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A precarização das relações e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais em tempos de “reforma trabalhista”
Elaine Marlova Venzon Francisco
Elaine Marlova Venzon Francisco
A precarização das relações e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais em tempos de “reforma trabalhista”
O Social em Questão, núm. 47, pp. 65-84, 2020
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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A precarização das relações e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais em tempos de “reforma trabalhista”

Elaine Marlova Venzon Francisco
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil
O Social em Questão, núm. 47, pp. 65-84, 2020
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

A precarização das relações e condições de trabalho dos(as) assistentes sociais em

tempos de “reforma trabalhista”

Elaine Marlova Venzon Francisco

Resumo

A reforma trabalhista de 2017 foi regulamentada concomitantemente a medidas econômicas de contenção dos gastos públicos em políticas sociais, o que afeta diretamente as relações e condições de trabalho daqueles que ali atuam. Nesse sentido, algumas categorias de trabalhadores são diretamente afetadas pela de- sestruturação dos serviços, assim como pelas alterações na legislação trabalhista, que é o caso dos assistentes sociais que compõem a força de trabalho em esta- belecimentos públicos e privados de serviços sociais. Parte-se da hipótese que esta categoria profissional tem sofrido uma maior intensificação do trabalho, assim como maior precarização nas formas de contratação e remuneração.

Palavras-chave

Reforma trabalhista no Brasil; Relações e condições de trabalho dos assistentes so- ciais; Intensificação do trabalho; Trabalhadores no setor de serviços.

The precariousness of relations and working conditions of social workers in times of “labor reform”

Abstract

The 2017 labor reform was regulated concurrently with economic measures to curb public spending on social policies, which directly affect the working relationships and working conditions of those working there. In this regard, some categories of workers are directly affected by the deconstruction of the services, as well as by the changes in labor law, that is the case of social workers that compose the work- force in public and private organizations of social work. It is assumed that this pro- fessional category has suffered a greater intensification of work, as well as greater precariousness in the forms of hiring and remuneration.

Keywords

Labor reform in Brazil; Relations and working conditions of social workers; Intensifi- cation of work; Workers in the service sector.

Artigo recebido em novembro de 2019

Artigo aceito em dezembro de 2019

pg 65 - 84

O Social em Questão

- Ano XXIII - nº 47 - Mai a Ago/2020

Introdução

As medidas políticas e econômicas que configuram retirada de

direitos sociais e de garantias trabalhistas vêm afrontando os traba-

lhadores brasileiros desde os anos 90, através da implementação

de políticas marcadas pelo ideário neoliberal. O processo de enxu-

gamento, ou redução do Estado, nas diferentes formas de proteção

social, seja pela legislação, seja pelas políticas sociais, vem se inten-

sificando desde então .

Essas estratégias foram intensificadas, a partir de 2016, com a

Emenda Constitucional 95, que congela gastos com saúde e educação

por vinte anos — mas libera investimentos para o capital —, e com a

reforma trabalhista aprovada em 2017, que formaliza práticas de pre-

carização das relações de trabalho.

Logo, uma grande massa de trabalhadores que hoje se encontra

desempregada ou em trabalhos de baixa remuneração e proteção so-

cial, também deixa de contar com as políticas sociais públicas de re-

produção de sua força de trabalho.

Os assistentes socias, que em sua maioria trabalham dentro da es-

trutura de serviços públicos, no terreno das políticas sociais, têm o seu

trabalho cotidiano afetado por essa conjuntura, pois há um aumento

da demanda por parte da população, principalmente nos campos da

assistência social e saúde, mas também é afetado em suas relações e

condições de trabalho. É sobre esse segundo aspecto que se debruça a

pesquisa e este texto constitui parte do debate teórico que fundamenta-

rá a análise dos dados empíricos que ainda estão sendo coletados.

Parte-se da hipótese que esta categoria profissional tem sofrido

uma maior intensificação do trabalho devido tanto ao aumento da de-

manda de serviços sociais por parte da população quanto pela não

contratação de novos profissionais, somado às alterações nas formas

de contratação e remuneração possibilitadas pela reforma trabalhista.

Assim, o artigo, que é parte das reflexões teóricas acerca do

tema, está estruturado em três itens, sendo o primeiro referente ao

67

entendimento do trabalho do assistente social no âmbito do traba-

lho coletivo e na esfera da reprodução social; o segundo, sobre as

alterações impostas aos trabalhadores no setor de serviços e, por

fim, alguns impactos da reforma trabalhista para os trabalhadores,

entre eles os assistentes sociais.

O trabalho dos assistentes sociais no âmbito da reprodução da força de trabalho

A relação entre as determinações político-econômicas que definem

novas racionalidades na formulação e execução das políticas sociais

públicas e a realização do trabalho profissional no cotidiano dos es-

paços institucionais é assim explicitada por Almeida e Alencar (2011):

As mudanças decorrentes do processo de mundialização do ca-

pital e que atravessam diferentes dimensões da vida social sob

o traço marcante da hegemonia financeira, alteram também as

formas de sociabilidade existentes, na medida em que necessi-

tam de novos suportes políticos, ideológicos e culturais. Impri-

mem novas racionalidades às formas de organização do Estado

e das políticas públicas alterando os processos de distribuição

do fundo público e, consequentemente, os modos de organiza-

ção e prestação dos serviços sociais. (p.143).

Logo, essas transformações se expressam no cotidiano dos servi-

ços, através das atividades profissionais dos diferentes sujeitos que

realizam a materialidade das instituições e dos serviços sociais. Os

diferentes processos de trabalho em que os assistentes sociais se

inserem, assim como o conjunto dos demais processos de trabalho

realizados por todos os demais trabalhadores neste segmento dos

serviços sociais, e as diferentes formas de cooperação que formam

o trabalho abstrato nesse segmento, ganham concretude através de

atividades realizadas a partir da inserção desses sujeitos em relações

sociais. Como afirma Iamamoto:

O assistente social ingressa nas instituições empregadoras

como parte de um coletivo de trabalhadores que implementa

as ações institucionais, cujo resultado final é fruto de um traba-

lho combinado ou cooperativo, que assume perfis diferencia-

dos nos vários espaços ocupacionais. Também a relação que

o profissional estabelece com o objeto de seu trabalho – as

múltiplas manifestações da questão social, tal como se expres-

sam na vida dos sujeitos com os quais trabalha –, dependem

do prévio recorte das políticas definidas pelos organismos em-

pregadores, que estabelecem demandas e prioridades a serem

atendidas. (2007, p. 421)

Essa dimensão mais imediata de realização da produção de um

serviço é determinada pelas racionalidades econômicas e políti-

cas das instituições. É formatada também pelas características e

peculiaridades culturais que permeiam esses espaços, além de in-

formada pelos conteúdos e valores hegemônicos em cada especia-

lidade profissional e técnica, mas, principalmente, é regulada pe-

las relações de trabalho. Essas relações, no âmbito do capitalismo

contemporâneo, ainda na predominância das relações contratuais

assalariadas, molda e restringe o âmbito e as formas de ação dos

sujeitos profissionais.

Analisar o exercício profissional a partir da dupla dimensão do

trabalho, enquanto trabalho concreto e trabalho abstrato, ou seja,

trabalho produtor de um determinado serviço que tem valor de uso

e que é, concomitantemente, atividade medida em tempo de tra-

balho socialmente necessário, computado em sua quantidade, no

conjunto do trabalho coletivo (MARX, 2013), tem permitido analisar

as diferentes determinações que incidem sobre o trabalho do as-

sistente social na sociedade brasileira atual. Portanto, cabe atentar

para o impacto das transformações sobre a força de trabalho em

suas relações e condições de trabalho enquanto fragmento do tra-

balho coletivo do qual faz parte.

69

Transformações nas relações e condições de trabalho no terreno das políticas sociais

Para os trabalhadores em geral, as mudanças no âmbito da ino-

vação tecnológica e organizacional dos diversos setores produtivos

e, também, das políticas econômicas de base neoliberal, que têm

orientado grandes transformações nos mercados e nas funções dos

Estados nacionais, a partir dos anos 1990, são processos que re-

percutem diretamente em suas relações e condições de trabalho.

Assim, incidem sobre as formas e o conteúdo do trabalho, além de

produzirem novas formas de aviltamento, exploração e expropria-

ção da força de trabalho.

Desde os anos 1980, tanto a produção industrial, como a produção

de serviços, vêm sofrendo alterações tecnológicas e organizacionais

que privilegiam a diminuição quantitativa da força de trabalho empre-

gada, assim como os setores têm experimentado uma forte interação,

como é o caso do agronegócio e dos serviços produtivos, onde os di-

ferentes setores da economia se fazem presentes no mesmo processo

produtivo, com uma articulação tecnológica viabilizada pelos sistemas

informatizados (ANTUNES, 2018, p. 34).

Um dos resultados dessas mudanças é o deslocamento da força

de trabalho para o setor de serviços. No Brasil, entre 1980 e 2008,

este setor passou a responder por dois terços de toda a produção

nacional e concentra o maior número de postos de trabalho, ainda

que o emprego criado no setor seja de baixa qualidade, tanto em

termos de qualificação quanto em termos de relações e condições

de trabalho . Braga destaca:

Em larga medida, a combinação entre formalização e precari-

zação do trabalho, característica da era Lula, transformou o tra-

balhador terceirizado na síntese dessa verdadeira nova preca-

riedade que se enraizou no regime de acumulação pós-fordista.

Ademais, a terceirização empresarial antecede formas ainda

mais degradantes de assalariamento, como o trabalho intermi-

tente e o trabalho contratado por falsas cooperativas. (BRAGA,

2017a, p. 169).

Além disso, algumas categorias profissionais vêm passando por

transformações profundas, tanto no sentido numérico, com uma forte

redução da quantidade de trabalhadores empregados , quanto de suas

principais funções e atribuições, como é exemplar o caso dos bancá-

rios (JINKINGS, 2006). Outras categorias profissionais sequer existiam

nos anos 1980, como é o caso dos trabalhadores de call centers, em-

presas criadas no bojo dos processos de privatização das empresas

estatais de telefonia que, segundo Braga (2012): “Trata-se de uma in-

dústria apoiada em um jovem precariado pós-fordista e localizada na

confluência entre a terceirização empresarial, a privatização neoliberal

e a financeirização do trabalho” (p. 187).

Segundo Antunes, “nas últimas décadas os capitais vêm impondo

sua trípode destrutiva em relação ao trabalho: a terceirização, a infor-

malidade e a flexibilidade se tornaram partes inseparáveis do léxico

das empresas corporativas” (2018, p. 37 – Grifos do autor). Antunes e

Druck (2013) já haviam demonstrado como a terceirização constitui,

mais do que uma forma de redução dos custos com a força de traba-

lho, em uma estratégia fundamental para a acumulação de capital, na

atual fase do modo de produção, em que os processos de produção,

circulação e consumo, precisam se dar em tempo cada vez mais re-

duzido. Nesse sentido, além de ser uma estratégia do setor industrial,

passa a ser utilizada também nos serviços, largamente ampliados a

partir dos processos de privatização de empresas estatais:

A explosão de empresas terceirizadas tem sido um importante

propulsor de mais-valor. As empresas públicas que no passado

recente eram prestadoras de serviços, sem fins lucrativos, após a

sua privatização e mercadorização tornaram-se partícipes (direta

ou indiretamente) do processo de valorização do capital, incre-

mentando e ampliando as modalidades de lucro e de criação ou

realização do mais-valor. (ANTUNES, 2018, p. 32 – grifos do autor).

71

Essas transformações têm se constituído em objeto de investigação

e análise no campo das ciências sociais, desde os anos 1980, exata-

mente pelos seus impactos sobre os trabalhadores, seja em relação

às alterações no mercado de trabalho – através da terceirização, sub-

contratação, trabalho em tempo parcial e várias formas de desassa-

lariamento –, seja em relação ao redimensionamento do Estado e o

consequente desmonte de políticas e direitos sociais, através da flexi-

bilização da legislação trabalhista, o que deixa os trabalhadores ainda

mais vulneráveis às exigências do mercado de trabalho.

Também o Estado, em sua condição de empregador, passa a lançar

mão da terceirização como forma de destinar fundo público ao capital,

justificado pelo discurso da eficiência e redução de custos . Em rela-

ção à participação do Estado nesse processo e as consequências em

termos de precarização das relações de trabalho, Braga (2017a) afirma:

Não deixa de causar surpresa que, muitas vezes, seja o próprio

Estado que promova direta ou indiretamente a terceirização por

meio, sobretudo, do recurso às cooperativas de trabalho, orga-

nizações não governamentais e organizações sociais. (p. 169).

Esse processo sofreu uma inflexão nos dois primeiros governos do

Partido dos Trabalhadores (PT) sem deixar, no entanto, de concretizar

a implementação das medidas necessárias à acumulação do capital,

através dos processos de privatização do Estado e de intensificação da

exploração dos trabalhadores. Segundo Antunes, entre 2003 e 2010,

essa política econômica foi apenas “nuançada por uma variante so-

cial-liberal” (2018, p.121) .

Braga (2012) constata ainda que, neste período, houve geração

de emprego, mas de baixos salários e relações precárias. Em 2015,

segundo Mattos (2019), 82% dos trabalhadores ocupados recebiam

até três salários mínimos e, em torno de 44% deles, trabalhavam na

informalidade, chegando-se a 12,7% da população ativa desempre-

gada (p.85-87).

Assim, ocorreu um aumento da produtividade do trabalho com

diminuição dos rendimentos da classe trabalhadora ou uma “cres-

cente divergência entre os ganhos do trabalho e a produtividade,

com a última crescendo mais rápido que os salários na maior parte

do mundo” , principalmente, através da terceirização e das mudan-

ças na legislação trabalhista.

Conforme análise de Alves (2017),

o neodesenvolvimentismo de Lula não apena paralisou o des-

monte da CLT e da Constituição de 1988. Pelo contrário, conse-

guiu avançar na efetividade de parte social da Constituição de

1988 ao implementar o SUS e SUAS por meio do crescimento

do gasto público e programas de transferência de renda. É cla-

ro, dentro dos limites miseráveis de um governo constrangido

pelo Estado neoliberal.

Com essa ampliação das políticas de proteção social, há um au-

mento significativo do número de trabalhadores na execução dessas

políticas, através da contratação direta ou indireta e através de Orga-

nizações Sociais (O.S.) que passam a fazer a gestão dos equipamen-

tos socioinstitucionais .

Entre os diversos trabalhadores desse segmento do setor de servi-

ços, encontram-se os assistentes sociais , na condição de trabalhador

assalariado, cujo âmbito de inserção profissional se localiza, prioritaria-

mente, no Estado, através do planejamento, gestão e execução de po-

líticas sociais públicas, assim como no âmbito privado em organizações

prestadoras de serviços sociais, entidades filantrópicas, Organizações

não Governamentais (ONGs) e empresas privadas de produção indus-

trial e de serviços (IAMAMOTO, 2007; ALMEIDA e ALENCAR, 2011).

O próprio mercado de trabalho do assistente social é uma expres-

são das transformações provocadas pelos processos de reestruturação

do capital e pela implementação de políticas neoliberais. O espaço so-

cioinstitucional das ONGs como prestadoras de serviços, por exemplo,

73

é uma das expressões mais visíveis da introdução de políticas de corte

neoliberal e a consequente redução do Estado no atendimento às de-

mandas sociais através da prestação de serviços sociais à população.

Espaço esse inexistente até os anos 1980 (ALMEIDA; ALENCAR, 2011).

No entanto, se esse espaço profissional foi criado, outros deixaram de

existir, como é o caso dos setores ou departamentos de Serviço Social,

existentes em empresas privadas e públicas, em unidades de serviços

públicos e privados de saúde e educação, assim como em autarquias,

como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo. Nas

empresas, os processos de reestruturação empresarial, ao enxugarem

níveis hierárquicos e terceirizarem as funções que não caracterizavam

a atividade fim, os setores que atuavam junto aos trabalhadores, deno-

minados de Recursos Humanos ou Gestão de Pessoas (a depender da

referência teórica), foram terceirizados ou quarteirizados .

Nesse processo, não apenas as relações de trabalho se alteram

completamente, mas também há uma reatualização de atribuições

destinadas a esses profissionais, principalmente nas empresas .

Além das transformações no mercado de trabalho, observa-se a

degradação das relações e condições de trabalho. Já nos anos 1990

era possível identificar a intensificação da jornada, provocada pelas

novas formas de gerenciamento desta força de trabalho, seja pela

introdução da remuneração variável vinculada ao alcance de metas

de produtividade, seja pela multifuncionalidade, com o necessário

atendimento de demandas variadas por parte de trabalhadores e

gerências (CESAR, 2010). No âmbito do serviço público, a preca-

rização das relações e condições de trabalho se dá pelos cortes

orçamentários, planos de demissão voluntária, contratação por re-

gime de plantão, entre outros.

Esse conjunto de transformações tem se aprofundado, revelando

uma forte precarização, tanto nas relações quanto nas condições de

trabalho . Expressões desse processo podem ser identificadas pe-

las contratações via pregão e pelo atendimento a usuários através de

teleatendimento (BOTÃO GOMES, 2018), duas manifestações tanto da

precarização das formas de contratação e de remuneração quanto da

introdução de novas tecnologias que intermediam e passam a formatar

novas condições de trabalho, alterando, obviamente, seu conteúdo.

Os impactos da reforma trabalhista de 2017 sobre a precarização das relações de trabalho

A legislação trabalhista no Brasil, consolidada em 1943, ao regula-

mentar as formas e condições de exploração da força de trabalho, ex-

pressou também o resultado de um longo processo de lutas entre as

classes fundamentais durante o período de industrialização do país.

No dizer de Braga:

Quando nos referimos à CLT, estamos falando sobre um momento

decisivo de um longo ciclo de mobilizações dos grupos subalter-

nos brasileiros que, em termos globais, vai da Greve Geral de ju-

nho-julho de 1917, até meados dos anos 1930, com a mal sucedida

insurreição comunista contra a ditadura do Estado Novo. A pro-

mulgação da CLT coroou este ciclo por meio de uma série de con-

cessões materiais aos trabalhadores e que foram estratégicas para

o esforço industrializante do país. Além disso, a legislação traba-

lhista delimitou, pela primeira vez na história brasileira, um espaço

de conflitos políticos reconhecido como legítimo para as classes

subalternas. Em outras palavras, por meio da mobilização pela

efetivação dos direitos trabalhistas, existentes na forma da lei, mas

ausentes na realidade das empresas, os subalternos apropriaram-

-se de uma gramática política que foi largamente empregada nas

lutas sociais dos anos 1950, 1960 e 1970. Isso sem mencionar a in-

fluência desta dinâmica coletiva na conquista dos direitos sociais

universais garantidos pela Constituição de 1988. (2017b)

Por isso mesmo, desde então, constitui-se em alvo constante de

ataques por parte do empresariado, de modo que, ao todo, já foi atu-

alizada em torno de 85% do seu texto original . Segundo estudos do

Juiz do Trabalho, Jorge Souto Maior:

75

grande parte das mudanças aconteceu durante o regime militar

para, entre outros motivos, conter a organização sindical que era

prevista na CLT original e estava muito fortalecida até a deposi-

ção do presidente João Goulart, em 1964. "Essas mudanças na

CLT também atendiam o modelo econômico neoliberal seguido

pelo regime militar", diz. (DIAP, 2017).

Com o avanço das políticas de corte neoliberal ao longo dos anos

de 1990 e, principalmente, com o rompimento da política de concilia-

ção de classes iniciada pelos governos do PT

processo de impeachment da Presidenta Dilma Roussef, em 2016, tem

início uma ofensiva ainda mais incisiva sobre essa legislação, que se

expressa na Reforma Trabalhista de 2017, cuja Lei 13.467/2017 passou a

ser implementada a partir de novembro daquele ano .

Muitas foram as alterações em relação a férias, sindicatos e jorna-

da de trabalho, entre vários itens . Algumas alterações vieram insti-

tucionalizar práticas já em curso no mercado de trabalho, tais como

o trabalho intermitente.

Por outro lado, o argumento de que a Reforma Trabalhista aumen-

taria o número de empregos também não se confirmou, conforme a

constatação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do

Trabalho - ANAMATRA, em nota divulgada em setembro de 2018 :

As promessas de que a “Reforma Trabalhista” traria o aqueci-

mento do mercado de trabalho, não se concretizaram. Pelo con-

trário, os reflexos da extrema precarização do mercado trabalho

já podem ser computados. Pouco tempo após o início da vigência

da nova lei, ocorreram demissões em massa de trabalhadores e

o índice de desemprego não diminuiu de forma significativa, já

que ainda representa cerca de 13 milhões de pessoas. As poucas

vagas de emprego geradas colocam os trabalhadores na cate-

goria de subutilizados, que são os que trabalham menos do que

gostariam ou do que seria necessário para o sustento próprio

ou da família, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística. Além disso, em um ano, houve acentua-

ção histórica, de 17%, do número de “desalentados”, que são as

pessoas que desistiram de procurar emprego, devido ao longo

período de tempo em que estão desempregadas, totalizando 4,8

milhões de pessoas e também houve o aumento dos subutili-

zados, somando 6,6 milhões de pessoas. Segundo o IBGE, falta

trabalho para 27,6 milhões de brasileiros e brasileiras.

Na verdade, constata-se aumento da informalidade e a maior

precarização das vagas de trabalho.

A extrema pobreza entre os brasileiros aumentou em 11,2% de

2016 para 2017, como aponta levantamento realizado a par-

tir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD, do

IBGE. (pp. 1-2)

Esse quadro de desemprego e emprego precário se acentua ain-

da em 2019, em que, segundo a ANAMATRA, “as estatísticas di-

vulgadas também contemplam vagas de trabalho intermitente e de

trabalho a tempo parcial

Nesse sentido, é possível afirmar que a intensificação deste contex-

to com baixa geração de empregos, e de baixa qualidade em termos

contratuais, difunde-se de forma democrática entre trabalhadores dos

diversos setores de produção industrial e de serviços, de modo que re-

percute também sobre a categoria profissional. Ainda que se constitua

em uma categoria com elevada taxa de formalização contratual

-se indicar um aumento das formas de contratação via pregão, contra-

tos temporários e contratos informais, entre os assistentes sociais.

Outro elemento que se agrega às relações precárias de trabalho

em termos de jornada, é o achatamento salarial, pois, a inserção dos

assistentes sociais no mercado formal se dá, majoritariamente, no

âmbito dos serviços sociais públicos, seja pela contratação como

servidor público, seja via o contrato através de organizações sociais

que prestam serviço ao Estado. Como ressalta o DIEESE (2015): “So-

bre os rendimentos médios reais, de 2004 a 2013 os da categoria teve

crescimento inferior ao verificado no mercado de trabalho como um

77

todo”. Isso pelo fato de que a maioria dos empregos gerados se deu

na esfera dos municípios, cujos salários são inferiores aos das esferas

estadual e federal.

Além disso, os servidores públicos, em geral, têm amargado um

“congelamento” de salários, com reajustes abaixo da inflação, sem

obtenção de ganhos reais . Assim, para os assistentes sociais que

são servidores públicos, o achatamento salarial se dá tanto pela via

da política de reajustes quanto pelas alterações em planos de carreira

funcional. Para aqueles contratados via organizações sociais, o acha-

tamento se dá pelo rebaixamento do salário mínimo e pela adoção

de estratégias de contratação com remuneração variável a partir de

metas de produtividade, por exemplo.

A Reforma Trabalhista de 2017 traz ainda a possibilidade de maior

precarização das condições e relações de trabalho dos assistentes so-

ciais, devido à flexibilização da regulamentação do trabalho da gestante

e da lactante em locais insalubres e do trabalho em domicílio, tendo

em vista que a categoria é composta majoritariamente por mulheres .

Outro elemento da Reforma que contribui nesse processo é a regu-

lamentação da jornada intermitente. Como já existe a inserção deste

profissional em estações de teleatendimento e em atendimento por

telefone a partir do domicílio (BOTÃO, 2018), a formalização do traba-

lho intermitente pode ampliar largamente esse tipo de contrato .

Elencamos aqui, brevemente algumas alterações das relações e

condições de trabalho postas pela reforma trabalhista e que devem

repercutir sobre o mercado de trabalho para os assistentes sociais.

Somadas à reforma, o contingenciamento dos gastos em serviços

sociais públicos de saúde, assistência, educação e moradia, entre

outros, aliado à estratégia da terceirização para a execução de ser-

viços através de O.S. ou de ONGs, anuncia um cenário de maior

precarização para esta categoria profissional. Nesse sentido, cons-

tituem elementos para subsidiar a análise de dados empíricos junto

à categoria profissional.

Considerações finais

A Reforma Trabalhista implementada no Brasil, no final de 2017, ex-

pressa uma das estratégias do capitalismo em sua atual fase de acu-

mulação, tal como se realiza em nossa sociedade periférica. Expressa

também a finalização de um interregno, dentro do projeto neoliberal

iniciado nos anos de 1990, com o retorno incisivo de pautas políticas

direcionadas à retirada de direitos sociais da classe trabalhadora e de

desmonte do Estado, de modo a garantir alguma retomada do proces-

so de acumulação em mais uma crise estrutural.

Neste texto, trouxemos algumas reflexões que buscam flagrar esse

processo a partir da experiência de um segmento particular da classe

trabalhadora, que é o dos assistentes sociais. Essas reflexões consti-

tuem os pressupostos teóricos sobre a inserção dos assistentes sociais

na divisão sociotécnica do trabalho e seu papel no processo de re-

produção social da classe trabalhadora, assim como aqueles afetos às

alterações no âmbito do setor de serviços sociais públicos no contexto

das políticas neoliberais a partir dos anos de 1990.

Esses dois eixos possibilitam analisar os impactos que a Refor-

ma Trabalhista de 2017 pode gerar sobre as relações e condições de

trabalho desta categoria profissional, frente às profundas mudanças

pelas quais tem passado a sociedade brasileira na conjuntura mais

recente, principalmente se considerarmos as políticas de contingen-

ciamento de gastos para as políticas sociais frente ao aumento do

desemprego e o consequente aumento de demanda por parte dos

trabalhadores aos serviços sociais públicos.

Ou seja, passamos a ter uma categoria profissional que vê a demanda

pelos serviços aumentada diante do aumento do desemprego e da cria-

ção de empregos precários, sem proteção social, de modo a colocar mais

trabalhadores na dependência de serviços sociais públicos. A esse quadro

se soma a redução de recursos institucionais e o desmonte dos serviços,

consequências dos cortes orçamentários, inclusive com a não renovação

do quadro de profissionais, o que gera maior intensificação do trabalho.

79

Esse contexto passa a ser atravessado também pelas alterações na

legislação trabalhista, de modo que essa força de trabalho tem não

apenas as suas condições de realização do trabalho comprometidas,

mas também vê comprometidas as suas formas de reprodução social,

enquanto trabalhador, em suas diferentes formas de remuneração.

Esse quadro coloca desafios à agenda de pesquisa no sentido de captar

a magnitude desse processo no interior da categoria profissional dos as-

sistentes sociais, tendo em vista o processo de desassalariamento dessa

força de trabalho que se expressa, entre outras formas, pela contratação

via pregão; pela remuneração para serviços pontuais - como as “asses-

sorias” flagradas por BOTÃO GOMES (2018) –; e as mais diferentes formas

de contratação que exigem a pejotização dessa força de trabalho.

Essa linha de investigação ganha relevância se levarmos em con-

sideração que se trata de uma categoria profissional que, historica-

mente, apresenta um alto nível de formalidade nas formas de con-

tratação, principalmente porque se localiza no âmbito do serviço

público, mas que, também, ocupa uma posição de subalternidade

no mercado de trabalho, devido à conformação majoritariamente fe-

minina, recrutada entre os segmentos médios e/ou pauperizados da

classe trabalhadora. Diante disso, esse processo de intensificação do

trabalho e de precarização das relações de trabalho, constitui uma

agenda necessária para se pensar os rumos da atuação profissional,

assim como das condições de reprodução social desse segmento da

classe trabalhadora na conjuntura atual em nosso país.

Material suplementar
Referências
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