y exploración de diferentes mundos en la educación. Las contribuciones que las tecnologías digitales aportan al lenguaje de los cómics son claras, ya que agregan características como sonido, imagen, hipertexto, animación e interactividad en el trabajo pedagógico. Las obras cuadrinizadas adquieren características extendidas de la versión impresa original, proporcionando elementos para la creación de una pluralidad de lecturas, basadas en el replanteamiento de la dimensión estética de la lectura fructífera con el arte. Llegamos a la conclusión de que los cómics pueden generar nuevas condiciones para leer textos de imágenes en la educación, causando otras percepciones y relaciones con textos, juegos y experiencias narrativas, ya que leer cómics permite una aproximación dinámica entre la polifonía de la imagen, el tramas e idiomas en el mundo en línea, que constituyen una experiencia educativa que implica imaginación creativa y la posibilidad de reenmarcar la lectura de imágenes en la pluralidad de interpretaciones e impactos engendrados con los cómics digitales.
Palabras clave: Cómics; Educación; Tecnologías digitales.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As histórias em quadrinhos (HQs) estão se hibridizando na cultura digital, o que pode potencializar outras leituras de mundo dos sujeitos. Canclini (2000, p. 339) defende que as HQs, ao gerarem “[...]novas ordens e técnicas narrativas, mediante a combinação original de tempo e imagens em um relato de quadros descontínuos, contribuíram para mostrar a potencialidade visual da escrita e o dramatismo que pode ser condensado em imagens estáticas”. Alguns estudiosos conceituam estas possibilidades como Digital Comics, Web Comics e o mais utilizado, E-Comics nos Estados Unidos. No Brasil, os conceitos que mais são apresentados são: HQ Interativa, Quadrinhos Online e HQtrônicas. Tendo em vista essas tendências, apresentamos a problemática da pesquisa: Qual a influência das HQs digitais para as práticas sociais de educar por meio da leitura de imagens e textos? Uma educação híbrida integra outros estímulos no campo da arte e das percepções para agregar sentidos plurais às leituras de mundos? Procuramos analisar as possibilidades que surgem com essa leitura híbrida, que os estudantes podem exercitar tanto online quanto offline. Se, na teoria as HQs e as tecnologias digitais convergem e auxiliam os estudantes em seus processos de aprendizagemde mundo, então, com o desenvolvimento e o estímulo de circulação das HQs na educação seria possível aproximar a tensão dialógica da prática social com aarte nas imagens dos quadrinhos?
A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma revisão de literatura, refletindo sobre as mudanças projetadas na educação com a leitura de HQs em suas múltiplas linguagens, pois é semelhante ao ato hermenêutico de conquistar sentidos, no movimento de interpretar as contribuições das HQs na cultura digital. A abordagem hermenêutica permite compreender as mudanças de perspectiva sobre o assunto, que nos dá abertura para processos de interpretação entre palavras, textos e imagens presentes no mundo da vida (HABOWSKI; CONTE; PUGENS, 2018). A hermenêutica possibilita o diálogo com o texto, com o universo linguístico em sua gama de sentidos, contextos e significados, na busca de releituras, contradições, indagações, ressignificaçõese curiosidades. A curiosidade é uma prática epistemológica, pois ela se torna geradora de experiências abertas para outras possibilidades e conhecimentos de mundo, agregando a leitura de imagens e textosa açõespedagógicas que buscam ensinar a compreensão,despertando também a autocrítica da realidade. Tal atitude epistemológica será elencada no sentido de superar a curiosidade ingênua através do diálogo com os outros, com as comunidades de conhecimento, de expectativas, para expandir as possibilidades de ressignificação da práxis educativas. Freire (1996, p. 32) nos fala que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino”, o ensino deve estar sempre em movimento, buscando e questionando, reforçando ainda, enquanto o ensino implica o desenvolvimento ético e estético, porque no ato de ensinar “continuo buscando, reprocurando”. Portanto, trata-se de refletir e compreender a prática pedagógica em relação à cultura digital e as HQspara trilhar novas leituras de mundo e caminhosestético-expressivos, num campo ambíguo e controverso das tecnologias digitais nos processos pedagógicos.
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Agregando a imagem ao texto, é necessário contextualizar a produção de HQs de maneira coerente com a realidade, levando em consideração suas diferentes perspectivas no cenário digital em que se apresenta. De um lado, existem HQs que são produzidas por quadrinistas, a partir de suas peculiaridades, tornando-se obra original, única, enquanto uma experiência singularao leitor. Nesse viés, as HQs são criadas por um pequeno grupo de pessoas, como por exemplo, um argumentista, um desenhista e um letrista, ou um único profissional que realiza todas essas funções. Por outro lado, existem as produções que são necessariamente comerciais, abrangendo diversos autores, desenhistas, arte-finalistas, coloristas etc., tudo isso englobando uma mesma HQ. Nessa situação, muitas vezes,a grande abundância de intervenções nas criações das narrativas acaba transformando a experiência de leitura em algo superficial, gerando fragmentaçõesna comunicação, sendo fruto do desenvolvimento histórico, produzindo um telespectador distraído, alheio aos problemas sociais, garantindo deformações sociais como parte do processo de formação. Mas é este tipo arte que a grande massa consome e tem acesso na sociedade capitalista engendrada pelaindústria cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985) e pela reprodutibilidade técnica (BENJAMIN, 1997).
Com o advento da cultura digital surgem outras possibilidades de relações e de leituras de mundo com as HQs e com a cultura do consumo. Ao projetar-se virtualmente, a HQtraz consigo uma pluralidade de imagens-signos ilimitados da globalização, provocando grandes desafios à educação. Abordamos as funcionalidades imagéticas e de oralidade presentes nos quadrinhos, que podem ser utilizadas para reconstruir projetos pedagógicos nas múltiplas possibilidades de leituras de mundo ao aprender sociocultural, transformando os contextos e os saberes no âmbito estético e relacional das práticas educativas. Ou, sob uma funcionalidade operacional e comercial de transmissão de ideologias, pode fragmentar e causar a perda de sentido, o enrijecimento intelectual e a banalização de questões interdependentes ao desenvolvimento da humanidade. É sob essas perspectivas ambíguas de risco mercadológico de expansão do consumo e comercialização da educação, ameaçando o processo formativo no seu trato mercantil de capital humano isento de criticidade, e como possibilidade de abertura de novos horizontes formativos, que as HQ se fazem presentes no campo da educação.
A partir daí foi delineando-se as possibilidades de aprender através das HQs, pois elas respondem a uma maior integração social e democratização da dimensão estético-expressiva, uma vez que contribuem para a produção do conhecimento sociocultural e à estetização da realidade. Tal constatação parece-nos salientar a percepção da necessidade formativa e dialógica dos professores para uma abordagem (re)criativa das HQs na educação, considerando não só as dimensões da indústria cultural, cujo interesse é o consumo, mas a perspectiva de estimular releituras críticas das HQs digitaispelas capacidades reconstrutivas da cultura da imagem na produção do conhecimento escolar. Cirne (2001, p. 20) considera as HQs na perspectivaartística, ressaltando que os quadrinhos por meio da sua narrativa, vão além do desenho e da pintura, de modo que “se acolhem e/ou refletem os nossos sonhos, o fazem de modo original: a originalidade que implica experiência onírica e, muitas vezes, um certo grafismo marcado pela sensualidade”. Também manifesta que a linguagem empregada na expressão artística é aberta e não se limita às regras formais, por estimular a imaginação criadora, a sensibilidade e a criatividade, além de seduzir a leitura de diferentes textos, imagens e mundos, aprofundando e experimentando as condições que fazem a curiosidade brotar na motivação interativo-cognitivista das HQs com o sujeito jogado no mundo.
Para Eisner (2010, p. 7), “a história em quadrinhos pode ser chamada de ‘leitura’ num sentido muito mais amplo do que comumente aplicado ao termo”, de modo que essa leitura é compreendida comouma experiência movente e dinâmica de mundo que não se acaba na gramática. Então, “ler quadrinhos é ler sua linguagem, tanto em seu aspecto verbal quanto visual (ou não verbal)”. (RAMOS, 2012, p. 14). Tais pesquisas mostram que essa “linguagem seria como um grande ecossistema, cheio de pequenos nichos distintos uns dos outros, [e] cada nicho teria características próprias, o que garantiria autonomia em relação aos demais. Isso não quer dizer, no entanto, que não possam compartilhar características comuns”. (RAMOS, 2012, p. 14).
Isso também leva Ramos a pensar que todas as manifestações culturais têm uma linguagem própria, mas que o jogo descobridor e construtor com o outro traz o inter-relacionamento com os aspectos cognitivos, afetivos e sociais da realidade com forte vinculação cultural porque associa características de múltiplas linguagens. Nas HQs existem componentes da literatura e do cinema, do mesmo modo que o próprio cinema se apodera da dança e da fotografia, entre outros elementos. O procedimento da sequência de imagens sobrepostas, juntamente com os textos nas HQs, tem uma comunicação visual diferenciada que provoca o leitor para distintas direções, elaborando uma experiência singular no jogo da leitura imagética. Conforme Eisner (2010, p. 10), “nas histórias em quadrinhos, o texto é lido como imagem e as imagens são comunicadores que, em situações, falam mais que os próprios textos”. As HQs caracterizam-se pela influência que os espaços hipermidiáticos[3]vêm colocando em todos os campos da cultura do diálogo,um ciberespaço que se constrói numa experiência compartilhada, que se enriquece através da incorporação de debates e leituras participativas. Novos componentes são identificados nas HQs digitais transformando as experiências de leitura contextualizadas com imagens cada vez mais criativas, com uma dimensão que projeta mundos sensíveis à interatividade, às animações, às trilhas e efeitos sonoros.
As experiências de McCloud (2006) com as HQs apresentam um novo entendimento sobre a participação do leitor, cuja aproximação do quadrinista com o leitor é o que faz despertar a criatividade e torna o relacionamento entre o autor e leitor bastante estreito. Após mostrar uma sequência de dois quadros (Figura 1 e Figura 2), McCloud (2006, p.66) questiona: “está vendo o espaço entre os quadros? É o que os aficionados das histórias em quadrinhos chamam de sarjeta. Apesar da denominação grosseira, a sarjeta é a responsável por grande parte da magia e mistério que existem na essência dos quadrinhos”. A categoria timing, traduzida do inglês como tempo, cronometragem ou afinação, é usada para estruturare determinar o tempo, o ritmo e as emoções de uma narrativa. Para Eisner (2010, p. 26), “a habilidade de expressar tempo é decisiva para o sucesso de uma narrativa visual. É essa dimensão da compreensão humana que nos torna capazes de reconhecer e de compartilhar emocionalmente a surpresa, o humor, o terror e todo o âmbito da experiência humana”. Em relação às HQs pode ser demonstrado, por exemplo, pelo número de quadrinhos utilizados para expor uma ação, através da estatura dos quadrinhos em relação à folha. Mas a realização do timing na narrativa não abrange somente a dimensão temporal de cada acontecimento, mas define, em algumas ocasiões, a relevância de um fato, o humor, a surpresa, o terror, o suspiro,a linguagem sensível, ou seja, todos os componentes emocionais da narrativa (EISNER, 2010). Ramos (2012, p. 130) explica nas seguintes palavras o prolongamento ou não das sequências das HQs:
Reduzir o corte de tempo de uma ação para outra tende a criar baixo grau de inferências e aumenta o aspecto descritivo entre as vinhetas. [...] um outro efeito possível do prolongamento de tempo é o aumento da tensão de determinada cena. O leitor acompanha, num exemplo hipotético, um tiroteio. Até a arma ser sacada e o disparo ser feito, há uma sequência de dez vinhetas. O tempo representado não é maior do que segundos. A estratégia permite criar um ar de expectativa no leitor.
Fonte: PRESSER; SCHLÖGL, 2015.
Figura 2: Exemplo de timing 2
Fonte:PRESSER; SCHLÖGL, 2015.
Nas Figuras 1 e 2 temos um exemplo do desenrolarde acontecimentos narrados com a caracterização de timing. Vemos que com a utilização dos mesmos personagens e dos mesmos discursos, o sentimento de emoção e movimento projetadoé transformadovisualmente entre um quadrinho e outro. Na Figura 1, quando o garoto questiona a garota se ela acolhe sua presença, o retorno afirmativo é demonstrado imediatamente. A impressão mostrada na cena é de que a garota de fato apreciaria e se empolga com a presença do garoto poder acompanhá-la até a sua casa. Na Figura 2, visualizamos uma interrupção de tempo, constituinte de quadrinho calado que representa um raciocínio, uma supressão de juízo, que antecede a resposta. Nesse momento, o leitor utiliza a perspectiva do pensar, que representa uma reflexão interna do momento de pausa ou passagem de um conjunto de sensações. Nesse sentido, o quadrinista precisa ter sempre a capacidade de projetar um percurso potencializado pelo timing numa sequência, com o intuito de alongar o acontecimento, suscitando a exploração das emoções, do pensar na narrativa da história de forma ampliada, de modo que “cada ação registrada no papel pelo desenhista é auxiliada e apoiada por um cúmplice imparcial do crime conhecido como leitor”. (McCLOUD, 2005, p. 68).
Para Eisner (2010, p. 38), “conhecida a sequência, o leitor pode fornecer os eventos intermediários, a partir de sua vivência. O sucesso brota aqui da habilidade do artista (geralmente mais visceral que intelectual) para aferir o que é comum à experiência do leitor”. A sutileza em dar expressão ao tempo abrange características do quadrinista ao criar a comunicação visual das histórias, delineando, dessa forma,a fluidez do tempo e o envolvimento do leitor, que é provocado na dimensão da imaginação criadora. Dentre as características, pode-se citar o tamanho dos quadrinhos, no que se refere às páginas e à extensão de texto, as oscilações nas imagens e a falta de qualquer dos elementos. McCLOUD afirma que (2005, p. 86),
Como leitores, nós presumimos saber que ordem seguir na leitura dos quadros, mas o trabalho de dispor esses quadros é bastante complexo. Tanto que, até os profissionais mais experientes, às vezes, se atrapalham. Quando a conclusão entre os quadros fica mais intensa, a interpretação do leitor se torna muito mais flexível. E fica mais complicado para o autor controlar isso. É óbvio que alguns artistas podem ser ambíguos de propósito, não oferecendo uma interpretação exata para ser seguida. Quando o artista decide mostrar só uma pequena parte da cena, a conclusão se torna uma força poderosa tanto dentro dos quadros quanto entre eles.
NARRATIVAS EM AMBIENTES HIPERMIDIÁTICOS: POTENCIALIZANDO LEITURAS
Pensava-se que com o advento das tecnologias digitais os livros impressos seriam abandonados e com a invenção do cinema e a popularização da televisão, o rádio recairia naobsolescência. Da mesma forma, as HQs com suas possibilidades hipermidiáticasnão excluem as impressas, mas coexistem, tornandomais atrativas e facilitadasas leituras de mundoe a contação dehistórias, no sentido de ampliar inclusive o enfoque educacional. Os espaços digitais podem oferecer potencialidades para as narrativas e para a intercomunicação visual. De acordo com Paul (2007, p. 121), “toda mídia nova passa por uma fase de transição. O cinema em seus primórdios era simplesmente uma câmera registrando a encenação de uma peça”. Para Murray (2003, p. 17), “o computador parece cada dia mais com a câmera de cinema da década de 1890: uma invenção verdadeiramente revolucionária que a humanidade está prestes a colocar em uso como um fascinante contador de histórias”. É no jogo recíproco e aprendente da cultura digital que podemos encontrar diferentes características nas quais, individualmente ou globalmente, tornam os computadores e celulares importantes veículos para as criatividades literárias. Conforme a autora,
Ambientes digitais são procedimentais, participativos, espaciais e enciclopédicos. As duas primeiras propriedades correspondem, em grande parte, ao que queremos dizer com o uso vago da palavra interativo; as duas propriedades restantes ajudam a fazer as criações digitais parecerem tão exploráveis e extensas quanto o mundo real, correspondendo, em muito, ao que temos em mente quando dizemos que o ciberespaço é imersivo. (MURRAY, 2003, p. 78).
Esse percurso mostra que as tecnologias digitais são procedimentais, pois precisam das atuações das pessoas que fazem a exploração com novas ações e sentidos às tecnologias interativas como formas de expressão humana. Tais mecanismos são também participativos, visto que podem oferecer um itinerário de narrativas, como são as HQs, capazes de serem apropriadas e reinterpretadas pelos usuários, suscitando o envolvimento através de situações constituídas e compartilhadas. Nessas condições, é necessário que o usuário se identifique com a narrativa de alguma forma, para que surja o sentimento de atração e reconhecimento ao participar. Em situações favoráveis, as HQs digitais passam a ser também espaciais, flexíveis e enciclopédicos, pois têm a possibilidade de oferecer no ciberespaço múltiplas narrativas, bem como inúmeras informações no acesso, interatividadee compartilhamentos. Nessa perspectiva, podemos entender que as HQs podem ser apropriadas e aprimoradas em novas vias coma cultura digital, usando uma linguagem expressiva expandida com as características procedimentais identificadas ao avançar de um episódio para outro nas narrativas. Na questão participativa, que pode ser construída entre o narrador e o leitor, no ciberespaço brotam as conversações validadas pelo sincronismo dos participantes no próprio ambiente em que os quadrinhos são projetados e na enciclopédica da própria argumentação utilizada pelo narrador.
As HQs online possibilitam uma aula lúdica, dinâmica e interativa, utilizando os meios tecnológicos para fazer essa leitura, tornando um aprendizado inovador, prazeroso e significativo ao estudante. Visto que as tecnologias digitais estão inseridas nas vivências cotidianas dos educandos, essa experiência de leitura online poderá despertar a busca por novos tipos de textos literários, seja online ou não, fazendo descobertas originais e despertando a imaginação criadora.Recentemente, podemos observar a baixa qualidade e a pouca leitura das crianças, pois vivemos em uma realidade sociocultural ondeas pessoas não têm contato com a leitura nem mesmo nas escolas, o que acaba gerando dificuldades nas interpretações e compreensões textuaisno mundo da vida. Segundo Lovetro (2011, p.65), “as influências da televisão com suas imagens rápidas estão transformando o literário em gestual. Uma imagem vale mais que mil palavras, esquecendo-se de que a palavra exprime também o sentimento que às vezes não vemos”. A televisão carregada de valores informativos e de imagens moventes torna-se sedutora e precocemente um meio efetivo e apassivador dodiálogo com as diferenças, os estranhamentos e contradições discursivas, sendo integrada no cotidiano como um ritual (adaptado de forma ingênua e distorcida), quando na verdade gera a fragmentação de conteúdos, a mercantilização da vida das crianças, antes mesmo da leitura e exploração do mundo.
Num momento em que o visual, o grafismo, toma conta de nossas comunicações, o quadrinho se coloca como um meio entre o visual e a palavra: a tevê e a literatura. Nesta linguagem que surgiu junto com o cinema, encontramos a arte gráfica, a literatura e a agilidade do cinema. Melhor ainda, os quadrinhos dão chance de seu leitor usar a imaginação criadora. Enquanto o cinema e a tevê nos dão imagens prontas, sem possibilidade de retorno, a não ser através de um videocassete, o quadrinho mostra uma sequência intercalada por espaços vazios, onde nosso cérebro cria as imagens de ligação. Entre um quadrinho e outro, a ação tem continuidade na cabeça do leitor. (LOVETRO, 2011, p.65).
Sem sombra de dúvidas, estamos sendo bombardeados por todos os lados com imagens, sons e movimentos que nos possibilitam o acesso a qualquer conteúdo no mundo digital, os assuntos estão ao acesso de um click e as crianças estão mergulhadas nessa rede de informações e acessos livres. Nesse sentido, é precisona prática pedagógica refletir e reavaliar a prática social de educar para que o agir pedagógico englobe as experiências que as crianças estão vivenciando ao comunicarem-se por meio da palavramundo (leitura como experiência de (form)ação e expressão gestual de sentido freireano).As HQs são uma forma de linguagem acessível e que cativa o educando, pois desperta novas expectativase mundos imagináriosque advém de leituras imagéticas, poéticas e culturais. “Os quadrinhos ajudam as crianças e jovens a consolidar seus hábitos de leitura e compreensão de ideias, sem falar do potencial dos quadrinhos em trabalhar conteúdos curriculares por causa de sua grande aceitação”. (OLIVEIRA, 2007, p.8-9).
Como observamos anteriormente, com Lovetro (2011), não podemos utilizar as HQs somente como um estímulo à leitura, mas sim como um dispositivo para o diálogo cultural e artístico, capaz de reconhecer uma cadeia de ações compartilhadas à produção de esquemas de referência e de expectativas, que caracterizam os saberes em jogos einterações sociais. As HQs, além de auxiliarem nos processos de educar, propiciam uma reflexão sobre as próprias ações na relação com os outros. A utilização das HQs enriquece o desenvolvimento dos educandos em várias áreas do conhecimento, pois carregam a dimensão da imagem como fonte rica em conteúdos interdisciplinares podendo proporcionar uma leitura sensível e prazerosa, explorando a criatividade e a imaginação, pois essas histórias evidenciadas por imagens alimentam o imaginário infantil. A dimensão circular e expressiva das HQs em articulação com as tecnologias digitais dão vida a essas imaginações e projeções inventivas, desde que o professor seja o orientador e reinvente com os educandos novas formas de criar a sua própria HQ,ou recontar e dar continuidade a sua HQ preferida. Ocasionalmente,essas atividades interativasprendem a atenção e despertam o interesse em ler, aprender, escrever, desenhar e usar a imaginação criadora.
A primeira HQ surgiu há mais de um século e essas histórias eram apenas uma forma de entretenimento.Essa fase inicial gerou umpreconceito em relação ao uso e leitura das HQs consideradas atividades que atrofiariam a mente das crianças.As HQs sofreram diversas críticas, mas hoje elas veem se mostrando necessárias dentro de sala de aula, pois favorecem o hábito da leitura de imagens tão subvalorizada e subdesenvolvida no cotidiano escolar e na vida dos educandos.No início da década de 1920 começaram as primeiras críticas às HQs e surgiram os movimentos ao redor do mundo, reprovando a leitura de HQs. Segundo Vergueiro (2014),havia uma desconfiança em torno das HQs, por elas possuírem em suas páginas aventuras e fantasias, pais e mestres julgavam que as leituras de HQs afastariam as crianças de leituras sérias e que iriam se distanciar de um amadurecimento sadio e qualificado.Tudo indica que quando as HQs entraram em sala de aula pela primeira vez, elas acabaram encontrando severas restrições e foram expulsas da escola. Da mesma forma como as HQs sofreram retaliações ao entrarem na escola, também as tecnologias digitais sofrem resistências, desconfianças pelas ambiguidades (tanto gera reflexão quanto conformação) e transposições acionadas por decreto, que aciona distraçõesnos processos de ensino. Lévy (1999) nos fala que devemos compreender a era digital e o poder da comunicação por essas redes, pois a questão não é ser contra ou a favor de seu uso, mas sim, reconhecer as mudanças que ela nos traz, enquanto um espaço aberto de comunicação ativa para a vida social e cultural.
As HQs assim como as tecnologias são um recurso que ajuda a explorar a criatividade e a imaginação dos estudantes, despertando cada vez mais o interesse em ler, criar e estudar. Por ser uma leitura prazerosa, acaba gerando a sensação de que ela está distanciada das atividades curriculares, o que não condiz com a realidade. Se partirmos da ideia de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou construção” (FREIRE 1996, p. 52), então, as HQs veem ao encontro da vivência e do contexto cotidiano das crianças, o que torna mais ampla as possibilidades de construção de conhecimentos, experiências e transformações das ações de leitura dinâmica e fluída no mundo. Hoje, os modos de ensinar e de aprender com as transformações da cultura digital e do ciberespaço renovam as práticas pedagógicas, exigindo metodologias mais vivas e emocionalmente contextualizadas e sensíveis,desartificializando os conteúdos escolares. Contudo,
[...] os professores necessitam indicar oportunidades à construção do conhecimento dos estudantes, por meio da inter-relação contraditória entre autoridade e liberdade, pois é nesta tensão dialética que se engaja, se reconhece e se retroalimenta o devir formativo, sem arbitrariedades, justificado na sensibilidade e no respeito aos saberes do educando. (FREIRE, 2005, p. 30).
Segundo Freire (1996, p. 25), “quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Nessa perspectiva, a imersão na cultura digital faz com que os professores revejam seus posicionamentos e ideias acerca daspráticas sociais e estéticasde ensino. Reconhecer as HQs digitais é uma das demandas da educação, pesquisar métodos e explorar as multimídias em sala de aula é uma das maneiras de desmistificar as tecnologiasna escola. Freire (1996, p. 32) diz: “pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”. A prática docente precisa ser baseada na pesquisa, pois pesquisar é um dos saberes necessários à prática pedagógica reflexiva e autocrítica. A respeito do uso das tecnologias digitais e de suas potencialidades, Morin (2007, p. 55) questiona: “Domesticar a tecnologia ou ser domesticado para ela? Parece uma utopia. A internet é um sistema quase neurocerebral, sobretudo uma rede neurocerebral artificial. Para o planeta é um modo de comunicação maravilhoso, mas a internet não é unicamente comunicação e informação, e, sim, computação, trabalho de computadores”. A recuperação de sentido das HQs na educação é um esforço que exige problematizar a questão da autoridade pedagógica na cultura digital, que é uma condição histórico-cultural para cultivar ações e reflexões educativas compreendidas nas relações de interdependência comunicativa. Para compreender as relações com os letramentosdigitais e visuais no mundo vigente, enquanto totalidade de significados e expressões, é fundamental buscarnovos sentidos às práticas pedagógicas, na tentativa de resistir às incoerências de supervalorização do cognitivo frente ao afetivo, o que revela as visões estreitas do ato de educar e as incompletudes existentes na práxis de leitura imagética dapalavramundo.
Sob a ótica contemporânea, um debate sobre a importância das HQs digitais enquanto formadoras de identidadese presentes no imaginário social, como forma derecuperar e sensibilizar outros modos de leitura dos sujeitos no mundo torna-se necessário para a ampliação de conhecimentos humanos, científicos e tecnológicos. As tecnologias digitais estão cada vez mais presentes na vida das pessoas em diversas dimensões no mundo do trabalho, dos estudos e do lazer. Enquanto possibilidade de criar bons hábitos de leitura erenovação dos processos de ensino nas escolas, os educadores precisam urgentemente saber lidar com as novas possibilidades fornecidas pelas HQs para aprender a pensar coletivamente. Na tentativa de uma consonância entre a sala de aula e as tecnologias digitais,as HQs como objetos de aprendizagem “apresentam-se como uma possibilidade de disponibilizar conteúdos de forma mais dinâmica e atraente na Internet”. (BEHAR et al., 2009, p. 2). Assim como elas fornecem ao professor mecanismos colaborativos e com maior interação que interessa aos estudantes, tornando o encontro com o conhecimento menos unilateral e gerado de modo ativo pela reinvenção do processo (FONTANA; CONTE; HABOWSKI, 20180). Na verdade,
Qualquer recurso, digital ou não digital, que pode ser usado, reusado ou referenciado durante o processo mediado pela tecnologia. Exemplos de aprendizagem suportada pela tecnologia incluem sistemas de treinamento baseados no computador, ambientes de aprendizagem interativos, sistemas de ensino a distância e ambientes de aprendizagem colaborativa. Exemplos de objetos de aprendizagem incluem conteúdo multimídia, conteúdo instrucional, softwares aplicativos e software instrucional, pessoas, organizações ou eventos referenciados durante a aprendizagem suportada pela tecnologia. (IEEE, 2005, on-line).
As HQs são possibilidades digitais que remetem a outras opções de leituras na educação. Dessa forma, o educador “tem à sua disposição uma grande quantidade de objetos, dos mais diferentes tipos. Ele pode planejar suas aulas fazendo uso deles, conseguindo maior flexibilidade para se adaptar ao ritmo e ao interesse dos alunos, mantendo seus objetivos de ensino”. (NUNES, 2006, online). Fundamentalmente, as HQs são reaproveitáveis em diferentes contextos, pois agregam sentimentos e podem ser reinterpretadas por diferentes educandos em distintas circunstâncias. Conforme Nunes (2006, online),
Existem objetos de aprendizagem muito bons para motivar ou contextualizar um novo assunto a ser tratado, outros ótimos para visualizar conceitos complexos, alguns que induzem o aluno a certos pensamentos, outros ideais para uma aplicação inteligente do que estão aprendendo ... Quando os objetos são interativos, consegue-se que o aluno tenha um papel bastante ativo. Permite-se ainda que o aluno se aproprie do objeto e o utilize inserindo em seus próprios trabalhos para comentários, ilustrações, críticas etc., e assim consegue-se uma aprendizagem ainda mais significativa.
Dessa forma, entendemos que as HQs abrangemum conjunto de linguagem visual, sensível e textual em formato narrativo, que é capaz de viabilizar a comunicação baseada na leitura inventiva com características hipermidiáticas. As HQs podem ser utilizadas como material didático-pedagógico e incluídas nas atividades, dando oportunidades aos estudantes de constituir relações interdisciplinares, pois é uma leitura que abrange diversas áreas do conhecimento e que agrada de forma especial o público infanto-juvenil. As HQs são eficientes porque podem abordar a cada edição, temas diversos que demandam discussões e que precisam chegar ao conhecimento dos estudantes. Nos livros didáticos, normalmente, o mesmo assunto estático é (re)utilizado por diversos anos consecutivos e sem o contato com as realidades dos sujeitos. As HQs têm um alcance bastante amplo, devido a sua comunicação direta e de fácil compreensão, com potencial expressivo pela sua linguagem visual e textual.
A literatura infanto-juvenil pode ser entendida pela sua linguageme no seu conteúdo, que ensina através de experiências humanas que se aproxima da resistência aos padrões formalizados da cultura, auxiliando na elaboração de teorias, dilemas existenciais e hipóteses, para a leitura de mundo que o estudante leitor levará para uma vida aprendente. Além do mais, as HQs enquanto forma de literatura tem potencial para a formação de opinião pública, já que são fontes de divulgação de conhecimentos sociais. Incluindo as HQs nos processos de educar, também se inclui a leitura de imagens e a arte, para que as aprendizagens sejam mais expressivas, imaginativas, lúdicas e sociais. Para Coelho (1996, p.60),
A pedagogia moderna já provou abundantemente que é por meio do ludismo, da imaginação, do jogo ou do prazer de interagir com algo que as crianças (ou os intelectualmente imaturos em geral) assimilam o conhecimento de mundo que lhes é indispensável para construírem seu espaço interior afetivo e racionalmente interagirem com o meio em que lhes cumpre viver.
Por sua vez, Amaral (1997, p.26) diz que “no cerne do debate pós-moderno encontra-se o final de separações importantes, o apagamento de algumas fronteiras antigas principalmente entre a ‘alta’ cultura e a chamada cultura popular ou cultura de massa”, sendo necessário o surgimento de novas metodologias de ensino e novos referenciais teóricos que viabilizam investigar as produções humanas, as estruturas e as trocas de conhecimentos diante da diversidade de espaços para a construção de saberes. Amaral (1997, p.25) também sugere um arsenal de criações culturais como referência para a aquisição do conhecimento: “além dos tradicionais livros didáticos, podem ser reconhecidos como instâncias legítimas, os livros infantis, os desenhos animados, as histórias em quadrinhos, filmes de ficção, programas infantis, documentários, anúncios publicitários, novelas, obras de arte, fotografia etc.”.
Giesta (2002, p.165) entende que através das HQs é que “são veiculadas informações pertinentes e que podem contribuir para a conscientização das pessoas”, pois elas expandem a capacidade da autocrítica dos grupos sociais, de modo que possam perceber as dinâmicas e problemas sociais ao agir coletivo epara a transformação dos projetos educacionais engessados. Por tudo isso, os meios de comunicação de massa, entre eles, as HQs, são dispositivos para a formação de opinião pública, estimulantes para a mudança de posturas e condutas, que pode cumprir uma função importante para a constituição de valores educativos para o agir social e abertura para a cidadania, porque projeta a compreensão da própria experiência. Certeau (1994, p. 263) percebe essa dimensão como o poder instaurado pela vontade em “refazer a história graças a operações escriturísticas”, a partir de uma intensa troca entre ler, escrever e interpretar sensivelmente o mundo. A leitura enquanto exercício capaz de gerar sentidos que se cruzem para os leitores tem grande importância para o amadurecimento da sensibilidade humana, para aprender a decifrar os sentidos dos textos e imagens com o outro, especialmente quando voltada às dimensões da palavramundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos que as HQshipermídiaticasse constituem como um meio de levar e provocar a leitura da palavramundo, de modo a cativar o poder da comunicação nas salas de aula. Em uma perspectiva hermenêutica procuramos discutir até que ponto as leituras híbridas podem estimular e promover uma educação de qualidade, atrativa e efetiva com real fator de reinvenção pessoal e capacitação para o agir social e abertura para a cidadania. A partir do momento em que todos participam da leitura imagéticado mundo por meio das HQs, sejam elasonline ou offline, as pessoas começam, consequentemente, a buscar novos tipos de textos literários, trazendo novas descobertas, ampliando a compreensão da própria experiência no mundo. Na visão de Gadotti (2000, p.9),
A escola está desafiada a mudar a lógica da construção do conhecimento, pois a aprendizagem agora ocupa toda a nossa vida, [...] porque passamos todo o tempo de nossas vidas na escola – não só nós, professores – devemos ser felizes nela. A felicidade na escola não é uma questão de opção metodológica ou ideológica, mas sim uma obrigação essencial dela.
Talvez a maior limitação das HQs na educação esteja na maneira como é negligenciada e tomada pelos professores, tendo em vista que, muitas vezes, os educadores não enxergam qualidades no sentido de promover a imaginação criadora e novas leituras de mundos, independente das plataformas ou dos conteúdos a que estão familiarizados. Na educação, as HQs auxiliam na formação de leitores e pode tornar os sujeitos a longo prazo leitores assíduos, que interpretam textos, imagense desenvolvem a capacidade de outras leituras e compreensões de mundos na pluralidade cultural. Tais histórias podem fazer parte do cotidiano dascrianças, jovens e adultos, aumentando assim a motivação dos estudantes para as dimensões sensíveis do aprender, aguçando a curiosidadeintelectual e emotivade sentidos vitais e perpetuando o gosto e o hábito da leitura de imagens.
REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor Ludwig Wiesengrund; HORKHEIMER, Max. A Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
AMARAL, Marise Basso. Representações de natureza e a educação pela mídia. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BEHAR, PatriciaAlejandra, et al. Objetos de Aprendizagem para professores da Ciberinfância.Renote: Novas Tecnologias para a Educação, Porto Alegre, v. 7, p.1-10, jul. 2009.
CANCLINI. Nestor García. Culturas híbridas – Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Editora da USP, 2000.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
CIRNE, Moacy. Quadrinhos, sedução e paixão. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.
COELHO, Nelly Novaes; SANTANA, Juliana S. L. A educação ambiental na literatura infantil como formadora de consciência de mundo. In: TRAJBER, Rachel; MANZOCHI,Lúcia Helena (Orgs.). Avaliando a educação ambiental no Brasil: materiais impressos. 1. ed. São Paulo: Gaia, 1996. p. 59-76.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: a compreensão e a prática da forma de arte mais popular do mundo. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FONTANA, Maristela Vigolo; CONTE, Elaine, HABOWSKI, Adilson Cristiano. Perspectivas sobre objetos de aprendizagem de autoria coletiva nos cursos de EAD. Revista Intersaberes, v. 13, n. 29, p. 330-341, 2018. DOI: 10.22169/revint.v13i29.1424
GIESTA, NágilaCaporlíngua. Histórias em quadrinhos: recursos da educação ambiental formal e informal In: RUSCHEINSKY, Aloísio (Org.).Educação ambiental: múltiplas abordagens. Porto Alegre: ArtMed Editora SA, 2002.
HABOWSKI, Adilson Cristiano; CONTE, Elaine; PUGENS, Natália de Borba. A perspectiva da alteridade na educação. Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 23, n. 1, p. 179-197, jan./abr. 2018. DOI: 10.18226/21784612.v23.n1.10
IEEE.Institute of Electrical and Electronics Engineers.
LOVETRO, José Alberto.A Linguagem do futuro. Revista Ideias, Fundação para o Desenvolvimento da Educação, n. 17, p. 65 – 76, 2011.
NUNES, César Augusto. Objetos de aprendizagem a serviço do professor.2006.
OLIVEIRA, Mauro César Bandeira de. A importância das histórias em quadrinhos para a educação. 2007. 47 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Artes Plásticas) – Universidade de Brasília, Brasília, 2007.
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: BARBOSA, A. et al. (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 36. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Perspec.,São Paulo, v.14, n.2, Apr./June 2000.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999.
MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos: história, criação, desenho, animação, roteiro. São Paulo: M. Books, 2005.
MCCLOUD, Scott. Reinventando os quadrinhos: Como a imaginação e a tecnologia vêm revolucionando essa forma de arte. São Paulo: M. Books, 2006.
MORIN, Edgar. As duas globalizações:complexidade e comunicação, uma pedagogia do presente. 3. ed. Porto Alegre: Sulina; EDIPUCRS, 2007.
MURRAY, Janet. Hamlet no Holodeck. O futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp, 2003.
PAUL, Nora. Elementos das narrativas digitais. In: FERRARI, Pollyana (org). Hipertexto, hipermídia: as novas ferramentas da comunicação digital. São Paulo: Editora Contexto, 2007. p. 121-139.
PRESSER, Alexandra; SCHLÖGL, Larissa. Narrativa em histórias em quadrinhos: o uso do timing para conquistar os leitores. Verso e Reverso, Unisinos, v. 29, p. 35-43, 2015.
RAMOS, Paulo. A Leitura dos Quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2012.
REZENDE, Flavia; COLA, Cláudio dos Santos Dias. Hipermídia na educação: flexibilidade cognitiva, interdisciplinaridade e complexidade. Ensaio - Pesquisa Em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 6, n. 2, p. 1-11, 2004.
[1]Doutorando em Educação na Universidade La Salle - Canoas/RS. Mestre em Educação pela Universidade La Salle - Canoas/RS. Possui o Ensino Médio na modalidade normal (magistério), com habilitação para atuar como educador nas áreas de Educação Infantil e Séries Iniciais (2014). ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5378-7981.
[2]Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012). Professora da Universidade La Salle - UNILASALLE, Canoas. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0204-0757
[3] “O conceito de hipermídia está diretamente relacionado aos conceitos de hipertexto e de multimídia. Multimídia compreende a conjugação de múltiplos meios como, por exemplo, textos, imagens, sons, animações e vídeo para representar uma informação. Este termo pode qualificar representações de informações veiculadas por sistemas computacionais ou por outros suportes, não informatizados. Por hipertexto entende-se um sistema computacional que representa nós de informações em geral textuais, organizados não sequencialmente, por meio de ligações conceituais entre palavras-chave. O conceito de hipermídia pode ser visto como a interseção entre os conceitos de multimídia e hipertexto, na medida em que se trata de sistemas computacionais que ligam informações de forma não sequencial, como os sistemas de hipertexto e que utilizam múltiplos meios para representar a informação, como os materiais multimídia” (REZENDE; COLA, 2004, p. 7).