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Políticas Educacionais e formação dos trabalhadores: uma leitura a partir dos escritos de Gramsci
Anita Helena Schlesener
Anita Helena Schlesener
Políticas Educacionais e formação dos trabalhadores: uma leitura a partir dos escritos de Gramsci
O Social em Questão, núm. 47, pp. 23-44, 2020
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Políticas Educacionais e formação dos trabalhadores: uma leitura a partir dos escritos de Gramsci

Anita Helena Schlesener
UFPR-Universidade Federal do Paraná, Brasil
O Social em Questão, núm. 47, pp. 23-44, 2020
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Políticas Educacionais e formação dos trabalhadores: uma leitura a partir dos escritos de Gramsci

Anita Helena Schlesener.

Resumo

Este artigo retoma alguns aspectos dos escritos de Gramsci para acentuar a impor- tância da escola para a formação dos trabalhadores, no contexto de sua formação política. Os conceitos básicos são: hegemonia e formação de um projeto alternativo de sociedade; relação entre política, economia e cultura; educação integral e educa- ção escolar. A hegemonia ancora-se na luta de classes, que assume novas formas na medida das mutações do modo de produção capitalista e demonstra que a política adquire uma dimensão ideológica e cultural que tem nos trabalhadores e subalter- nos os sujeitos e destinatários de uma pedagogia que perpassa os cadernos.

Palavras-chave

hegemonia, ideologia, educação integral, cultura.

Educational Policies and worker training: a reading from Gramsci's writings

Abstract

This article takes up some aspects of Gramsci's writings to emphasize the importance of school for the formation of workers in the context of their political formation. The basic concepts are: hegemony and formation of an alternative project of society; relationship between politics, economy and culture; integral education and school education. Hegemony is anchored in the class struggle, which takes on new forms as the capitalist mode of production changes and demonstrates that politics acquires an ideological and cultural dimension that has in its workers and subordinates the subjects and recipients of a pedagogy that pervades the notebooks.

Keywords

hegemony, ideology, integral education, culture.

Artigo recebido em novembro de 2019 Artigo aceito em dezembro de 2019

Introdução

Agora a defesa do presente estado de coisas não toma mais a forma da apologia e nem aquela da persuasão; agora é sufi- ciente (porém absolutamente necessário!) convencer que um outro mundo é impossível, e mesmo impensável (MORDENTI, 2007, p. 17).

Este trabalho pretende retomar alguns aspectos da relação entre política e educação a partir de escritos de Antonio Gramsci, a fim de salientar a importância das políticas educacionais para a formação dos trabalhadores no contexto das mutações atuais das relações de tra- balho. Pretende-se acentuar a relação economia, política e cultura na constituição das relações de hegemonia a fim de esclarecer como se constrói a sociabilidade atual e a importância da educação na medida em que se consolida a hegemonia dos dominantes tendo a ideologia como prática de poder. Faz-se necessário acentuar que Gramsci atuou e refletiu sobre a realidade italiana e europeia do início do século XX, num contexto econômico e social caracterizado pela implementação do fordismo e por políticas essencialmente autoritárias e paternalistas, em confronto com um movimento operário que se organizava para a realização da revolução socialista. A relação entre política e cultura nos escritos de Gramsci evidencia tanto a importância quanto as dificul- dades de organização política dos trabalhadores no contexto de uma sociedade enfraquecida pelos conflitos bélicos, por um elitismo dos intelectuais e pela ação da Igreja católica.

Retomar seus conceitos num momento de grandes mutações nas relações de trabalho a partir da implementação de novas tecnologias, justifica-se porque, embora elaborados em um contexto histórico es- pecífico, permitem explicitar as novas relações políticas e educacio- nais no âmbito de uma realidade em que o conhecimento assume uma função fundamental na manutenção das relações de poder e da estru- tura econômica capitalista.

A partir da década de 70 e dos sinais de crise econômica imple- mentaram-se no mundo capitalista ocidental políticas neoliberais que, inicialmente, permitiram a reorganização do sistema produtivo a partir da reforma do Estado, com recuperação econômica evidente. Na dé- cada de 90, porém, iniciou-se uma nova crise de proporções inusita- das visto que o capitalismo mundializado gera novas características da crise com novas condições de sua expansão. Os teóricos do capi- talismo, a partir de uma leitura parcial do problema, apresentam difi- culdades em explicitar a natureza da crise e, a partir de seus pressu- postos, também buscam soluções paliativas que, em geral, penalizam os trabalhadores.. As medidas tomadas a partir da reforma do Estado implementadas pelas políticas neoliberais debilitaram o sistema sin- dical e as forças organizativas dos trabalhadores que, ameaçados por um desemprego estrutural, passaram a se submeter às novas regras orientadoras do regime trabalhista mundial.

A crise capitalista também não é apenas econômica (embora na es- trutura econômica as contradições sejam mais evidentes) porque, a partir do modo como se constroem as relações sociais e se criam no- vas formas de manutenção da hegemonia, a crise atinge a própria for- mação da individualidade, empenhando todo o processo educativo.

A importância da leitura de Gramsci nesse novo contexto ocorre porque seus conceitos, principalmente hegemonia e revolução pas- siva, mostram-se como fortes instrumentos de análise de mudanças estruturais principalmente porque a política hegemônica se fortalece com novos componentes ideológicos a partir da reconfiguração do Estado e das relações de poder. Cabe esclarecer que a política, aqui, é entendida em seu sentido amplo, ou seja, como algo que permeia toda a vida social construída a partir das desigualdades geradas no modo como se estruturam as formas materiais de existência na sociedade capitalista; a nossa inserção no contexto da estrutura social define o caráter político de nossa ação, visto que precisamos permanentemen- te nos posicionar no âmbito das lutas de classes. Estas também se

redefinem no âmbito da realidade econômica atual a partir das mu- tações no mundo do trabalho, que tiraram a centralidade da fábrica a partir da geração de novas formas e condições de trabalho na frag- mentação da produção e na criação de novas profissões.

A partir da compreensão da hegemonia como uma forma de exer- cício do poder pela relação entre coerção e consenso, domínio e dire- ção intelectual e moral, a dimensão política da educação define-se na formação do homem para a vida social e para determinadas relações de poder instituídas. A escola apresenta-se como um dos aparatos de formação cultural para a consolidação da hegemonia, mas também com perspectivas de formação de consciência crítica. Para as classes trabalhadoras, a escola possibilita o acesso aos mecanismos que via- bilizam a formação inicial, dentro dos limites de uma instituição que, no contexto das relações de hegemonia, tem a função de adaptar aos objetivos do modo de produção e de dominação capitalista. A estru- tura curricular e a organização do conhecimento transmitido na escola fazem com que a formação escolar não privilegie o saber popular, nem a relação entre teoria e prática, que interessam aos trabalhadores.

A partir desse breve quadro estruturamos nossa exposição da se- guinte maneira: primeiramente retomamos os conceitos gramscianos que consideramos fundamentais para a compreensão da realidade atual, tendo como base as noções de hegemonia e embate hegemôni- co. Em segundo lugar, consideramos o processo educativo e a impor- tância da escola na formação dos trabalhadores como um aspecto de políticas educacionais.

Os pressupostos básicos do pensamento de Gramsci para a atualidade

As reflexões de Gramsci apresentadas nos Cadernos do Cárcere (1929-1935) retomam algumas ideias produzidas ao longo de sua mi- litância política e as análises das situações estruturais do capitalismo realizadas em 1926 a propósito da Questão Meridional. Na solidão do

cárcere Gramsci aprofunda tais análises e descreve as novas caracte- rísticas econômicas dos países de capitalismo avançado e seus des- dobramentos políticos e ideológicos: nesses países os grupos domi- nantes possuem reservas políticas e organizativas que lhes permitem controlar as crises econômicas e, em última instância, até se benefi- ciarem delas. Tais reservas se expressam no fato que o aparato estatal serve de mediador no controle das crises e consegue organizar as for- ças políticas em presença. Esclarece ainda que essa característica se deve à força hegemônica que possuem os grupos dominantes, força que se funda na formação de um modo de pensar homogêneo e na forma como se produz e se divulga a cultura a partir do trabalho de uma elite de intelectuais. A formação de um modo de pensar homogê- neo permite a adesão política de grandes parcelas da sociedade.

A noção de hegemonia se encontra difusa nos Cadernos, dos quais retomamos alguns fragmentos que permitem explicitar o que aqui nos propomos. Uma das definições de hegemonia mais conhecidas é a do parágrafo 24 do Caderno 19 na análise da correlação de forças presen- te na Revolução burguesa italiana: “a supremacia de um grupo social se manifesta de duas maneiras: como ‘domínio’ e como ‘direção inte- lectual e moral’. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a ‘liquidar’ ou a submeter inclusive com a força armada e é dirigente dos grupos afins e aliados”. A direção intelectual e moral apresenta-se como uma das principais condições tanto para a con- quista quanto para o exercício do poder, fator que Gramsci identifica como relevante e que considera como causa do fracasso da estratégia revolucionária das classes dominadas nos movimentos sociais de 1848 e 1871: “Um grupo social pode e mesmo deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental” e, depois, tornando-se dominan- te, deve continuar a ser dirigente (GRAMSCI, 1975 [1978, p. 2010]).

Esta definição de hegemonia acentua a importância da direção in- telectual e moral principalmente em relação às mudanças de fundo da sociedade capitalista, as quais abrem novas possibilidades de domínio

a partir do desenvolvimento e da função da sociedade civil na estrutu- ra do Estado e de sua participação a partir de mecanismos de forma- ção da opinião pública, como os jornais. A hegemonia ancora-se na luta de classes, que assume novas formas na medida das mutações do modo de produção capitalista e demonstra que a política adquire uma dimensão ideológica e cultural que tem nos trabalhadores e subal- ternos os sujeitos e destinatários de uma pedagogia que perpassa os cadernos. A importância da cultura, para Gramsci, se apresenta preci- samente no fato que, na medida das mutações da sociedade, é nesse campo que as lutas de classes se redimensionam. Daí a relevância da afirmação de que “todos os homens são intelectuais”., afirmação mui- to repetida e que, no dizer de Mordenti (2007), é a mais escandalosa e menos compreendida das afirmações gramscianas.

Explicitar a noção de hegemonia implica, ao menos em linhas ge- rais, definir o que se entende por Estado, em Gramsci. Para os objeti- vos desse trabalho, retomamos uma reflexão do Caderno 12 a propó- sito da atividade dos intelectuais no contexto da política:

Pode-se, por agora, fixar dois grandes “planos” superestruturais, aquele que se pode chamar “sociedade civil”, isto é, o conjun- to de organismos vulgarmente chamados “privados”, aquele da “sociedade política ou Estado” ao qual corresponde a função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e aquele de “domínio direto” ou de comando que se exprime no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. Os intelectuais são os “comissários” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político etc. (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 12, p. 1518-19] – aspas do autor).

Infere-se a partir dessa citação que o Estado se compõe de duas instâncias superestruturais que ele denomina “dois planos”: sociedade civil e sociedade política, que exerce o “domínio direto”, que entende- mos como a estrutura burocrática pela qual se executam as funções

de governo. Os intelectuais são os mediadores ou representantes das funções de hegemonia que, nesse contexto, parece concentrar-se na sociedade política, mas, em outros Cadernos, aparece como exercida pelos mecanismos de formação da opinião pública, ou seja, os meios de comunicação de massa.

No Caderno 13, & 37, Gramsci define a hegemonia no contexto de uma política liberal a partir da qual se pode esclarecer a função de “domínio direto” acentuada no Caderno 12: o “exercício ‘normal’ da hegemonia” no contexto do regime parlamentar, caracteriza-se pela “combinação da força e do consenso que se equilibram variadamente” sem que a força supere em muito o consenso, mas sim que “apareça apoiada sobre o consenso da maioria, expresso pelos assim chama- dos órgãos de opinião pública – jornais e associações” que, em deter- minadas situações, se multiplicam de forma artificial. Acentua que tal sistema político funciona pela deliberação parlamentar e pode atuar substituindo a legislação ordinária pelo emprego mais ou menos ex- tensivo de decretos-leis, assim como a regulamentação de leis fun- damentais a fim de restringir sua aplicação, servem para manter esse equilíbrio entre força e consenso (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 13, p. 1638]).

Ora, tal definição abre a possibilidade de muitas reflexões sobre a realidade contemporânea, na qual o uso e o abuso dos decre- tos-leis reforçam os mecanismos de controle pela força e o uso de novas tecnologias de comunicação de massa permite produzir um consenso passivo e hegemônico. Gramsci evidencia o poder da linguagem na formação de um modo de pensar homogêneo, sem ainda conhecer as dimensões inusitadas que assumiu esse poder com a televisão e o cinema..

A partir de Gramsci podemos salientar mais uma vez que a luta de classes toma uma nova dimensão na medida do poder do discurso ideológico, que tolhe a subjetividade do trabalhador que, ao assi- milar o modo de pensar e o modo de vida dominantes, perde a sua autonomia política de organização.

Um grupo social que possui uma concepção própria do mun- do, embora embrionária, que se manifesta na ação e, portanto, descontínua e ocasionalmente, ou seja, quando tal grupo se mo- vimenta como um conjunto orgânico, toma de empréstimo de outro grupo, por razões de submissão e de subordinação inte- lectual, uma concepção que não é sua e a afirma por palavras e também acredita segui-la, porque a segue em ‘tempos normais’, isto é, quando a conduta não é independente e autônoma, mas submissa e subordinada. E é por isso que não se pode separar a filosofia da política, mas pode-se, ao contrário, demonstrar que a escolha e a crítica a uma concepção de mundo são, também elas, fatos políticos. (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 11, & 12, p. 1379])

Essa observação retirada do Caderno 11 nos permite salientar a importância do processo educativo em geral nas relações de hege- monia e, a relevância da educação escolar em particular, lugar onde se aprendem os códigos que permitem dominar e produzir o conhe- cimento. A educação abre a possibilidade de sistematizar a própria concepção de mundo, implícita de forma embrionária e inconsciente na ação cotidiana dos trabalhadores. Formalizar de modo orgânico essas ideias e valores presentes de modo descontinuo e ocasional na ação significa desenvolver um modo de pensar autônomo, criar as condições de produzir conhecimento e não apenas reproduzir o instituído e consolidado.

A ação dos intelectuais no contexto da estrutura política se expli- cita no Caderno 6, & 81, sobre a hegemonia e a divisão de poderes que caracteriza o Estado liberal no contexto do liberalismo econô- mico e político, que retomamos para aprofundar a reflexão a respei- to do “domínio direto” apresentada no Caderno 13 : “toda a ideolo- gia liberal, com as suas forças e suas debilidades, pode ser contida no princípio da divisão dos poderes” que revela as debilidades do próprio liberalismo, principalmente na burocracia e na “cristalização do pessoal dirigente que exerce o poder coercitivo”. As fraquezas do liberalismo se evidenciam quando esta burocracia dirigente se

transforma em casta, assume uma autonomia de ação em relação ao conjunto da sociedade ou se vincula a grupos que representam as antigas classes dominantes (GRAMSCI, 1975 [1978, p. 751-2]). Gramsci tem como pressuposto o Estado italiano e a ingerência maior ou me- nor na estrutura de poder de grupos vinculados à Igreja católica; mas se trata de uma realidade que se reproduz em outras situações e que nos permite pensar como no Brasil atuaram (e continuam a atuar) as oligarquias fundiárias e os grupos evangélicos no interior da estrutura parlamentar. Também esses grupos conservadores recorrem a ins- trumentos modernos de comunicação e convencimento das massas, a fim de conservar-se no poder e defender seus interesses de classe por meio das políticas exaradas na estrutura parlamentar vigente. Na medida em que as classes populares não desenvolvem uma consci- ência crítica (fato que transparece na escolha de seus representantes no processo eleitoral), a estrutura parlamentar pode funcionar como mecanismo de conservação de interesses de grupos e controle das forças populares mesmo por meio da elaboração de leis ordinárias.

No Caderno 8 Gramsci descreve uma nova forma de hegemonia, que envolve o questionamento da divisão hierárquica entre dirigentes e dirigidos, governantes e governados: “Entre os muitos significados de democracia, aquele mais realista e concreto” pode estar em relação com o conceito de hegemonia. “No sistema hegemônico, existe de- mocracia entre o grupo dirigente e os grupos dirigidos na medida em que (o desenvolvimento da economia e, portanto,) a legislação (que expressa tal desenvolvimento) favorece a passagem (molecular) dos grupos dirigidos ao grupo dirigente” (GRAMSCI, 1975 [1978, p. 1056]). Nas condições em que Gramsci escrevia e no contexto histórico do qual partia, pode-se inferir que esta noção de hegemonia se aplica a uma democracia socialista, principalmente no que se refere à passa- gem molecular dos dirigidos a dirigentes. Porém, a partir das condi- ções políticas atuais, essa situação foi construída ao longo do século XX na política ocidental a partir da formação de um consenso fundado

em um pensamento homogêneo assimilado pelas classes subalternas. A formação de um consenso passivo, que se torna sempre mais evidente, mostra como a linguagem é um instrumento de unificação política e esse trabalho é feito pelos intelectuais. Esse processo edu- cativo difuso na sociedade se ampliou com a inserção de novas tec- nologias de comunicação de massa e a produção de um mercado de consumo de cultura de massa (cinema, novelas, best-sellers etc.), que consolida a hegemonia e permite que dirigidos ou vindos das classes subalternas se tornem governantes e exerçam o poder em nome e no

lugar dos grupos dominantes.

Um dos modos de Gramsci descrever a formação de comporta- mentos adequados ao exercício da hegemonia se apresenta em uma nota do Caderno 11:

Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é composta de maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; (...) Criticar a própria concepção de mundo sig- nifica torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atin- gido pelo pensamento mundial mais desenvolvido (GRAMSCI, 1975 [1978, p. 1376]).

Ora, superar a fragmentação do cotidiano, que forma a base de uma concepção de mundo ocasional e desagregada, implica saber identificar as contradições da própria realidade para elaborar uma consciência crítica; para Gramsci, no contexto político no qual vivia, isso só podia ser efetuado em grupo, num movimento de organiza- ção política e de luta por projetos sociais definidos. Nas condições em que vivemos, em que os movimentos sociais se dispersam, essa formação depende do processo educativo, que passa pela ressigni- ficação da linguagem e pelo aprofundamento e apropriação do co- nhecimento historicamente produzido.

Daí a importância que Gramsci atribui ao trabalho de crítica ao sen- so comum. Precisamente por não ser sistematizado o senso comum esconde, no cotidiano dos trabalhadores, o antagonismo entre o pen- samento assimilado e a sua ação: muitos elementos do pensamento hegemônico e da história da cultura são assimilados de modo acrítico apresentando-se na diversidade de ideias como algo natural (entendi- da a neutralidade do conhecimento e do Estado enquanto instituição de governo, como se evidencia no senso comum), sem se reconhecer que essas ideias muitas vezes são opostas entre si e em contradição com a prática e a vida social dos trabalhadores.

O exercício do poder pela combinação de domínio e direção in- telectual e moral evidencia a importância do trabalho intelectual. e, como pressuposto, do processo educativo, tanto no sentido geral de educação enquanto formação para o trabalho e para a vida, quan- to no sentido particular de educação escolar. No processo educativo, vinculado ao movimento de organização política dos trabalhadores, Gramsci identifica as condições para compreender o movimento pelo qual se articulam o econômico, o político e o ideológico, que tomam expressão no modo de pensar e na cultura de uma época.

A fragilidade política das classes subalternas, gerada a partir da assimilação de uma concepção de mundo emprestada e pelo desco- nhecimento das formas de agir e de modificar a situação econômi- ca e social, abre a possibilidade ao conformismo. A possibilidade de elaborar projetos e criar condições de práticas de transformação so- cial depende da formação política, no processo educativo e de pre- paração de intelectuais. Superar o conformismo implica construir as bases para a crítica e a superação da concepção homogênea e mis- tificadora da realidade social veiculada pelos meios de comunicação de massa. As diferenças ideológicas e visões conflitantes da realidade emergem nos momentos de crise econômica e política, que podem tomar proporções de enfrentamento e de tensão profunda conforme os movimentos de organização política das classes subalternas. Se

um grupo social é dominante não tanto quando submete pela força armada, mas quando convence outros grupos a submeter-se ao seu direcionamento político e quando consegue que as classes domi- nadas assimilem o seu modo de pensar, a educação assume uma dimensão política fundamental na tarefa de inverter esse conjunto de relações (SCHLESENER, 2018).

Ao lado do conceito de hegemonia acentuamos a noção de revo- lução passiva, conceito desenvolvido a propósito do movimento de formação do Estado moderno italiano e que expressa o modo como as forças em presença se confrontaram e, a partir daí, se produziu a assi- milação das forças médias pelos grupos burgueses a partir da assimi- lação dos intelectuais (que poderiam representar as forças populares) por meio de alianças políticas (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 8, p. 962]); nas observações a respeito da Revolução burguesa italiana, Gramsci acen- tua que tal assimilação também contribuiu para modificar progressi- vamente a composição das forças moderadas, enfraquecendo os ele- mentos mais conservadores (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 15, p. 1767]).

Trata-se dos caminhos pelos quais a burguesia ascendeu ao po- der depois das derrotas de Napoleão Bonaparte e das jornadas de junho, com a possibilidade de conquistar e organizar o poder por meio de projetos reformistas que acomodam as classes subalternas e evitam rupturas violentas. Gramsci aprofunda a análise desses movimentos a partir da interpretação dos conceitos “revolução” e “restauração” retomados de Cuoco e Quinet: “nascimento dos Es- tados Modernos europeus por pequenas e sucessivas ondas refor- mistas e não por explosões revolucionárias como aquela de origem francesa”. Tais ondas resultam de “combinações de lutas sociais e de intervenções do alto de tipo monarquia iluminada”, culminando em restaurações que se “tornam a forma política na qual as lutas sociais encontram quadros bastante elásticos que permitem a bur- guesia chegar ao poder sem rupturas clamorosas e sem o aparato terrorista francês” (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 10, p. 1358]).

Da perspectiva das classes populares, as tensões sociais são re- solvidas de duas maneiras mais comuns: a) pelo transformismo, ou seja, pela absorção dos dirigentes formados no movimento popular, o que caracteriza a “desarticulação e paralisação do antagonista” por meio da “absorção dos seus dirigentes, seja disfarçadamente, seja, em caso de perigo iminente, abertamente”, lançando a confusão e a desordem no campo adversário (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 13, p. 1638]); b) a partir de mudanças lentas e graduais das políticas sociais, que não alteram significativamente as relações de poder instituídas, mas visam a absorver as forças em confronto respondendo a algu- mas de suas demandas. No fundo este conceito delineia as estra- tégias políticas e os mecanismos de assimilação dos grupos subal- ternos ao modo de pensar e de viver instituído, dissolvendo as suas tentativas de práticas transformadoras.

A partir da relação entre os conceitos de hegemonia e revolu- ção passiva entende-se que a direção intelectual e moral a partir da formação de dirigentes apresenta-se como uma das principais condições tanto para a conquista quanto para o exercício do poder, constituindo-se no elemento que materializa a dominação e a subal- ternidade por meio da formação do modo de vida. Nesse contexto a luta de classes toma uma nova forma no modo pelo qual “os hábitos, os saberes, os costumes dos dominantes assumem o caráter de hori- zonte ideológico” (DIAS, 2007, p. 37 – grifo do autor) a partir do qual atuam os grupos subalternos.

Nessa situação, a luta por novas relações de hegemonia produz-se como experiência de uma nova educação, tanto que Gramsci acentua a importância que assume a cultura no movimento de formação política dos trabalhadores. A hegemonia enquanto forma de dominação que se sustenta na direção intelectual e moral implica a atuação dos intelectuais que são figuras fundamentais para a elaboração de um consenso com fragmentos de culturas mesclados com informações pretensamente neutras ou universais. Formar o imaginário social torna-se ação essen-

cial para a aceitação do dado, a naturalização da história, a passividade ante o estabelecido e o exercício do poder com estabilidade.

Veicular informações fragmentadas, principalmente pelos meios de comunicação de massa, possibilita formar a ideia de que existe uma verdade igual para todos; ideia de que a divisão de classes não existe, porque vivemos numa “democracia” onde todos são “iguais” perante a lei e usufruem dos mesmos direitos como indivíduos isolados; a noção gramsciana de hegemonia permite identificar os limites desse hori- zonte ideológico porque insere a noção de ideologia como prática de poder e, na interpretação de Eagleton (1996, p. 196-7), a ideologia toma “corpo material e agudeza política” ao ser transposta para a prática so- cial cotidiana podendo abranger “dimensões inconscientes e não ar- ticuladas da experiência social”. Ao entrar nesse campo a dominação toma proporções inusitadas, porque apaga da memória dos subalter- nos elementos fundamentais para a compreensão de sua história e, assim, lhes retira a possibilidade de ação autônoma e transformadora.

A partir da breve explicitação desses conceitos tentamos salientar a importância do processo educativo e sua dimensão política. Para os trabalhadores, da perspectiva gramsciana, a educação precisa consis- tir no processo de formação de uma concepção crítica e histórica da realidade, por meio da qual alcancem a formação de uma identidade de classe que possibilite a expressão de novas individualidades cons- cientes, participativas, isto é, capazes de viver plenamente a liberdade e a autonomia política.

A importância do processo educativo para os trabalhadores e a escola

A questão a ser enfrentada em se tratando da educação é mostrar que, na história, o controle do conhecimento e sua expressão sempre perten- ceu aos grupos dominantes representados por elites intelectuais; na so- ciedade moderna, mais do que nunca, esse poder se multiplicou com a inserção das novas tecnologias de comunicação; de modo que as classes

trabalhadoras, para vencer as lutas políticas, precisam se reconhecer no movimento contraditório de construção da sociedade e, para isso, ne- cessitam dominar o conhecimento historicamente produzido para en- frentar o dominador no seu terreno. Gramsci percebia a importância da educação no contexto das relações de hegemonia enquanto caminho de construção da identidade de classe. Para as classes trabalhadoras no iní- cio do século XX a luta pela hegemonia implicava necessariamente fazer a sua leitura da história, a fim de identificar-se como classe e apresentar-se como projeto político e social alternativo. Esse o significado pedagógico da organização política, que incluía todas as instituições educativas cria- das no movimento de organização da luta de classes.

O conceito de educação entendido, na sociedade capitalista, como um processo pelo qual o indivíduo adapta-se às necessidades e exi- gências do modo de produção e é formado para desempenhar fun- ções na hierarquia que separa dirigentes de dirigidos, permite expli- citar a função mais geral da escola. A pergunta que se colocava na época de Gramsci e que continua a nos interrogar é se a escola pode tornar-se um espaço importante para a formação dos trabalhadores, a fim de assegurar o desenvolvimento integral de sua personalidade individual no contexto de construção de novas relações de formação coletiva. Essa questão implica ter no horizonte um projeto alternativo de sociedade, visto que na estrutura social vigente se torna muito difí- cil pensar e agir em termos de formação para o envolvimento coletivo. A partir dos escritos de Gramsci, é no processo de organização po- lítica que os trabalhadores se educam porque por meio do debate e da atividade organizativa conseguem explicitar o seu modo de pensar e criar as condições necessárias para redefinir conceitos e ações. Para Gramsci existe, na prática cotidiana dos trabalhadores, os germens de uma nova concepção de mundo que se explicita por meio da organi- zação política enquanto movimento de educação recíproca e somente no movimento de organização política por uma nova ordem social é

que essa nova concepção de mundo pode aflorar sistematicamente.

A partir dos escritos de Gramsci educar-se significa interagir dentro de um grupo social, conhecer o conjunto das relações econômicas e sociais tanto em um dado momento histórico quanto em seu movi- mento de construção histórica, conhecimento que revitaliza a prática social e nos torna capazes de transformações efetivas (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 10, p. 1344]). Esse processo educativo se realiza ao longo da vida e a escola tem uma função importante tanto na formação para o trabalho quando na formação geral. Para as classes trabalhadoras a escola é importante porque alfabetiza e oferece os códigos necessá- rios para o domínio do conhecimento historicamente produzido e a compreensão da realidade. Esse tipo de formação se completa com a formação paralela produzida no movimento de organização política e nas instituições criadas pelos próprios trabalhadores.

As observações de Gramsci sobre a escola mostram-nos que esta precisaria partir de outros pressupostos para atuar na decifração das contradições, a fim de criar os mecanismos de uma abordagem mais precisa do real, superando as inversões que a ideologia apresenta. A questão de método é fundamental para a elaboração de uma nova con- cepção de mundo e as observações de Gramsci a propósito da forma- ção geral de um grupo social . e as condições a considerar para entender a relação entre particular e geral, individual e social num determinado momento histórico, abrem a possibilidade de se pensar as contradições que permeiam o processo educativo no interior da escola:

A elaboração unitária de uma consciência coletiva requer múlti- plas condições e iniciativas. (...) Um erro muito difundido consis- te em pensar que cada estrato social elabora a sua consciência e a sua cultura do mesmo modo, com os mesmos métodos, ou seja, com os métodos dos intelectuais profissionais. (...) É ilusório pensar que uma ‘ideia clara’ oportunamente difundida se insira nas diferentes consciências com os mesmos efeitos organizado- res e a mesma ‘clareza’ difusa. É um erro ‘iluminista’. A capacida- de do intelectual de profissão de combinar habilmente a indução

e a dedução, de generalizar, de deduzir, de transpor de uma es- fera a outra (...), é uma ‘especialidade’ e não um dado do ‘senso comum’ (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 1, p. 33]).

Estas questões são retomadas por Gramsci em cadernos posteriores, mas permitem pensar que a luta de classes toma uma dimensão éti- co-política na medida em que o capitalismo se desenvolve. Os grupos sociais se organizam diversamente por articulações contraditórias, de modo que a formação de um pensamento homogêneo norteador de uma determinada hegemonia não se elabora de modo tranquilo e nem permanente. Existem sempre condições de mudança e transformação efetiva da realidade, basta que se inicie por superar as aparências.

Ora, a tarefa primordial da escola consiste em ensinar os elementos básicos da lógica formal para, aos poucos, sair da mera aparência e compreender o real em suas relações e contradições. A partir desses elementos básicos importante é iniciar a criança na compreensão do particular articulado a uma “base histórica que contenha as premissas materiais” em seu desenvolvimento histórico, a fim de entender o que se esconde por trás das aparências e elaborar um pensamento crítico no qual “dedução e indução sejam combinadas”, assim como iden- tidade e diferença, positivo e negativo, abstrato e concreto, sempre com referência ao contexto histórico (GRAMSCI, 1975 [1978, Q. 1, p. 34]). A escola, portanto, tem uma tarefa importante na formação geral dos trabalhadores e de sua concepção de mundo, tudo depende de como se produz a relação ensino-aprendizagem e como se aborda a relação conteúdo e método.

O trabalho continua sendo o elemento central de socialização e a partir dele se instituem os modos de vida. Mas entender o movimen- to histórico no qual se produzem e se diversificam as práticas indivi- duais e sociais implica superar as aparências buscando explicitar as relações contraditórias que elas encobrem. A insistência de Gramsci no rigor metodológico, na disciplina como o caminho para construir a liberdade, na aprendizagem a partir da historicidade da sociedade,

que se torna necessário reconhecer na prática cotidiana de relações que viabilizem a emancipação, são algumas das características da sua concepção de educação que acentuam a relação entre política, história e educação.

Educar-se, para as classes trabalhadoras, da perspectiva gramscia- na significa superar as formas de subalternidade. Tendo como pres- suposto a dimensão política da cultura e seu lugar na construção e manutenção da hegemonia, uma das formas de subalternidade con- siste em permanecer nos limites do cotidiano, presos ao trabalho e à reprodução da vida, ou seja, à materialidade imediata nos limites da ordem instituída ou, no dizer de Gramsci, nos limites do econômico-

-corporativo. Estas são as bases para o consentimento, que pode não ser consciente, visto que uma das características da subalternidade é a ausência de autonomia na medida em que, a partir da veiculação de um discurso unificado e naturalizado (principalmente pelos meios de comunicação de massa), subtrai-se do indivíduo a capacidade de articular o seu próprio pensamento de modo autônomo.

Pasolini, leitor de Gramsci, escreveu em 1968 sobre a forma como se produziam os programas televisivos acentuando o caráter autori- tário e incondicional do discurso televisivo: primeiro, porque “entre vídeo e expectador não há possibilidade de diálogo. O vídeo é uma cátedra” que “consagra, dá autoridade, oficialidade”. Segundo, por- que “o vídeo representa a opinião e a vontade de uma única fonte de informação, que é precisamente – de modo genérico – a do Poder”, porque a informação é preparada conforme os interesses econômi- cos e políticos da emissora ou de quem a financia (PASOLINI, 1979 [1982, p. 97-8]). Quem assiste assimila um conjunto de ideias e de valores enquanto expectador submisso.

Diante desse quadro e das proporções de formação que a televi- são assume na contemporaneidade, principalmente ante as classes populares, cabe perguntar como a escola poderia fazer frente a esta situação para criar as condições de formação de um pensamento

autônomo? Além de possibilitar o acesso aos códigos e métodos ne- cessários para ler o real, a escola precisaria criar as condições para o indivíduo se apropriar desse real, ou seja, apreender o conhecimento em sua historicidade. Como acentua Dias, a “inteligibilidade do real é marcada pelo olhar estratégico (unidade teoria-prática) do inves- tigador” (DIAS, 2007, p. 34). Uma das condições iniciais é superar a crença em uma neutralidade do conhecimento, que determina o que e como pensar, para esclarecer sempre de que ponto de vista se fala e em que contexto tal pensamento se insere (para identificar o em- bate de ideias). Outra, seria superar os limites do campo discursivo hegemônico (positivista), para que o indivíduo possa pensar a sua experiência social e a sua historicidade.

Como fazer? Evidente que cabe iniciar a experiência para criar as condições inovadoras de aprendizagem. Gramsci, em sua época e em seu contexto, a partir de sua própria formação, valorizava o estudo da linguagem que, no nosso entendimento, é sem dúvida um ponto forte de construção de uma nova abordagem da realidade: se não se domina os instrumentos básicos de articulação do pensamento e de formulação da fala não se tem condições de elaborar a própria con- cepção de mundo e de superar a subalternidade. Mas pode-se dizer também que, para Gramsci, a história seria o ponto central de uma nova formação, devendo-se reescrever a história do ponto de vista dos subalternos. A história como um movimento dialético de contra- dições, continuidades e rupturas, por meio das quais se produzem as relações de poder na sociedade capitalista, ou seja, a história na sua relação com a política e com a filosofia.

Para concluir

A partir dos pressupostos gramscianos aqui definidos nos concei- tos de hegemonia e revolução passiva tem-se condições de enten- der a dimensão política da educação em geral e da escola em parti- cular. A escola tem uma função no contexto e nos limites postos pela

sociedade instituída, mas, considerando-se a correlação de forças que caracterizam a construção da hegemonia, pode-se tentar tornar a escola um possível espaço de questionamento da realidade e de busca de novos sentidos.

Em momentos de crise como a que se vive precisamos lembrar que Gramsci, na aridez de seus dias no cárcere, acentuava que “mesmo quando tudo está ou parece perdido, é necessário re- tomar tranquilamente a obra, recomeçando do início” (GRAMSCI 1975, carta de 12/09/1927, p. 126). E recomeçar significa, a partir dos pressupostos aqui colocados, compreender o real a fim de elabo- rar uma teoria política comprometida com transformações radicais, para refletir e criticar as contradições que perpassam seu cotidiano e criar opções políticas de mudança.

A atuação da escola na construção dessa nova realidade teria que ir muito além de fornecer instrumentos para o aluno desempenhar uma profissão; a escola precisaria mudar em sua estrutura, conte- údos e métodos, para criar as condições para o aluno reconhecer suas raízes culturais e os valores que transcendem seu tempo, a fim de compreender a sua inserção no mundo. A partir dos escritos de Gramsci nos damos conta da dimensão da luta dos trabalhadores e da importância da formação de uma consciência crítica no momento em que a luta de classes assume um caráter mais acentuadamente ideológico e a palavra se torna um instrumento de luta, visto que os projetos que precisam se materializar na vida cotidiana implicam cada vez mais o domínio da linguagem. Conquistar a hegemonia im- plica formar um consenso ativo, a fim de conhecer e defender-se dos mecanismos de dominação ideológica para superar o silêncio ao qual somos reduzidos como subalternos.

Nessa nova dimensão política, na qual a formação e a cultura as- sumem uma importância fundamental, a educação escolar precisa renovar-se para contribuir na criação de uma nova sociabilidade. Uma tarefa que consiste em elaborar, com os subalternos, a leitura

das contradições reais a fim de gerar as condições de elaboração de novos projetos políticos e novas práticas sociais que superem os limites colocados pelo neoliberalismo. Coloca-se, de modo urgente para as classes trabalhadoras, a necessidade de formar seus pró- prios intelectuais. A escola pode contribuir para esta formação, des- de que se renove internamente: não apenas mudanças estruturais que permitam o seu melhor funcionamento, mas mudanças qualita- tivas, metodológicas, curriculares, que a tornem novamente atraente e importante para as classes trabalhadoras. Esse é um tema que os educadores precisam enfrentar com urgência e Gramsci nos fornece elementos de apoio para esta reflexão.

Material suplementar
Referências
DIAS, Edmundo Fernandes. Compreender o real, demonstrar sua inteligibili- dade. In: SCHLESENER, Anita Helena e PANSARDI, Marcos V. Políticas Públi- cas e Gestão da Educação. Curitiba: Ed. UTP, 2007, pp. 33-46.
EAGLETON, Terry. A ideologia e suas vicissitudes no marxismo ocidental. In: ZIZEK, Slavov. Um mapa da Ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. Torino: Einaudi, 1975 [1978]. GRAMSCI, Antonio. Lettere dal Carcere. Torino: Einaudi, 1975.
MORDENTI, Raul. Gramsci e la rivoluzione necessaria. Roma: Riuniti, 2007.
PASOLINI, Pier Paolo. Escritos Póstumos. Lisboa: Moraes Ed. (tradução por- tuguesa dos Escritos Corsários 1a. Ed.), 1975 [1979].
PASOLINI, Pier Paolo. Caos – Crônicas Políticas. São Paulo: Brasiliense, 1979 [1982].
SCHLESENER, Anita Helena. Hegemonia e cultura: Gramsci. (3a. Ed.) Curiti- ba: Ed. UFPR, 1992 [2007] 2018.
SCHLESENER, Anita Helena. A escola de Leonardo: política e educação nos escritos de Gramsci. Brasília: Líber Livro, 2009.
SCHLESENER, Anita Helena. Grilhões Invisíveis – as dimensões da ideologia, as condições de subalternidade e a educação em Gramsci. Ponta Grossa, Ed. UEPG, 2016.
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Notas
Notas
1 Professora de filosofia política da UFPR de 1976 a 2005; professora do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Tuiutí do Paraná. Doutorado em Histó- ria (UFPR); Pós-doutorado em Educação (UNICAMP). E-mail: anita.helena@libero. it. ORCID - https://orcid.org/0000-0003-2768-5858
2 Para Gramsci as crises podem ser cíclicas ou orgânicas. Estas abarcam todo o modo de produção e se desdobram na estrutura política e cultural, evidencian- do as contradições que permeiam a ordem social. Para assegurar a estrutura de poder reforçam-se os elementos ideológicos de controle (autoridade, lei, ordem, segurança, religião). Essa situação dá uma nova dimensão para a luta de classes que, no âmbito de tais mutações, assume uma dimensão ideológica fundamental. 3 “Todos os homens são intelectuais”, expressão gramsciana para acentuar, a pro- pósito da metáfora de Taylor do trabalhador como “gorila amestrado”, que qual- quer trabalho físico, mesmo o mais mecânico e degradado, exige “um mínimo de qualificação técnica e de atividade intelectual criadora”. Porém, “nem todos os homens têm, na sociedade, a função de intelectuais” pois se formam catego- rias especializadas de intelectuais conforme as necessidades do contexto social e histórico. (GRAMSCI, 1975/1978, Q. 12, p. 1516).
4 Pasolini acentuava que a televisão “é o lugar onde se torna concreta uma menta- lidade que de outro modo não acharia onde colocar-se. É através do espírito da televisão que se manifesta o espírito do novo poder”, poderíamos acrescentar, a forma mais “autoritária e repressiva” de formação do consenso. PASOLINI, 1979 [1982, p. 31-2]). 5 “Todo grupo social nascido no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica cria, organicamente, um ou mais categorias de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função não apenas no campo econômico mas também no campo social e político” (GRAMS- CI, 1975 [1978, Q. 12, p. 1513]).
6 Essa questão aparece no fragmento 43 do Caderno 1, denominado Revistas-tipo, que se apresenta como um plano de estudos.
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