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Ativismos LGBT no Oeste da Bahia: percursos, situação atual e potências políticas

Carlos Henrique Lucas Lima
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil
Fábio de Sousa Fernandes
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Brasil
Denise Diele Alves de Sousa
Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Brasil
Alex Sales Soares
Universidade Federal do Oeste da Bahia, Brasil
Jéssica Matos Cardoso
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT., Brasil

Ativismos LGBT no Oeste da Bahia: percursos, situação atual e potências políticas

O Social em Questão, vol. 20, núm. 37, pp. 207-220, 2017

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Resumo: Este artigo enseja, por meio do Estudos Queer, investigar e situar o panorama dos es- paços de sociabilidade e de re(ex)sistência cultural pertinentes aos grupos, coletivos ati- vistas e pessoas não heterossexuais e de gênero dissidente, na região Oeste da Bahia. Analisar-se-á como esses sujeitos e coletivos não são reconhecidos pelos regimes norma- tizadores, (não) acessam direitos básicos e quais configurações ativistas existem na região, quem são as pessoas que estão à frente dos movimentos e dos espaços de poder para que o público LGBT tenha visibilidade e possam ser tratadas com igualdade, reconhecidas suas diferenças.

Palavras-chave: Queer, Sexualidade, LGBT, Ativismo, Re(ex)sistência.

Ativismos LGBT no Oeste da Bahia: percursos, situação atual e potências políticas

Carlos Henrique Lucas Lima1 Fábio de Sousa Fernandes2 Denise Diele Alves de Sousa3 Alex Sales Soares4

Jéssica Matos Cardoso5

Resumo

Este artigo enseja, por meio do Estudos Queer, investigar e situar o panorama dos es- paços de sociabilidade e de re(ex)sistência cultural pertinentes aos grupos, coletivos ati- vistas e pessoas não heterossexuais e de gênero dissidente, na região Oeste da Bahia. Analisar-se-á como esses sujeitos e coletivos não são reconhecidos pelos regimes norma- tizadores, (não) acessam direitos básicos e quais configurações ativistas existem na região, quem são as pessoas que estão à frente dos movimentos e dos espaços de poder para que o público LGBT tenha visibilidade e possam ser tratadas com igualdade, reconhecidas suas diferenças.

Palavras chaves

Queer, Sexualidade; LGBT; Ativismo; Re(ex)sistência.

LGBT activism in the West of Bahia: path, current situation and political potencies

Abstract

This article proposes, through Queer Studies, to investigate and situate the panorama of spaces of sociability and re (ex) cultural relevance pertinent to non - heterosexual and dissident groups and individuals in the western region of Bahia. It will be analyzed, as these subjects, are not recognized by the regulatory regimes, (not) access basic rights and what activist configurations exist in the region, who are the people who are ahead of the movements and the spaces of power so that the public LGBT have visibility and can be treated equally, their differences recognized.

Keywords

Queer; Sexuality; LGBT; Activism; Re(ex)persistence

Introdução

Este ensaio propõe, a partir dos resultados preliminares do projeto de pes- quisa Ativismo LGBT no Oeste da Bahia: situação atual e potências políticas e sob a perspectiva dos Estudos Queer, investigar os percursos e modelos de ativismos e suas respectivas atuações, assim como quais são as políticas públicas voltadas para o respeito às diferenças de pessoas dissidentes de gênero e sexualidade na região Oeste da Bahia6. Um dos propósitos é empoderar os sujeitos LGBT e não heterossexuais por meio dessas investigações, ao questionar as normas que visam agir sobre os corpos imprimindo nos mesmos, de forma violenta, identidades normatizadoras, limitadoras e que cerceiam existências. Nesse contexto, refleti- mos sobre quais corpos importam dentro de uma sociedade que busca encaixar o sujeito em um padrão nomeado como normal e aceitável sem, sequer, preocupar-

-se como esse sujeito se identifica. Por outro lado, os sujeitos que se encontram neste regime buscam um lugar em tais espaços, pois sentem a necessidade de (e são impelidos a) serem aceitos, inclusive como estratégia de sobrevivência7.

Apesar das constantes lutas dos movimentos sociais que representam poli- ticamente esses sujeitos e do próprio espaço acadêmico, que atualmente vem promovendo debates relacionados às minorias sexuais, ainda há um longo cami- nho para que se alcance o respeito em uma sociedade que impõe o gênero bi- nário como único e adequado. Esta escrita, portanto, almeja produzir reflexões em torno das problemáticas que envolvem os estudos de gênero e contribuir para a re(ex)sistência8 das minorias sexuais no âmbito das pesquisas acadêmicas e dos ativismos que confrontam os saberes instituídos, a partir de modelos he- gemônicos de produção de conhecimento.

Contextualizando

Os Estudos Queer surgiram nos Estados Unidos na década de 90 do século XX, a partir da relação entre os Estudos Culturais e o Pós-estruturalismo fran- cês, no intuito de questionar, problematizar, transformar, radicalizar e ativar uma minoria excluída de uma sociedade centralizadora e heteronormativa. “Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro, extraordiná- rio”, como afirma Louro (2004, p. 38). A proposta dos ativistas e teóricos foi a de positivar esta conhecida forma pejorativa, em língua inglesa, de insultar pessoas homossexuais. Portanto, a palavra representa as minorias sexuais em sua diversi- dade e multiplicidade, levando em consideração as mais variadas concepções de sexualidade e identidade de gênero, mas ao mesmo tempo critica e questiona as

classificações tradicionais e a ideia essencialista de sujeito, da história, da cultura e da realidade, realizando uma crítica aos discursos hegemônicos na cultura ociden- tal. Esses estudos realizam, portanto, uma crítica também às classificações sociais da psicologia, da filosofia, da antropologia e da sociologia tradicionais, baseadas habitualmente na utilização de um único padrão de segmentação — seja a classe social, o sexo, a raça ou qualquer outro — e defende que as identidades sociais se elaboram de forma mais complexa, pela intersecção de múltiplos grupos, cor- rentes e critérios. Os Estudos Queer constituem um corpus grande e variado de empreendimentos dispersos por áreas como os estudos culturais, a sociologia da sexualidade, antropologia social, educação, filosofia, artes, entre outras.

Esses estudos ganharam visibilidade a partir das décadas 90, com a empreitada de pesquisadores e ativistas cuja mirada epistemológica dialogava com as referi- das perspectivas, e também por questionarem o posicionamento dos próprios movimentos sociais da época – que buscavam (in)corporar os sujeitos não hete- rossexuais a um sistema heteronormativo. Os estudos Queer recebem, portanto, notoriedade e se expandem em produção e repercussão.

Há um consenso de que as identidades sexuais e de gênero são uma constru- ção social e histórica e por isso seria necessário refletir sobre as heranças que já haviam fissurado alguns espaços de poder, os quais Michel Foucault (1967) atrela ao que ele denomina de “Sociedades de Discurso”; a função dessas “Sociedades de Discurso” é produzir e conservar discursos, fazendo-os circular em espaços fechados, distribuindo-os segundo regras restritas, sem que seus detentores se- jam despossuídos por essa distribuição, todavia fazendo com que esses sujeitos se sintam empoderados, mesmo que desarmados desse poder.

Apesar de acordarem sobre questões em torno da sexualidade, não houve a unificação dos movimentos sociais tradicionais com os queer, pois pensava-se o gênero como algo que estava diretamente ligado ao sexo, tanto no biológico como no campo da cultura. Ao refletir sobre os paradigmas que produzem os corpos, Judith Butler, uma das precursoras dos escritos nos Estudos Queer, apon- ta que “o gênero é performativo porque é resultante de um regime que regula as diferenças de gênero. Neste regime os gêneros se dividem e se hierarquizam de forma coercitiva (BUTLER, 2002, p.64)”.

Como arcabouço teórico deste artigo, os estudos Queer auxiliarão em uma melhor compreensão para que possamos questionar as normas vigentes dos regi- mes de poder e convidar à reflexão sobre os saberes subalternos e os sujeitos que os produzem, como afirma Larissa Pelúcio (2002, p.399):

Falar de saberes subalternos não é, portanto, apenas dar voz àquelas e àqueles que foram privados de voz. Mais do que isso, é participar do esforço para promo- ver outra gramática, outra epistemologia, outras referências que não aquelas que aprendemos a ver como as “verdadeiras” e, até mesmo, as únicas dignas de serem aprendidas e respeitadas (PELÚCIO, 2002, p.399):.

O Cenário LGBT no Brasil no âmbito das políticas públicas

O duelo entre o marco jurídico e as populações subalternizadas ainda têm um longo caminho pela frente, marcado por sofrimentos, estigmatizações e vio- lências às pessoas que constituem esses grupos (entende-se aqui por subalternos os negros, pessoas não heterossexuais e quaisquer sujeitos que não atendam aos requisitos dos regimes normatizadores).

Nos últimos anos, no Brasil, o governo e suas instâncias buscaram pro- mover políticas públicas específicas para pessoas gays, lésbicas, travestis e transexuais. Uma dessas promoções ocorreu em 2014, quando o governo criou o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Vio- lência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Sistema Na- cional LGBT), com o intuito de promover políticas para a criação de progra- mas sociais de amparo a essa população9. Em 2006, foi aprovado na Câmara dos deputados a Projeto de Lei da Câmara 122 (PLC 122), que criminaliza a homofobia. O Projeto encontrava-se em tramitação desde 2001, porém, devido ao ataque principalmente de fundamentalistas religiosos – que usa- ram em seus argumentos que a criminalização da homofobia iria barrar o direito à liberdade de expressão – o mesmo não foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e, em seguida, foi arquivado pelo Senado Federal. A justificativa utilizada foi que o PLC teria que ser reformulado e reapresenta- do novamente, pois projetos de leis não podem permanecer em trâmite por mais de duas legislaturas10.

É contraditório criar um programa de assistência para as pessoas LGBTs e ao mesmo tempo arquivar um projeto que traria segurança constitucional a esses sujeitos. A impressão diante de tais fatos é que o poder público minimiza a importância dessas pessoas enquanto sujeitos sociais, querendo enquadrá-las cada uma em sua caixinha para que não os incomode.

Os discursos e práticas conservadoras ensejam reafirmar o conceito re- trógrado de família tentacular, naturalizado a partir do alicerce da relação en- tre homem e mulher cisgêneros, o que provoca nos sujeitos que não atendem

a esse modelo sentimentos de culpa e reações como estigmatização, exclusão e violências diversas. As possibilidades de união estável e casamentos homo- afetivos, quando normatizadas pelo Supremo Tribunal Federal, produziram (e ainda geram) polêmicas entre os referidos conservadores, que explicitam a noção de que o casamento entre pessoas do mesmo sexo (e essas mesmas pessoas) sejam aberrações e por isso não “merecem” ter aparato jurídico. Ma- ria Rita Khel, a respeito da pluralidade das famílias brasileiras, pondera que

A cada novo censo demográfico realizado no Brasil, renova-se a evidência de que a família não é mais a mesma. Mas “a mesma” em relação a que? Onde se situa o marco zero em relação ao qual medimos o grau de “dissolução” da família contemporânea? A frase: “a família não é mais a mesma”, já indica a crença de que em algum momento a família brasileira teria correspondido a um padrão for a da história. Indica que avaliamos nossa vida familiar em comparação a um modelo de família idealizado, modelo que correspondeu às necessidades da sociedade burguesa emergente em meados do século XIX. De fato, estudos demográficos recentes indicam tendências de afastamento em relação a este padrão, que as classes médias brasileiras adotaram como ideal. (KHEL, 2003, p.01)

Nessa perspectiva, apostam-se as cartas desse jogo na família que, se não for constituída por um pai (homem) e uma mãe (mulher) e seus respectivos filhos, será alvo de discriminações, a partir dessa noção de família tentacular como arma para cercear os direitos de sujeitos que não contribuem para a perpetuação de uma suposta hierarquia sexual. Este ponto de vista não só violenta os sujeitos como também os torna não passiveis de visibilidade.

Metodologia

Neste ensaio foram utilizadas entrevistas semiestruturadas com ativistas e pessoas de coletivos LGBT para esboçar um modelo de ativismo e seus respec- tivos efeitos na região Oeste da Bahia, além de pesquisa documental em sites da região, em que se buscou encontrar casos de violência contra pessoas dissi- dentes de gênero. A partir dos resultados buscou-se identificar os espaços de re(ex)sistência cultural. Para ajudar a compreender as relações de identidade na sociedade e amparar a pesquisa, foi mantido o contato com o aparato teórico na perspectiva dos Estudos Queer.

Resultados e discussões

Encontrou-se em sites da região informações sobre a primeira união estável do Oeste da Bahia11. Trata-se de um passo importante para o início de uma dis- cussão sobre as políticas públicas na região, que ainda é muito precária, e marca uma nova perspectiva para a população do Oeste da Bahia, pois acontecimentos como este levam as pessoas a refletirem sobre a nova configuração da família brasileira e a redefinirem suas opiniões. Sabemos que há um longo caminho pela frente, pois, apesar de ser um acontecimento politicamente importante para as minorias sexuais na cidade de Barreiras, não há instituições que representem esses sujeitos no âmbito das políticas públicas. Havia apenas uma Organização não governamental (ONG) que tinha por nome Grupo Gay do Oeste da Bahia (CCOB), o que nos mostra que em algum momento houve a iniciativa de criar algo que representasse o público LGBT em Barreiras. Durante a continuação dessa pesquisa será investigado qual a importância do GGOB para o cenário LGBT na região Oeste da Bahia.

Em uma das entrevistas realizadas até o momento, em 22 de julho de 2016, o ativista João Felipe Lacerda afirmou “que se considera um ativista, porém tem o sentimento de estar sozinho pois não considera a região Oeste da Bahia cenário favorável para as pessoas LGBT’s pois não encontramos algo que nós (às minorias sexuais) referencie em prol dos direitos das pessoas LGBT’s”12. Esta afirmação vai ao encontro do que Le- andro Colling (2013) reflete no texto A igualdade não faz o meu gênero, pois essas minorias sexuais que são consideradas como anormais diante de uma sociedade heternormativa e sexista, por mais que queiram ser vistas sentem-se sozinhas, pois os próprios movimentos e ativistas lutam de forma individualista quando centralizam a sua causa e excluem as dos demais. Esse mesmo entrevistado sofreu discriminação quando, em uma audiência pública, na câmara de vereadores da cidade de Barreiras, uma vereadora pediu ao presidente da casa que ele retirasse, referindo-se a ele como “aquela bicha louca”. João Felipe disse em entrevista que esse foi um dos motivos que o levou a levantar as bandeiras de luta e assim forta- lecer o movimento LGBT na Região Oeste. O mesmo afirmou que

logo em seguida nós fomos pra delegacia. Registrei um boletim de ocor- rência exigindo que fosse registrado como crime de homofobia e o pro- cesso, enfim, ainda está rolando. Infelizmente nós temos uma justiça muito lenta, muito lerda, muito vagarosa, então assim, hoje o processo está concluso para sentença, mas ele está na terceira vara e se eu não me

engano não tem juiz. Então assim: aonde eu quero chegar, aonde eu quis chegar com isso, que nós não podemos admitir que ninguém nos trate dessa maneira, entendeu? Que ninguém queira nos humilhar, nos rebaixar pelo o fato de sermos gays ou pelo fato de assumirmos essa identidade.

É confuso pensar que os mesmos movimentos que buscam igualdade, en- quanto um direito ‘assegurado’ pela Constituição Federal, são os que categori- zam a sua classe, tornando-se mais importante. Porém não podemos censurar a forma como essas representações políticas agem, afinal estão lutando por um espaço que sempre lhes foi negado e a própria afirmação do entrevistado mos- tra que as lutas não partem somente dos movimentos sociais, também existem ativistas independentes que motivados até mesmo por episódios que os levaram à exposição, estão re(ex)sistindo às normas. ”Aí está uma das principais razões da reivindicação por direitos específicos, que comtemplem as particularidades de cada subgrupo. Ou seja, determinadas pessoas percebem que precisam de políticas especiais porque as suas realidades e identidades não são exatamente iguais às demais” (COLLING, 2013, p. 408).

Há uma descaracterização do discurso e o que há por trás dele é contradi- tório, ou seja, na região Oeste da Bahia, o que se percebe é a falta de políticas públicas ou até mesmo discussões sobre o assunto, pois na pesquisa documental fora encontrados casos de violência contra homossexuais13 que não foram so- lucionados e foram noticiados nos sites da região apenas como assassinato. Um desses casos traz uma reflexão ainda maior sobre o assunto pela forma como aconteceu e como a mídia o retratou, referindo-se à vítima como usuário de drogas e que essa seria a justificativa para a sua morte. Levando em conta que o mesmo era negro e pobre, esta posição midiática evidencia como os marcado- res que são impostos à essas vítimas tanto pela raça, quanto pela condição social violentam esses corpos em vida e em morte.

Estes fatores nos levam a compreender que ainda existe uma aversão no campo das leis para proteger as pessoas dissidentes de gênero e sexualidades, os deixando cada vez mais à margem, os tratando como abjetos não passiveis de visibilidade como reflete Miskolci (2009, pag. 154), ao afirmar que “estamos sempre dentro de uma lógica binária que, toda vez que tentamos quebrar, ter- minamos por reinscrever em suas próprias bases”.

Durante a pesquisa foram encontrados outros casos de violência contra pes- soas LGBTs, porém não foi possível documentar porque essas vítimas se sentem

acuadas, desprotegidas e visivelmente receosas para falar sobre suas vidas, pois sabem que não têm uma garantia nem do Estado e muitas vezes nem da própria família para sua proteção.. Trata-se de algo preocupante, pois essas pessoas gri- tam por dentro por perceberem que ainda são consideradas abjetas. Segundo o relatório do GGB - Grupo Gay da Bahia, acontecem 326 mortes de gays, travestis e lésbicas no Brasil, incluindo 9 suicídios e um assassinato, a cada 27 horas. As agências internacionais consideram o Brasil o país campeão de crimes motivados pela a homo/transfobia14. O silêncio que perdura sobre esses corpos é resultado de um conjunto de preconceitos que marca o sujeito desde a infância, da família ao ambiente escolar, quando separam meninos e meninas nas atividades de recre- ação, nos banheiros e até mesmo nas atividades em sala de aula e essas explícitas formas de violência seguem até a vida adulta na universidade.

É importante ressaltar que na Região Oeste da Bahia, especificamente na cidade de Barreiras, local em que se encontra a UFOB-Universidade Federal do Oeste da Bahia, a continuação dessa pesquisa busca encontrar na univer- sidade ativistas e suas atuações e provar que a universidade é um espaço de re(ex)sistência cultural.

Quando perguntado a João Felipe Lacerda, quais seriam as perspectivas fu- turas para que as pessoas dissidentes de gênero e sexualidades possam alcançar o respeito, o entrevistado afirma que

é necessário que existam mais projetos, que nós possamos pensar juntos políticas públicas, mais ações de nós enquanto sociedade civil, mas eu não consigo visualizar sucesso nas nossas ações se nós não ocuparmos espaços estratégicos, os espaços institucionais e de poder então está passando da hora de nós termos uma voz dentro da câmara de vereadores de nós ter- mos uma voz de referência no poder legislativo como nós temos a voz do deputado federal Jean Willys, como nós temos a voz da ex deputada Manoela D’ávila que hoje é deputada estadual e já concentra a sua força mais na pauta do seu estado, o Rio Grande do Sul. Então assim nós pre- cisamos ocupar esses espaços institucionais para que debates como esses sejam promovidos institucionalmente.

Tais espaços de poder são normalmente negados a essas pessoas e os estu- dos Queer surgem para questionar os marcadores sociais e dar visibilidade aos sujeitos subalternizados.

Outro exemplo de embate político no que se refere à disputa de direitos para pessoas LGBTs foi o episódio da discussão sobre o Plano Municipal de Educação (PME). Houve um incômodo em parte de vereadores conservadores que inter- cederam pela retirada da palavra gênero do PME, justificando que as questões de gênero nas escolas causariam uma “desordem nas famílias” e que levariam as crianças “adquirir (sic) a ‘Disforia de gênero’”, a qual é estudada e tratada como uma doença por profissionais da saúde, como a psicóloga e deputada Marisa Lobo, que foi convidada pela Câmara Municipal de Barreiras para lançar um livro cujo título é “Ideologia de gênero”. Nessa ocasião, a psicóloga sentiu-se incomodada, pois quando chegou à Câmara havia militantes com faixas e cartazes protestando e repudiando a sua presença. No dia seguinte, Marisa Lobo postou em sua página na rede social Facebook que os professores das instituições escolares da cidade de Barreiras usam os seus alunos para impor ideologias políticas.

Apesar da grande ausência de atores legislativos para representar as pessoas LGBTs na região Oeste, há instituições que apoiam a promoção de ações com o intuito de debater questões de gênero no âmbito universitário como é o caso da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Junto com os coletivos existentes na instituição, grupos compostos por alunos promovem debates, ro- das de conversas e mobilizações como o Coletivo Feminista Ufob, que surgiu com o intuito de problematizar questões que envolvam as mulheres no Brasil. Há também o Coletivo Dezembro Arco-íris, resultado de uma proposta dos estudantes da UFOB para criar, na universidade, espaços de discussões sobre as questões de gênero, sexualidade e feminismo. A campanha nasceu depois de algumas discussões em redes sociais que mostraram a forte presença de ideias preconceituosas, discurso de ódio contra os homossexuais e também comentá- rios machistas feitos por estudantes.

Estas experiências nos fizeram refletir e perceber que nunca houve espaço de discussão dentro da UFOB sobre as relações supracitadas com amplo envolvimento da comunidade acadêmica. Nesse contexto, viu-se a necessidade de propor espaços de discussões e disseminação de ideias que pudessem debater os temas esclarecendo e desmitificando várias ideias errôneas em torno dessas questões. Para além dos coletivos os grupos de pesquisa, GGEEF-Grupo de Estudo sobre Gênero numa perspectiva feminista, coordenado por servidorasTécnicas Administrativas em Edu- cação e Docentes, e o Grupo de pesquisa Corpus Possíveis, da UFOB, que surgiu com a vinda para Barreiras de professores especialistas nessas questões, apontando que há uma grande demanda por discussões e pesquisas nesse campo.

Em meio a um cenário político perturbador, diante do ataque sem limites de fascistas e de grupos conservadores que insistem em tratar como irrele- vantes as questões de gênero, diante dessas tentativas de calar a democracia, o ativismo LGBT re(ex)siste no Oeste da Bahia e no Brasil problematiza o ma- chismo quando os militantes e pesquisadores buscam pôr em evidência as ques- tões de gênero, em uma sociedade patriarcal normativa que, a qualquer custo, tenta retirar uma mulher da presidência, o que não deixa de tornar patente a misoginia estrutural de nosso país.

Conclusão

O ativismo e as políticas públicas para as pessoas dissidentes de gênero e sexualidade, tanto na região Oeste da Bahia, quanto no Brasil ainda, infeliz- mente, são precários, para não dizer, no caso específico de Barreiras, quase que inexistentes (políticas públicas).

É necessário que existam mais discussões e grupos ativistas cada vez mais pre- ocupados com direitos igualitários que agreguem tanto as questões de gênero e sexualidade, como quaisquer outros marcadores de diferenças; que haja mais pes- soas na política lutando por direitos e que, como notou-se durante esta pesquisa, que o próprio poder público e suas instâncias possam olhar para esses sujeitos como vidas que importam.

O ativismo no Oeste da Bahia não é uma utopia – no sentido de algo irrea- lizável. A cada dia ele vem crescendo e se tornando mais forte para enfrentar os preconceitos e as discriminações. As pautas de luta não passarão despercebidas, pois existem pessoas e grupos interessados em tornar a vida de todos e todas vivível. Existe, por fim, resistência. Existência. Re(ex)sistência.

Os ativismos e as políticas públicas para as pessoas dissidentes de gênero tanto na região Oeste da Bahia quanto no Brasil ainda são precários, porém necessários, para que esses corpos possam alcançar o merecido respeito que tanto almejam. Ao longo de anos, a história nos mostrou o quanto essas construções sociais esta- vam equivocadas ao julgar as pessoas pela sua etnia, classe social e gênero.

Referências

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BUTLER, Judith. Críticamente subversiva. In: JIMÉNEZ, Rafael M. Mérida. Sexua- lidades transgresoras. Una antología de estudios queer. Barcelona: Icária editorial, 2002, p. 55 a 81.

GGB. Assassinatos de homossexuais no Brasil. Disponível em: <http://www.ggb. org.br/Assassinatos%20de%20homossexuais%20Brasil%202010%20imagens. html>. Último acesso em 31 de março de 2017.

KEHL, M. R. Em defesa da família tentacular. Artigos e ensaios, 2003, p. 01-07. http://www.mariaritakehl.psc.br/PDF/emdefesadafamiliatentacular.pdf

LOURO, G. L. O corpo estranho. Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

MISKOLCI, Richard. A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da normalização. In: Sociologias, Porto Alegre, ano 11, nº 21, jan./jun. 2009, p. 150-182.

SILVA, Larissa Maués Pelúcio. Subalterno quem, cara pálida? Apontamentos às mar- gens sobre pós-colonialismos, feminismos e estudos queer. Contemporânea - Re- vista de Sociologia da UFSCar, v. 2, n. 2, p. 395-418, 2012.

Notas

1 Doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Le- tras e Linguística, área de concentração em História da Literatura, pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG e Licenciado em Letras - Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, com trabalho de conclusão de curso em estudos de gênero e estudos culturais, sob a coordenação da Profa. Dra. Regina Zilberman, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente é Professor Adjunto A na Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), coordenador do Programa Re (ex) sistência LGBT (MEC/SESu - PROEXT). E-mail: carlos.lucas@ufob.edu.br
2 Professor Assistente do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), mestre em Cultura e Sociedade pelo Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2011), pós-graduado em Estu- dos Linguísticos (2009) e licenciado em Letras Vernáculas (2006) pela Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: fabio.fernandes@ufob.edu.br
3 Discente do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia. Atuou como bolsista do Projeto de Pesquisa – Ativismos LGBT na região Oeste da Bahia: Situação atual e potências po- líticas e atualmente Pesquisadora-Estudante do Grupo de Pesquisa Corpus Possíveis (UFOB) e bolsista do Programa Re (ex) sistência LGBT (MEC/SESu - PROEXT). E-mail: denise.sousa@ ufob.edu.br
4 Possui graduação em Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades pela Universidade Federal do Oeste da Bahia (2016). Atualmente é discente do curso de Licenciatura em Geografia - Uni- versidade Federal do Oeste da Bahia - UFOB, Pesquisador-Estudante do Grupo de Pesquisa Corpus Possíveis (UFOB) e bolsista do Programa Re(ex)sistência LGBT (MEC/SESu - PRO- EXT). E-mail: alex.soares@ufob.edu.br
5 Graduanda em Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Email: jessicama- tos19@hotmail.com
6 Nesta pesquisa, entende-se por ativismo qualquer atuação de ativistas independentes ou não, que empoderem as identidades de gênero invisíveis na sociedade.
7 Há aqui a referência ao texto do Carlos Henrique Lucas Lima, que realiza uma reflexão so- bre quais corpos importam. Disponível em: <http://www.ibahia.com/a/blogs/sexualida- de/2013/07/28/por-quais-mortes-nos-choramos-uma-reflexao-sobre-os-corpos-que-im- portam/>. Último acesso em 31 de março de 2017.
8 A expressão “re(ex)sistência” se refere ao programa de extensão Re(ex)sistência LGBT, reali- zado pela Universidade Federal do Oeste da Bahia e financiado pelo Ministério da Educação, com o objetivo de implementar ações extensionistas na região Oeste da Bahia que visem formar, empoderar e visibilizar pessoas de sexo e gênero dissidentes, a partir da noção de que é possível resistir e reexistir, apesar das normas que produzem e violentam corpos, sub- jetividades e identidades.
9 Disponível em < http://agenciabrasil.jusbrasil.com.br/noticias/100583510/governo-lanca- -sistema-nacional-lgbt-para-integrar-politicas-contra-o-preconceito?ref=topic_feed. >. Últi- mo acesso em 31 de março de 2017. Disponível em: <http://www.plc122.com.br/entenda- -plc122/pl-122-lei-homofobia/#axzz46rc94lQk>
10 Divulgação do arquivamento da PCL 122. Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ noticias/materias/2015/01/07/projeto-que-criminaliza-homofobia-sera-arquivado>. Últi- mo acesso em 31 de março de 2017.
11 Disponível em: <http://www.falabarreiras.com/noticias/destaques/barreiras-realiza-o-pri- meiro-casamento-homoafetivo/#.VkYoV3arSUk >. Último acesso em 31 de março de 2013.
12 João Felipe Lacerda 23 anos de idade acadêmico do curso de pedagogia da Universidade estadu- al da Bahia e também do curso de Gestão Pública e militante dos movimentos sociais na cidade de Barreiras, iniciou no movimento estudantil é hoje milita com mais veemência no movimento pela educação pelo o trabalho.
13 Alguns dos casos e dados coletados nesta pesquisa: • Disponível em: <http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/03/estudante-acusa-ve- readora-na-ba-de-homofobia-chamou-de-bicha-louca.html>. Último acesso em 31 de março de 2017 • Disponível em: <http://www.bahianoticias.com.br/noticia/109658-barreiras-homos- sexual-e-morto-a-pedradas-assassinos-sao-presos-em-flagrante.html>. Último acesso em 31 de março de 2017 • Disponível em: <http://www.ggb.org.br/Assassinatos%20de%20homossexuais%20 Brasil%202010%20imagens.html>. Último acesso em 31 de março de 2017
14 Um desses relatórios está disponível em: < https://homofobiamata.files.wordpress. com/2015/01/relatc3b3rio-2014s.pdf >. Último acesso em 31 de março de 2017. Artigo recebido em dezembro de 2016 e aceito para publicação em fevereiro de 2017.
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